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Psicologia em Revista

versão impressa ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.15 no.1 Belo Horizonte abr. 2009

 

SEÇÃO ABERTA

 

RESUMO DE DISSERTAÇÃO

   

Marta Rodrigues de Morais Andrade*

   

Reivindicações dos homossexuais masculinos nas vicissitudes da época do Outro que não existe

(Claims of male homosexuals in the vicissitudes from the time of the other who does not exist)

(Reivindicaciones de los homosexuales masculinos en las vicisitudes de la época del outro que no existe)

   

Este estudo discutiu um assunto que envolve o contexto cultural de toda a sociedade e provoca mal-estar no laço social por mexer com estruturas simbólicas até então resguardadas, tais como a diferença sexual no casamento e nas figuras parentais e a reprodução sexuada. Seu principal objetivo foi analisar, a partir do aporte teórico da psicanálise lacaniana, o que possibilitou, na realidade social em que o Outro não existe, a emergência das reivindicações dos homossexuais masculinos pelos direitos ao casamento, à adoção de criança e à procriação assistida. Isso quer dizer que o Nome do Pai, cujos ideais norteavam a civilização, declinou e pluralizou, deixando ideais inconsistentes.

O recurso metodológico usado foi a pesquisa bibliográfica de alguns textos da obra de Freud, sendo que a grande ênfase foi a leitura de textos da obra de Lacan. Pesquisaram-se autores contemporâneos orientados pelo ensino lacaniano, tendo como referência o livro “El Otro que no existe y sus comités de ética”, fruto de vários seminários de Jacques-Alain Miller, em colaboração de Éric Laurent. Recorreu-se a textos das áreas do Direito, assim como de sociólogos e etnólogos que retratam o tema.

Propôs-se trabalhar com exemplos de significantes forjados para denominar a época atual, tomando o conceito de hipermodernidade como principal. Na hipermodernidade, muitos paradoxos estão presentes, dentre eles destacam-se, no mesmo patamar, o hiperindividualismo, o ideal de igualdade de respeito e o desejo de que o outro seja reconhecido e respeitado na sua diferença. O reconhecimento, para psicanálise, é uma intersubjetividade sem simetria, e dessa dialética o Outro se origina. Assim, pôde-se pensar que houve uma mudança no Outro social e, consequentemente, no laço social, possibilitando que o silêncio se transformasse em voz, esta que reivindica não só direitos, mas também dignidade de tratamento.

Constatou-se que, na época do Outro que não existe e dos semblantes, o discurso que prevalece é o da ciência e do capitalismo, comandando os sujeitos à caça do “mais de gozar”. Percebeu-se, então, o imperativo de que todos têm o direito e também o dever de serem felizes e de gozarem dos recursos que a ciência oferece. Amparada pelo discurso capitalista, a ciência aponta para a existência de uma falta de gozo que pode ser aplacada com os objetos que ela produz, estimulando, assim, o consumo, fazendo desses a causa de desejo. Dessa forma, pôde-se pensar que as reivindicações dos homossexuais masculinos pelo direito ao casamento e à constituição da família, a partir da adoção e da procriação assistida, são também resultado da fabricação dessa falta de gozo produzida pelos discursos capitalista e da ciência.

Fez-se um percurso histórico dos homossexuais masculinos, mostrando que houve um deslocamento deles, da marginalidade à inserção nas normas jurídicas e sociais. Percebeu-se, também, um deslocamento ocorrido no sistema jurídico da lei para o sistema jurídico da norma, tornando necessário distinguir os conceitos de norma e de lei para mostrar que, quando o Outro não existe, as fronteiras são permeáveis, os limites são flexíveis e a sociedade se rege pela norma.

Analisaram-se as já mencionadas reivindicações dos homossexuais masculinos em relação à realidade jurídica brasileira. Constatou-se que, apesar de a legislação brasileira não contemplar nem proibir de forma clara o direito desses cidadãos ao objeto de suas demandas, mudanças já ocorreram e muitos direitos já foram concedidos, abrindo, assim, jurisprudência.

A pesquisa mostrou que, na hipermodernidade, quando o Outro não mais existe, as antigas morais rígidas encarnadas pela Lei paterna foram flexibilizadas, possibilitando a emergência das reivindicações dos homossexuais masculinos. Além disso, mostrou que o discurso capitalista fez da família um objeto a ser desejado e consumido, contribuindo para a produção das demandas mencionadas.

   

*Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Endereço: Rua Pasteur, 180/502, Centro, Juiz de Fora-MG. E-mail: marta.r.andrade@gmail.com. Orientadora: Professora doutora Ilka Franco Ferrari.

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