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Psicologia em Revista

Print version ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.15 no.1 Belo Horizonte Apr. 2009

 

ARTIGOS

 

Cuidadores de crianças e adolescentes com leucemia: análise de estratégias de enfrentamento

 

Caregivers of children and adolescents with leukemia: coping strategies analysis

 

Cuidadores de niños y adolescentes con leucemia: análisis de las estrategias de enfrentamiento

 

 

Marinna Simões Mensorio*; Marina Kohlsdorf**; Áderson L. Costa Junior***

Universidade de Brasília

 

 


RESUMO

Este estudo teve como objetivo principal investigar mudanças nas estratégias de enfrentamento adotadas por 30 cuidadores ao longo do semestre inicial de tratamento de leucemia de crianças e adolescentes. A escala de modos de enfrentamento de problemas (EMEP) foi aplicada ao diagnóstico depois de dois a três meses, desde o início do tratamento, e após cinco a seis meses de tratamento. Em aplicações correspondentes, foi usado o inventário Beck de ansiedade (BAI). Observou-se uma redução dos níveis de ansiedade no decorrer do tratamento, bem como o predomínio de estratégias de enfrentamento focadas em práticas religiosas, problema e busca por suporte social. Sugere-se um maior cuidado das equipes de oncologia pediátrica para a identificação das necessidades de intervenção psicossocial que envolvem os pacientes e seus cuidadores. Os dados permitem planejar intervenções preventivas que aumentem a probabilidade da aquisição e manutenção de estratégias de enfrentamento mais eficientes por parte dos cuidadores.

Palavras-chave: enfrentamento, psico-oncologia pediátrica, leucemia, cuidador.


ABSTRACT

This study aimed to investigate changes in coping strategies adopted by 30 pediatric caregivers during the initial six months of children’s and adolescents’ treatment for leukemia. The Ways of Coping Scale was applied to the diagnosis two to three months after the beginning of the treatment, and then after five to six months of treatment. The Beck Anxiety Inventory (BAI) was applied in corresponding applications. There was a reduction in levels of anxiety during the treatment, and a predominance of coping strategies focused on the problem and the search for spiritual and social support. Better care by pediatric oncology professionals in identifying the psycho-social intervention needs involving patients and their caregivers is suggested. Data allow planning preventive interventions to increase the acquisition and maintenance of pediatric caregivers’ efficient coping strategies.

Keywords: coping; pediatric psycho-oncology; leukemia; caregivers.


RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo investigar cambios en las estrategias de enfrentamiento adoptadas por 30 cuidadores a lo largo del semestre inicial de tratamiento de leucemia de niños y adolescentes. La Escala de Modos de Enfrentamiento de Problemas (EMEP) fue aplicada al diagnóstico, después de dos a tres meses desde el inicio del tratamiento y después de cinco a seis meses de tratamiento. En aplicaciones correspondientes, fue utilizado el Inventario de Ansiedad de Beck (BAI). Se observó una reducción de los niveles de ansiedad en el transcurrir del tratamiento, así como el predominio de estrategias de enfrentamiento focalizadas en el problema y en la búsqueda por soporte espiritual y social. Se sugiere un mayor cuidado de los equipos de oncología pediátrica para la identificación de necesidades de intervención psicosocial, que alcancen a los pacientes y sus cuidadores. Los datos permiten planear intervenciones preventivas que aumenten la probabilidad de la adquisición y mantenimiento de estrategias de enfrentamiento más eficientes por parte de los cuidadores.

Palabras-clave: enfrentamiento, psicooncología pediátrica, leucemia, cuidador.


 

 

Introdução

A psico-oncologia constitui uma área de interface entre a Psicologia e a Oncologia (Gimenes, 2003) que usa conhecimentos teóricos e metodológicos da Psicologia da saúde para promover a assistência integral ao paciente com câncer, incluindo os contextos médico-hospitalar, familiar e social que permeiam o tratamento.

Pela crescente incidência de câncer entre crianças e adolescentes, a psico-oncologia pediátrica tem se firmado como um campo de conhecimento e intervenção que estuda a influência de fatores psicossociais sobre o desenvolvimento de neoplasias, o tratamento e a reabilitação de crianças, adolescentes e seus familiares (Costa Junior, 1999). Pesquisas também apontam índices significativamente crescentes de sobrevida em crianças com câncer (Desandes, 2007), sendo as chances de sobrevivência maiores quando a doença é diagnosticada precocemente e o tratamento executado em um centro especializado (Steele, Dreyer & Phipps, 2004; Costa Junior, 2005). Tais dados aumentam a responsabilidade dos profissionais de saúde que atuam em oncologia pediátrica, uma vez que, quanto maior o contingente de ex-pacientes de câncer maiores são as demandas pelo atendimento a necessidades psicossociais.

Entretanto, observa-se uma carência de estudos a respeito do que sentem os familiares de tais pacientes e como enfrentam as situações adversas associadas ao contexto do tratamento de câncer. Em Psicologia da saúde, o termo enfrentamento, ou coping (do original, em língua inglesa), refere-se ao estudo das estratégias adotadas por indivíduos e grupos para adaptarem-se a circunstâncias adversas ou estressantes, temporárias ou permanentes de vida (Folkman & Lazaruz, 1980).

Conforme Antoniazzi, Dell’Aglio e Bandeira (1998), o enfrentamento pode ser definido como um conjunto de esforços, cognitivos e comportamentais, usados pelo indivíduo com o objetivo de lidar com demandas específicas, que surgem em situações estressantes, potenciais ou reais. Didaticamente, para fins de estudo, as estratégias podem estar focalizadas no problema (resolver a situação de doença de um membro familiar, por exemplo), ou na emoção (o que fazer com os sentimentos diante do sofrimento de um familiar doente, por exemplo). De especial interesse à psico-oncologia destaca-se a necessidade de compreender-se como essas estratégias sofrem alteração ao longo do processo do tratamento e como influenciam as relações entre os familiares do paciente e o ambiente de cuidados com a saúde. A identificação destas estratégias pode proporcionar um planejamento prévio dos profissionais de saúde que atendem ao paciente e seus familiares, priorizando-se o desenvolvimento de comportamentos de saúde e a atenção às necessidades psicossociais de cada indivíduo.

Conforme Steele et alii (2004), apesar do enorme avanço farmacológico da Medicina no que se refere ao tratamento do câncer pediátrico, os pais de crianças em tratamento ainda continuam expostos a situações de grande sofrimento emocional e por períodos prolongados. Segundo os autores, níveis de estresse e ansiedade parentais podem revelar-se extremamente elevados durante o curso do tratamento, interferindo sobre as habilidades básicas para lidar com os cuidados básicos do paciente e com as situações estressantes, tais como a exposição a procedimentos médicos invasivos, as internações periódicas, os efeitos colaterais da medicação, entre outras.

Holland e Rowland (1990) já ressaltavam que a descoberta do câncer, em qualquer família, constitui um evento potencialmente catastrófico. No entanto, se bem orientada, conforme propõem Ribeiro (2003) e Kohlsdorf (2008), a família exposta a tal catástrofe poderá obter alguns benefícios da experiência, no sentido de crescer como grupo e amadurecer em termos da dinâmica de relacionamentos interpessoais.

Steele, Long, Reddy, Luhr e Phipps (2003) realizaram um estudo com mães de crianças em início de tratamento de câncer e seis meses após o diagnóstico. Os autores observaram que o sofrimento comportamental (distress behavior) materno tendia a reduzir-se ao longo do tratamento, por causa da melhora das condições clínicas do paciente. Entretanto, situações estressantes, tais como a necessidade de monitoramento contínuo das condições de saúde do paciente, mantinham a tendência de níveis de ansiedade acima da média para amostras não expostas às mesmas condições. As mães ressaltaram, em entrevista, a necessidade de compartilhar a responsabilidade dos cuidados da criança com outros membros da família. Steele et alii (2003) ainda destacam que profissionais de saúde treinados na identificação de estratégias de enfrentamento têm condições de atuar mais eficientemente na atenção às necessidades psicossociais dos familiares, prevenindo a ocorrência de altos índices de estresse e seus efeitos deletérios à saúde individual e familiar.

Corroborando tais dados, Nascimento, Rocha, Hayes e Lima (2005) enfatizam que a experiência de ter uma criança ou adolescente com câncer na família desvela necessidades relacionadas a cada uma das fases do processo da doença. Entre essas fases, a família e a criança enfrentam problemas potencialmente estressantes: a) longos períodos de hospitalização; b) terapêutica medicamentosa agressiva e efeitos colaterais desagradáveis; c) dificuldades de separação dos membros da família durante as internações; d) interrupção das atividades diárias (tais como a necessidade de retirar-se do emprego, especialmente das mães, e a interrupção dos estudos da criança); e) limitações na compreensão do diagnóstico, devido a dificuldades de comunicação com a equipe profissional; f) desajustes financeiros devido a gastos com medicação e transporte; e h) episódios recorrentes de angústia, dor e medo da possibilidade de morte (Carvalho, 2002; Clarke, Sheppard & Eiser, 2008; Czyzewski & Jones, 1995; Nelson, Nandy & Roth, 2007). Dessa forma, observar o que fazem os cuidadores para lidar com tais situações e que intervenções um serviço de Psicologia hospitalar pode propor constituem requisitos essenciais do atendimento integral às pessoas em tratamento.

Lopes (2001) aponta algumas variáveis que podem condicionar a forma de enfrentamento dos pais (se voltada para o problema ou para a emoção). Uma delas é a religiosidade, como um modo de atribuir significado à doença, “tenho fé de que ele irá salvar-se” ou “se isso aconteceu é porque Deus quis”. Associado à religiosidade, encontram-se, frequentemente, os conceitos de culpa e castigo, como se a família estivesse sendo punida por determinado comportamento ou ação executada no passado. Para Lopes, os profissionais de saúde devem estar atentos aos sistemas de crenças e valores que a família dispõe para enfrentar a doença, atuando como facilitadores do desenvolvimento de estratégias de enfrentamento mais eficientes e menos disfuncionais.

Conforme observam Baptista, Dias e Baptista (2003), a psico-oncologia deve orientar os pais de crianças e adolescentes em tratamento médico, identificando suas necessidades psicológicas e padrões de reação emocional evocados durante o tratamento e incentivando-os a participar ativamente do processo de tratamento, por meio da promoção da interação contínua da família com a equipe de saúde. Crepaldi e Varella (2000) destacam as vantagens da participação ativa dos pais durante o tratamento de seus filhos. A presença da mãe (ou outro acompanhante afetivamente importante para o paciente) tende a evitar que as crianças chorem demasiadamente, além de parecerem mais confiantes. As mães podem adquirir cuidados médico-hospitalares básicos, auxiliando os profissionais de saúde que atendem a criança. Além disso, a presença de familiares acaba por forçar a adoção de formas alternativas de funcionamento da instituição, a começar pela inclusão, na equipe de saúde, de profissionais de outras áreas que não a médica, habilitados a atender aos aspectos psicossociais da clientela.

Conforme Hoekstra-Weebers, Jaspers, Kamps e Klip (2001), os pais tendem a receber mais suporte e apoio psicológico nos momentos iniciais, em especial no diagnóstico. A ansiedade e o estresse, apesar da tendência de redução com o passar do tratamento, podem permanecer presentes, e o apoio psicológico não deve ser reduzido. A psico-oncologia deve executar um trabalho eficiente e sistemático, que realmente mantenha o necessário suporte social aos familiares e pacientes, de modo que as estratégias de enfrentamento aos inúmeros episódios aversivos do tratamento sejam cada vez mais eficientes.

Para Sloper (2000), a manutenção de altos níveis de estresse é uma constante entre pais de crianças e adolescentes com câncer. Considerando que, muitas vezes, a falta de informação ou de suporte social é responsável por significativo nível de estresse, cabe aos profissionais de psico-oncologia identificar os riscos psicológicos do tratamento e apresentá-los aos pais, promovendo, assim, um apoio operacional ao paciente e família e um treino de habilidades, essenciais ao enfrentamento das situações adversas (Carvalho, 2002; Holm, Patterson & Gurney, 2003).

Este estudo investigou, por meio da aplicação de instrumentos psicológicos e entrevistas, quais as principais estratégias de enfrentamento que adotam os pais de crianças e adolescentes em tratamento de leucemias, a neoplasia de maior incidência na infância, ao longo dos primeiros seis meses de tratamento de seus filhos. Pretende-se, com os dados obtidos, disponibilizar informações no sentido de aumentar a atenção dos profissionais de saúde quanto a algumas variáveis relacionadas funcionalmente ao desenvolvimento de estratégias de enfrentamento no contexto da oncologia pediátrica.

 

Método

Participantes

De um total de 47 cuidadores primários de crianças e adolescentes diagnosticados com leucemia, entre março e novembro de 2007, 30 foram acompanhados ao longo dos primeiros seis meses de tratamento. Os participantes foram 23 mães, 5 pais, 1 tia e 1 avó. Cuidadores primários são indivíduos adultos, com grau de parentesco direto ao paciente, identificados como responsáveis por acompanhá-los durante os episódios de consulta, exposição a procedimentos médicos e a períodos de internação hospitalar.

Em quatro casos, tanto o pai quanto a mãe da criança participaram do estudo. Dessa forma, os participantes do estudo corresponderam a cuidadores de 26 pacientes pediátricos (com idades entre 9 meses e 17 anos completos). Os diagnósticos incluíram: leucemia linfoide aguda classificação alto risco (n=16), leucemia linfoide aguda classificação risco básico (n=7) e leucemia mieloide aguda (n=3). Durante os primeiros dois a três meses de tratamento, 7 pacientes não foram internados por intercorrências, 13 crianças foram internadas apenas uma vez, e 6 pacientes foram internados duas vezes, por intercorrências. Considerando o período entre dois a três meses de tratamento e cinco a seis meses, 11 crianças não foram internadas devido a intercorrências, 11 pacientes tiveram uma única internação, 2 crianças foram internadas duas vezes ao longo do período, 1 criança esteve internada três vezes e 1 criança esteve internada por quatro episódios de intercorrências. Além disso, 24 pacientes não precisaram ser internados na unidade de terapia intensiva (UTI) nos dois primeiros meses de tratamento, enquanto 2 crianças foram internadas na referida unidade. Entre os dois ou três meses iniciais e os cinco ou seis meses de tratamento, nenhum paciente foi internado em UTI. Concluindo, apenas 3 pacientes foram refratários (ou seja, o uso da medicação quimioterápica não reduziu o número de células neoplásicas no organismo) ao tratamento nos primeiros dois a três meses e, entre os cinco a seis meses de tratamento, apenas 2 crianças foram consideradas refratárias.

Como critério de seleção, os cuidadores deveriam ser alfabetizados, acompanhar pacientes que estivessem no primeiro tratamento de leucemia, iniciando-o com quimioterapia, e concordar em participar do estudo.

Instrumentos

O estudo, realizado no Núcleo de Onco-hematologia Pediátrica da Secretaria de Estado da Saúde do Distrito Federal, usou os seguintes instrumentos:

1) Escala de modos de enfrentamento de problemas (EMEP), adotando-se o instrumento validado por Seidl, Tróccoli e Zannon (2001), apontado como sensível à análise de como indivíduos envolvidos em problemáticas de saúde pessoal e de familiares lidam com tais contextos ao longo do tempo.

2) Inventário de ansiedade de Beck (BAI), validado para amostras brasileiras, para investigar a manifestação de indicadores de ansiedade (Cunha, 2001). O BAI é um instrumento autoadministrável que possibilita a investigação de níveis e intensidade da ansiedade.

3) Questionário sociodemográfico, para coleta de dados demográficos e caracterização da amostra, desenvolvido especificamente para este projeto.

4) Roteiro de entrevista semiestruturada, para complemento de dados e identificação de outras estratégias de enfrentamento relatadas pelos cuidadores, além de mudanças percebidas em termos de cuidados com o paciente, desenvolvido especialmente para o estudo.

Procedimento

O estudo foi dividido em três fases:

Fase 1: após a comunicação do diagnóstico, ou até cinco dias após a primeira sessão de quimioterapia, o cuidador era procurado pela equipe de pesquisadores e convidado a participar do estudo. Após a concordância e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, iniciava-se o processo de coleta de dados.

Inicialmente, na primeira fase, o cuidador respondia ao questionário sociodemográfico, que permitia acesso a nível socioeconômico da família, local e condições gerais de moradia e dificuldades para lidar com o tratamento (tais como transporte coletivo, recursos financeiros, disponibilidade, ajuda de parentes, outros). Após esse primeiro momento, ainda na primeira fase, ocorria a aplicação dos instrumentos BAI e EMEP. Para a aplicação, procedia-se à leitura das instruções juntamente com o cuidador. Os instrumentos foram aplicados individualmente no próprio núcleo, especialmente em períodos de espera de consulta ou de internação.

Fase 2: após dois a três meses de tratamento (ao término da fase de indução de remissão quimioterápica); na segunda fase do estudo, o mesmo cuidador respondia novamente ao BAI e à EMEP, além de responder à entrevista.

Fase 3: entre cinco e seis meses de tratamento (após as fases de intensificação e reindução de remissão quimioterápica), na terceira fase, o cuidador era convidado a responder, novamente, ao BAI, à EMEP e à entrevista.

A entrevista semiestruturada, realizada nas segunda e terceira fases do estudo, constava de perguntas que investigavam as mudanças ocorridas ao longo do tratamento, em termos de comportamentos de cuidados com o paciente, percepção de evolução do tratamento do paciente, estratégias de enfrentamento e indicadores de ansiedade, referidas pelos acompanhantes como importantes.

Ao longo de todo o estudo, manteve-se acompanhamento dos prontuários médico-hospitalares dos pacientes, anotando-se a evolução clínica de cada caso, a ocorrência dos ciclos de quimioterapia e episódios de intercorrências.

A análise de dados foi realizada pela comparação entre grupos (macroanálise) e também com comparações intraparticipantes, considerando-se a evolução do quadro clínico de cada paciente e as modalidades de estratégias de enfrentamento adotadas.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (UnB), sob o Protocolo 142/2006, de 22 de dezembro de 2006.

 

Resultados

As respostas à EMEP foram classificadas em quatro categorias, conforme instruções contidas no instrumento e indicadas em estudo original sobre sua estrutura fatorial: a) fator 1 (foco no problema); b) fator 2 (foco na emoção); c) fator 3 (foco na espiritualidade e em pensamentos recorrentes nos desejos); e d) fator 4 (busca por suporte social). Os resultados indicam que, à exceção de um participante, todos os cuidadores apontaram alterações em estratégias de enfrentamento durante as três etapas do estudo.

Na primeira fase, as estratégias mais adotadas foram as seguintes: a) 10 cuidadores referiram o uso prioritário de práticas religiosas e de pensamentos recorrentes nos desejos, seguido pela busca por suporte social, estratégias de resolução de problemas e comportamentos de regulação emocional; b) 6 participantes priorizaram as práticas religiosas e os pensamentos recorrentes nos desejos, seguidos por estratégias focalizadas no problema, busca de suporte social e estratégias focalizadas na emoção; c) 4 participantes priorizaram a resolução do problema, seguida por práticas religiosas, busca por suporte social e estratégias focalizadas na emoção; d) 3 cuidadores preferiram a busca por suporte social, seguida por estratégias focalizadas no problema, práticas religiosas e pensamento fantasioso e estratégias de regulação emocional; e) 3 cuidadores referiram a preferência por estratégias de resolução do problema, busca por suporte social, práticas religiosas e focalização na emoção; f) 2 cuidadores privilegiaram a busca por suporte social, seguida por práticas religiosas/pensamentos recorrentes nos desejos, estratégias de resolução do problema e estratégias de regulação emocional; g) 1 acompanhante referiu uso de religiosidade, estratégias focalizadas no problema, regulação emocional e busca por suporte social; e h) 1 cuidador indicou uso de religiosidade, seguida por focalização na emoção, tentativas de resolução do problema e busca por suporte social.

Na segunda fase, 12 participantes priorizaram as práticas religiosas, seguidas por estratégias de resolução do problema, busca por suporte social e comportamentos para regulação emocional. Seis cuidadores priorizaram estratégias focalizadas no problema, seguidas por práticas religiosas/pensamentos recorrentes nos desejos, busca por suporte social e estratégias focalizadas na emoção. Quatro participantes priorizaram a busca por suporte social, seguida por estratégias focalizadas no problema, práticas religiosas/pensamentos recorrentes nos desejos e comportamentos para regulação emocional. Outros 4 cuidadores destacaram uso prioritário de estratégias focalizadas no problema, seguida da busca por suporte social, práticas religiosas/pensamentos recorrentes nos desejos e comportamentos de regulação emocional. Além disso, 2 participantes indicaram uso prioritário de práticas religiosas, busca por suporte social, focalização no problema e estratégias de regulação emocional. Um cuidador priorizou o uso da religiosidade, seguido por busca de suporte social, focalização na emoção e estratégias de resolução do problema e outro participante indicou busca por suporte social, seguida por práticas religiosas, focalização no problema e estratégias para regulação emocional.

Em relação à terceira fase, 13 cuidadores preferiram a adoção de práticas religiosas e pensamentos recorrentes nos desejos, seguidas por estratégias focalizadas no problema, busca por suporte social e comportamentos focalizados na emoção. Oito participantes privilegiaram estratégias de resolução do problema, seguidas pelo uso de práticas religiosas e pensamentos recorrentes nos desejos, busca por suporte social e comportamentos focalizados na emoção. Além disso, 3 participantes referiram preferência por comportamentos focalizados no problema, seguidos por busca de suporte social, práticas religiosas/pensamentos recorrentes nos desejos e estratégias focalizadas na emoção. Dois participantes indicaram a busca por suporte social, focalização no problema, uso de práticas religiosas e estratégias de regulação emocional, enquanto outros 2 cuidadores referiram preferência por práticas religiosas, busca por suporte social, focalização no problema e comportamentos para regulação emocional. Um acompanhante indicou uso de religiosidade, seguida por focalização na emoção, estratégias para manejo do problema e busca por suporte social e outro cuidador referiu uso de práticas religiosas, estratégias focalizadas no problema, comportamentos de regulação emocional e busca por suporte social.

Assim, a partir de uma macroanálise dos resultados, pode-se perceber que: na primeira fase, o fator 3 (enfrentamento focalizado em práticas religiosas e pensamentos recorrentes nos desejos) foi priorizado pela maior parte dos participantes (M = 4,12 e DP = 0,51), seguido do fator 1 (enfrentamento focalizado no problema, com M = 3,89, DP = 0,64) e pelo fator 4 (busca de suporte social, com M = 3,68 e DP = 0,81). O fator 2 (enfrentamento focalizado na emoção) obteve a média mais baixa de ocorrência (M = 2,06 e DP = 0,62). Essa distribuição de preferência em cada um dos fatores se repetiu nas fases seguintes do estudo.

Na segunda fase, o fator 3 também foi priorizado (M = 3,93, DP = 0,62), seguido pelo fator 1 (M = 3,89 e DP = 0,56), fator 4 (M = 3,32 e DP = 0,80) e, por último, pelo fator 2 (M = 1,90 e DP = 0,65). Na terceira fase, o fator 3 obteve médias mais altas (M = 4,25 e DP = 0,62), seguido pelo fator 1 (M = 4,23 e DP = 0,43), fator 4 (M = 3,49 e DP = 0,80) e fator 2 (M = 1,92 e DP = 0,66). A figura 1 ilustra a distribuição de respostas, de cada fator da EMEP, nas três fases do estudo.

 

 

Em relação às pontuações gerais de ansiedade, obtidas com a aplicação do BAI, a figura 2 ilustra a distribuição de participantes segundo a classificação de ansiedade prevista pelo instrumento.

 

 

A respeito da distribuição de participantes conforme a classificação de ansiedade proposta pelo BAI, observa-se que, na primeira fase, 3 cuidadores referiram níveis mínimos, 5 corresponderam a escores leves, 7 relacionaram pontuações moderadas e 15 relataram manifestações graves. Na segunda fase, 11 participantes tiveram pontuação mínima, 8 obtiveram escores leves, 9 participantes indicaram manifestações moderadas e apenas 2 casos atingiram níveis graves de ansiedade. Já na terceira fase, 16 participantes apresentaram escores mínimos, 4 cuidadores tiveram pontuações leves, 5 manifestações moderadas, e 5 participantes obtiveram níveis graves de ansiedade. Tais resultados mostram que o conjunto de participantes com escores mínimos aumentou consideravelmente ao longo das fases do estudo. Para manifestações leves e moderadas, houve um aumento na concentração de participantes entre as fases 1 e 2, com redução entre as segunda e terceira fases. A distribuição de participantes com níveis considerados graves diminuiu entre a primeira e segunda fases, mas aumentou da segunda para a terceira fase.

Uma análise das pontuações gerais obtidas no BAI permite apontar que decresceram ao longo do estudo. Na primeira fase, as médias foram mais elevadas (M=29,07, DP=13,78), diminuindo na segunda fase (M=16, DP=11,17) e decrescendo ainda mais na terceira fase (M=15,63, DP=15,54).

Os dados obtidos permitem apontar que, de modo geral, ocorreu uma minimização dos níveis de ansiedade enquanto evoluía positivamente o tratamento e as estratégias de enfrentamento adotadas pelos cuidadores priorizavam uma focalização no problema. Já nas situações em que se observava uma resposta clínica insuficiente da criança à terapêutica ou uma piora do quadro clínico, os níveis de ansiedade, ainda sim, não sofreram bruscas elevações, apesar de não permanecerem em níveis mínimos. Dessa forma, o quadro clínico não apontou associação significativa com as estratégias de enfrentamento adotadas ou com os níveis de ansiedade, segundo indicado na série de testes t de Student e análises de variância efetuadas.

As respostas obtidas às entrevistas na segunda e terceira fases são descritas a seguir. Quanto ao aspecto “mudanças sofridas em decorrência do tratamento”, na maior parte das vezes, os cuidadores tiveram de deixar o trabalho para cuidar de seus filhos (23 cuidadores sofreram modificação na rotina de trabalho). Deixar os demais filhos em casa, sozinhos, ou delegar cuidados (de atenção, carinho, outros) a parentes e amigos foi uma mudança referida por 15 participantes e que gerava grande grau de ansiedade entre as mães entrevistadas.

Mais ainda, é possível perceber, a partir do discurso dos participantes, o caráter muitas vezes paradoxal a que os irmãos da criança doente eram expostos. Isso porque “ficam tristes” por toda a situação do irmão, e, ao mesmo tempo, com ciúmes “por não terem a atenção que gostariam dos pais”, gerando, assim, uma sensação ambígua de raiva e culpa, o que tende a provocar, na percepção dos pais, grande sofrimento e angústia.

Os problemas conjugais tiveram referência significativa no discurso de 3 participantes, que atribuíram às necessidades do tratamento uma redução da atenção ao cônjuge. Outros 3 participantes relataram uma redução da atenção do cônjuge à família, após o início do tratamento. Por outro lado, 7 participantes destacaram melhorias ou aproximação do casal após o início do tratamento.

Observou-se que a dinâmica familiar é fortemente modificada pela exposição ao contexto de tratamento, seja pela ausência da mãe em relação aos demais filhos (10 participantes) ou, ainda, pelo sofrimento que a doença gera entre os membros da família (18 participantes). Quatro participantes destacaram a separação física e/ou geográfica da família como o maior problema do tratamento. Todos os participantes apontaram pelo menos algum tipo de mudança danosa à dinâmica familiar, em consequência do processo de tratamento da criança doente. Por outro lado, 9 participantes mencionaram, apesar de mudanças adversas na dinâmica familiar, um aumento da coesão e união entre membros familiares.

Mudanças de comportamentos entre cuidadores e pacientes também foram referidas. Cinco cuidadores relataram maiores níveis de nervosismo, ansiedade e tensão em situações cotidianas (“ando muito estressada”, “a gente fica mais nervoso com a situação que acontece no dia a dia. Agora mudou porque tem que ter mais cuidado e a gente fica sempre nervoso, não sabe o que vai acontecer assim pela frente”), que, antes do diagnóstico e início do tratamento, não ocorriam com frequência.

Quinze cuidadores referiram que a criança doente apresentava, especialmente no início do tratamento, comportamentos agressivos e grande agitação motora, geralmente associada a protestos ou recusas de submeter-se a eventos do tratamento (como procedimentos médicos invasivos). Tais ocorrências geram uma sensação de impotência diante de um filho doente e, ao mesmo tempo, a impossibilidade de evitar a exposição deste a situações de grande sofrimento físico e psicológico. Em contrapartida, comportamentos infantis de maior afetividade em relação aos familiares (“Ah, que ela era um pouco assim meio desagarrada com a gente, depois do problema, ela é mais agarrada com a família, com os irmãos dela, é bastante carinhosa”) foram também referidos por 12 cuidadores.

Devem-se destacar, ainda, algumas modificações nas práticas afetivas e educativas parentais. Quase metade da amostra (13 participantes) referiu maior permissividade e/ou ganhos secundários à criança doente, a partir do início do tratamento (“Vou falar com ele, aí já fico com medo até de dar uma palmada, acontecer alguma coisa, ter uma recaída”).

A percepção de melhora do estado de saúde do paciente foi referida por 18 cuidadores. Por outro lado, uma participante referiu preocupações sobre o organismo da criança não ter respondido ao tratamento. O enfrentamento de procedimentos médicos invasivos foi avaliado como ficando mais fácil, ao longo do tratamento, por 11 participantes. Por outro lado, 8 cuidadores relataram piora na maneira como lidavam com tais procedimentos. Uma melhora nas relações de comunicação com a equipe médica foi ressaltada por apenas 5 participantes (“A única coisa que eu tive mais facilidade foi entrar em contato com os médicos, eles conversam muito com a gente”).

A respeito de respostas sobre estratégias de enfrentamento focalizadas no problema, 3 participantes descreveram comparar a situação do filho a situações piores. Em relação a ações práticas diretas ao tratamento, o planejamento foi referido por 4 cuidadores, assim como a busca por informações foi destacada por 13 cuidadores (“O esclarecimento que eu tive com os médicos, ficou mais fácil assimilar o problema que a gente tá passando agora”).

Os cuidadores também mencionaram ações dirigidas ao paciente e a outros filhos como estratégias de enfrentamento. Oito participantes descreveram conversar com a criança e explicar a situação de tratamento e dos procedimentos médicos necessários. Além disso, houve um relato sobre conversar e explicar a situação para os irmãos do paciente. Relatos de enfrentamento classificados como focalização na emoção revelaram que 16 participantes usaram estratégias de autocontrole, assim como respostas de chorar e/ou protestar foram referidas por 7 participantes. A maior parte dos participantes (27) enfatizou a importância de práticas de espiritualidade; o apego a crenças e pensamentos positivos foi referido por 12 participantes (“Vai melhorar logo, sair dessa logo, que tudo é fase mesmo”).

A busca por suporte social também foi referida por 14 cuidadores, que destacaram o uso de suporte emocional. As principais fontes de suporte incluíam familiares, amigos, vizinhos, mães de outros pacientes em tratamento e membros da equipe de saúde. Dois participantes referiram que seus próprios filhos, em tratamento, forneciam suporte social aos pais.

Quanto às exigências que o tratamento demandava, diversos exemplos foram mencionados. Maior atenção e afetuosidade à criança foram destacadas por 11 participantes. Oito cuidadores enfatizaram a necessidade de ajustes financeiros e administração de gastos como um evento estressante do tratamento (“Mais gastos, né. Tem que vir pra cá sempre, de carro, aí gasta muito, e antes não tinha esse gasto”).

De uma forma geral, os participantes também relataram aspectos de crescimento pessoal durante a exposição ao tratamento. Nove cuidadores destacaram amadurecimento pessoal e aquisição de novos comportamentos adaptativos às demandas (“Acho que eu fiquei mais madura”). Além disso, 13 participantes referiram aquisição de autocontrole (“Ficar paciente, mais tolerante”). O aumento da solidariedade e do fornecimento de suporte social a outras pessoas foi referido por 9 cuidadores.

 

Discussão

Os resultados deste estudo apontam características importantes sobre o processo de enfrentamento desenvolvido por cuidadores pediátricos em contexto de tratamento onco-hematológico. As alterações individuais nos padrões de enfrentamento, em cada etapa do tratamento, sugerem o acompanhamento do processo de enfrentamento como condição antecedente ao planejamento sistemático de intervenções psicológicas que atendam às necessidades psicossociais de pais/familiares e pacientes.

Dados obtidos com a aplicação do BAI, EMEP e entrevistas permitem afirmar que, ao longo do tratamento, os cuidadores tendem a diminuir seus níveis de ansiedade. Em um paralelo com as entrevistas, é possível apontar que, da mesma forma, o repertório de comportamentos dos pacientes torna-se, na percepção dos cuidadores, mais tranquilo e receptivo ao tratamento, com redução de queixas. É evidente que uma série de variáveis tem influência nesse quadro, como a adaptação ao ambiente hospitalar e a proximidade do fim do tratamento, contudo é importante observar que, conforme propõe Steele et alii (2003), o repertório de comportamentos dos pais está relacionado funcionalmente com a adesão e o sucesso do tratamento de seus filhos. Assim, pais menos ansiosos tendem a manter seus filhos com níveis mais reduzidos de ansiedade e, consequentemente, aumentam a chance de enfrentar o tratamento com menor ocorrência de comportamentos indicadores de sofrimento.

A despeito da tendência de redução de ansiedade dos pais ao longo do tratamento, especialmente quando se observa uma evolução positiva do quadro clínico da criança, os pais referem exposição a grande quantidade de estresse e necessidade de mudanças em termos de comportamentos e expectativas ao longo do tratamento de seus filhos, em especial no momento da comunicação do diagnóstico e primeira fase de quimioterapia. Conforme Costa Junior (2005), o distress dos pais tende a ser contínuo durante o tratamento, com variações de intensidade e em termos dos eventos que estão relacionados funcionalmente com as manifestações de sofrimento.

Os instrumentos usados e as entrevistas permitiram que se efetuasse um levantamento de variáveis relacionadas funcionalmente à expressão de ansiedade dos pais, bem como que se analisassem suas implicações adversas ao contexto familiar e de rotina diária de cuidados dos pais com eles mesmos e com os demais familiares. Com essas informações, os profissionais de saúde podem planejar estratégias que minimizem os eventos potencialmente produtores de ansiedade entre cuidadores de crianças em tratamento, priorizando o desenvolvimento de comportamentos de saúde.

As alterações em estratégias de enfrentamento, apontadas pela EMEP, corroboram a concepção do enfrentamento como um processo condicionado pela interação com eventos estressores, avaliação da situação e condições psicológicas do indivíduo (Seidl et alii, 2001), sendo passível de alteração conforme mudam as relações entre o indivíduo e o ambiente de cuidados. Tal concepção enfatiza as possibilidades de intervenção psicossocial em contexto onco-hematológico pediátrico para alterar custos e demandas do tratamento. Resultados da aplicação da EMEP permitem apontar as principais estratégias de enfrentamento adotadas pelos pais e as fases nas quais tendem a ocorrer. Tais dados possibilitam que as intervenções psicossociais sejam planejadas com antecedência, pelo repertório comportamental e cognitivo de pacientes e familiares apresentados ao longo dos primeiros seis meses, com implicações potencialmente úteis à adesão ao tratamento.

No decorrer das fases de estudo, o aumento da frequência de estratégias referidas no fator 1 (comportamentos focalizados no problema) pode fundamentar-se no cumprimento de instruções recebidas da equipe profissional quanto a cuidados relativos à higiene, limpeza, ausência de contato com indivíduos doentes, dieta, entre outros. Tais indicações são exigências do tratamento que, naturalmente, constituem-se ações focalizadas no domínio do estressor ou na resolução do problema (Nelson et alii, 2007).

Destaca-se, ainda, que a redução de relatos de estratégias referidas no fator 2 (focalizadas na emoção) pode ser analisada como resultante de um processo natural pelo qual passam os participantes, ao familiarizarem-se com eventos de internação hospitalar, procedimentos médicos invasivos e efeitos colaterais da quimioterapia, especialmente se forem acompanhados pela melhora do quadro clínico dos pacientes.

Em todas as fases do estudo, o fator 3 (estratégias focalizadas em práticas religiosas e pensamentos recorrentes nos desejos) correspondeu às médias mais elevadas, em comparação aos outros fatores indicados pela EMEP. Esse resultado, além de constituir uma estratégia psicológica legítima de enfrentamento, tal como apontado por Lopes (2001), pode ser analisado à luz da cultura brasileira, caracterizada pela presença marcante da espiritualidade e práticas ritualísticas (Savioli, 2006). Além disso, a falta de controle do paciente sobre a resposta clínica ao tratamento também pode influenciar a preferência por estratégias de cunho espiritualista, conforme os cuidadores podem atribuir o locus de controle da situação a fatores externos, direta ou indiretamente, relacionados a uma ação divina.

A partir dos resultados deste estudo, algumas implicações educacionais, sociais e políticas também podem ser ressaltadas. Inicialmente, destaca-se que a EMEP e o BAI, aplicados ao início do tratamento, podem identificar precocemente casos que necessitem de atenção especial da equipe ou mesmo intervenção em crise. O uso de tais instrumentos não indica categorizações psicopatológicas ou predição sobre comportamentos futuros, mas viabiliza o uso do tempo disponível, enquanto pode oferecer, logo ao início do tratamento, bem como em outros momentos, uma caracterização das estratégias de enfrentamento e dos níveis de ansiedade.

Os dados obtidos reforçam a necessidade do treinamento de equipes multidisciplinares de saúde, no sentido de instaurar um modelo efetivamente biopsicossocial de prevenção a doenças e promoção de saúde em que diversas abordagens possam contribuir para a diminuição de riscos e aumento da qualidade de vida de familiares de pacientes pediátricos. Em especial, o incentivo aos acompanhantes para explorarem estratégias de enfrentamento torna-se, por si só, uma ação importante no contexto pediátrico, que permite ao cuidador a ampliação de repertórios comportamentais de enfrentamento e o uso, diante de cada estressor específico, da resposta individualmente mais adaptativa, conforme destaca Costa Junior (2005).

Finalmente, proporcionar ao acompanhante a vivência e exploração de estratégias de enfrentamento diferenciadas constitui uma forma relativamente simples e bastante eficaz de promover sua participação efetiva no contexto de tratamento pediátrico, contribuindo para enriquecer o processo de desenvolvimento do acompanhante e da criança, ou adolescente, ao longo do tratamento.

 

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Texto recebido em agosto/2008.
Aprovado para publicação em fevereiro/2009.

 

 

* Estudante de graduação em Psicologia da Universidade de Brasília, bolsista do Programa de Iniciação Científica (PIC/UnB) - UNB, e-mail: ninamensorio@gmail.com
** Psicóloga, mestre em psicologia pela Universidade de Brasília - UNB, e-mail: marinak@unb.br
*** Doutor em Psicologia, professor adjunto do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília - UNB, e-mail: aderson@unb.br

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