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Psicologia em Revista

Print version ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.13 no.2 Belo Horizonte Dec. 2007

 

SEÇÃO ABERTA

 

A psicanálise aplicada no Núcleo de Investigação em Anorexia e Bulimia (NIAB) do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

 

The applied psychoanalysis in the Núcleo de Investigação em Anorexia e Bulimia (NIAB) of the Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

 

 

Alexandre Dutra Gomes Cruz*

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

 

 

A pesquisa surgiu da constatação de que hoje a psicanálise pode ser encontrada em espaços diferentes do consultório particular, como nas instituições de saúde, por exemplo, embora a função do psicanalista nesses locais ainda dê margem a questionamentos. Justificou-se, principalmente, pela necessidade de tornar mais claro o fazer analítico em circunstâncias diferentes do consultório privado, já que, desde Freud, são freqüentes os maus usos da clínica, realizados em nome da psicanálise.

O objetivo geral foi abordar a psicanálise aplicada no Hospital Geral, considerando a particularidade da função do psicanalista nessa instituição. Foram propostos como objetivos específicos verificar como a psicanálise se insere no Hospital Geral sem dissolver-se nos outros discursos que aí circulam, circunscrever a função do psicanalista nesse contexto e observar sua posição diante das regras institucionais, já que a emergência do sujeito implica uma desorganização dessas regras.

Para empreender esse percurso e abordar essas questões, foi realizado um estudo a partir de revisão bibliográfica e de entrevistas semi-estruturadas com treze profissionais do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que atuam no Núcleo de Investigação em Anorexia e Bulimia (NIAB), onde praticantes fazem um trabalho já conhecido no estado de Minas Gerais e fora dele.

A análise dos dados permitiu constatar que, na atualidade, já não faz sentido questionar a possibilidade da prática da psicanálise no Hospital Geral e de sua convivência com os outros discursos que aí circulam. As entrevistas mostraram que a condição para isso é que o praticante da psicanálise se submeta ao processo de formação no campo da psicanálise pura, sustentado no tripé “análise pessoal, supervisão e estudo teórico”, o que favorece a manutenção dos referenciais fundamentais da psicanálise aplicada, propostos por Brousse (2007) – Outro barrado, $ e SsS –, que devem ser sustentados pelo praticante.

Na psicanálise aplicada, o praticante se presta a cumprir uma função terapêutica, mas sem desconsiderar o sujeito, que desorganiza o texto de regras instituído. Esse campo de tensionamento constitui o próprio espaço de trabalho do praticante, que se vê confrontado com a perspectiva de subverter as regras da instituição, mesmo reconhecendo a legitimidade delas. É possível que o praticante, ao ser inserido, respeite o texto de regras da instituição, mas, ao considerar o sujeito que, invariavelmente, desorganiza o texto de regras instituído, provoque um tensionamento necessário ao seu trabalho, no qual a formalização e a transmissão da clínica estão sempre implicadas.

A função terapêutica, própria do praticante da psicanálise e fundamentada na construção do caso clínico, tem sua estratégia de ação necessariamente subordinada ao saber elaborado pelo sujeito, em uma modalidade de prática entre várias, tal como postulada originalmente por Jacques-Alain Miller, ou seja, todos os praticantes são transferidos com a psicanálise.

O estudo abordou também as condições relacionadas ao exercício dessa prática no contexto atual, como as questões relacionadas à duração do tratamento, às regras da instituição, às parcerias possíveis, à urgência subjetiva e aos novos sintomas. A construção do caso clínico é apontada como o recurso que possibilita aos praticantes lidarem com essas questões, estabelecendo critérios de intervenção para cada caso e mantendo, assim, o rigor da ética do singular.

A pesquisa mostra que a prática no NIAB ensina a possibilidade de manejo da transferência, inicialmente estabelecida com a instituição – demanda que envolve, muitas vezes, urgência médica –, para a construção de um projeto terapêutico que considere o sujeito e sua implicação no tratamento. Segundo os profissionais entrevistados, o tempo, questão complexa no trabalho institucional, não inviabiliza o tratamento, cuja duração prefixada mobiliza a função da pressa, que constitui uma das versões do ponto de basta na abordagem clínica dos novos sintomas, a exemplo da anorexia e da bulimia. Pôde-se constatar que, nessa prática, o ato analítico mantém todo o seu valor.

 

 

*Mestre em Psicologia pela PUC Minas; professor assistente contratado por prazo determinado pela PUC Betim, orientadora: Profa. Dra. Ilka Franco Ferrari. E-mail: alexgomescruz@terra.com.br

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