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Psicologia em Revista

versão impressa ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) v.12 n.19 Belo Horizonte jun. 2006

 

ARTIGOS

 

Projeto Caixa de Briquedos: uma análise da capacitação de profissionais de instituições de educação infantil em Minas Gerais, Brasil

 

Box of Toys Project: an analysis of a pre- school teacher training program in Minas Gerais, Brazil

 

 

Alysson Massote Carvalho1; Cristiane Rosa Veiga2; Cristiane Veloso Neves3; Darissa Marielle Lucas Ferreira4; Débora Letícia Gouveia5; Fernanda de Faria Arruda6; Regina Helena Marques Pessoa7

Universidade Federal de Minas Gerais

 

 


RESUMO

Este artigo objetiva avaliar o modelo de capacitação para educadores infantis utilizado pelo Projeto Caixa de Brinquedos, que teve como referência a inserção do brincar no projeto pedagógico das instituições educacionais, além da apreensão do brincar como processo importante para o desenvolvimento infantil. Foram analisados questionários de avaliação de reação, preenchidos por 485 educadores. Os dados coletados foram organizados em categorias de análise. Entre os principais resultados, um número significativo de educadores (40%) não apresentava conhecimento prévio sobre o brincar e grande parcela deles considerou os assuntos abordados importantes e aplicáveis ao seu trabalho (96,1% e 90,7%, respectivamente). Tais resultados indicam que esse tipo de capacitação pode suprir a deficiência de formação dos educadores quanto à função do brincar no desenvolvimento humano. Essa capacitação poderia também ser introduzida de forma sistematizada na rotina de atividades das instituições de educação infantil.

Palavras-chave: Capacitação, Brincar, Educação.


ABSTRACT

This article evaluates the structure of a pre-school teacher training program used by Projeto Caixa de Brinquedos (Toy-box Project), which aimed at introducing play to the educational institutions` pedagogical project, as well as understanding the importance of play to child development. Questionnaires of reaction evaluation were filled by 485 teachers and analyzed. The data were organized by analysis categories. Among the main results, a significant number of teachers had no previous knowledge about play (40%), and most of them considered that the subjects included in the training program were important and applicable to their jobs (96,1% and 90,7%, respectively). These results indicate that this kind of training program can cover up deficiencies in teachers' educational qualification in what concerns the function of play in human development and how to introduce it in pre-schools routine activities in a systematized and consistent way.

Keywords: Training program, Play, Education.


 

 

Verifica-se, atualmente, uma crescente preocupação com a educação infantil em nosso país. Isso pode ser constatado em vários aspectos. Inicialmente, pela inclusão da educação infantil no sistema formal de ensino, como primeira etapa da educação básica. Um segundo aspecto foi a proposta de se estabelecer um nível mínimo de escolaridade para os profissionais que atuam na educação infantil, além da realização do censo nacional da educação infantil. Nesse contexto, verifica-se uma preocupação com a qualidade da formação dos educadores e do projeto pedagógico das instituições escolares. Além desses aspectos, também se constata uma valorização do brincar como processo importante para o desenvolvimento da criança. Os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil - RCNEI (1998) preconizam que se deve ter uma preocupação em sensibilizar os educadores para a importância do brincar, tanto em situações formais quanto informais. Nesse documento, a brincadeira é definida como a linguagem infantil que vincula o simbólico à realidade imediata da criança. Também no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.° 8.069, de 13 /7/99) explicita-se o direito ao lazer, à diversão e a serviços que respeitem a condição peculiar da criança e do adolescente. Esses documentos mostram que há, de fato, uma preocupação legítima em se promover melhores condições de desenvolvimento por meio da educação. Nesse contexto, a inserção do brincar pode constituir um elemento importante para o ensino nas instituições educativas.

Contudo, apesar da crescente valorização do brincar, nota-se uma grande distância entre a legislação educacional e a realidade das instituições de educação infantil do Brasil. Na prática, o profissional de educação infantil encontra muitas dúvidas e mitos relativos ao brincar. Não existe clareza em relação ao seu papel de mediador entre a criança e a brincadeira, assim como há dificuldades para se perceber o brincar como algo além de uma atividade prazerosa que precisa ser dirigida e da qual se obtêm ganhos pedagógicos. As dificuldades que os educadores encontram em incorporar o brincar no projeto pedagógico das instituições em que trabalham podem estar relacionadas, formalmente, à não-inclusão da temática do brincar nos currículos dos cursos de magistério e de pedagogia.

Debortoli (1999) ressalta a necessidade de incluir o brincar e a brincadeira nos projetos pedagógicos das instituições educacionais, tomando-se sempre o cuidado de valorizar o conhecimento e a cultura da própria criança. O autor aponta a importância de se perceber as crianças não somente como receptores da cultura, mas como atores sociais que participam ativamente da transmissão cultural. A criança possui sua própria forma de significar o mundo que a cerca. O autor propõe o brincar como conhecimento, como patrimônio cultural da humanidade, como linguagem, fonte e processo de significação do mundo, como processo de humanização e de educação estética. Para Debortoli, o brincar se faz importante no desenvolvimento infantil, pois é a partir dele que a criança constrói significados, compreende o mundo, começa a se perceber e se compreender nesse mundo. O que uma pessoa se torna quando adulto depende, em grande parte, da sua história de brincadeiras.

Segundo Brougère (1997), o brincar pressupõe uma aprendizagem social, uma vez que se dá através de uma interação com o outro. A brincadeira é uma atividade cultural e o seu significado está relacionado ao contexto social da criança. Nesse sentido, o educador pode usar brincadeiras e brinquedos para estimular a produção de ambientes lúdicos, em função de algum objetivo.

Considerando todas as possibilidades de aprendizagem que a brincadeira proporciona como atividade não evasiva, Wajskop (1995) considera fundamental sua inserção na pré-escola. Entretanto, a função que a maioria das instituições estabelece para si e para o formato dos seus currículos, conforme as pesquisas da autora, dificulta a existência do brincar como práxis social infantil. A brincadeira é utilizada como instrumento didático ou de sedução para outros exercícios e passa a ter um ritmo artificial. Essas características foram apontadas também por Brougère (1997) e colocam o professor na posição delicada de controlar os passos e as respostas das crianças.

Esses estudos enfatizam o papel da atividade lúdica no cotidiano educacional das crianças. Todavia, permanece a questão de como trabalhar a inserção da atividade lúdica com os educadores.

Arroyo (1999) trata da formação de educadores sob duas perspectivas: a da organização seriada e a da organização em ciclos de desenvolvimento humano. A primeira, que o autor combate, contempla a visão mais tradicional, que considera a qualificação dos profissionais como um pré-requisito e uma precondição à implantação de mudanças na escola. Essa concepção de educação polariza a vida em dois tempos: de um lado, o período da teoria, de aprender, de se formar; de outro, o período da prática, do fazer, da ação. As pessoas são classificadas em minorias pensantes e maiorias apenas ativas. Essa lógica reduziu a educação à transmissão de informações, ao treinamento de competências demandadas em cada conjuntura de mercado. De acordo com Arroyo, entender bem essa concepção tradicional é importante não para segui-la, mas para superá-la. Já na perspectiva dos ciclos de desenvolvimento humano, o autor parte de outro olhar sobre o ofício do educador, cujo papel é anterior à escola, mas é nela que se produz, fazendo com que os professores se reencontrem com outras identidades. Tal perspectiva tem como eixo o desenvolvimento humano, uma vez que está preocupada em recuperar a concepção de educação básica como direito à realização humana, além de considerar, como finalidade da educação, o pleno desenvolvimento dos educandos e a sua humanização. Para isso, são preconizadas as temporalidades dos professores, ou seja, sua imagem social, seu papel cultural, suas formas de se relacionar, como adulto, com crianças, adolescentes ou jovens; enfim, permite-se que aflore e seja assumido o educador que há em cada profissional da escola.

Para Campos (1999), é preciso pensar um perfil de educador adequado às características e necessidades dos alunos em diferentes fases de seu desenvolvimento, o que tem sido introduzido nas novas reformas educacionais. Normalmente, quando se observam os profissionais de educação, pode-se inferir uma regra mais ou menos estabelecida, a de que quanto menor a criança a se educar, menores são o salário e o prestígio profissional do educador, e menos exigente o padrão de sua formação prévia. É nesse sentido que se propõe uma reforma educacional no Brasil que enfatize a formação teórica, concomitante à prática, e considere a maneira como os alunos adquirem seus conhecimentos. Acrescente-se a isso a especialização dos professores por faixa etária do aluno.

Para Friedmann (2003 ), um dos problemas claros na formação dos educadores consiste na pequena ênfase dada ao brincar na sala de aula. Os educadores afirmam que não há tempo disponível, pois deve-se cumprir um programa. Para a autora, o jogo deve ser incorporado à grade curricular, principalmente nas idades iniciais, surgindo, assim, um tempo para brincar na sala de aula.

Kishimoto (2001) ressalta que as brincadeiras livres são vistas por alguns professores como descanso de atividades dirigidas e não como forma de socialização e integração das crianças, o que dificulta justificá-las como parte do projeto pedagógico. De acordo com essa autora, os cursos iniciais de formação em nível médio e superior não contavam em seus currículos, durante décadas, com literatura infantil, artes visuais e plásticas, teatro, música e dança, para formar o profissional de educação. Dessa maneira, não há como exigir competências nessas áreas, pois não se oferece formação compatível. Tendo em vista tais deficiências, os cursos de formação dos profissionais de educação infantil passaram a contemplar, recentemente, informações sobre propostas curriculares relativas à organização da rotina e do espaço físico da escola, das formas de envolvimento das crianças nas atividades, além da avaliação do grau de interação do profissional com a criança. Apesar dessa reformulação nos cursos, os educadores divergem sobre a significação do uso do brincar: de um lado, há aqueles que valorizam a socialização e adotam o brincar livre; de outro, aqueles que visam à escolarização ou à aquisição de conteúdos escolares através do brincar dirigido e dos jogos educativos. De todo modo, a presença de currículos com referenciais teóricos que analisam ou levem em conta o brincar não é suficiente para alterar a prática pedagógica. Segundo Shön (1992) e Zeichner (1993 ), seria necessário analisar o cotidiano na ótica de uma pedagogia crítica e ultrapassá-la, buscando-se uma pedagogia transformadora. As formações iniciais e continuadas deveriam incluir brincadeiras como estratégias para iniciar as reflexões acerca do ensino infantil.

Tendo como referência esses autores e como perspectiva a idéia de que a universidade deve ser capaz de atuar como veículo de mudança social, surgem os projetos de extensão que corroboram os ideários de uma universidade voltada para uma prática acadêmica, interligando atividades de ensino e pesquisa de acordo com as demandas da sociedade. Além disso, a extensão veio ao encontro do apelo mercadológico, da procura por profissionais socialmente responsáveis e habilitados para atuar nos mais diversos contextos, ao mesmo tempo em que viabiliza a interação entre universidade e sociedade, promovendo a integração entre os saberes acadêmico e popular.

Foi procurando articular as perspectivas acima discutidas e defendendo a necessidade de novas formas de inserção do brincar nas instituições educativas, ou seja, de novo modelo para a formação do educador, que se criou o Projeto Caixa de Brinquedos, uma parceria entre o Serviço Voluntário de Assistência Social (Servas) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Seus principais objetivos eram: sensibilizar os educadores infantis quanto à importância da atividade lúdica no desenvolvimento infantil e instrumentalizá-los para o uso da caixa de brinquedos em suas atividades cotidianas. O projeto foi realizado em diversas instituições educacionais de cidades do Estado de Minas Gerais, tendo como eixo as propostas de equipamento (brinquedos) e de capacitação dos educadores. Dessa forma, foi fornecida uma caixa de brinquedos escolhidos de acordo com cada faixa etária, portanto divididos em três conjuntos: para crianças de zero a dois anos, três e quatro anos, cinco e seis anos.

Além disso, foram ministrados cursos nas instituições, com a finalidade de capacitar os educadores no uso dos materiais lúdicos e sua inserção no projeto pedagógico da escola. A equipe responsável pela capacitação foi composta de alunos de graduação e pós-graduação da UFMG, que se deslocaram para cidades do interior do Estado e para algumas instituições da capital designadas para sediar os cursos. Tentou-se abranger o maior número possível de profissionais da educação infantil. Os treinamentos foram coordenados por um docente e um estagiário, em módulos de 12 horas por turma, cada turma contendo no máximo 3 0 alunos. O público-alvo constituía-se de educadores que atuavam em instituições de educação infantil do Estado de Minas Gerais. O conteúdo programático do treinamento foi estruturado nas seguintes etapas: sensibilização relativa ao brincar, resgate de vivências da infância, apresentação dos brinquedos da caixa, discussão relacionando o brincar com o desenvolvimento infantil, e planejamento de atividades com os brinquedos da caixa.

O presente artigo visa a analisar, através da avaliação dos participantes, o modelo de capacitação utilizado pelo projeto, que teve como referência dois eixos: a inserção do brincar no projeto pedagógico das instituições educacionais e a apreensão do brincar como processo importante para o desenvolvimento infantil.

 

Metodologia

A amostra analisada foi composta por 485 educadores, que participaram de 20 cursos. Como instrumento, foi utilizado um questionário de avaliação de reação (Anexo 1).

Para possibilitar a análise das questões fechadas do questionário de avaliação, estas foram transformadas em 16 categorias, por sua vez distribuídas em seis grandes grupos: 1) educador, compreendendo as categorias ‘conhecimento prévio dos assuntos abordados’, ‘aplicabilidade dos assuntos abordados’, ‘facilidade dos assuntos abordados’; 2) equipe, abrangendo as categorias ‘explicação’, ‘incentivo’, ‘relacionamento’, ‘respostas às perguntas dos educadores’, ‘freqüência e pontualidade’; 3) local, contendo a categoria ‘adequação’; 4) colegas, contendo a categoria ‘envolvimento’; 5) participação do educador, compreendendo as categorias ‘importância dos assuntos’, ‘freqüência e pontualidade’, ‘escala de envolvimento’; 6) outro treinamento, abrangendo as categorias ‘participação’, ‘mesmos professores’. As respostas concernentes a essas categorias foram tabuladas e transformadas em valores relativos, de forma a permitir uma análise comparativa.

As questões abertas foram analisadas a partir da tabulação das respostas de cada questão, levando- se em conta cada curso. Em seguida, as respostas a cada questão foram agrupadas em categorias construídas a partir das similaridades entre os conteúdos das respostas. Após tal etapa, todos os cursos foram reunidos em uma única planilha, conservando-se a identificação da origem das respostas. Os dados numéricos dessa planilha foram transformados em percentuais e, depois, em gráficos, para então serem interpretados.

A análise não pretendeu comparar os cursos, mas captar a percepção dos educadores a respeito dos cursos, através das respostas mais freqüentes.

 

Resultados e discussão

Em relação à categoria 'conhecimento prévio dos assuntos' , 63,5% responderam que já tinham conhecimento de alguns temas. Porém, apenas 24% especificaram os temas. Dentre aqueles que especificaram, a maior parte (59,7%) afirmou que já tinha algum conhecimento sobre o brincar, de forma geral

Apesar de a temática do brincar ser considerada relevante na legislação atual, 40% dos educadores não se apropriaram dessa idéia, pois não se referiram a um conhecimento prévio do brincar.

Quanto à categoria 'importância dos assuntos', a maior parte dos educadores (96,1%) confirmou a importância dos temas relacionados à atividade lúdica. Na categoria 'aplicabilidade dos assuntos abordados' , a maioria (90,7%) afirmou que os temas abordados nos treinamentos eram aplicáveis ao seu trabalho. Considerando-se que o brincar foi a temática predominante, é possível que, a partir de agora, esses educadores percebam a relevância do brincar no contexto pedagógico, como ressaltaram Debortoli (1999), Wajskop (1995), Conti & Sperb (2001).

Em suas avaliações, 94% dos educadores afirmaram que, no tocante ao grande grupo de categorias 'outro treinamento', gostariam de ser coordenados pela mesma equipe. As características dos professores mais ressaltadas foram: boa didática (24,2%), sociabilidade (17,3%), capacitação (13%), domínio do assunto (11,3%); 19,2% dos educadores disseram que os professores eram ótimos. Dos poucos que, numa mesma situação, gostariam de outra equipe, alguns alegaram que os professores não corresponderam às expectativas (0,4%) ou então eram introvertidos (0,2%). Para 1,9% da amostra, seria melhor fazer o treinamento com outra equipe.

As equipes que ministraram os cursos, segundo os dados acima, mostraram boa atuação, uma vez que possibilitaram aos educadores um momento de desenvolvimento e humanização, aspectos esses presentes na perspectiva de ciclo de desenvolvimento humano, de Arroyo (1999).

No tocante à categoria 'adequação do local do treinamento' , 95,5% dos profissionais consideraram adequado o local. Daqueles que discordaram, a maioria absoluta (96%) não justificou. Deve-se ter em vista que o grupo que ministrava o curso, assim como o ambiente, variaram de cidade para cidade, ou seja, os dados obtidos oferecem informações sobre um mesmo treinamento em diferentes contextos. Mas em todos foi enfatizada a qualificação dos responsáveis pelo treinamento, confirmando a idéia de que "é brincando e pensando sobre o brincar que se adquire consciência sobre sua importância" (Kishimoto, 2001).

Quanto à categoria 'envolvimento' , relativa ao grande grupo 'participação dos educadores', 95,3% afirmaram terem se envolvido, sendo 8,7 a nota média dada por eles, numa escala de zero a 10. No tocante à opinião dos educadores sobre a categoria 'envolvimento', referente ao grande grupo 'colegas', os resultados foram semelhantes: 92,6% disseram que houve participação de todos.

Quanto à proposta de 'outro treinamento' (grande grupo de categoria de mesmo nome) semelhante ao que havia sido dado, 98,6% dos educadores mostraram interesse. Foram apresentadas com maior freqüência as justificativas de que houve aprendizado (45,1%), desenvolvimento da prática e aperfeiçoamento profissional (17,3%), aperfeiçoamento em diversas áreas (12,7%); alguns (13%) responderam simplesmente que o treinamento foi ótimo. Esses dados atestam que a equipe foi bem-sucedida e os assuntos abordados pelo projeto foram pertinentes.

Indagados, em questão aberta, sobre o momento mais significativo, a maioria (255 respostas) apontou a vivência lúdica do curso e 22,7% responderam que todos os momentos foram significativos. Essa expressiva preferência dos educadores pelos momentos em que se tratava do brincar pode ter uma confluência com a visão socioantropológica de Wajskop (1995), para quem a atividade lúdica exerce uma função relevante na construção do sujeito social.

No tocante às modificações conseqüentes ao treinamento oferecido - outra das questões abertas - uma parcela (27,6%) disse que haverá aplicação prática do aprendizado, enquanto 27% disseram que haverá mudança especificamente na aplicação do brincar, enfatizando a nova forma de conceberem e utilizarem a atividade no cotidiano da escola.

Por ter sido feita apenas uma avaliação da reação dos educadores, julga-se necessária uma avaliação posterior de como o brincar está sendo enfocado na rotina das escolas onde a capacitação foi realizada.

 

Conclusão

Ao se analisar e interpretar os dados contidos nos questionários de avaliação respondidos pelos profissionais de educação infantil, pode-se concluir que foi alcançado o objetivo de sensibilizá-los quanto à importância do brincar no desenvolvimento infantil. Com efeito, na maioria das questões os profissionais enfatizaram a importância da atividade lúdica, a ponto de alguns já falarem de mudanças em suas visões e na prática. A partir dos resultados, espera-se que o brincar seja um momento de construção de significados, aprendizado social, exercício de decisão e de socialização, ou seja, que a atividade lúdica ganhe a sua devida importância no contexto educacional, devendo ser ali inserida a fim de preencher uma lacuna nos projetos pedagógicos das instituições.

Percebe-se a relevância do modelo de capacitação fornecido pelo Projeto Caixa de Brinquedos, dada a falha na formação dos educadores infantis, que pode ser compreendida em dois eixos. O primeiro se refere à proposta curricular do MEC, que oferece uma formação uniforme aos professores, independentemente da faixa etária e do contexto cultural e social em que irão atuar. O segundo se refere à distância entre a legislação educacional (LDB - Lei 93 94/96) e a realidade das instituições de educação infantil. Dentre os participantes do curso, muitos não possuem formação técnica ou acadêmica. Quando a possuem, o tema brincar não está incluído no currículo. Embora se tenha constatado que o assunto é de conhecimento de parcela significativa desses profissionais, questiona-se o nível desse conhecimento, já que tanto a transposição quanto a justificativa do brincar, no contexto das instituições educacionais, não se fazem presentes.

O projeto ainda apresenta outra relevância, referente às equipes nele envolvidas. Para os alunos de graduação e de pós-graduação, o curso constituiu um importante instrumento para a prática acadêmica, além de servir de ferramenta para interligar as atividades de ensino e pesquisa com as demandas da sociedade, por meio da extensão universitária.

Nessa perspectiva, o projeto possibilitou a co-construção de conhecimento entre os alunos da UFMG e os profissionais de educação infantil que nele se envolveram, tendo os primeiros a oportunidade de intervir num problema social existente no país, ao colaborar para a melhoria da qualidade da educação infantil. Espera-se que esses alunos e esses profissionais multipliquem o conhecimento ali produzido, de forma a adequá-lo a diferentes contextos, envolvendo toda a comunidade na temática do brincar e enfatizando sua importância para o desenvolvimento integral da criança.

Considerando-se o caráter transversal deste estudo, torna-se relevante a realização de um outro, longitudinal, acerca das modificações ocorridas na atuação dos profissionais de educação infantil. Poder-se-á também avaliar suas implicações nas instituições em que os participantes exercem suas atividades, a fim de identificar as possíveis mudanças nas aplicações e nas justificativas do brincar, principalmente no trabalho realizado com crianças, visando ao seu desenvolvimento afetivo, sociocultural e cognitivo.

O Projeto Caixa de Brinquedos, idéia simples, eficiente e bem-sucedida, ao unir os esforços do poder público e da universidade, também compensou a deficiência de material pedagógico de creches e pré-escolas de Minas Gerais, tendo sensibilizado os profissionais de educação infantil sobre a importância do brincar no desenvolvimento humano, além de mostrar suas possibilidades no contexto das instituições de educação infantil.

Espera-se que o projeto possa ajudar, de fato, a promover as modificações necessárias e cabíveis nas instituições escolares. Isso inclui a continuidade da capacitação dos profissionais que trabalham com crianças, a fim de que estas possam sempre experimentar o brincar em seu cotidiano.

 

Referências

Arroyo, M. (1999). Ciclos de desenvolvimento humano e formação de educadores. Educação & Sociedade, 20 (68), 43 -162.        [ Links ]

Brougère, G. (1997). Brinquedo e cultura. (2nd ed.). São Paulo: Cortez.        [ Links ]

Campos. M. (1999). A formação de professores para crianças de 0 a 10 anos: modelos em debate. Educação & Sociedade, 20 (68), 126-142.        [ Links ]

Conti, L. & Sperb, T. M. (2001). O brinquedo de pré-um espaço de ressignificação cultural. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 17 (1), 59-67.        [ Links ]

Debortoli, J. A. (1999). Com olhos de crianças: a ludicidade como dimensão fundamental da construção da linguagem e da formação humana. Licere: Revista do Centro de Estudos de Lazer e Recreação, 2(1), 105-117.        [ Links ]

Friedmann, A. (2003 ). Brincar, crescer e aprender: o resgate do jogo infantil. São Paulo: Moderna.        [ Links ]

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Zeichner, K. (1993 ). A formação reflexiva de professores: idéias e práticas. Lisboa: Artes Gráficas.        [ Links ]

 

 

Texto recebido em fevereiro/2006
Aprovado para publicação em abril/2006

 

 

1Doutor em Psicologia, professor adjunto do Departamento de Psicologia da UFMG; e-mail: alysson@ufmg.br.
2Graduanda em Psicologia na UFMG; e-mail: cristrv@ig.com.br
3Graduanda em Psicologia na UFMG; e-mail: cristiveloso@yahoo.com.br.
4Graduanda em Psicologia na UFMG; e-mail: darissaferreira@hotmail.com.
5Graduanda em Psicologia na UFMG; e-mail: degouveia@terra.com.br.
6Graduanda em Psicologia na UFMG; e-mail: ffarruda@hotmail.com.
7Graduanda em Psicologia na UFMG; e-mail: regininhapessoa@gmail.com.

 

Anexo 1

 

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