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Psicologia em Revista

Print version ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.13 no.1 Belo Horizonte June 2007

 

ARTIGOS

 

Análise das qualidades psicométricas do Inventário de Gestão de Pessoas (Ingepe)

 

Analysis of psychometric proprieties of the Inventário de Gestão de Pessoas – Ingepe (People Management Inventory)

 

 

Cristiano Mauro Assis Gomes*

Universidade Federal de Minas Gerais

 

 


RESUMO

Este artigo apresenta as qualidades psicométricas do Inventário de Gestão de Pessoas (Ingepe) e discute suas implicações para a área de gestão de pessoas. O Ingepe foi elaborado para mensurar valores de trabalho sobre a relação entre formas de gestão e o desenvolvimento cognitivo do trabalhador. Ele foi aplicado em 826 estudantes do curso de Administração, Ciências Contábeis, Direito, História e Letras, de uma faculdade da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Somente foram analisados os dados dos participantes que responderam totalmente ao instrumento. Foram empregados procedimentos de análise fatorial exploratória, método dos componentes principais e método dos eixos principais, scree test, critério do autovalor maior do que um, máxima verossimilhança, análise paralela por permutação e rotação oblimin. Os resultados indicam que o Ingepe é capaz de mensurar três dimensões de valores de trabalho, denominados de “valores tayloristas”, “valores humanistas” e “valores de maximização dos lucros”.

Palavras-chave: Desenvolvimento cognitivo, Gestão de pessoas, Valores de trabalho, Ingepe.


ABSTRACT

This paper describes the psychometric qualities of the People Management Inventory (Ingepe), and discusses the implications for the field of people management. Ingepe was created to measure work values concerning the relationship between management models and the worker’s cognitive development. It was applied to 826 students of the Business Management, Accountancy, Law, History and Modern Languages courses of a college in the metropolitan region of Belo Horizonte. Only data of participants who answered all the items were analyzed. Procedures of exploratory factorial analysis, main components method and main axes method, scree test, eigenvalues greater than one, maximum likelihood, parallel analysis by permutation and oblimin rotation were employed. The results indicate that Ingepe is capable of measuring three dimensions of work values: ‘taylorist values’, ‘humanist values’ and ‘profit maximization values’.

Keywords: Cognitive development, People management, Work values, Ingepe.


 

 

Este artigo apresenta as qualidades psicométricas do Inventário de Gestão de Pessoas (Ingepe) e discute suas implicações para a área de gestão de pessoas. O Ingepe foi elaborado pelo autor deste artigo com a finalidade de mensurar valores das pessoas sobre as formas de gestão e o desenvolvimento cognitivo do trabalhador. Ele não pretende mensurar de forma direta ou indireta o desempenho cognitivo dos trabalhadores. Seu foco concentra-se exclusivamente em valores de trabalho a respeito da articulação entre gestão e desenvolvimento cognitivo.

Há vários instrumentos nacionais e internacionais que tratam da identificação e mensuração de valores de trabalho (Porto & Tamayo, 2003; Schwartz, 1999). No entanto, há uma carência de instrumentos que identificam valores de trabalho sobre a relação entre formas de gestão e desenvolvimento cognitivo. Áreas disciplinares, como a sociologia do trabalho e a psicologia do trabalho, têm, tradicionalmente, apontado para diferenças nas formas de gestão das organizações, argumentando que essas diferenças têm propiciado possibilidades distintas de desenvolvimento cognitivo do trabalhador (Gounet, 1999; Harvey, 1996; Kuenzer, 1985, 2001). Apesar de um conjunto amplo de evidências a esse respeito, há uma carência relevante de instrumentos sobre valores de trabalho das pessoas a respeito da relação entre formas de gestão e desenvolvimento cognitivo. Essa situação dificulta o avanço dos estudos no campo dos valores sobre gestão e cognição, de forma que o Ingepe foi elaborado para ser uma ferramenta de investigação dessa temática.

Dois postulados orientam conceitualmente o Inventário de Gestão de Pessoas (Ingepe) e seu papel como instrumento indicador de valores de trabalho sobre a relação entre formas de gestão e o desenvolvimento cognitivo do trabalhador.

O primeiro postulado pode ser exposto da seguinte maneira:

• As organizações, por meio de seus sistemas de gestão, imprimem formas e processos de trabalho impactantes para o desenvolvimento de certas habilidades cognitivas (Zuboff, 1988).

Esse postulado tem sua fundamentação nos argumentos elaborados por Zuboff (1988), sustentando que o trabalho nas organizações não somente desenvolve tipos diferentes de habilidades cognitivas como oferece diferentes oportunidades para que o trabalhador possa alterar sua condição cognitiva e atingir níveis superiores de desenvolvimento.

Zuboff (1988) demarcou uma nova perspectiva para as pesquisas que analisam as práticas sociais de produção, as formas de gestão encontradas nas organizações e sua influência no desenvolvimento cognitivo dos trabalhadores. Ela demonstrou que as formas de trabalho contemporâneas vêm criando dois tipos de trabalhadores. O primeiro deles tem sido cunhado com base nas modernas técnicas de gestão neotayloristas. Esse tipo de trabalhador realiza tarefas rotineiras, tais como apertar botões ou lançar, mecanicamente, dados em interfaces tecnológicas de manejo muito simples. Seu fazer pensante é localizado nas próprias tecnologias que acompanham o processo produtivo, assim como o planejamento, a organização, a avaliação da produção e a reflexão sobre o trabalho são processos delegados aos gestores. Em termos gerais, esse trabalhador não tem nada de diferente do perfil do trabalhador do início do século XX, pois caracteristicamente ele tem como ritmo e espaço de trabalho uma ambiência que não favorece e fomenta habilidades de resolução de problemas e tomadas de decisão, assim como de organização e planejamento das atividades envolvidas. Suas tarefas são mecânicas, não incentivam a criatividade nem, tampouco, uma postura ativa em relação ao objeto de produção.

Quanto ao segundo tipo de trabalhador, ironicamente, ele também é uma herança do taylorismo e suas novas formas. Esse segundo tipo de trabalhador pode ser compreendido como um “tiro pela culatra” ou uma forma de funcionamento que transborda as formas de gestão contemporâneas mais usuais. Os dados de Zuboff (1988) mostram que a ampliação das tecnologias da informação, que muitas vezes aprisiona os trabalhadores a meramente executar tarefas cada vez mais mecânicas e repetitivas, em alguns casos, paradoxalmente, gera situações bastante propícias ao desenvolvimento de habilidades de tomada de decisão, planejamento, análise de dados e criatividade.

Se boa parte das tecnologias da informação tem “imbecilizado” o trabalho humano do trabalhador comum, em situações particulares e específicas ocorre uma situação paradoxal de interações ricas entre trabalhadores e tecnologias da informação (Zuboff, 1988). Nessas situações colaterais os trabalhadores têm a oportunidade de analisar os dados das tecnologias da informação, aprender a interagir com esses dados, interpretar suas variações, construir soluções e diagnosticar fenômenos complexos.

A situação inicialmente contraditória do segundo tipo de trabalhador se justifica com base em um olhar sobre o processo produtivo. Analisando seu nascimento, os trabalhadores desse segundo tipo são tanto fruto de algumas formas de gestão alternativas (como exemplo alguns modelos japoneses de gestão) como nasceram do fato de que várias tecnologias não conseguem dominar por completo as ações complexas realizadas junto aos seus objetos de trabalho. Por meio das lacunas inerentes deixadas por algumas tecnologias e processos formais de trabalho, alguns tipos de trabalhadores têm podido aprender a pensar sobre os dados abstratos disponíveis e a interagir indiretamente com os objetos que, outrora, lidavam diretamente e por via manual. Por conseqüência, em um ambiente pouco propício ao desenvolvimento cognitivo, e por vias colaterais, certos trabalhadores têm podido desenvolver habilidades bastante abstratas e impulsionar algumas estruturas cognitivas formais com forte densidade e complexidade, aspecto esse que até algum tempo atrás se poderia imaginar impossível ou bastante improvável.

Os resultados de Zuboff (1988) fortalecem o argumento de que a magnitude do desenvolvimento e os tipos de habilidades provocadas e impulsionadas dependem diretamente dos processos de trabalho envolvidos e das formas de gestão que os organizam. Analisando por esse viés, o trabalho nas organizações pode ser encarado como central para o desenvolvimento cognitivo na idade adulta. Trabalhar em uma organização, segundo o postulado apontado, implica poder ampliar significativamente ou não a capacidade de pensar, a compreensão e interpretação de fenômenos, assim como a capacidade para tomar decisões.

Conjuntamente ao primeiro postulado, que advém do trabalho de Zuboff (1988), o segundo postulado sustenta que:

• Os valores das pessoas sobre a relação entre formas de gestão e o desenvolvimento cognitivo do trabalhador influenciam a ocorrência ou a negação de práticas voltadas a esse desenvolvimento.

O segundo postulado encontra subsídios nos trabalhos de pesquisadores do campo da educação e do trabalho e, também, da sociologia do trabalho sobre a importância do conhecimento tácito do trabalhador e sua prática cotidiana construída na práxis de sua relação com o trabalho (Kuenzer, 2001). Os valores dos trabalhadores sobre as relações entre a gestão e o desenvolvimento cognitivo influenciam a maneira como eles percebem o seu próprio trabalho, discutem as suas condições de produção e negociam a sua força de trabalho, na medida em que os valores são esquemas afetivo-cognitivos em que as pessoas se baseiam para agir e viver (Bar-On & Parker, 2002).

Conforme o argumento de Zuboff (1988), dois tipos de trabalhadores têm sido gerados. O tipo de trabalhador pensado por Sternberg e Grigorenko (2003), como o trabalhador do futuro, que deve transitar por, no mínimo, 11 organizações e renovar profundamente seu conjunto de competências pelo menos três vezes em sua vida profissional, não é, de forma nenhuma, o único tipo de trabalhador do futuro (Benton, 2000; Bergamini, 1997; Boog, 1999; Kanaane & Ortigoso, 2001; Reis, 2003). Pelo contrário, esse trabalhador sofisticado, rico em possibilidades de desenvolvimento, altamente flexível e dotado de bons recursos para negociar sua força de trabalho é uma elite e não a grande massa de trabalhadores.

Pesquisas sobre o mundo do trabalho têm demonstrado que o “novo mundo do trabalho e o novo trabalhador” apontam para maiores desigualdades e disparidades entre os trabalhadores (Kuenzer, 2001). Assim, compreender os valores de trabalho das pessoas a respeito da relação entre formas de gestão e o desenvolvimento cognitivo dos trabalhadores não tem como função negar essas diferenças. Ao contrário, significa explorar e mostrá-las deliberadamente, para que o trabalhador possa tomar consciência delas e se situar de forma mais engajada em seu contexto histórico.

A elaboração do Ingepe levou em consideração os conflitos inerentes ao próprio sistema capitalista e seus itens foram elaborados para mensurar, inicialmente, dois grandes agrupamentos de valores. O primeiro grupo é composto por valores chamados humanistas e o segundo grupo é formado por valores chamados tayloristas. Esses dois grupos de valores de trabalho representam diferentes perspectivas e visões de homem e de trabalho e dizem sobre diferentes relações entre as formas de gestão e o desenvolvimento cognitivo do trabalhador.

A dimensão de valores chamados tayloristas descreve valores das pessoas sobre processos de trabalho e formas de gestão capazes de modelar tarefas repetitivas que pouco mobilizam ações de resolução de problemas, planejamento e tomada de decisão, com perda da perícia por parte do trabalhador e ênfase nas tecnologias de informação e produção. Esse grupo de valores articula formas de gestão específicas que propiciam um baixo nível de desenvolvimento cognitivo do trabalhador. Por sua vez, a dimensão de valores chamados humanistas descreve valores das pessoas sobre processos de trabalho e formas de gestão capazes de modelar tarefas com forte apelo à resolução de problemas, planejamento, capacidade de lidar com o novo, acarretando forte perícia por parte do trabalhador e o uso das tecnologias como ferramentas de apoio ao pensamento.

Os nomes dos agrupamentos de valores em valores humanistas e tayloristas foram elaborados pelo autor do Ingepe. Basicamente, eles remetem a duas concepções e crenças afetivo-cognitivas opostas a respeito de como as pessoas pensam a relação entre gestão e desenvolvimento cognitivo do trabalhador. Os valores humanistas foram assim chamados pelo motivo de ser um agregado de valores que reconhecem a importância da ação coletiva no trabalho, enfatizam processos de gestão que valorizam o saber tácito do trabalhador, sustentam uma proposta de tomada de decisão democrática, assim como reconhecem o papel do gestor como educador e mobilizador do potencial dos trabalhadores. Por outro lado, os valores tayloristas foram assim chamados por representar um agregado de valores que priorizam as tecnologias e os gestores como as peças fundamentais e estratégicas da organização, assim como postulam uma relação tecnocrática da relação do trabalhador com o seu objeto de produção, entre outros aspectos oriundos a partir da perspectiva taylorista e de seus modelos derivados.

O Ingepe foi sendo constituído ao longo de um período de tempo. Em 2004, foram elaborados itens a respeito do agrupamento de valores tayloristas. Após um teste piloto nesse mesmo ano, que contou com uma análise fatorial exploratória a respeito dos itens do agrupamento taylorista, os itens representando valores humanistas foram elaborados.

O Ingepe tem como finalidade ser um instrumento de auto-relato, de forma que os respondentes projetam, com base nas respostas dadas, valores de trabalho sobre a relação entre formas de gestão e desenvolvimento cognitivo. Espera-se, a partir do Ingepe, proporcionar novas investigações sobre esse campo, assim como gerar novos estudos sobre agrupamentos de valores de trabalho. Ao propor mensurar duas dimensões conflituosas (valores humanistas e tayloristas), pretende-se que o Ingepe seja uma ferramenta de análise de posições distintas sobre o homem, a função do trabalho e o papel da gestão no desenvolvimento cognitivo do trabalhador. Este artigo, assim, descreve as qualidades psicométricas do Ingepe e suas potencialidades para o campo das pesquisas na área de gestão de pessoas. Os resultados são apontados, em termos da validade de construto e confiabilidade do instrumento. As implicações desses resultados são discutidas.

 

Método

 

Participantes e coleta de dados

O Ingepe foi aplicado no período de 2005, em todas as turmas dos cursos de Administração, Ciências Contábeis, Letras, História e Direito, de uma faculdade da Região Metropolitana de Belo Horizonte, perfazendo um total de 826 participantes. Dos 826 respondentes, 206 cursavam Administração, 201 cursavam Ciências Contábeis, 111 cursavam Direito, 127 cursavam História e 181 cursavam Letras. O instrumento foi aplicado em sala de aula, com o consentimento dos coordenadores de curso e dos professores que tinham parte de sua aula utilizada para a aplicação do instrumento, além do consentimento formal dos estudantes. O tempo de aplicação foi de 15 minutos, em média.

 

Instrumento

O Ingepe possui uma escala de oito posições. O participante deve selecionar, para cada item, uma das opções: 1: Discordo Totalmente; 2: Discordo Fortemente; 3: Discordo em Boa Parte; 4: Discordo Levemente; 5: Concordo Levemente; 6: Concordo em Boa Parte; 7: Concordo Fortemente; 8: Concordo Totalmente.

O Ingepe é um instrumento de auto-relato elaborado, inicialmente, para identificar dois grandes agrupamentos de valores: valores tayloristas (18 itens) e valores humanistas (17 itens).

 

Análise semântica do instrumento

Na medida em que os valores são formados por um forte componente emocional e afetivo, os itens foram elaborados de modo a não levantar imediatamente grandes barreiras ou resistências emocionais. Dessa maneira, os itens foram construídos de maneira a apresentar clareza, mas sem declarar de forma excessivamente direta um ponto de vista capaz de gerar um padrão defensivo por parte do respondente.

Para garantir que os itens possuiriam esse perfil, foi realizada uma aplicação piloto no final do ano de 2004, com 21 itens iniciais. Essa análise semântica do instrumento foi aplicada em cerca de 30 respondentes do curso de Administração, seguida de uma aplicação em todas as turmas de Administração, com um total de 165 respondentes. A versão de 35 itens pautou-se por essa análise inicial e uma nova análise semântica foi realizada em 2005, para a avaliação da versão completa do instrumento com seus 35 itens. Para esta última análise semântica de todos os itens, foram selecionados respondentes de todos os cursos da amostra de participantes. Itens com vieses de interpretação foram corrigidos.

 

Análise de dados

Para avaliar as qualidades psicométricas do Ingepe, foram consideradas a validade de construto e a confiabilidade. A validade de construto foi analisada por meio das dimensões de valores identificadas pelo instrumento e a confiabilidade pela consistência interna dos itens de cada uma das dimensões identificadas. Para a identificação das dimensões mensuradas pelo Ingepe, foram utilizados procedimentos de análise fatorial exploratória, pelo método dos componentes principais e pelo método dos eixos principais. Para a análise da retenção dos fatores obtidos, foram usados os critérios do autovalor maior do que um, o scree test visual, o critério da máxima verossimilhança e a análise paralela por permutação. A escolha por incluir a análise paralela por permutação e o critério da máxima verossimilhança deve-se ao fato de que esses procedimentos vêm sendo considerados pela literatura psicométrica como os mais indicados para a retenção de fatores, superando, em boa parte das vezes, os critérios mais tradicionais do autovalor maior do que um e o scree test visual (Thompson, 1994). Na medida em que esses critérios, muitas vezes, apontam para resultados diferentes em relação aos fatores a serem retidos, a estratégia adotada foi a de-se usar o procedimento que indicasse o maior número de fatores a se reter, de modo a maximizar o número de fatores possíveis. No entanto, um critério de parcimônia foi usado. Somente foram retidos os fatores com, pelo menos, três itens com cargas iguais ou superiores a 0,3 (Carroll, 1993). Para a rotação dos fatores retidos, foi utilizado o método oblimin. Com relação à análise da consistência interna, foi usado o alpha de Cronbach.

 

Resultados

O critério da máxima verossimilhança (qui-quadrado de 364,67, graus de liberdade de 343 e significância de 0,20) e o scree test visual indicaram uma solução de oito fatores. Por sua vez, o critério do autovalor maior do que um indicou uma solução de nove fatores. A análise paralela indicou uma solução de quatro fatores. Levando em consideração a estratégia apontada na metodologia, nove fatores foram rotados com o método oblimin, por meio do método dos eixos principais. Os resultados indicaram uma série de fatores com menos de três itens, com cargas iguais ou superiores a 0,3. Assim, buscou-se diminuir o número de fatores e eliminar itens com cargas fracas nos fatores, até que os fatores obtidos pudessem ter, no mínimo, três itens com cargas iguais ou superiores a 0,3. A solução final apontou três fatores.

No entanto, a solução com três fatores apresentou um problema. Ela explicava apenas 32,48% da variância das respostas dos participantes nos itens do instrumento (excetuando-se os já retirados: itens 3, 4, 9, 14, 17, 18, 20 e 25), de modo que os itens estavam contribuindo pouco para a explicação dos fatores (dimensões) encontrados. A primeira estratégia encontrada foi a de eliminar itens que não possuíssem cargas iguais ou superiores a 0,4 e/ou que carregassem um segundo fator com uma carga superior a 0,2. Foram eliminados, respectivamente, os itens 26, 13, 1, 7, 24, 15, 11, 30 e 33. Após esse procedimento, a variância explicada subiu para 39,15%, ainda insatisfatório. Tendo em vista essa condição, uma segunda estratégia foi selecionar os melhores itens restantes de cada um dos três fatores. Foram excluídos, respectivamente, os itens 8, 34, 35, 29, 12, 16, 23, 32. A solução final deu conta de explicar 53,25% de toda a variância dos itens mantidos (TAB. 1). Essa solução permaneceu com os itens 2, 5, 6, 10, 19, 21, 22, 27, 28 e 31. Os restantes foram eliminados ao longo do processo de precisão do instrumento.

 

 

Talvez mais importante do que a ampliação da variância explicada dos três fatores retidos foi a constatação de que, ao usar novamente os diferentes critérios de retenção de fatores para os itens da solução final, todos os critérios indicaram que deveriam ser retidos três fatores. Em outras palavras, o critério do autovalor maior do que um indicou a presença de três fatores a serem retidos. O mesmo aconteceu com o critério da máxima verossimilhança (qui-quadrado de 28,22, graus de liberdade de 28 e significância de 0,06), com o scree test visual (FIG. 1), e com a análise paralela por permutação (TAB. 2). Conforme pode ser observado na TAB. 2, os autovalores dos três primeiros fatores superaram os do percentil 95 (critério utilizado para retenção), das 99 amostras aleatórias geradas pelo procedimento de permutação. Esse resultado indicou que a solução de três fatores com os itens selecionados foi uma solução consistente e robusta.

 

 

Analisando os fatores retidos e seus respectivos itens, os itens 19, 27, 28 e 31 carregaram o primeiro fator identificado. Seus itens são, respectivamente:

• 19. A organização deve propiciar espaços e momentos significativos dentro da organização onde os empregados possam elaborar coletivamente um saber complexo e especializado sobre o seu trabalho.

• 27. Bom líder é aquele que constrói os ideais e objetivos a serem perseguidos a partir dos projetos e das expectativas dos empregados, de forma a elaborar uma construção coletiva que vem de baixo para cima.

• 28. Uma boa comunicação na organização é determinada quando os gestores não só passam a escutar os empregados, mas quando efetivamente o pensamento dos empregados passa a ter poder de gerar mudanças e transformações na organização.

• 31. Qualquer informação pode gerar diferentes interpretações entre os empregados. Cada pessoa possui uma maneira de reagir, analisar e julgar uma informação. O mais importante não é evitar que as pessoas interpretem diferentemente uma informação, mas discutir as diferentes interpretações e a causa das diferenças. Esse processo enriquece a comunicação na organização.

 

 

Tendo em vista a relação entre esses itens, pôde-se interpretar que esse fator representa a dimensão de “valores humanistas”. Está em ênfase, nessa dimensão, o lugar do gestor como facilitador de construções coletivas de trabalho, assim como a caracterização de um trabalho em que a interpretação, análise, julgamento e tomada de decisão fazem parte da natureza do ato laboral.

Já o segundo fator identificado foi carregado pelos itens 10, 21 e 22. Seus itens são:

• 10. A melhor forma de avaliar o trabalho de um gestor é verificar o quanto suas ações geram lucro à organização. Gestores que oferecem grande lucro à organização são os melhores gestores.

• 21. O gestor deve oferecer total disponibilidade do seu tempo para a organização, uma vez que a necessidade de viagens extraordinárias e horas extras se faz sempre presente, devido ao atual ambiente competitivo em que as empresas se encontram.

• 22. Em épocas de crise, uma das primeiras medidas do gestor deve ser a análise da redução dos funcionários, uma vez que tal estratégia de ação gera um rápido efeito nas contas financeiras da organização, revitalizando os negócios e enxugando a estrutura funcional.

A relação entre esses itens permite interpretar que o segundo fator se trata de uma dimensão de “valores de maximização dos lucros” em que o foco da gestão concentra-se na maximização dos lucros, a organização é vista como uma empresa cujo objetivo central é a capacidade de gerar lucratividade e o gestor tem o papel de competidor, colaborando com a organização na competição pelo lucro. Em suma, a essência da organização é o lucro.

O terceiro fator identificado foi carregado pelos itens 2, 5 e 6. Seus itens são:

• 2. Qualquer gestão científica e organizada parte do princípio de que os níveis hierárquicos superiores devem planejar e definir o trabalho dos níveis hierárquicos inferiores.

• 5. Como a produção em série é muito ágil e rápida, os empregados devem ser treinados prioritariamente para aprender comandos automáticos e ágeis, o que elimina a perda de tempo aumenta a eficiência e a produção.

• 6. Reflexões mais elaboradas sobre a organização, a estrutura das tarefas, e os processos de produção devem ser feitas, preferencialmente, pelos gestores da organização.

A relação entre esses itens permitiu interpretar esse fator como uma dimensão de “valores tayloristas”. O papel do gestor é pensar a produção, e o papel do trabalhador é executar rotinas. Nessa dimensão, uma organização bem gerida é aquela em que as ações são transformadas em padrões ágeis de fluxo contínuo de produção.

Com relação à possibilidade dessas três dimensões serem explicadas por uma dimensão geral, o resultado de uma análise fatorial exploratória da matriz de correlação desses três fatores indicou comunalidades maiores do que um (caso Heywood) no processo de análise fatorial, de modo que se pode afirmar, para a amostra estudada, que o Ingepe não mensura uma dimensão geral, mas, exclusivamente, três dimensões específicas.

 

Discussão

A existência de um instrumento para pessoas com escolaridade universitária capaz de mensurar valores de trabalho sobre formas de gestão e desenvolvimento cognitivo do trabalhador é um avanço para os estudos na área de gestão de pessoas. Os resultados salientam que o Ingepe é capaz de mensurar três dimensões de valores bastante distintos, “valores humanistas”, “valores de maximização dos custos” e “valores tayloristas”. Em suma, o Ingepe, aparentemente, é um instrumento válido e, relativamente, confiável.

Novos estudos são necessários, na medida em que esse instrumento foi aplicado em apenas uma instituição de ensino superior. No entanto, os dados iniciais sugerem que o Ingepe pode ser utilizado para fins de diagnóstico organizacional, educacional e de pesquisa. Vejamos um exemplo dessas possibilidades. Os valores de maximização dos custos mensurados pelo Ingepe indicam crenças e concepções afetivo-cognitivas que concebem o trabalhador como um mero recurso econômico para a organização. A organização é vista como uma empresa que tem como finalidade enfática o lucro. Nesse contexto, o trabalhador é apenas mais um recurso de lucratividade. É provável que nesse agrupamento de valores (maximização do lucro) o espaço para o desenvolvimento cognitivo de trabalhador possua suas peculiaridades, possibilitando uma série de perguntas e indagações. É possível que empresas com ênfase nesse agrupamento de valores concebam o desenvolvimento do trabalhador de maneira mais imediatista e possam investir menos em políticas de desenvolvimento de pessoal a médio e longo prazos.

Outro exemplo refere-se aos valores humanistas. Eles apontam para uma gestão democrática e participativa na organização, o saber do trabalhador é valorizado e considerado central para a produtividade. O papel do gestor é concebido como a de um incentivador, coordenador e educador, um agente que potencializa novos níveis de desenvolvimento cognitivo dos trabalhadores. Algumas perguntas podem ser feitas com relação a esse agrupamento de valores. Por exemplo, esse tipo de agrupamento de valores é forte em que tipo de empresas? Há determinados nichos de produção nos quais esse agrupamento de valores é mais enfaticamente compartilhado? Esses valores se correlacionam com as ações concretas de produção dentro da organização, ou há uma distância considerável entre os valores e a prática cotidiana? Perguntas dessa natureza podem ser investigadas por meio do Ingepe.

É notável o número de estudos sobre valores de trabalho (Blanchard & O’Connor, 1997; García & Dolan, 1997; Knoop, 1994; Lebo et al., 1995; Ortiz, 1995; Ralston et al., 1995; Schwartz & Bilsky, 1990; Young & Parker, 1999). Além da quantidade, as pesquisas provêm de diferentes tradições e focos de análise, de modo que Dose (1997) argumenta que faltam estudos capazes de sintetizar os focos, as metodologias e os construtos utilizados nos estudos sobre valores de trabalho. Apesar dessa diversidade e fragmentação, Dose (1997) sustenta que os valores de trabalho podem ser agrupados em uma dimensão moral-amoral e uma dimensão pessoal-social. Essas duas dimensões formam quatro domínios, que, segundo ela, envolveriam todo o campo de estudos e pesquisas sobre valores de trabalho.

Enquanto os valores de trabalho pessoais envolvem os estudos sobre preferências pessoais e escolhas referentes a tendências internas das pessoas, os valores de trabalho sociais caracterizam os estudos sobre valores de trabalho que enfatizam as crenças e concepções compartilhadas socialmente, demarcando um forte componente socializador. Diferentemente dos valores de trabalho pessoais, os valores de trabalho sociais têm um importante peso na organização social do trabalho. Por sua vez, os valores de trabalho morais respondem pelas pesquisas voltadas aos valores que apontam crenças e concepções sobre o certo e o errado, ou seja, sobre como as coisas devem ser feitas e pensadas nas organizações. Já os valores de trabalho amorais implicam pesquisas e estudos de valores de trabalho que enfatizam as possibilidades de ação em que o juízo de certo e errado não está implicado diretamente.

Dose (1997) traz um elemento importante em sua classificação. Ela argumenta que determinados valores de trabalho tenderiam a ser mais facilmente alterados do que outros. Valores de trabalho que denotam preferências pessoais relativas à personalidade das pessoas tenderiam a ser muito mais arraigados e difíceis de sofrer modificação, justamente porque podem corresponder a determinadas tendências internas e genéticas de cada ser humano. Ao contrário, valores de trabalho que denotam valores sociais de organização do trabalho tendem a ser muito mais permeáveis a alterações, seja pelo ambiente social, educação, ou por métodos e técnicas psicológicas de intervenção.

Se os argumentos de Dose (1997) estão corretos, os valores de trabalho discutidos neste artigo são mais permeáveis à mudança, já que eles se situam no campo dos valores sociais e morais. Eles são mais fortemente sociais do que pessoais, porque tratam mais de aspectos da organização social do trabalho cognitivo dos trabalhadores do que de preferências pessoais e estilos específicos das pessoas. Ao mesmo tempo, eles são valores morais, porque determinam uma ética de ação, enfatizando crenças e concepções sobre o que os gestores, os trabalhadores e a organização devem fazer. A dimensão de valores de trabalho humanistas, por exemplo, resgata a oportunidade ao trabalhador de ser perito, de planejar o seu trabalho, de analisar, tomar decisões complexas, enfatizando a importância do seu ato laboral.

Nesse sentido, os valores de trabalho mensurados pelo Ingepe são sociais e morais e, segundo o argumento de Dose (1997), tendem a ser mais facilmente modificáveis via educação ou intervenção psicológica, assim como pela alteração das relações de produção e formas de gestão existentes no mundo das organizações.

Novos estudos são necessários para que as evidências presentes neste estudo possam indicar padrões passíveis de generalização e maior amplitude de análise. Se os argumentos de Dose (1997) estão corretos, o Ingepe pode ser visto como um instrumento importante de aferição de mudanças de valores de trabalho a respeito da relação entre formas de gestão e desenvolvimento cognitivo de trabalhador.

Com relação às limitações do Ingepe, por se tratar de um instrumento de auto-relato, ou seja, um instrumento que as pessoas escolhem e selecionam as suas respostas para cada um dos itens, não é improvável que as pessoas tentem modular suas respostas com intuito de corresponder a determinados ditames da organização em que estão inseridas. Em uma organização na qual há uma clara ênfase da direção e dos gestores pelos valores tayloristas é possível que os trabalhadores possam se sentir consciente ou inconscientemente pressionados a dar uma “nota” maior para itens que, aparentemente, indiquem esses valores, evitando, assim, o conflito com a direção e com os gestores da organização.

Esse é um problema complicado que pode ser minimizado, mas não eliminado. Uma estratégia possível é aplicar o instrumento completo, com os seus 35 itens, mas apenas considerar para análise os itens de cada um dos três agrupamentos de valores. Essa estratégia é interessante, na medida em que oferece um alto número de itens e esse número maior diminui a vigilância e a censura dos respondentes, de modo que, provavelmente, seus valores reais possam ser indicados em algum grau.

Outro aspecto a considerar é a utilização do instrumento e sua finalidade ética. Instrumentos de auto-relato tendem a funcionar mal quando as informações geradas por eles são empregadas para qualquer tipo de punição. Nesse contexto, as pessoas se sentem pouco à vontade para responder o que

realmente pensam ou sentem. Diferentemente de um teste, o instrumento de auto-relato não obtém informações sobre o desempenho das pessoas, mas sobre suas percepções a respeito de determinados aspectos. No caso de organizações com princípios éticos duvidosos, a respeito do modo como coletam, tratam e usam as informações, o viés nas respostas de auto-relato tende a ser considerável. Esse é um problema inerente ao uso de instrumentos de coleta de dados nas organizações.

 

Referências

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Texto recebido em abril/2007.
Aprovado para publicação em junho/2007.

O Processo editorial deste artigo foi acompanhado pelo Editor Responsável e pelos membros da Comissão Executiva.

 

 

*Professor adjunto do departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: cristianogomes@ufmg.br ; cgomes@fafich.ufmg.b

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