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Psicologia em Revista

Print version ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.15 no.1 Belo Horizonte Apr. 2009

 

SEÇÃO ABERTA

 

RESUMO DE TESE

   

Renato Diniz Silveira*

   

Projeto Lopes Rodrigues: continuidades e rupturas nas conexões entre ensino psiquiátrico e prática assistencial em Minas Gerais (1920-1930)

(Lopes rodrigues project: continuities and ruptures in the connections between psychiatric teaching and assistance practice in Minas Gerais (1920-1930))

(Título de la tesis: proyecto lopes rodrigues: continuidades y rupturas en las conexiones entre la enseñanza psiquiátrica y la práctica asistencial en Minas Gerais (1920-1930))

   

Essa tese examina o ensino de psiquiatria no contexto brasileiro do início do século XX, por meio de um estudo de caso da Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais, no período compreendido entre 1920 e 1930. São analisadas as condições de sustentação de um ensino médico articulado com as teorias psiquiátricas e as práticas assistenciais, tomando-se como eixo o projeto empreendido pelo professor de psiquiatria, Hermelino Lopes Rodrigues (1898-1971), em Belo Horizonte. O Projeto Lopes Rodrigues, iniciado em 1929, foi idealizado com o objetivo de conectar o ensino acadêmico na Faculdade de Medicina com as práticas de assistência aos doentes mentais usadas no Instituto Raul Soares. Nesse hospital público, os indivíduos que apresentavam distúrbios mentais e/ou comportamentos considerados antissociais eram internados e submetidos a tratamentos desumanos, incluindo o uso de violência física contra os pacientes. A tese procura inventariar esse momento e as consequências imediatas que se seguiram no sentido de reverter essa situação, trazendo um material histórico inédito em termos de fontes primárias como documentos e fotos originais realizadas pelo próprio Lopes Rodrigues.

Buscando compreender as ações de Lopes Rodrigues, no sentido de humanizar esses tratamentos, e as relações dessas ações com a história da Psiquiatria e do ensino dessa ciência, foi usado o enfoque teórico e metodológico proposto por Bruno Latour (1947-), no qual a atividade científica é analisada em suas relações com o contexto social e cultural pela metáfora de um sistema circulatório. Nesse sistema, são considerados cinco circuitos que se integram para possibilitar a emergência dos estudos científicos: a mobilização do mundo, a autonomização, as alianças, a representação pública e os vínculos e nós. O uso, por parte de Lopes Rodrigues, das teorias psiquiátricas originadas na Europa e disseminadas no Brasil a partir do trabalho de Juliano Moreira no Hospício Nacional, no Rio de Janeiro, foi analisada a partir do conceito de apropriação desenvolvido por Roger Chartier (1945-). Esse autor demonstra que a transmissão de conhecimento não se dá de forma passiva por parte do receptor. Esse, ao contrário, realiza um trabalho próprio de transformação sobre o conhecimento recebido.

Foram analisadas variadas fontes de pesquisa, tais como jornais de época, revistas científicas e de circulação popular, além de documentos pedagógicos como atas de reuniões ou material de circulação interna da Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais. Como principal resultado da análise do cruzamento dessas fontes, foi evidenciado que o Projeto Lopes Rodrigues não conseguiu incluir satisfatoriamente o ensino psiquiátrico na dinâmica de articulação entre conhecimento teórico e aplicação assistencial. A partir da perspectiva de Bruno Latour sobre a necessidade de fortalecer variadas conexões para a sustentação de um projeto científico, e do estudo do caso em questão, conclui-se que a articulação entre conhecimento teórico e prática assistencial no ensino é fundamental para a formação do psiquiatra e do psicólogo. Além disso, em relação ao Projeto Lopes Rodrigues, conclui-se que seu idealizador não conseguiu realizar as conexões e articulações necessárias para a sustentação de seu projeto, principalmente por não incluir nele dimensões importantes apontadas pela metodologia de Bruno Latour nos estudos científicos. Dessa forma, entendemos que o trabalho dessa tese evidencia a complexidade do contexto pedagógico que necessita das interlocuções entre teoria e trabalho de campo. Partindo de um fato histórico, o trabalho demonstra com clareza os impasses e as dificuldades presentes no cotidiano docente contemporâneo, onde as interlocuções com a política de saúde e as realidades institucionais são fundamentais no processo de formação universitária.

A universidade, principalmente a partir do ponto de vista do estudante, tem uma importância inquestionável na transformação das práticas assistenciais, enquanto interroga as regras estabelecidas e pode realizar um trabalho de autorreflexão institucional. Ao professor cabe a mediação dessas relações, utilizando-se de teorias concernentes a esses processos e fazendo-se presente nos campos de trabalho prático. Essas questões estão amplamente discutidas na tese aqui sumariamente apresentada, e suas conclusões podem efetivamente contribuir para as reflexões no campo educacional da Psiquiatria e Psicologia, entre outros. O ineditismo de algumas fontes, como as fotografias de época que foram restauradas, torna a leitura curiosa e ajudam a ilustrar momentos com imagens que falam por si, como a grotesca figura do Sr. José Batista, enfermeiro-chefe do Instituto Raul Soares em 1929, que se orgulhava de “derrubar qualquer doido com um murro”.

 

1Fonte: Centro de Memória do Instituto Raul Soares, Fhemig.

   

*Psiquiatra, doutor em Educação (FAE/UFMG), professor da PUC Minas, preceptor da Residência em Psiquiatria do Instituto Raul Soares/Fhemig, e-mail: renato.22@uol.com.br. Orientadora: professora doutora Regina Helena de Freitas Campos.

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