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Psicologia em Revista

versão impressa ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) v.14 n.2 Belo Horizonte dez. 2008

 

ARTIGOS

 

Poder e trabalho na escola: práticas inclusivas em discussão

 

Power and work in schools: discussing inclusive practices

 

Poder y trabajo en la escuela: prácticas inclusivas en discusión

 

 

Patrícia Eliane de MeloI*; Marisa Lopes da RochaII**

IInstituto de Psicologia da Pontificia Universidade Católica de Minas Gerais
IIUniversidade do Estado do Rio de Janeiro/Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

 

 


RESUMO

O Tomando a escola como um lugar de múltiplos encontros, nossa perspectiva é a de discutir as práticas de inclusão que vêm ganhando corpo entre os professores da rede pública de ensino a partir da análise de publicações sobre o tema e das reflexões nas pesquisas que vimos realizando em escolas municipais de Belo Horizonte participantes do Projeto de Educação Inclusiva. Considerando os dispositivos de poder atravessados na formação e os diversos modos de gestão do trabalho, estamos afirmando o processo de inclusão como potencializador de estratégias de transformação da escola que temos. Para isso, iniciamos problematizando a inclusão como tensão entre ensino especial e regular; a seguir, abordamos as práticas de inclusão/exclusão como dispositivos de poder em Foucault, passando às discussões acerca da constituição histórica na educação especial e possíveis rupturas; finalmente, concluímos com desdobramentos e paradoxos quando a perspectiva de análise é a micropolítica.

Palavras-chave: Escola inclusiva, Dispositivo de poder, Micropolítica, Gestão escolar.


ABSTRACT

Focusing on the school as a locus of many different encounters, thispaper aims to discuss inclusive practices that are gaining ground among teachers of the public education network. It is based on the analysis of publications on the theme and the results of our research in Belo Horizonte municipal schools taking part in the Projeto de Educação Inclusiva (Inclusive Education Project). Considering power devices present in the formation process and the different modes of work management, we argue that inclusive practices intensify transformation strategies in the school. For such, we begin discussing inclusion as a tension between special and regular education. Then, based on Foucault, we approach inclusive/exclusive practices as power devices, considering.

Keywords: Stress, Behavior type, Labor-related pathologies, Top managers.


RESUMEN

Nuestra perspectiva es tomar la escuela como lugar de encuentros múltiples y a partir de ahí discutir las posibles prácticas de inclusión que vienen ganando espacio entre los profesores de la red de enseñanza pública. Nuestro punto de partida será el análisis de las publicaciones sobre el tema, así como también las reflexiones presentes en las investigaciones que hemos venido realizando en las escuelas municipales de Belo Horizonte que participan en el Proyecto de Educación Inclusiva. Al considerar los mecanismos de poder como obstáculos en la formación y en los diversos modos de gestión de trabajo, afirmamos que el proceso de inclusión es el potenciador de estrategias de transformación de la escuela que hoy tenemos. Para ello, introducimos la problemática de la inclusión como tensión entre la enseñanza especial y la regular. A continuación, abordamos las prácticas de inclusión/exclusión como mecanismos de poder basándonos en Foucault y pasamos a las discusiones sobre la constitución histórica de la educación especial y sus posibles rupturas. Finalmente, concluimos con desdoblamientos y paradojas correspondientes cuando la perspectiva de análisis resulta la micro-política.

Palabras clave: Escuela inclusiva, Mecanismo de poder, Micro-política, Gestión escolar.


 

 

Práticas de inclusão e as problemáticas na formação escolar

Com a implantação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 9394/96, polêmicas vêm sendo geradas nas diferentes regiões e realidades da grande rede de ensino fundamental que recobre nosso território nacional. São as iniciativas municipais, já que esse é primordialmente o âmbito de organização desse segmento do ensino, e as condições e circunstâncias locais que servem de suporte aos diversos modos de atualização do que se configura como inclusão escolar. Não são poucos os escritos, pesquisas e debates que abordam as sutilezas dos processos agenciados, evidenciando as tensões que estão sendo vividas nas escolas. Este trabalho apresenta reflexões que vimos tecendo a partir das análises de publicações recentes relativas à inclusão, como também da pesquisa realizada com educadores em escolas públicas de Belo Horizonte. Nossa preocupação, que, a princípio, estava vinculada às práticas de inclusão de alunos com necessidades especiais em turmas regulares, foi ampliada no percurso dos estudos e da pesquisa para pensar o cotidiano do trabalho docente como efeito de múltiplos atravessamentos geradores de exclusão.

Nas escolas, tivemos como metodologia a constituição de espaços coletivos de discussão. A abordagem situa-se na compatibilização de análises macro (lei, procedimentos, análise de conjuntura) e micropolíticas (forças, tensões e campo de experiências nas relações entre profissionais de saúde, educadores e educandos). Tal perspectiva aponta para a investigação da gênese do campo educacional e das histórias singulares que neste vão sendo tecidas. Para isso propomos encontros com os professores uma vez por semana, durante seis meses, em uma parte do horário do centro de estudos em que pudéssemos conversar e polemizar o cotidiano nas suas questões, afirmações e impasses. Nossos encontros foram gravados e transcritos para posterior extração de analisadores que nos dessem pistas para a escrita do presente trabalho como um início de reflexão nos modos da inclusão.

Destacamos que é recorrente ouvir dos professores do ensino fundamental que o projeto da Educação Inclusiva tem criado situações e dificuldades muitas vezes intransponíveis. A questão, cuja ênfase incide normalmente no trato com alunos com necessidades especiais, não é simples e apenas reflete a complexidade das polêmicas e mudanças a enfrentar nas escolas regulares. O que pudemos verificar é que o projeto de inclusão, pelo modo como foi formulado (nos gabinetes e sem a interferência do professorado), pela maneira de implementação verticalizada das relações entre Secretarias de Educação e escolas (assessoramento assistemático e capacitação) e pelas condições quase sempre precárias do sistema escolar (organização do tempo e do espaço institucionalizados, quantitativo de alunos por turma, excesso de trabalho), vem suscitando controvérsias que tocam em pontos sensíveis de nossa realidade educacional. Para além dos procedimentos que vão regulamentar a entrada de alunos com necessidades especiais, estamos vivendo um momento tensionador do sistema e, nesse sentido, um momento que pode vir a suscitar discussões e análises consistentes, incluindo as escolas, entre os possíveis encontros entre educação especial e educação regular (Baptista, 2006).

Como diz Veiga-Neto (2005), o desafio é por uma boa escola para todos, o que afirma a luta não só por igualdade entre os alunos especiais e os demais como também pelas diferenças, o que implica a inclusão das múltiplas necessidades de cada um. Se é fundamental certo pragmatismo nos embates por direitos iguais, evidencia o autor, não é menos importante a ampliação dos espaços polêmicos em torno dos modos de funcionamento da escola frente à sociedade que queremos construir. Beyer (2006) estabelece que uma prática pedagógica para qualquer aluno estará atenta ao fato de que o acolhimento à diversidade passa pelo trabalho da diferença. Diferença, aqui, constitui-se no tensionamento produzido pela decalagem, assincronia que modula as experiências nas situações que resistem à rotina, aos planejamentos, dando o que pensar aos implicados no curso da ação e que pode levar a transformações da inquietação vivenciada em indagação, em pesquisa que cria outros possíveis de trabalho (Rocha, 2006). Nesse sentido, a educação inclusiva pode constituir-se em dispositivo de atenção à vida e de mudanças mais efetivas nas práticas de um ensinar e aprender coletivo.

A luta presente no cotidiano das ações de professoras e equipes envolvidas com a Escola Inclusiva em Belo Horizonte vem apontando para a acentuada carga de trabalho, para as condições críticas de tempo, de material e de formação com a perspectiva de uma organização menos estressante das atividades que demandam outras formas de pensar/fazer educação. Entre as principais questões que ouvimos e que aproximam tais educadores a tantos outros na realidade brasileira estão: como enfrentar o abandono das instâncias governamentais à educação, cuja relação se faz por meio de leis e regulamentos prontos para serem implementados? Quem escuta o professor e as turbulências construídas no trabalho diário?

Os professores com os quais convivemos nas escolas de Belo Horizonte estão em constante movimento de busca de apoio e de referenciais que deem conta de um trabalho que possa estabelecer novos contornos à atividade docente. E mais questões se constituem no enfrentamento diário das dificuldades: que estratégias mostram-se potentes para trabalhar as nuanças que a dinâmica das classes escolares vai produzindo a partir das diferenças? Para além do cumprimento da Lei, que experiências vêm se produzindo nesse movimento, inventando formas menos adoecedoras de ser professor?

Esse é um momento que pode se constituir como singular na história da educação brasileira, apontando para o desafio de abordar a escola como um campo social problemático, um laboratório de experiências que possa dar passagem a outras micropolíticas1 transformadoras da formação. O movimento de luta pela singularização2 de práticas inclusivas nos convoca a analisar alguns dos dispositivos de poder 3 que vêm sustentando tradições, hábitos e modos de funcionamento institucional, cujos efeitos levam mais ao adoecimento que à qualidade de vida. Foucault (1981), no que tange à microfísica do poder, vai enfatizar os dispositivos de controle como os mecanismos centrais de exclusão, evidenciando que a inclusão não é uma questão territorial, uma vez que não é suficiente estar do lado de dentro para estar incluído. Na educação, o sentido de inclusão será abordado, então, em um campo social concreto, o das práticas ético-políticas que constroem as relações do professor com o processo de trabalho na escola.

 

O projeto de inclusão nas malhas das práticas da exclusão: o poder em Foucault

Tendo como base a abordagem institucionalista, Rocha (2000) convida-nos, como pesquisadores, a buscar novos referenciais de investigação dos mecanismos que fazem da escola um território produtor de tédio institucional e da sensação de impotência de criar alternativas à rotinização do espaço/tempo na educação.

O Projeto de Inclusão responde, sem dúvida, a anseios de setores da sociedade em luta por direitos de cidadania para todos. A questão é a forma com que os diferentes governos implementam ações e legislações, cujos modos de funcionamento e resultados variam pouco. Assim é o caso do entendimento da inclusão na sua dimensão geográfica em que a integração é o fim último, ou seja, a perspectiva se resume na criança dentro ou fora da escola. O projeto, as metas, a organização dos procedimentos de alocação da infância com necessidades especiais são preocupações para garantir a entrada da criança na escola que envolve a capacidade (quantitativa) do sistema de absorver o que é diferente. Escolas iguais? Crianças “normais” ou “especiais” iguais? Para melhor compreendermos o Projeto de Inclusão Social, é imprescindível entrar nas malhas da micropolítica (investigação dos modos como as práticas vão produzindo exclusão entre nós).

Foucault, em seus cursos proferidos no Collège de France, no intervalo de 1975 a 1976, e que originaram o livro Em defesa da sociedade, afirma o poder como um exercício coletivo:

[...] O poder não é algo que se partilhe entre aqueles que o têm e que o detêm exclusivamente, e aqueles que não o têm e que são submetidos a ele. O poder, acho eu, deve ser analisado como uma coisa que circula, ou melhor, como uma coisa que só funciona em cadeia. Jamais ele está localizado aqui ou ali, jamais está entre as mãos de alguns, jamais é apossado como uma riqueza ou um bem. O poder funciona. O poder se exerce em rede e, nessa rede, não só os indivíduos circulam, mas estão sempre em posição de ser submetidos a esse poder e também de exercê-lo. Jamais eles são alvo inerte ou consentidor do poder, são sempre seus intermediários. (Foucault, 1999, p. 35)

A abordagem foucaultiana vem apontar que o poder se constitui entre indivíduos, não se aplica a eles. O indivíduo é efeito de poder e, ao mesmo tempo, produtor: “o poder então transita pelo indivíduo que ele constituiu” (Foucault, 1999, p. 35). Como os educadores produzem certas formas de inclusão em que ficam excluídos de uma interferência efetiva e transformadora de suas práticas? Para o autor, fazer uma análise dos dispositivos de poder exige uma estratégia ascendente, ou seja, uma microfísica do poder e não descendente que o relaciona a uma perspectiva de soberania, determinista, cujo efeito é a produção de assujeitamento (vemos tal lógica manifestar-se nos lamentos e denúncias dos profissionais, alunos e pais).

Foucault (1999) afirma que não se trata de uma dominação global que se pluraliza e repercute até a base, pelo contrário, “é preciso examinar o modo como, nos níveis baixos, os fenômenos, as técnicas, os procedimentos de poder atuam” (p. 36). Assim, o desafio se coloca no estudo do poder fora do campo delimitado pela soberania jurídica e pela instituição do Estado, a questão é analisá-lo a partir das técnicas e estratégias cotidianas. Como pode ganhar consistência pequenos movimentos de resistência, insurgências advindas das salas de aula, das escolas pela afirmação de outros possíveis com potência interventiva em âmbitos mais amplos. Isso, hoje, é uma questão para os educadores? Os educadores estão comprometidos com a invenção, atentos ao que faz diferença nos modos de pensar, sentir e intervir?

Na perspectiva foucaultiana, em vez de abordar o poder pela soberania, trata-se de analisar os operadores de dominação que colocamos em cena. O caminho a seguir seria o de “ [...] não perguntar aos sujeitos como, por quê, em nome de que direito eles podem aceitar deixar-se sujeitar, mas mostrar como são as relações de sujeição efetivas que fabricam sujeitos” (Foucault, 1999, p. 51). Essa premissa serve tanto para a análise de instituições jurídicas (objeto de estudo do autor àquela data) como para a escola.

Desse modo, temos a análise do poder pela via das relações de dominação, discussões dos mecanismos de exclusão atravessados no corpo docente e nas redes criadas na/pela escola. Os atores da educação não são apenas “vítimas” de um poder maior verticalizante, mas atuam como participantes ativos no exercício do poder que mantém tradições, rituais, atravessados pelas novas tecnologias. É fundamental focalizar as condições, as circunstâncias em que são tecidos tramas e dramas, dimensão de análise entre a macro e a micropolítica que transversaliza relações e modos de funcionamento do cotidiano escolar (Rocha, 2001).

O processo em que alguém se torna professor é singular: tornamo-nos professores diariamente, tanto pela apropriação e reprodução de concepções já estabelecidas no social e inscritas no saber dominante da escola quanto pelo enfrentamento do que resiste às formas instituídas, um pensar/fazer a atividade docente nascido nas experiências com o ensino, nas práticas com alunos, nos diversos agenciamentos com os pares, nos movimentos por uma formação de qualidade.

A desqualificação profissional construída na precariedade da educação evidencia o descaso das políticas públicas no Brasil, configurando uma profissão desvalorizada e dependente mais ou menos do tipo de governo e, portanto, à mercê de injunções políticas e econômicas. Difícil construir movimentos de autonomia em meio à falta de recursos e ao excesso de trabalho do professor. Assim, é importante abraçar as manifestações que publicizam uma inconformidade com o lugar que a educação ocupa em nossa realidade, fortalecendo relações solidárias e críticas entre as comunidades escolares. Porém a articulação de forças se faz na transformação do cotidiano em plano de consistência para a produção de outro lugar docente que desnaturaliza as tradições e prescrições da cultura escolar, fazendo avançar no sentido da invenção de novos usos e novas táticas dos saberes/poderes para a produção de outras éticas, como em Certeau (1996), ou outras estéticas da existência, como em Foucault (1999). Isso significa retomar as capturas permanentemente realizadas pela mecânica capitalística para utilizá-las a favor da qualidade de vida coletiva. Esse aprendizado só acontece no tensionamento da rede (imenso tapete rizomático)4 presente na história dos rituais, nas celebrações dos cerimoniais e nos gestos que desafiam o magistério nas artes de fazer. A escola é um tempo-espaço marcado por encontros e confrontos com esse outro que nos possibilita produzir sempre novos possíveis.

 

A educação especial e as práticas de inclusão têm uma história

O paradigma e a política da Educação Inclusiva constituem-se como processos delineados na história da educação especial que tem início no século XX, com a criação de escolas especiais a partir de movimentos e de organizações filantrópicas como a Sociedade Pestalozzi e a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE). Mesmo reconhecendo o mérito de tais empreendimentos, o investimento no aprimoramento das classificações das deficiências e as categorizações dos seus “portadores”, somados ao distanciamento das escolas regulares, facilitaram a cristalização das rotulações, não contribuindo para as discussões das problemáticas do ensinar-aprender, nem o encontro de escolas, de educadores, de escolas com familiares.

Há aproximadamente quatro décadas que as ideias integradoras, consubstanciadas no pensamento da não-segregação das pessoas com deficiência no ambiente escolar, vêm inspirando uma série de propostas e ações em vários países. A proposta inicial da integração escolar evoluiu para uma concepção de inclusão escolar, embora tal diferenciação ainda suscite polêmicas na comunidade acadêmica internacional, bem como nos sistemas educacionais.

A integração, de acordo com a definição da NARC (National Association of Retarded Citizens), é uma filosofia ou princípio de oferta de serviços educativos que se põe em prática mediante a provisão de uma variedade de alternativas de ensino e de aulas adequadas ao plano educativo de cada aluno, permitindo a máxima integração educacional, temporal e social entre alunos deficientes e não deficientes durante o período escolar normal (Bautista, 1993). Mas até que ponto tais propostas não enfatizam certo nível técnico da questão, não intensificando as polêmicas sobre a produção de sentido na gestão das práticas dos professores e alunos?

A inclusão envolve um processo de mudança e reestruturação radical das escolas (Mittler, 2003), com o objetivo de assegurar que todos os alunos possam ter acesso às oportunidades educacionais e sociais oferecidas pelo sistema de ensino. Novamente chamamos a atenção para o fato de que as oportunidades não são mudanças totalizadas que as escolas fariam de uma vez por todas para garantir a permanência, mas sim circunstâncias criadas e apropriadas coletivamente no exercício diário de ensinar e aprender. Isso inclui o currículo, a avaliação, os registros e os relatórios de aquisições acadêmicas dos alunos, as decisões que cada vez são tomadas sobre a organização das turmas, a pedagogia e as práticas nas salas de aula, bem como as atividades de esporte, lazer e recreação.

A Declaração de Salamanca (1994) propõe que “[...] As pessoas com necessidades especiais devem ter acesso às escolas comuns que deverão integrá-las numa pedagogia centralizada na criança, capazes de atender a essas necessidades” (UNESCO, 1994, p. 10).

O essencial, no que diz respeito a esse documento, está na produção de garantias com força de lei. As políticas públicas educacionais até então afirmavam princípios padronizadores, voltados à manutenção de escolas especiais e/ou à integração de alunos considerados como “portadores” de deficiências físicas, intelectuais, sociais e/ou emocionais nas escolas (Carvalho, 2004). A partir da década de 90, com a nova LDB, surge outra proposta para a educação que acompanha tendências mundiais de uma escola de qualidade para todos, mas não dispõe de garantias necessárias para a viabilização de outra realidade educacional.

Esse conceito de inclusão, elaborado em Jontiem (1990) e Salamanca (1994), fundamenta-se em um sistema de valores que tem como perspectiva possibilitar que o alunado especial possa conviver na escola comum com outras crianças, celebrando a diversidade que tem como base o gênero, a nacionalidade, a etnia, a linguagem de origem, a formação social e o nível de aquisição educacional. O que pode se constituir como um início para novas micropolíticas que ponham em discussão, por exemplo, a redundância da “Escola Inclusiva”, os modos de gestão das práticas educacionais, o acolhimento à diferença transversalizada 5 na escola quando as análises se centram nas instituições que dão sentido à rotina pedagógica. Assim, que referências/conceituações os educadores têm de infância, de normalidade, de disciplina, de inclusão, como valor, como práticas que modulam a produção de subjetividade?

O Brasil adotou, com a LDB 9394/96, a proposta da integração escolar preferencial de alunos com necessidades educacionais especiais. De lá para cá, houve um processo intenso de análise (quase nunca dentro das escolas!) e transposição do projeto político-pedagógico para as diferentes realidades escolares, tanto nas redes de ensino público como privado. O que constatamos nesses últimos anos, na repercussão do confronto entre a legislação educacional e essas realidades, é a sensação de impotência dos professores na rede pública em geral para dar vida à proposta.

Nossas atividades de pesquisa em escolas de Belo Horizonte vêm registrando que os professores julgam-se, em sua maioria, despreparados para atender a alunos com necessidades especiais, até porque não foram promovidas, no âmbito das escolas, uma análise consistente da proposta, nem uma formação conceitual e metodológica que permita certa plasticidade para abordar/intervir nas diferentes questões. Como exemplo, podemos trazer à cena o processo de avaliação que foi claramente colocado quando uma representante do corpo docente estabelece que “ [...] Não temos como avaliá-los, se avaliamos como aos demais, não conseguirão sair da escola, se nos atentamos aos seus problemas, sugerindo avaliações mais brandas, penso que estamos segregando do mesmo jeito, então o que fazer?”(professora 1).

Às dificuldades na avaliação somam-se outras, sobre a “terminalidade específica” dos níveis de ensino. O que acontece é que o texto da lei fica em aberto quanto aos atores que intervirão na definição dos processos avaliativos, na produção e na articulação de programas no currículo; o texto não aborda também as garantias de tempo para as análises coletivas da própria lei, o que representaria um esteio para as discussões da realidade singularmente tratada e para as proposições. Fica, então, o desafio de intensificar a autogestão do trabalho na escola, criando as condições necessárias para a implantação de novas ideias em que seja possível outra “forma-ação”.

A maioria dos professores, já com experiência em educação inclusiva, mostra níveis preocupantes de estresse e de doenças ocupacionais, levando à grande solicitação de atestados médicos e pedidos de afastamento profissional.

Não só o corpo docente tem sofrido com essa situação. Toda a escola (equipe pedagógica, funcionários de apoio, direção, pais e alunos) vem sofrendo com a construção dos sucessivos impasses. Um dos questionamentos que se escuta com frequência está vinculado à difícil rotina da escola regular como a fala da professora 2: “Se já é tão difícil atender à heterogeneidade do alunado tradicional, com tantos casos de alunos em condições precárias de aprendizagem, ameaçados potencialmente pelo fracasso escolar e exclusão, como a escola poderá dar conta dessa demanda específica que é o aluno especial?”

Se tal interrogação evidencia o isolamento do professor e o medo de não saber o que fazer, isso não se restringe apenas ao segmento dos docentes. Também nas famílias dos alunos com necessidades especiais prolifera a sensação de impotência. Nesse sentido, os familiares dos alunos com necessidades especiais e os familiares dos alunos das escolas regulares, quando abordados sobre a experiência da Escola Inclusiva, manifestam grande desconhecimento, o que, muitas vezes, os leva à rejeição da proposta. Entre as famílias dos alunos ditos “normais”, o receio se coloca nos possíveis atrasos da turma, na violência potencial “dessas crianças”, na perturbação do ambiente adequado à aprendizagem, etc., e, entre os familiares dos alunos “especiais”, na discriminação, no isolamento, na violência possível de ser sofrida frente à fragilidade.

É importante que as discussões fundamentem as propostas de mudanças para que situações, problemáticas e receios presentes o tempo todo no dia-a-dia da escola ganhem visibilidade, consolidando possíveis alianças para enfrentar o desenvolvimento do ensinar e do aprender a partir da diversidade que não se vincula só às “crianças especiais”, mas a todos. Todavia, o que pudemos observar é que as escolas públicas não têm conseguido avançar no processo, mesmo quando se trata de projetos como o da Escola Plural6, da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte, cuja proposta parece aproximar-se do que consideramos uma escola inclusiva. Ressaltamos mais uma vez que uma nova micropolítica não está garantida pela elaboração de uma lei e nem pelo desenvolvimento de qualquer projeto, já que é a atenção ao cotidiano das experiências, à análise das implicações e dos efeitos das práticas que facultam a invenção de outra temporalidade.

Assim, o processo histórico do ensino especial teve início em instituições assistencialistas (filantropia à indigência), passando pela fase médica (medicalização da doença), sendo transferido para instituições da educação especializada (segregação/confinamento pedagógico), posteriormente passando para uma etapa de busca de igualdade de oportunidades (a integração da diversidade e, finalmente, a polêmica da transformação pela diferença) à inclusão. Inclusão como um repensar a educação, como reestruturação da escola em contraste com a integração que preconiza melhorias para facilitar o processo de adaptação da criança à escola. Como estabelece Vicentin (2007, p. 172-173), “A educação inclusiva não é e nem deve se restringir aos chamados ‘portadores de necessidades especiais’... o termo educação inclusiva vem nos lembrar, de algum modo, que a educação não tem sido para todos”.(grifo do autor)

 

Desdobramentos e paradoxos

Partimos, então, do pressuposto de que a questão da inclusão é ampla e complexa. Não se trata da inclusão de crianças isoladas (“os deficientes”), mas sim da inclusão da comunidade escolar no processo de gestão do trabalho cotidiano. Isso significa, para Guattari (1977), o exercício do pensamento que faculta a deriva dos professores da condição de grupo assujeitado para a condição de grupo sujeito, o que analisa o sentido de sua constituição/produção, ampliando o campo de escolhas/intervenção no processo de escolarização. Para se discutir a inclusão como um dispositivo em que diferentes atores se implicam com os modos de organização do trabalho, é necessário desindividualizar os corpos7 e desnaturalizar hábitos pela coletivização das análises do sentido das práticas que produzem o cotidiano da comunidade educacional.

Foucault (1999) e Certeau (1996) podem ser importantes intercessores, uma vez que consideram a realidade tecida por múltiplas conexões, desconstruindo a ideia de linearidade, de totalização dos fatos, já que as situações emergem por agenciamentos sempre coletivos. As forças presentes, o exercício dos poderes que afirmam hegemonias e resistências, circunstancializam os modos de vida nas escolas.

No que tange à dominação, Foucault (1999, p. 19) evidencia que “O que está em jogo é determinar quais são, em seus mecanismos, em seus efeitos, em suas relações, esses diferentes dispositivos de poder que se exercem, em níveis diferentes da sociedade, em campos e com extensões tão variadas”.

Em Certeau (1996), encontramos o interesse pelas narrativas das práticas comuns, pelas lutas que organizam um espaço, delimitando-o e, ao mesmo tempo, constituindo percursos diversos e singulares.

Mas, o que tem sido bastante difícil, na maioria das instituições de formação, é a criação de espaços que favoreçam transformações nos hábitos, na rotina, nos tempos ritualizados, o que cristaliza as relações entre professores e destes com os alunos. Nesse sentido, registramos a fala de uma professora entrevistada em uma das escolas pesquisadas em BH, que mostra a expectativa de um cotidiano de trabalho entediante: “[...] Acordar cedo, organizar-se como mãe-mulher-profissional nas primeiras horas da manhã, começar o dia já ansiando para que ele termine rápido para que anoiteça rápido e que novamente amanheça rápido” (professora 3).

As escolas vêm viabilizando muito mais o sedentarismo das práticas, pelo isolamento no exercício das atividades e no enfrentamento das problemáticas, da aceleração do ritmo do trabalho em turmas cheias com demandas diferenciadas, do estresse na tentativa de criar uma homogeneização na diferença.

Pontuamos que, para atualizar a proposta de inclusão, o que continua preponderando é a relação entre formação e capacitação. Capacitar implica relações hierárquicas em que o binarismo concepção x execução, ensino x aprendizagem permanece, e isso porque envolve uma organização prévia, conteúdos totalizados e incondicionais. Conteúdos empacotados, dissociados da vida, das práticas políticas em que ganham sentidos. Competência, aqui, é entendida como competência técnica, algo “em si” que se tem ou se adquire como mercadoria, em que o especialista ocupa o lugar do salvador, desresponsabilizando a escola com o pensar coletivo nas suas condições e circunstâncias que singularizam e articulam o ensinar e o aprender. Eis o desafio que a abordagem tecnicizante apaga, trazendo a ideia de que o processo é neutro, científico e não político.

Entre os efeitos dessa lógica de normalização, encontramos os seguintes: fragilização das relações, pois não é preciso experimentar, inventar, discutir, já que basta saber para cumprir, “ser eficiente”; insegurança, enquanto os pressupostos estão no modelo e a competência é afirmá-lo em cada um, o que implica viver o drama do paradoxo entre diferença e igualdade, cujos exemplos estão na “fila dos lentos”, nos alunos “de inclusão”, na “turma dos infrequentes” sem análise da trama institucional; apatia, gerada na desresponsabilização/exclusão coletiva, produzida entre o receio de não saber-fazer e a expectativa de que alguém (os especialistas?) venha solucionar problemas que “nada têm a ver com a escola”. Essa mecânica de funcionamento vem abrindo espaço para a bio-psicologização das questões e a medicalização tão em voga para a “sorte” dos laboratórios.

Pudemos constatar também que a escola pode constituir-se em um lugar de encontros potencializadores de parcerias insurgentes que geram, como em Certeau (1996), artes de fazer. Experiências questionadoras do status quo vigente na educação e uma analítica das implicações têm feito algumas ressonâncias no conjunto da sociedade e na própria máquina governamental com a perspectiva de ampliar a qualidade de vida na escola.

Nesse panorama, a diferença entre os ritmos de aprendizagem, entre os modos de ensinar e de aprender, passa a ser desafio de outra estética vinculada a uma ética que é fruto de um pensar junto novas sintonias, não apenas em relação a alunos especiais, mas a qualquer criança, família ou professor. Na análise micropolítica, o que buscamos é iluminar os modos de funcionamento, os referenciais de trabalho, os sentidos das ações que singularizam as práticas. Não basta dar a palavra, sendo fator primordial sustentar um território polêmico entre educadores e equipe dos profissionais de saúde para a invenção permanente de campos de experimentação que se constituem pela intervenção coletiva na vida escolar.

 

Referências

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*Texto recebido em julho/2008.
Aprovado para publicação em novembro/2008.

 

*Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Psicologia Social pela UERJ, professora do Instituto de Psicologia da PUC Minas, E-mail: patmelo@pucminas.br
**Doutorado em Psicologia pela PUC SP, professora adjunta do Programa de Pós-graduação em Psicologia Social da UERJ/CNPq. E-mail: marisalrocha@uol.com.br
1A dimensão micropolítica se refere à processualidade, ao modo de conexão das forças em jogo nas circunstâncias e condições que facultam escapes da binária das formas instituídas no “ou isso ou aquilo”. A micropolítica nos lança a planos de composição em que “isso e aquilo” convivem, criando intensidades diferenciadas, potencializadoras de mudanças nas formas de existência, produzindo polêmicas e novos campos de escolhas.
2Singularizar nos remete ao desafio de provocar rupturas na homogeneidade instituída, afirmando a produção da diferença e as múltiplas formas de subjetivação.
3Segundo Revel, “O termo dispositivo aparece em Foucault nos anos 70 e designa inicialmente os operadores do poder, isto é, as técnicas, as estratégias e as formas de assujeitamento utilizadas pelo poder”. A ênfase do filósofo [Foucault] não inside no edifício jurídico da soberania, mas nos mecanismos de dominação (Revel, 2005, p. 39).
4Esse conceito utilizado por Deleuze & Guattari (1995) remete à multiplicidade para pensar o movimento. Rizoma, na Botânica, significa um modo de ramificação rasteiro, horizontal, entrelaçado, cujo sentido é imprevisível, já que, em oposição ao tronco arborescente, faz múltiplas conexões por meio de bulbos nutritivos que resistem à seca dos areais e às condições hostis do calor excessivo. Assim, o rizoma tem diversas formas, e sua expansão se dá por variação, conjugação, conquista de espaços e resistência às adversidades do meio. Trata-se de um sistema aberto, acentrado e não hierárquico que se afirma pela diferença.
5Transversalidade é a dimensão de análise que pretende escapar à verticalidade (relações institucionalizadas, hierarquizadas dos papéis e funções estabelecidas) e à horizontalidade (relações imediatas, informais por meio das quais as pessoas buscam escapar à grade instituída nos organogramas). É, assim, a ampliação da visibilidade das instituições em jogo, elucidação dos entrecruzamentos, pertenças e referências que dão sentido às ações de cada um e do coletivo (Coimbra, 1995).
6O Programa Escola Plural, projeto vinculado à Secretaria Municipal de Educação, propõe alterar radicalmente a organização do trabalho escolar com a instituição de novos tempos escolares tanto para os professores quanto para os alunos, quando condensa, na sua formulação, uma nova concepção de educação que busca transformar a função e a feição da escola pública. Propõe o rompimento com os processos tradicionais e tecnicistas de ensino, que se baseiam na concepção cumulativa e transmissiva de conhecimentos; buscar eliminar os mecanismos de reprovação escolar próprios da concepção seletiva e excludente de avaliação do ensino; procede a críticas às relações unidirecionais em que apenas o professor avalia e tem esse poder, introduzindo, nesse sentido, uma nova relação educativa em que todos avaliam todos.
7A individualização se dá pelo apagamento da dimensão sociopolítica das questões, o que faz com que as problemáticas sejam entendidas como produzidas pelos corpos e não nas práticas institucionais. Um exemplo é considerar a criança como causa e efeito do fracasso escolar. Nessa perspectiva, as avaliações conferem culpabilizações, pois são centradas nos sujeitos, ficando restritas à binária certo-errado, normalidade-desvio....

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