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Psicologia em Revista

Print version ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.13 no.2 Belo Horizonte Dec. 2007

 

ARTIGOS

 

Dar e receber esmolas e processo de subjetivação*

 

Giving and receiving alms and subjective process

 

 

Francisco Rogerio de Oliveira BonattoI,** ; Diego Campos Ribeiro*** ; Jaqueline Cristina Salles**** ; Lívia Martins Stoppa***** ; Thiago Ribeiro de Freitas******

IPontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

 

 


RESUMO

Esta pesquisa, realizada na área de Psicologia Social, visou explorar como a prática de dar e receber esmolas, no contexto das relações entre doadores e a população carente adolescente de Poços de Caldas – MG, constitui dimensão no processo de subjetivação, que vem a ser uma forma do sujeito – principalmente do sujeito adolescente – se posicionar diante de si e da realidade social. Para tratamento dos discursos elaborados pelos sujeitos nas entrevistas, utilizou-se a análise das práticas discursivas, proposta por Mary Jane Spink. Dos resultados nota-se que os doadores constroem uma argumentação a partir da impressão que têm daquele que pede, elaborada na relação estabelecida entre pedinte e doador; já os adolescentes mostram uma tendência de se servirem da esmola como meio mais fácil para obtenção das benesses que a geração de renda por meio de atividades comumente aceitas pela sociedade não permite.

Palavras-chave: Adolescentes, Esmolas, Processo de subjetivação.


ABSTRACT

This research in the field of Social Psychology, carried out in the context of the relations between alms givers and needy children and adolescents in Poços de Caldas – State of Minas Gerais, investigates how alms giving and receiving constitutes a subjectivity process, the way individuals - mainly adolescents - take a stand in face of themselves and the social reality. The methodology to analyze the individuals’ speech during the interviews was based on Mary Jane Spink’s discourse analysis. Results indicate that alms givers construct an argumentation based on the impression they have of the beggars, elaborated in their relationship. On the other hand, adolescents show a tendency to consider alms an easier gain than that obtained by means of activities generally accepted by society. The language elaborated at begging, with the statements that it generates, allows adolescents to recognize themselves as individuals in the established interlocution.

Keywords: Adolescents, Alms, Subjectivity process.


 

 

Independentemente das referências políticas, culturais e sociais com que as sociedades se constituem, percebe-se nelas uma generalizada hostilidade à prática de pedir esmola. Nas sociedades organizadas com base nas práticas e ideais capitalistas, essa hostilidade se apresenta de maneira mais contundente. A forma de obtenção de rendimento mais valorizada é o trabalho e, a não ser em situações muito específicas, é fortemente discriminada a obtenção de renda sem esforço, principalmente por parte da população pobre, por meio da prática de pedir esmola.

Essa discriminação é reforçada por dois tipos de interdição: a interdição do desejo e a interdição moral. O primeiro tipo de interdição constitui uma das formas de exclusão das populações pobres: a “interdição do desejo – aprisionado pelo consumo –, [ou seja, a] interdição do acesso aos bens materiais e culturais (educação, expressão artística etc.) vai bloquear o acesso a possibilidades de trabalho qualificado”. A interdição moral, por sua vez, é o meio prevalentemente utilizado para impedir o acesso aos outros bens. Ela se manifesta no imperativo da inserção no mercado de trabalho através de uma atividade socialmente aceita e honesta, na necessidade de estudo escolar, do respeito à hierarquia social e aos processos ‘normais’ de ascensão (Bonatto, 1998, v. 1). Esses imperativos se apresentam mais agressivos na medida em que é maior a percepção de que os mecanismos de ascensão e sucesso social não estão necessariamente relacionados a eles.

Apesar da discriminação generalizada contra a prática de pedir esmola, ela continua presente e leva-nos a questionar o que mobiliza alguns sujeitos, principalmente adolescentes, a manterem tal prática, mesmo se esta os coloca em situação de desvalorização social. O que leva esses sujeitos a manterem tal prática se ela os coloca em confronto com a lei,1 ainda que já não ocorram condenações ligadas a esses atos? O que os leva a manter a prática de esmolar se muitos municípios têm políticas sociais voltadas para eles, como as de estímulo à geração de renda por meio de diferentes atividades de produção e de prestação de serviços?

O escopo deste relatório é o de apresentar o resultado do estudo empreendido com adolescentes que pedem esmolas no Centro Comercial de Poços de Caldas, bem como com doadores, para entender, do ponto de vista da Psicologia Social, que sentido tem a manutenção da prática da esmola, ainda que discriminada e oficialmente combatida, para os sujeitos que a pedem e como essa prática compõe seus processos de subjetivação.

 

Objetivo

Procuramos, neste estudo, conhecer as dinâmicas relacionais que envolvem o ato da esmola, colaborando, assim, com um maior entendimento sobre a relação entre adolescentes e esmolas, pensando em ampliar a compreensão da inteligibilidade intercultural das necessidades dos sujeitos, pedintes e doadores, envolvidos nessa prática.

 

Metodologia
Bases metodológicas: práticas discursivas e produção de sentidos

As práticas discursivas, segundo Spink (2004b), centralizam seu olhar no tempo do aqui e agora; dessa forma, os processos de produção de sentidos ficam intimamente relacionados com os de produção de conhecimento, pois “conhecer é dar sentido ao mundo”, e esse sentido é socialmente construído. Para a autora, o sentido é um empreendimento interativo: através da dinâmica das relações sociais historicamente datadas e localizadas, as pessoas constroem os termos, compreendendo e se posicionando a partir deles em suas relações cotidianas.

Assim, autores como Foucault (2005), Maingueneau (1989), Pêcheux (1995), Orlandi (1996a, 1996b e 2005), Walty (2005) e Harré e Gillett (1999) apontam a análise do discurso como uma das possibilidades de acesso à produção de sentidos que, a partir dos estudos da lingüística, se estendeu para a psicologia, antropologia, sociologia e outras áreas do conhecimento. Na psicologia, podemos assinalar estudos de Bange (1989), Bronckart et al. (1985), Charaudeau (1993), Georget e Chabrol (2001), bem como Potter (1996a e 1996b) e Potter e Wetherell (1987). Mais recentemente, podemos constatar estudos que buscam elaborar uma compreensão da análise do discurso a partir das necessidades apresentadas pelas pesquisas em psicologia (Painter & Theron, 2001; Durrheim, 2001; Curt, 1994; Parker, 1990), bem como aqueles que exploram temáticas, principalmente relacionadas à psicologia social, como racismo (Hook, 2006; Bernard, 2003), relações de gênero (Wilcox, Finley & Edmonds, 2006) e proteção de crianças e adolescentes (Lee, 1994). No Brasil, podemos destacar os estudos de Guirado (1995 e 1997) sobre psicanálise e análise do discurso e sobre as possibilidades de estudo da psicologia clínica como instituição; de Ribeiro, Pergher e Torossian (1998) sobre as ideologias presentes nos discursos de textos para adolescentes sobre uso de drogas; de Tunes e Simão (1998) sobre relatos verbais no ensino de psicologia; de Stengel et al. (2002) sobre narrativas de meninas acerca do trabalho doméstico e de Lima (2003) e Rocha e Deusdará (2005 e 2006), que discutem as diferentes implicações da análise de conteúdo e da análise do discurso.

 

A perspectiva construcionista

A análise das práticas discursivas, segundo Spink (1999), é formulada a partir da perspectiva construcionista. Esta é resultante de três movimentos: o primeiro é na Filosofia, como uma reação ao representacionismo; o segundo é na sociologia do conhecimento, como uma desconstrução da retórica da verdade; e o terceiro, na política, como busca de empowerment de grupos socialmente marginalizados. Esses movimentos são interdependentes e refletem um movimento mais amplo de reconfiguração da visão de mundo própria de nossa época.

A autora apóia-se num texto do psicólogo social espanhol Tomás Ibañez, no qual ele aponta quatro pontos críticos fundamentais para a desconstrução do realismo fundante da retórica da ciência na modernidade: o primeiro se refere à dualidade sujeito-objeto, o segundo aborda a concepção representacionista do conhecimento, o terceiro refere-se à retórica da verdade, e o último, ao cérebro como instância produtora de conhecimento (Spink, 1999).

No construcionismo, o locus da explicação dos processos de conhecimento internos à mente é transferido para a exterioridade dos processos e estruturas da interação humana. Assim, a investigação sob esse aspecto difere do foco tradicional, representacionista, pois o conhecimento não é visto como algo que as pessoas possuem em suas cabeças, mas sim, algo que constroem juntas (Spink, 1999).

A autora justifica a perspectiva construcionista como estratégia adequada para a análise das práticas discursivas, pois

Na perspectiva construcionista, tanto o sujeito como o objeto são construções sócio-históricas que precisam ser problematizadas e desfamiliarizadas [...] Por sua vez, a crítica da concepção representacionista do conhecimento é uma decorrência da desfamiliarização da dicotomia sujeito-objeto. Se os objetos da natureza são constituídos por nossas categorias, se essas categorias são artefatos humanos, produtos de interações historicamente situadas, então a hegemonia dos sistemas de categorias depende das vicissitudes dos processos sociais e não da validade interna dos constructos. Isso significa dizer que o conhecimento não é uma representação nem uma tradução de algo que pertence à realidade externa. Entretanto, essas construções não são ficções desenfreadas. Não se trata de um vale-tudo, porque elas têm como limite as próprias características dos humanos que as produzem, ou seja, as características sociais e biológicas de pessoas historicamente situadas. (Spink, 1999, p. 28-29)

A análise das práticas discursivas assume uma postura construcionista em face do conhecimento e tem como foco os processos de construção do uso da linguagem. Por trabalhar com repertórios lingüísticos, aborda uma perspectiva temporal. Spink propõe a análise das práticas discursivas a partir da identificação de três tempos que se movem em velocidades diferentes.

 

Os repertórios lingüísticos e os tempos

Ao tentar compreender a utilização dos repertórios interpretativos nas práticas discursivas, percebeu-se que eles, desde cedo, possuíam inscrições na história. Embora, em tais práticas, a inscrição desses repertórios não seja o ponto central de interesse, percebe-se a importância dessa relação dos repertórios com a história devido à problemática dos contextos de sentidos (Spink, 2004a). Na contextualização dos sentidos, um diálogo contínuo entre sentidos novos e antigos é estabelecido: mesmo os sentidos passados, oriundos de diálogos travados há séculos, são sempre passíveis de renovação nos futuros desenvolvimentos desse diálogo. A qualquer hora, esses sentidos contextuais esquecidos podem ser reutilizados com um novo vigor.

O trabalho com as práticas discursivas em Psicologia Social, na compreensão de Spink, apresenta-nos, então, uma divisão temporal na interface de três tempos históricos: o tempo longo, que indica os conteúdos culturais, constituídos ao longo da história; o tempo vivido, que marca as linguagens sociais aprendidas através da socialização, e o tempo curto, que se denota pelos processos dialógicos (Spink, 2004a).

O tempo longo é o domínio da construção social que forma os discursos de uma dada época, dos conhecimentos produzidos e reinterpretados por diferentes domínios do saber. O tempo vivido é o tempo de ressignificação desses conteúdos históricos a partir dos processos de socialização. É o tempo da vida de cada um de nós, sendo, portanto, o filtro que nós utilizamos para pensar, usar e falar sobre os repertórios do tempo longo. E o tempo curto é o tempo da interanimação dialógica, da dinâmica de produção de sentidos. (Spink, 2004b, p. 15)

No contexto discursivo, o diálogo com tempos em diferentes níveis possibilita buscar “apreender a cristalização em discursos institucionalizados”, os posicionamentos disponíveis na sociedade e as estratégias lingüísticas utilizadas para os posicionamentos (Spink, 2004a, p. 51).

Nesse sentido, centrar a atenção na circulação de repertórios lingüísticos implica o afastamento do tempo linear, cronológico. O tempo longo se foca exatamente nessa longa história da circulação de repertórios lingüísticos que permanecem vivos nas construções culturais, permitindo que nos “familiarizemos com os conhecimentos produzidos e reinterpretados por diferentes domínios do saber: religião, ciência, conhecimentos e tradições do senso comum”. Por esse caminho, o tempo vivido se caracteriza por ressignificar, através de nossos constantes posicionamentos, os conteúdos construídos ao longo da história através dos processos de socialização pelos quais passamos em diferentes contextos. Através desse tempo, enraizamos nossas identidades e narrativas pessoais. Nessa direção, é o tempo curto, o tempo das interanimações dialógicas, que possibilita compreender a dinâmica das produções de sentido, e é aqui que se “personificam as diferentes vozes ativadas pela memória cultural do tempo longo ou pela memória pessoal do tempo curto” (Spink, 2004b, p. 46-48).

No contexto da pesquisa, o tempo longo é identificado pelo aceno dos sujeitos aos aspectos sociais, políticos, culturais; o tempo vivido se refere ao tempo da história de vida do sujeito; e o tempo curto traduz o tempo do diálogo construído durante a entrevista.

Assim, em nosso estudo, a pesquisa qualitativa veio atender adequadamente ao processo de investigação a que nos propusemos, já que foram trabalhados universos de significados, motivos, crenças, valores e atitudes. Tal escolha metodológica se fez por sabermos que fenômeno social corresponde a um espaço mais profundo das relações de significados, dos processos e fenômenos sociais que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis, dada sua dinâmica no interior da sociedade e sua rede de significados e ressignificações.

 

A coleta e análise das informações

O material foi coletado nas ruas São Paulo, Rio de Janeiro, Prefeito Chagas, Alagoas, Assis Figueiredo, Barros Cobra, Rio Grande do Sul, Avenida Francisco Salles e Praça Pedro Sanches da cidade de Poços de Caldas. A escolha das ruas citadas acima se deve ao fato de que estas constituem o centro comercial da cidade de Poços de Caldas; sendo assim o número de doadores e de adolescentes de rua é maior e mais freqüente.

 

Critérios de inclusão dos sujeitos da pesquisa:

• Adolescentes de rua entre 12 e 18 anos.
• Doadores: pessoas com mais de 18 anos que se encontravam pelas ruas citadas acima e se dispuseram a responder aos entrevistadores.

 

Amostra

Participaram deste estudo adolescentes que pedem esmolas na rua e a população em geral que, potencialmente, financia a estada deles na rua. Considerou-se como adolescente, de acordo com o Art. 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990 (Brasil, 2003), a pessoa com idade entre 12 e 18 anos. Participaram do estudo, mediante autorização por escrito do Conselho Tutelar do Município, 6 (seis) adolescentes de 14 a 18 anos que, no período da pesquisa (fevereiro a dezembro de 2006), puderam ser encontrados nas ruas. Para o contato com a população, os sujeitos foram selecionados através de uma amostragem não probabilística, em um total de 62 pessoas; nesse sentido, optou-se por uma seleção aleatória. O estudo pretende ser representativo, da população, embora não esgote as possibilidades.

 

Procedimento de coleta

Para a coleta de dados foram feitas entrevistas semi-estruturadas, tanto com os adolescentes quanto com os adultos doadores de esmolas ou não. No período escolhido para a realização das entrevistas, notamos que o número de adolescentes que pediam na rua havia diminuído, o que nos trouxe certa dificuldade para a realização das entrevistas. Esse fato nos levou a procurar o Conselho Tutelar do município para entender por que o número de adolescentes havia diminuído. Segundo informação obtida em entrevista com o Presidente do Conselho Tutelar, a Prefeitura de Poços de Caldas havia firmado um convênio com uma clínica de recuperação para dependentes químicos em Ribeirão Preto, e muitos dos adolescentes que ficavam na rua tinham sido encaminhados a essa clínica.

 

Análise

A análise foi feita a partir dos discursos elaborados pelos sujeitos nas entrevistas. As respostas dos doadores foram dispostas no instrumento denominado mapa de associação de idéias, conforme proposta de Spink (1999). Para a elaboração do mapa, as perguntas formuladas guiaram a disposição das respostas. Tal disposição procurava identificar a construção dos discursos e dos repertórios utilizados nessa construção e a dialogia implícita na produção de sentidos. Para consecução desse objetivo, o diálogo foi mantido intacto, sem fragmentação, apenas sendo deslocado para as colunas previamente definidas em função dos objetivos da pesquisa.

Assim, podemos sintetizar o processo de análise em seis passos: desenvolvimento dos mapas a partir das perguntas da entrevista e das linhas narrativas; identificação dos processos de construção dos discursos; identificação, a partir dos discursos, do que Spink (2004a) denomina de posicionamentos do self;2 descrição de cada categoria conforme aparecem nos resultados; estabelecimento dos tempos utilizados nos discursos: curto, vivido e longo; e identificação dos repertórios lingüísticos, ou seja, das expressões utilizadas pelos sujeitos para exprimir os sentidos a respeito da esmola.

 

Resultados
As entrevistas com os doadores

As respostas dos sujeitos, possíveis doadores de esmolas ou não – que serão indicados com a letra s minúscula seguida do número que os identifica –, geraram discursos que caracterizaram seus posicionamentos e juízos sobre pedir esmolas ou dá-las. Esses discursos com seus enunciados é que foram objeto de nossa análise. A categorização das respostas foi feita a partir da análise do discurso como um todo; é o conjunto do discurso que permite a identificação do posicionamento do sujeito diante da questão que estava sendo tratada, e não o conteúdo das afirmações tomado isoladamente.

 

As categorias

A análise dos discursos produzidos a partir das entrevistas feitas com os sujeitos adultos permitiu-nos divisar cinco categorias a partir das quais construímos a compreensão do posicionamento desses sujeitos diante da questão de dar e pedir esmolas:

a) Predominantemente a favor: os sujeitos constroem seus discursos deixando, dessa forma, um posicionamento predominantemente favorável à prática de dar esmolas.
b) Predominantemente contra: os sujeitos que se encaixam nesta categoria constroem um discurso coerentemente contrário ao ato de dar esmola.
c) Contraditório quanto à razão: o discurso traz à tona as contradições que existem na realidade; para justificar o dar ou não esmola, o sujeito constrói uma argumentação racional que revela as impressões que tem ao ser provocado pelo pedinte. Exemplo: “Ahhh... Às vezes porque eu vejo que precisa, quando precisa... E às vezes quando eu vejo que não precisa... Aí eu não dou” (Suj. 5).
d) Contraditório quanto ao sentimento: as respostas não definem, mas deixam claro o posicionamento do sujeito com relação à doação de esmolas, uma vez que justificam o dar ou não esmolas a partir do sentimento que a situação provoca neles. Os discursos revelam a contradição existente na realidade, pois ora se colocam a favor da doação, ora contra.
e) Posicionamento paradoxal do self: os discursos não deixam claro como os sujeitos se posicionam ante a doação de esmolas porque ora eles se colocam a favor da doação, ora contra, de maneira não definida, não contextualizada.

 

Discussão sobre os dados coletados
Predominantemente a favor

Sete sujeitos (s1; s9; s21; s22; s31; s49; s50) apresentaram um posicionamento do self predominantemente favorável quanto à prática da esmola. Embora três deles tenham construído seus discursos predominantemente favoráveis, em alguns momentos apresentaram empecilhos no que diz respeito à razão ou ao sentimento, fazendo algumas ponderações. Essas modulações apareceram geralmente nos discursos das pessoas que se sentiam bem por dar e negar esmolas e em casos em que a pessoa construiu um discurso muito favorável, entretanto, em alguns momentos, oscilava dizendo: “depende das circunstâncias” (s9).

Um sujeito (s31) se mostrou indiferente: o ato de dar esmolas não despertava nele um sentimento bom, mas também não lhe gerava culpa.

Das sete pessoas, uma (s21) conceituou esmola como sendo dinheiro, duas outras (s31 e s50) a conceituaram como sendo uma forma de ajuda e uma quarta (s22) conceituou-a como sendo esses dois conceitos juntos (dinheiro e ajuda). Um (s9) a conceituou a partir da descrição da ação em relação aos sujeitos que doam: “É uma coisa que você faz pra pessoa que você supre a necessidade dela, é instantaneamente, é uma coisa bem instantânea mesmo...”. Os dois últimos a conceituaram de forma geral, envolvendo desde dinheiro até o lanche ou um ato solidário.

Com relação à utilização dos recursos dos tempos na construção dos discursos, notamos que, no conjunto das sete construções, ocorreram quatro aparições do tempo longo – duas vezes na fala de s31 e uma vez nas de s1 e s9. Exemplo: “porque eu acho que... eu não aposto muito, tanto, não tenho muitas esperanças nas macropolíticas entendeu? [...] Às vezes a pessoa tá ali com fome ali, por exemplo... e não pode esperar uma mudança cultural, histórica que vai vir da noite pro dia” (tempo curto) (s31).

Assim, podemos dizer que ocorre uma compreensão favorável ou contrária à prática da esmola predominantemente a partir da constatação da história pessoal (tempo vivido) e dos posicionamentos favoráveis ou contrários à prática da esmola expressos na entrevista (tempo curto): “porque eu acho que ele não teria condição de enfrentar um campo de trabalho, pela própria deficiência” (tempo vivido) (s50) [...] “Eu acredito que, é... dar esmolas é eficiente em determinados momentos, eu acho” (tempo curto) (s9).

 

Predominantemente contra

Nas sessenta e duas entrevistas realizadas, vinte e três sujeitos posicionaramse de maneira predominantemente contra a prática da esmola, construindo um discurso coerentemente contrário ao ato de dar esmola. Destes, s7, s13, s28, s33, s35, s51 e s56 mostraram-se contra e apresentaram sentimento de indiferença quanto a darem ou não esmola.

Os sujeitos s6, s12, s15, s18 e s61, mesmo dizendo serem contra, demonstraram sentimento ruim por negar, o que pode ser exemplificado na fala de s6: “E a gente fica triste pelo país né... Essas pessoas pedindo... Isso que eu fico triste”. Ou na fala de s12: “Como eu não dou, eu acho ruim eu não dar, me dá uma dor no coração”.

Os sujeitos s14, s24, s25 e s62 tanto se mostraram contra a prática de dar esmola, que declararam ter um sentimento bom por negá-la. Eles acreditam que, negando, estão contribuindo de alguma maneira para com o pedinte. Exemplo disso é o que diz s14: “Na realidade eu acho que eu tô ajudando a pessoa se eu negar o dinheiro”. Ou s24: “Eu acho que deveriam todos se conscientizarem e não darem esmolas”.

Os s19, s23, s38, s42 e s46 posicionaram-se predominantemente contra, mas em determinado instante demonstraram certa contradição quanto ao sentimento, explicitada no fato de que, mesmo sendo contra o dar esmolas, apresentam um sentimento bom por dar, ou seja, conseguem fazer uma reflexão acerca do ato. Por exemplo, s19: “Pelo sentimento, sentimentalmente falando, eu acho que a gente tem que dar. Mas se for pela razão, você não dá”. E s23: “É que eu ficava com pena, quer dizer, quando eu dava, né”.

Já o sujeito s45, em determinado momento, deixou claro que considerava completamente errada a atitude, mas, no decorrer da entrevista, falou como quem tem o hábito de dar esmolas, inclusive apresentando sentimento bom por dar. Como exemplo a resposta de s45: “Acho errado. (...) Mas eu me sinto bem, podendo estar ajudando as pessoas”.

Dos vinte e três entrevistados que se posicionaram predominantemente contra, na tentativa de conceituarem o que seria esmola, seis sujeitos deram respostas como s28: “Esmola é eu dar alguma coisa pra alguém”. Ou s56: “Ah, esmola é... quem está precisando, né? De... de pedir, ou pede por malandragem”. Ou seja, coisas que parecem estar diretamente relacionadas ao ato, ao pedir e ao dar. Respostas como dar alguma coisa para alguém, dar um pouco do que tem ou como aparece em s19: “... é a falta de competência, não é nem de capacidade não, é de competência da pessoa de arrumar um trabalho e se manter”.

Doze sujeitos conceituaram como dar dinheiro propriamente, tendo alguns desses relatado ajudar de outra maneira, por exemplo, s7: “Eu não nego um alimento. Agora dinheiro, não... Não dou, não”. A maioria dos entrevistados alega como motivo para não dar dinheiro o fato de muitos serem mendigos ou usarem o dinheiro para comprar droga e bebida, ou seja, situações favorecidas pela falta ou pela posse do dinheiro, e que vêm a ser usadas como justificativas para se posicionar de maneira predominantemente contra; dois sujeitos, por sua vez, conceituaram esmola simplesmente como uma forma de ajuda.

Com relação à utilização dos tempos na construção dos discursos, em oito das vinte e três entrevistas, verificou-se a utilização do tempo longo, como em s33: “O que a gente tá precisando é de uma política séria, de um sistema que funcione”. Assim, mesmo tendo os sujeitos predominantemente contra feito, maior utilização de tempo longo, ainda podemos dizer que a compreensão favorável ou contrária à prática da esmola é revelada a partir da utilização dos tempos curto e vivido, ou seja, a partir da constatação da história pessoal. Por exemplo, s7: “... a gente... fica aqui, ó, das oito às dezoito pra ganhar um pouquinho... Para dar pra uma pessoa pra tomar uma cerveja nas suas costas... Eu não...” (tempo vivido). E em s28: “Porque eu sei o valor do dinheiro suado, do que eu precisei fazer pra ganhar aquele dinheiro” (tempo curto).

 

Contraditório quanto à razão

Vinte e dois sujeitos apresentaram um posicionamento do self contraditório quanto à razão da prática de dar esmolas.

O discurso desses indivíduos foi construído a partir de uma lógica racional, em que grande parte deles faz uma reflexão sobre a atual situação do país. Exemplo: “Olha, é difícil falar, porque eu teria que estar numa situação dessas pedindo a esmola pra realmente saber, porque hoje em dia, falta emprego, sentido social, a pessoas é... Arruma um jeito mais fácil” (s17).

Interessante é notar que 50% dos sujeitos trazem um sentimento bom por dar e ruim por negar. Apesar de afirmarem que o ato de dar esmola não seria a melhor atitude, as pessoas se sentem bem dando esmolas e na maioria das vezes se sentem culpadas e com remorso por não fazê-lo.

Dos vinte e dois sujeitos, nove conceituaram esmola como uma forma de ajudar as pessoas que estão precisando. Essa ajuda seria em um sentido geral, como dar comida, dinheiro, roupas e outra coisa de que a pessoa estivesse precisando. Sete sujeitos conceituaram esmola como “dar dinheiro”. A comida ou a roupa não são compreendidas dentro do conceito de esmola, apenas a ajuda em dinheiro, por isso grande parte das pessoas dizem que dão comida, “mas dinheiro, nem pensar”.

Com relação à utilização do recurso dos tempos na construção dos discursos, notamos que, das vinte e duas construções há doze ocorrências de tempo longo, como: “No Brasil, que são tantas pessoas, né?” Assim, podemos dizer que os sujeitos baseiam seus discursos em uma lógica estruturada na experiência pessoal, em situações vividas pelos sujeitos com pessoas que pediram esmolas. Ex: “Não, não dou porque é... Em alguns casos eu já fui abordado por pessoas, ai sempre tem uma história, que a pessoa tá perdida, que a pessoa não tem dinheiro pra voltar, e que a pessoa precisa comprar uma passagem pra ir embora. Só que muitos dos casos, passaram-se ali alguns minutos eu encontrava com a pessoa, e a pessoa é... tava embriagada. Já vi isso acontecer muitas vezes. Isso me incentivou a não doar mais” (s17).

 

Contraditório quanto ao sentimento

Seis sujeitos (s29; s30; s34; s44; s52; s60) apresentaram um posicionamento do self contraditório quanto ao sentimento em relação à prática da esmola, ou seja, os discursos foram elaborados ao redor de argumentações de ordem sentimental, que, dependendo do contexto, modulam de forma diferente a atuação. Por exemplo: “Ah, eu me sinto muito mal... [...] Porque a gente nega porque no rádio eles falam que não é pra dar...” (s30).

Um único sujeito (s44) construiu seu discurso contraditório quanto ao sentimento sendo claramente contra a prática de dar esmola. Esse sujeito afirmou que sente dó por negar, mas que não dá esmolas, pois acha errado.

Dois sujeitos explicitaram o conceito de esmola a partir do seu significado do ato de dar algo para uma pessoa: “esmola é uma forma de compensar um descuido nosso em relação a todo um social e aí a gente tem a ilusão de que isso vai ajudar de alguma forma” (s34).

Com relação à utilização do recurso dos tempos na construção dos discursos, notamos que, das seis construções, há duas ocorrências de utilização do tempo longo – a já acenada no parágrafo anterior de s34: “é tentar de alguma forma, compensar, todo um cuidado que deveria se ter tanto pelo Estado, quanto pelo governo, tanto social mesmo, de cada um, uma responsabilidade individual”. Assim, podemos dizer que ocorre uma compreensão favorável ou contrária à prática da esmola predominantemente a partir da constatação da história pessoal (tempo vivido) e dos posicionamentos favoráveis ou contrários à prática da esmola expressos na entrevista (tempo curto): “(...) porque você não tá ajudando, mas também não tá deixando de ajudar...” (tempo vivido) (s34), ou “eu prefiro ajudar... se for preciso eu dou pra alguma instituição, do que dar esmola assim pra alguma pessoa...” (tempo curto) (s29).

 

Posicionamento paradoxal do self

Nove sujeitos (s2; s16; s32; s43; s48; s50; s55; s58; s59) apresentaram um posicionamento paradoxal do self quanto à prática da esmola.

Destes, oito construíram discursos paradoxais quanto à razão, ou seja, usaram argumentações de ordem racional, mas descontextualizadas. “Ah, dar esmolas? Acho que... ah, ajuda também assim, mas também não ajuda” (s16).

Um único sujeito (s59) construiu seu discurso paradoxalmente quanto ao sentimento envolvido em dar ou negar esmolas. Esse sujeito afirmou que sente dó tanto por dar quanto por negar, mesmo afirmando que não dá esmolas.

Quatro dos sujeitos, quando solicitados, se ocuparam em conceituar o que vem a ser esmola. Dois (s16 e s59) a conceituaram como ajuda – o primeiro especifica como ajuda em dinheiro e o outro como ajuda a alguém que não precisa. Outro sujeito (s55) se referiu à esmola como humilhação e o quarto (s58) conceituou esmola a partir da descrição da ação dos sujeitos que pedem: “esmola são os meninos que pedem, que passam; os meninos carentes da rua que moram nas ruas; que passam pedindo dinheiro ou alimento, algo que possa ser útil a ele”.

Dois sujeitos explicitaram as alternativas à esmola que põem em prática: “dar o que, o que eles falam, por exemplo: ‘eu preciso de um real pra comprar um leite para o meu irmão’; então, vamos lá, vamos comprar o leite, então, aí eu dou o leite pra eles” (s58).

Com relação à utilização dos recursos dos tempos na construção dos discursos, notamos que, das oito construções, há somente três ocorrências de utilização do tempo longo (s2; s55 e s59), como nesta resposta: “porque aquilo que esta criança [...] você dá esmola, você incentiva ele a ficar na vida fácil, entendeu? Então, ele não vai [...] procurar é, a ir na escola, praticamente ele só vai ficar procurando permanecer na rua, que tem a vida fácil” (s55). Assim, podemos dizer que ocorre uma compreensão favorável ou contrária à prática da esmola predominantemente a partir da constatação da história pessoal (tempo vivido) e dos posicionamentos favoráveis ou contrários à prática da esmola expressos na entrevista (tempo curto): “[...] eu acho que tem que ser pensando por enquanto eu nunca parei tanto pra pensar, né... (tempo vivido) é complicado você dar esmola e você não dar esmola também” (tempo curto) (s32).

 

O conceito de esmola

Podemos notar que é predominante a compreensão de que esmola consiste em dar dinheiro. Também é de se destacar que alguns se referem ao termo ajuda para definir esmola. Dar alimento, roupas, pagar um lanche não são entendidos como dar esmola, mas como alternativas a esta prática.

 

O repertório lingüístico referente à compreensão da esmola

Analisando-se o repertório lingüístico utilizado para caracterizar a esmola nos discursos construídos, podemos destacar alguns termos característicos:

 

Positivos

a) instantaneamente (“é uma coisa que você faz pra pessoa que você supre a necessidade dela, é instantaneamente...”) e egocêntrico (“eu sinto que eu fui um pouco menos egocêntrico”) (s9);
b) querer bem (“a esmola é você querer bem a pessoa”) (s52);
c) ajuda (“seria uma ajuda pra alguém [...]”) (s59);
d) entre as alternativas à esmola, entendida como doação de dinheiro, são enumerados, por vários sujeitos, termos como: “uma esmola tipo assim... alimento... digamos uma bebida, um refrigerante, ok...” (s50).

 

Negativos

e) constrangimento (2 vezes) (s2); circunstância (2 vezes) s2). Os termos apareceram na fala de um sujeito que afirmou só dar esmola para evitar o constrangimento de ter que lidar com o pedinte, doa para se ver livre dele;
f) vagabundo (“dando esmola você tá... como se diz... agindo de um modo que deixa o sujeito vagabundo”) (s29);
g) acomodamento (s44); vício (s44). Os termos foram usados por um sujeito que afirmou que, dando esmola, estaria contribuindo para o acomodamento das pessoas, o que vicia, já que a pessoa se acostuma com esse jeito de viver;
h) vândalos (“pra mim é uma maneira de criar, ah, vândalos”) (s48);
i) pilantragem (“quando eu vejo a pessoa tá de pilantragem eu não sinto remorso”) e dó (“eu fico com um pouco de dó, né?”) (s49);
j) humilhação (“Ah, esmola seria uma palavra muito... humilhar... seria humilhação, né?”) (s55);
k) vergonha (“eu acho uma vergonha... uma vergonha porque eu acho que ninguém nesse mundo podia precisar pedir esmola, né?”) (s60).

Podemos destacar igualmente, no repertório lingüístico, algumas expressões:

a) algumas moedinhas (“eu sempre dou algumas moedinhas”) (s1);
b) sentir-se leve (“parece que você se sente mais leve assim ajudando”) (s1);
c) “você dá a mão, mas não dá a esmola” (s29);
d) entre as alternativas à esmola, entendida como doação de dinheiro, colocase que: “você não pode dar o peixe, tem que ensinar a pescar” (s44).

 

As entrevistas com os adolescentes

Como já foi observado, tivemos acesso a seis adolescentes que exerciam atividades de geração de renda no centro de Poços de Caldas, ou por meio de trabalho e/ou pedindo esmolas. Estes serão identificados pela letra s minúscula seguida por uma letra maiúscula em ordem alfabética.

Posta para eles a questão do pedir esmolas, percebemos que há a tendência a recuperar, nas respostas, as origens dessa prática em suas vidas. Daí o fato de quatro das respostas constituírem narrativas, o que nos levou a adotar o esquema de análise que Mary Jane Spink (1999) denomina de “linhas narrativas”. Nesse processo, interessou-nos a análise dos enunciados referentes à prática de esmolar, enquanto aqueles referentes a outros objetos (hábito de cheirar cola, aquisição de caixa de engraxate etc.) foram considerados somente na medida em que ajudavam a contextualizar melhor os enunciados sobre a prática de pedir esmolas.

Com relação ao uso dos tempos, são predominantes – ocorrência em cinco sujeitos (sA, sB,. sC, sE e sF) – os tempos vividos e curtos, indicando que o horizonte do discurso dos sujeitos abrange principalmente a experiência pessoal destes com a prática da esmola. Só há ocorrência de tempo longo no discurso de sD que, por sinal, manifestou não pedir esmola e é contrário a essa prática. Em seu discurso, ele procura elaborar uma análise mais ampla da questão da esmola, vinculando-a ao contexto social e político: “Ah!... Eu não acho certo, não! Mas tem gente que pede mesmo... Tem gente que pede por vício... E tem gente que pede porque precisa... Mas eu acho que, até quem pede por vício é culpa do governo! Ah... Esses políticos tudo rouba e não vai preso! [...]” (sD).

Quanto ao posicionamento dos selves, observando o discurso predominante, um sujeito (sD), como já acenado, é contra a prática de pedir esmolas. Outros dois (sB e sC) constroem, para o entrevistador, os enunciados a respeito da prática de pedir esmola como estratégia de sobrevivência diante de uma necessidade imediata: “Eu não peço não, só estou pedindo porque minha mãe está desempregada, lá em casa está sem água, sem luz e está faltando as coisas para comer” (sC).3 Outros dois (sA e sE) apresentam a esmola como possibilidade ao lado de outras práticas de geração de renda: “Eu também, eu engraxo e peço também [...]” (sE) e “tinha dinheiro para gastar com bobagem [...]” (sA). O sujeito F apresenta como posicionamento do self a relação que faz entre sua postura anterior de pedir esmola – vinculada ao consumo de droga – e o momento da entrevista, que ocorre logo que retorna da clínica de desintoxicação em Ribeirão Preto: “Pedia mais em porta de supermercado, mas gente com dinheiro, né: [...] Ah, hoje eu não tenho coragem mais, não”.

Nesse ponto ainda, a respeito do posicionamento dos selves, percebemos a presença de categorias que permitiram aproximar-nos das elaborações dos sujeitos entrevistados. Nas respostas, percebemos a presença de duas categorias de registro: a função pessoal da esmola (fpe) e a função social da esmola (fse). A primeira corresponde à identificação da prática de pedir esmola com fins de atender a demandas do próprio sujeito, como no exemplo: “Pedia porque minha mãe não tinha condições de me dá as coisas. Aí eu podia comprar o que queria” (sA). A fse consiste no sentido sociocultural das finalidades de pedir esmola; aí se enquadram, por um lado, as finalidades de dar apoio financeiro ou material às famílias: “Tinha dinheiro [...] dava pra minha mãe, meu irmão [...]” (sA) ou “só tô pedindo porque minha mãe tá desempregada, lá em casa tá sem água, sem luz e tá faltando as coisa de comer” (sC). Enquadram-se também na fse as necessidades sociais e culturais decorrentes da vida social, por exemplo, quando sE utiliza o dinheiro que coleta para mandar lavar roupas na lavanderia.

Articuladas com as funções, distinguimos duas necessidades: a satisfação das necessidades básicas (nb), referentes ao atendimento de necessidades relacionadas à sobrevivência, manutenção básica de condições de vida e a das necessidades sociais (ns), relacionadas à satisfação de necessidades que permitem uma inserção mais adaptada ao contexto social, por exemplo, quando busca adquirir roupas da moda ou de marca ou quando utiliza o dinheiro para comprar cola para cheirar com os amigos. Assim, podemos identificar momentos em que o sujeito enuncia uma fpe que atendia a necessidades sociais (“Eu descia, encontrava a turma na praça e pedia pra cheirar cola” - sA) ou uma fse que atende a necessidade básica (alimentação, por exemplo).

Duas categorias indicam expressão de juízo. O juízo moral diz respeito à prática de pedir esmolas, ou seja, a emissão de um julgamento quanto à moralidade da ação dos sujeitos que pedem, se são boas ou más; esta ocorre somente uma vez: “[...] mas não tinha jeito, eu não gostava de roubar, era o único jeito [pedir esmolas]” (sF). Outro tipo de juízo identificado foi o que denominamos de juízo da experiência, referente não a juízo de valor, mas à manifestação da impressão que a experiência de pedir esmola causa no sujeito: “Ele foi pedir e eu junto, ganhou uns vinte, trinta reais; aí eu comecei, foi virando vício” (sA). “Era muito difícil, cruel, eu não desejo isso pra ninguém; experiência muito ruim. [...]” (sF).

Outra categoria é a relação-reação. Indica a relação que se estabelece entre os sujeitos, o que pede e o que é solicitado; e a reação que provoca essa relação no que pede. Uma ocorrência desta categoria é o caso dos que manifestam que pedem ou pediam com educação, respeitando o direito do doador de dar ou não (sB): “[...] se você puder me ajudar, porque eu peço com educação, né, ninguém é obrigado a dar, aí eu peço; se a pessoa dá é porque quer” (sB). Outra ocorrência é a da reação agressiva diante de uma negativa (sE e sF): “Ah... Dá uma raiva quando a gente pede e eles não dão! [...] Ah... às vezes eu xingo!” (sE).

 

Conclusões

Percebemos que a prática de pedir e a de dar esmolas constituem uma relação entre sujeitos mediada por linguagens – que podem ser verbais ou corporais. Essa prática elabora discursos que, por sua vez, produzem sentidos para quem pede, para quem doa, para quem testemunha tal prática e para quem pretende compreendê-la. O pedir, o doar ou negar, de um e outro sujeito, constituem como que uma só prática, como um discurso provocado por enunciados diversos. As entrevistas, por sua vez, possibilitaram a esses sujeitos elaborarem outros discursos, desta vez marcados pela reflexividade, pela busca de elaborar uma compreensão e/ou justificativa para suas ações no contexto da prática de esmolar-dar. A partir dos resultados obtidos com este estudo, podemos apontar algumas conclusões sobre os sujeitos envolvidos nestas dialogias.

 

Quanto aos doadores

O sujeito que dá esmola constrói uma argumentação a partir da impressão que tem daquele que pede; algumas vezes, essa argumentação é elaborada na relação estabelecida entre pedinte e doador, como quando julga se deve dar ou não dependendo da aparência do sujeito; outras, em representações elaboradas previamente acerca do sujeito que o aborda.

Os doadores relacionam a esmola, de maneira predominante, à necessidade imediata de quem pede, sem aceitar a condição do sujeito enquanto ser desejante. O indivíduo dá esmola, mas não permite que o sujeito que pede possa definir como quer usufruir o que recebeu; espera que o pedinte faça uso daquilo de que se “apropriou” exatamente da forma como quem deu acredita ser adequado ou necessário. A doação de esmola aparece, assim, como uma forma de controle dos adolescentes, uma vez que são os doadores quem julgam o que é ou não necessário para eles. Isto muitas vezes aparece como justificativa para a doação ou não.

A construção do discurso dos doadores se dá predominantemente a partir dos tempos curto e vivido, o que determina o horizonte de compreensão/ análise da prática de dar esmola a partir da experiência pessoal. Percebe-se a ausência de construção de discurso a partir do tempo longo, o que revela uma falta de articulação da prática de pedir e também de dar esmola com questões culturais, sociais e políticas. Dessa forma, a doação de esmola apresenta-se como uma maneira de manter o pedinte na condição em que se encontra, fechando possibilidades de se entrever alternativas de ação que permitiriam promover socialmente os sujeitos.

As razões que levam as pessoas a dar esmolas variam do desejo de verem-se livres da relação com o pedinte – dar para não mais se encontrar no constrangimento da situação – ao medo manifestado no doador diante da idéia de uma possível reação agressiva do pedinte e, ao sentimento de responsabilidade social que algumas vezes é acompanhado por culpa, ou seja, um sentimento de responsabilidade pela condição social em que ambos se encontram, doador e pedinte.

Há também aqueles que se recusam a dar esmolas e preferem contribuir com instituições assistenciais do município. Apesar de se entrever uma preocupação quanto a políticas de atendimento a adolescentes em situação de vulnerabilidade social, a visão predominante é com relação à eliminação da prática de pedir, vinculada a uma imagem não positiva da cidade.

Outros se recusam a dar esmolas, porém refletem sobre a necessidade de dar oportunidade aos que pedem de ter acesso a outras formas de obter renda (“ensinar a pescar e não dar o peixe”).

 

Quanto aos pedintes

Nas entrevistas com os sujeitos adolescentes, observamos o pouco uso da palavra esmola. Esta é substituída, geralmente, pelo verbo pedir, que, entretanto, em nenhum momento é utilizado com o termo esmola, mas nas expressões “pedir dinheiro”, “pedir comida”, “um trocado”.

A ação de pedir esmola ora aparece como conseqüência da situação de vítima em que se coloca o sujeito – este se justifica dizendo que pede, pois está morrendo de fome, por exemplo –, ora como “modo de vida”, quando esses sujeitos encontram na esmola uma maneira não só de sobreviver, mas também de viver.

Há também no ato de pedir esmolas a questão do enunciado: o sujeito que pede e demanda uma resposta positiva, negativa ou neutra é reconhecido e se reconhece enquanto sujeito nesses momentos, mesmo que de forma não consciente, o que nos permite dizer que a esmola constitui um enunciado, já que traz à tona ou mostra o sujeito existente naquele que pede e demanda resposta.

Dessa forma, o pedir esmolas gera uma modificação no ambiente (contexto) da ação, já que ocorre uma relação entre pedinte e doador, no momento que o sujeito doador é abordado pelo sujeito pedinte. Vemos uma ação (pedir esmolas) que pode gerar diversas reações – positivas ou negativas – no sujeito (possível doador) e no contexto em que estes se encontram.

Assim, é possível divisar na prática de esmolar um constitutivo da forma de subjetivação desses adolescentes; ela constitui uma forma do sujeito se posicionar diante de si e da realidade social. A linguagem elaborada na prática da esmola, com os enunciados que gera, permite que os adolescentes possam se reconhecer, de alguma forma, como sujeitos na interlocução que se estabelece.

 

Quanto às políticas públicas

O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990 (Brasil, 2003), em consonância com o art. 227 da Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988 (Brasil, 2004), estabeleceu detalhadamente o papel do Estado, da família e da sociedade com relação à criança e ao adolescente. Segundo o ECA, a família é considerada como condição importante para a realização dos direitos fundamentais da criança e do adolescente: direito à vida, saúde, liberdade, respeito e dignidade, convivência familiar, esporte, lazer e cultura. É vista ainda, como instância fundamental que deve ser respeitada e também protegida em suas condições.

O discurso elaborado pelos adolescentes deixa entrever a ausência de alternativas de vida, de educação, de elaboração do próprio tempo livre, apontando para o fato de que as instituições estatais deixam um vazio de ações e políticas de atendimento que possam suprir essas necessidades. No contexto de nosso estudo, percebe-se que o Estado intervém ou por meio de campanhas de esclarecimento em que solicitam aos cidadãos que não dêem esmolas, ou apoiando instituições que oferecem atividades de apoio cultural, escolar a adolescentes. Ocorre que, numa lógica até compreensível, entre viver da “caridade” da sociedade e de programas em instituições, eles optam pelo que lhes é mais conveniente ou lucrativo. As instituições até trazem benefícios, mas é algo que precisa ser conquistado, demanda disponibilidade e dedicação, já na rua o resultado é imediato. Não se percebe, assim, a preocupação com o que acenávamos no objetivo geral desta pesquisa: a de que faz parte das políticas sociais com as populações carentes ampliar a compreensão da inteligibilidade intercultural das necessidades dos sujeitos, tanto as dos carentes quanto as dos que se propõem a intervir. É preciso superar a situação muito comum em que as necessidades das populações atendidas são determinadas pelos agentes da intervenção junto a estas populações (Bonatto, 1998)

Políticas sociais devem levar em conta adolescentes carentes não somente como sujeitos de necessidades, mas principalmente como sujeitos de direitos e sujeitos de desejos. Para isso é necessário que estes encontrem espaços – seja na escola, no abrigo, nas praças, no próprio contexto – em que se sintam bem, possam se expressar, pelo esporte, pela arte, pela música, pelo teatro e por outras formas; em que os sujeitos adolescentes e adolescentes possam se manifestar, sem a necessidade de buscarem outros espaços e meios para darem visibilidade a si mesmos.

 

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Texto recebido em junho/2007.
Aprovado para publicação em novembro/2007.

 

 

*A equipe de pesquisadores quer manifestar seu agradecimento ao Fundo de Incentivo à Pesquisa (FIP) e ao Programa de Bolsa de Iniciação Científica (PROBIC) da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, pelo apoio concedido ao longo do ano de 2006 com as bolsas FIP 1º 2006/72 S1 e PROBIC 2006/148 que permitiram a realização da pesquisa ora apresentada.
**Doutor em Psicologia pela USP, professor do curso de Psicologia da PUC Minas campus Poços de Caldas. E-mail: rogeriobonatto@pucpcaldas.br
***Graduando em Psicologia pela PUC Minas campus Poços de Caldas. E-mail: diegocampeiro@hotmail.com.br
****Graduando em Psicologia pela PUC Minas campus Poços de Caldas. E-mail: jaquesalles@hotmail.com
*****Graduando em Psicologia pela PUC Minas campus Poços de Caldas. E-mail: lika.psi@gmail.com
******Graduando em Psicologia pela PUC Minas campus Poços de Caldas. E-mail: thiagoribeirodefreitas@yahoo.com.br
1O artigo 60 da Lei de Contravenções Penais tipifica o ilícito penal da mendicância, quando realizada por ociosidade ou cupidez (cobiça), prevendo pena de prisão simples, de 15 dias a três meses, aumentada de um sexto a um terço, se a contravenção é praticada de modo vexatório, ameaçador ou fraudulento, mediante simulação de moléstia ou deformidade ou em companhia de alienado ou de menor de 18 anos. Também o artigo 247 do Código Penal estabelece pena de um a três meses a quem permitir que menor de 18 anos, sujeito a seu poder ou confiado à sua guarda ou vigilância mendigue ou sirva a mendigo para despertar a piedade pública. Nesta perspectiva normativa, a Lei coloca que a mendicância é ilegal e o responsável pelo sujeito (sendo este menor) que infringe a lei também terá que responder pela ilegalidade.
2Os posicionamentos do self são “posições que pessoas assumem (conscientemente ou não) no processo de interação como produtos da interação [...] são todas as maneiras em que as pessoas, por meio das suas práticas discursivas, produzem realidades sociais e psicológicas” (Spink, 2004a, p. 50). Nesse procedimento, identificamos cinco tipos de posicionamento do self, por parte dos doadores, quanto à prática de dar esmolas, conforme indicado na sessão seguinte.
3Apesar de sC apresentar esse tipo de discurso, freqüentemente é visto tarde da noite no centro da cidade pedindo esmola. Tal prática discursiva indica que o posicionamento do self apresentado pelo sujeito é dependente de provocações de outros interlocutores em contextos diferenciados. Assim, o sujeito pode elaborar um tipo de enunciado para um determinado interlocutor (p. ex. um pesquisador ou um policial) e um outro tipo que contradiz o enunciado anterior para outro interlocutor (p. ex. um amigo com quem divide o dinheiro da esmola).

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