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Psicologia em Revista

Print version ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.16 no.2 Belo Horizonte Aug. 2010

 

ARTIGOS

 

Ausência paterna e suas repercussões para o adolescente: análise da literatura

 

Paternal absence and its repercussions on the adolescent: analyzing the literature

 

La ausencia del padre y su impacto en el adolescente: análisis de la literatura

 

 

Ilciane Maria Sganzerla *; Daniela Centenaro Levandowski **

 

 


RESUMO

Este estudo objetivou analisar estudos empíricos publicados entre 1998 a 2008 sobre a ausência paterna e suas repercussões para o adolescente. Foi realizada uma busca em quatro bases de dados (PsycInfo, LILACS, Scielo e Pubmed), utilizando como termos descritores: ausência paterna, paternidade, pais não residentes, relações familiares e adolescência. Foram identificados apenas 16 estudos (14 internacionais e 2 brasileiros), cuja temática foi classificada como ausência paterna prolongada. A maioria deles apresentou caráter quantitativo e longitudinal. De modo geral, foi possível perceber que a ausência paterna pode trazer prejuízos ao desenvolvimento afetivo e social dos adolescentes. Importantes repercussões da ausência ocorrem também no funcionamento familiar. Constatou-se a carência de estudos nacionais sobre essa questão no período considerado, sugerindo-se a investigação da qualidade da relação pai-filho nos casos de ausência paterna temporária, bem como da qualidade do tempo de convivência entre eles.

Palavras-chave: ausência paterna; adolescência; análise da literatura.


ABSTRACT

This investigation aimed to analyze empirical studies about paternal absence and its repercussions on adolescents, published between 1998 and 2008. A research was conducted in four databases (PsycInfo, LILACS, Scielo and Pubmed), using the following key-words: paternal absence, fatherhood, non-resident fathers, family relationships and adolescence. Only sixteen studies were identified (two in Brazil, and fourteen published abroad), whose themes were classified as prolonged paternal absence. Most of those studies were of a quantitative and longitudinal nature. In general, it was possible to perceive that paternal absence can damage the adolescents’ affective and social development. Important repercussions of that absence also occur in family functioning. Only a few Brazilian studies on this issue during the period considered were identified, suggesting the need for further studies on the quality of father-adolescent relationships in the case of temporary paternal absence, as well as on the quality of the time they spend together.

Keywords: paternal absence; adolescence; analysis of the literature.


RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo examinar los estudios empíricos publicados entre 1998 y 2008 sobre la ausencia del padre y su impacto en el adolescente. Para ello, se realizó una búsqueda en cuatro bases de datos (PsycINFO, LILACS, SciELO y Pubmed), utilizando como palabras clave: ausencia del padre, paternidad, padres no residentes, familia y adolescencia. Se identificaron solamente 16 estudios (catorce internacionales y dos nacionales), con una temática clasificada como la ausencia prolongada del padre. La mayoría de ellos presentó un carácter cuantitativo y longitudinal. En general, se observó que la ausencia del padre puede perjudicar el desarrollo social y emocional de los adolescentes. Importantes repercusiones de esta ausencia también se producen en el funcionamiento familiar. Debido a la falta de estudios nacionales sobre este asunto durante el período considerado, fue necesario investigar la calidad de la relación padre-hijo en los casos de ausencia temporal del padre, y el tiempo de convivencia entre ellos.

Palabras clave: ausencia del padre; adolescencia; revisión de literatura.


 

 

Introdução

A Pós-modernidade é caracterizada por aceleradas transformações, especialmente no âmbito econômico, tecnológico e científico, o que repercute nos comportamentos e relações dos indivíduos. No caso, conforme Pithan e Timm (2007), pode-se considerar como principais características desse período histórico a fragmentação, a superficialidade e a efemeridade das relações interpessoais. Diniz Neto e Féres-Carneiro (2005), ao se referirem especificamente às relações amorosas, acrescentam a tais características a incerteza, a instabilidade, a heterogeneidade e a pluralidade. Assim, para Petrini (2005), a defesa de um estilo de vida independente e autônomo produziu um indivíduo estável, de compromissos e convicções fluidos.

A família, como um sistema diretamente ligado aos processos de transformação histórica, cultural e social (Staudt & Wagner, 2008), não ficou imune a tal panorama de comportamentos e relações sociais, sofrendo modificações na sua composição e dinâmica. Petrini (2005) aponta, como uma das consequências desse panorama, a decadência do patriarcado, que deu lugar a uma maior igualdade na partilha de tarefas e responsabilidades entre os membros da família. Dessa forma, a partir desse período, verifica-se a existência não apenas de famílias ditas “tradicionais”, nas quais é vigente a tradicional divisão de papéis (pai provedor e mãe responsável pela casa e pelos filhos), como também das “novas famílias”, com configurações e dinâmicas diversas (Wagner & Levandowski, 2008), tais como as uniparentais, homossexuais, formadas por recasamento (nas quais convivem filhos de pais diferentes), entre outras (Roudinesco, 2003). De fato, atualmente, é comum encontrar grupos familiares nos quais os cônjuges têm suas atribuições e trajetórias profissionais e dividem as tarefas domésticas e educativas (Wagner, Predebon, Mosmann & Verza, 2005), sem contar aqueles nos quais as mulheres são as principais provedoras econômicas (Fleck & Wagner, 2003), caracterizando um panorama pluralista. Essa variação de dinâmicas e configurações familiares, principalmente em grandes centros urbanos, inevitavelmente repercutiu no desempenho dos papéis parentais (Diniz Neto & Féres-Carneiro, 2005).

As teorias psicanalíticas, durante muito tempo, ressaltaram o lugar do pai como interventor, como lei, embora considerassem a mãe como a figura fundamental para o desenvolvimento e a saúde psíquica das crianças. Parecia não ser esperado dos homens o envolvimento pleno na educação e nos cuidados diários da prole (Henningen & Guareschi, 2008). Todavia, até a década de 1970, o homem geralmente ocupava a posição de maior status no grupo familiar.

Entretanto, com o ingresso das mulheres no mercado de trabalho, tornaram-se necessárias modificações na divisão de responsabilidades do casal para com os filhos, exigindo-se dos pais um maior envolvimento (Cia, Williams & Aiello, 2005), o que, por sua vez, modificou o seu lugar na família (Gomes & Resende, 2004; Wagner, Predebon, Mosmann & Verza, 2005) e exigiu novas acomodações entre as demandas paternas e profissionais (Staudt & Wagner, 2008). Desse modo, embora a caracterização do pai como essencialmente provedor, desempenhando um papel reduzido ou indireto sobre a criação de seus filhos, não mais corresponda à realidade da maioria das famílias em grande parte das sociedades atualmente (Silva & Piccinini, 2007), há contextos familiares onde isso ainda ocorre, não significando que não se valorize a perspectiva de um pai mais participativo e presente como educador (Peruchi & Beirão, 2007). Na verdade, a pluralidade de situações é característica marcante da Pós-modernidade.

A produção científica parece ter acompanhado as transformações no panorama social e familiar, pois, conforme Berthoud (2003), a partir da década de 1970, começaram a surgir pesquisas sobre diversas questões relacionadas à paternidade em periódicos americanos de prestígio na comunidade acadêmica. Porém, segundo a autora, a partir dos anos 80, é que se pode contar com literatura consistente sobre temas como a função paterna, a ausência paterna e as relações dos homens com seus filhos. O interesse pela temática parece ter decorrido, dentre outras razões, do número crescente de separações e divórcios, que passou a evidenciar a importância do pai para o desenvolvimento da criança, a partir das repercussões de sua ausência, tanto física como psíquica (Hennigen & Guareschi, 2008). Em decorrência disso, as pesquisas se voltaram para a compreensão da relação paifilho, reconhecendo a importância do papel que os pais desempenham junto à prole, sem desconsiderar as particularidades históricas e culturais.

Dessa forma, independentemente da organização da família, os pais têm hoje reconhecida a sua importância peculiar ao longo do processo de desenvolvimento dos filhos. É essa presença que facilitará a estes a passagem do mundo da família para o mundo social e que propiciará o acesso à agressividade, à afirmação de si, à capacidade de se defender e de explorar o ambiente, entre outras (Gomes & Resende, 2004). Diversos estudos apontam como ideal o fato de a criança conviver com ambos os genitores, pois cada um contribui positivamente para algum aspecto do seu desenvolvimento (Black, Dubowitz & Starr, 1999; Flouri & Buchanan, 2003; Lamb, 1997; Marshall, English & Stewart, 2001). Mais especificamente, tais estudos têm evidenciado o quanto a ausência do genitor ou a existência de uma relação pouco harmônica entre pai e filho na adolescência pode ser considerada fator de risco para o desenvolvimento psicológico, cognitivo e até mesmo social deste último (Eizirik & Bergman, 2004; Feldman & Klein, 2003). Desse modo, torna-se relevante estudar a ausência paterna e suas repercussões para indivíduos nessa faixa etária.

O conceito de ausência paterna, porém, tem se mostrado de difícil definição (East, Jackson & Brien, 2006), sendo muitas vezes usado para fazer referência a fenômenos diferentes. Por exemplo, Dantas, Jablonski e Féres-Carneiro (2004) relacionam a ausência a uma perspectiva mais tradicional de paternidade. Assim, esta ocorreria quando, mesmo sendo provedor e oferecendo suporte emocional à mãe, bem como exercendo o modelo de poder e de autoridade perante os filhos, o pai não se envolvesse diretamente com seus cuidados, principalmente cuidados corporais e brincadeiras, mostrando-se ausente afetivamente. Nesse caso, a ausência paterna seria decorrente da distância emocional/falta de afeto, que pode acontecer mesmo naquelas situações em que o pai está fisicamente presente.

Já em outros estudos, a ausência considerada é a falta de convivência física (contato) entre pais e filhos (Almeida & Hardy, 2007; Eizirik & Bergman, 2004; Feijó & Assis, 2004; Felzenszwalb, 2003; Muzza & Costa, 2002; Silva & Piccinini, 2007), em virtude de separação conjugal/divórcio, morte e, ou, trabalho. Nesse caso, a ausência paterna caracteriza-se pela não presença do genitor. Não se pode desconsiderar ainda aquelas situações que englobam essas duas formas de ausência da figura paterna, uma vez que a distância física pode predispor ao afastamento emocional da dupla pai-filho, por exemplo.

Diante da importância do tema, vislumbrada a partir da introdução, bem como da atividade clínica da primeira autora, desenvolvida com adolescentes do sexo feminino cujos pais eram temporariamente ausentes em decorrência do trabalho, neste estudo objetivou-se analisar artigos empíricos sobre a ausência paterna e suas repercussões para o adolescente, publicados no período compreendido entre 1998 e 2008.

 

Materiais e Método

Trata-se de um estudo documental (Creswell, 2008), que envolveu a análise de artigos empíricos. Para tanto, foi realizada uma consulta nas bases de dados Psycinfo, Lilacs, Scielo e Pubmed, considerando o período 1998-2008, usando como descritores os termos: ausência paterna, paternidade, pais não residentes, relações familiares e adolescência. O termo ausência paterna foi usado de forma isolada e posteriormente combinado com os demais descritores. Assim foi possível obter maior garantia a respeito da abrangência das consultas realizadas.

A partir dessas consultas, foram localizados 192 registros referentes a esse tema. Em um primeiro momento, foram excluídos artigos repetidos, resumos de capítulos de livro ou referências de livros, artigos que não apresentavam o texto completo para consulta, que abordavam esse tema com base no conhecimento do Direito e aqueles que, mesmo num âmbito psicológico, investigaram esse tema com crianças. Posteriormente, foram excluídos artigos teóricos, restando para análise apenas 2 artigos nacionais e 14 internacionais, em um total de 16 artigos. Tais artigos foram então analisados em relação a temas, principais achados, delineamento e instrumentos empregados. Cabe ressaltar que todos eles tiveram como foco de estudo aspectos psicológicos relacionados à ausência paterna no contexto da adolescência, tendo sido produzidos predominantemente por pesquisadores psicólogos, embora também tenham sido encontrados estudos conduzidos por educadores e sociólogos.

 

Resultados e discussão

1. Temas e principais achados dos estudos revisados

Com base na leitura dos artigos localizados, foi possível perceber que os 16 estudos referiram-se à ausência física, de caráter duradouro/prolongado, ou seja, àquelas situações nas quais o adolescente nunca conviveu ou não convive mais com seu pai, em decorrência principalmente do falecimento ou de afastamento pelo divórcio (Baum, 2004; Bogaert, 2005; Burns, 2008; Carlson, 2006; Coley & Medeiros, 2007; Ellis, Bates, Dodge, Ferguson, Horwood et al., 2003; Hollist & McBroom, 2006; Eizirik & Bergman, 2004; Felzenszwalb, 2003; Flouri & Buchanan 2003; Harper & McLanahan, 2004; Mandara, Murray & Joyner, 2005; Paschall, Ringwalt & Flewelling, 2003; Sieber, 2008; Thomas, Krampe & Newton, 2008, Tither & Ellis, 2008). Esses estudos foram publicados no Brasil (2 artigos) e, em âmbito internacional (14 artigos), nos Estados Unidos.

De modo geral, tais estudos ressaltaram como essa situação familiar de ausência paterna pode se tornar um fator de risco (e repercutir negativamente) em diversos aspectos do desenvolvimento do adolescente. Por exemplo, uma investigação com 647 adolescentes norte-americanos, de caráter longitudinal, indicou a ausência paterna duradoura como um fator de risco para a manifestação de comportamentos delinquentes, como porte de armas e embriaguez no contexto escolar (Coley & Medeiros, 2007). Estudo anterior (Hollist & McBroom, 2006), realizado com 48 adolescentes norteamericanos, comparando aqueles que viviam ou não com ambos os genitores, também havia demonstrado maior probabilidade de uso de drogas entre os adolescentes desse segundo grupo. Tais achados corroboraram resultados de estudos longitudinais norte-americanos que também demonstraram maior propensão entre adolescentes com essa característica familiar para exibir comportamentos delinquentes (Harper & McLanhan, 2004; Paschall, Ringwalt & Flewelling, 2003). Conflitos familiares, mau desempenho escolar e envolvimento frequente em brigas na escola também foram evidenciados por Eizirik e Bergman (2004), a partir de um estudo de caso com um adolescente gaúcho, reforçando as repercussões negativas da ausência paterna duradoura.

Essa situação familiar, caracterizada pela ausência paterna duradoura, destacou-se também como um fator de risco para o início precoce da atividade sexual por parte dos adolescentes, conforme apontado em estudo norte-americano conduzido por Ellis et al. (2003). Foram encontradas ainda associações entre ausência paterna duradoura e antecipação do desenvolvimento físico entre adolescentes de ambos os sexos, com consequente entrada precoce na puberdade (Bogaert, 2005).

Ainda quanto ao aspecto físico, Thomas, Krampe e Newton (2007) identificaram alto índice de obesidade entre adolescentes norte-americanos cujos pais eram ausentes de forma prolongada, justificado pelo não acompanhamento dos seus hábitos alimentares e pelas alterações físicas (aumento de cortisol) gerados pelo estresse associado a essa condição. Nesse estudo longitudinal com 650 adolescentes, estes caracterizaram os pais como invisíveis e inacessíveis, demonstrando uma relação sem envolvimento afetivo, que pode comprometer a dinâmica familiar. De fato, em termos familiares, Felzenszwalb (2003) identificou o afastamento afetivo do pai como promotor de padrões de interação disfuncionais, nos quais se observou prejuízo na autonomia dos filhos e no seu processo de separação da mãe. Além disso, a quebra do vínculo afetivo e da convivência com o pai parece suscitar sentimentos de abandono, rejeição e culpa, colocando em risco a formação de novos vínculos.

O estudo de Baum (2004) também indicou que o divórcio e a saída do pai de casa propiciaram um aumento dos conflitos entre o adolescente e a mãe, afetando o funcionamento familiar e gerando como consequências para o filho, além do distanciamento afetivo em relação aos dois genitores, dificuldades para cultivar novos relacionamentos. Mais recentemente, nessa mesma direção, dificuldades de socialização (especialmente no que se refere à independência e à assertividade) foram encontradas como repercussões da ausência paterna decorrente de separação conjugal por Burns (2008), com base num estudo com dez adolescentes norte-americanas do sexo feminino.

Mandara, Murray e Joyner (2005), por sua vez, ressaltaram o impacto da ausência paterna duradoura, decorrente da separação conjugal, para 52 adolescentes norte-americanos de nível socioeconômico baixo, em comparação a 54 adolescentes, de mesmo nível socioeconômico, que contavam com a figura do pai. A percepção do pai foi mais positiva entre os adolescentes cujos pais eram presentes. Já aqueles adolescentes cujos pais eram ausentes referiram sentimentos mais positivos em direção à mãe e desqualificaram a figura paterna.

As repercussões da ausência paterna prolongada decorrente da separação conjugal na esfera clínica também apareceram em um dos estudos localizados, no caso a não participação do pai na psicoterapia familiar. Pais ausentes são muitas vezes excluídos do tratamento de seus filhos, por falta de iniciativa própria ou por serem marginalizados pelas companheiras e até mesmo pelos profissionais. Entretanto, com base em um estudo de caso com um adolescente de 14 anos, Sieber (2008) demonstrou a importância da inclusão do pai no tratamento, por se tratar de uma forma de inclusão também na vida do adolescente. Conforme o autor, o adolescente que não internaliza a figura do pai pode se sentir discriminado ou em uma situação desfavorável em relação a outros adolescentes, porque acabam se comparando a aqueles que contam com a presença do pai. A partir disso, pode-se pensar na importância de os adolescentes contarem com uma rede de apoio social efetiva (mãe, avós ou até mesmo instituições como a escola) para que consigam manejar melhor essa situação (Ellis et al., 2003; Harper & McLanahan, 2004).

De modo geral, com base nos estudos revisados, percebe-se que a falta de envolvimento do pai na vida dos filhos adolescentes, decorrente de sua ausência prolongada ou definitiva, traz repercussões negativas para o desenvolvimento destes, tanto diretamente, por seus efeitos no âmbito pessoal, como indiretamente, pelos efeitos no funcionamento familiar. Entretanto, os estudos sobre esse tema deveriam ampliar seu foco e também explicitar fatores de proteção para os adolescentes que vivem nessa condição familiar. Assim, seria importante buscar amostras não clínicas, por exemplo, para a realização de novos estudos, bem como incluir coletas de dados com outros membros da família nessas investigações. Da mesma forma, seria importante realizar estudos longitudinais para além da adolescência, a fim de melhor compreender como a condição da ausência paterna interfere na trajetória de desenvolvimento na idade adulta.

Com base nos dados encontrados, pode-se pensar ainda que o fato de não contar com a presença física (contato) do pai, advindo de falecimento, gera no adolescente sentimentos ligados à sensação de perda e tristeza, enquanto que, nesses casos, não se evidencia revolta ou indignação, como se observa nos casos em que a ausência decorre de separação conjugal e do desligamento dos pais em relação aos filhos. Nessa situação, os adolescentes parecem tender a apresentar uma crença de que o pai poderia reverter essa situação e voltar a ser mais presente, caso desejasse, o que é inviável no primeiro caso.

2. Delineamento dos estudos revisados

Em relação ao delineamento, observou-se uma diferença entre os artigos nacionais e os internacionais. Os primeiros tinham um caráter qualitativo, sendo um do tipo descritivo (Felzenszwalb, 2003), e o outro, de estudo de caso único (Eizirik & Bergman, 2004). Já os estudos internacionais apresentaram, em sua maioria, caráter quantitativo, predominando os estudos longitudinais (Bogaert, 2005; Carlson, 2006; Coley & Medeiros, 2007; Ellis et al. 2003; Harper & McLanahan, 2004; Paschall, Ringwalt & Flewelling, 2003) em comparação aos transversais (Hollist & McBroom, 2006, Thomas, Krampe & Newton, 2008). Apenas três artigos qualitativos foram localizados entre os internacionais, sendo um estudo fenomenológico de caráter descritivo (Burns, 2008) e dois com delineamento de estudo de caso único (Sieber, 2008) e múltiplos (Baum, 2004).

Percebe-se que, enquanto os estudos internacionais preocuparam-se com o acompanhamento de grandes amostras, ao longo de maiores períodos de tempo, os nacionais focalizaram o aprofundamento da compreensão dessa situação para os sujeitos envolvidos. A metodologia empregada relacionouse aos objetivos desses estudos, no caso, nos trabalhos nacionais o foco de análise da ausência paterna foi o seu impacto para adolescentes em sofrimento psíquico, no contexto clínico, tendo como interesse especificamente comportamentos agressivos. Já os estudos internacionais procuraram ampliar esse foco, relacionando essa condição familiar a aspectos diversos do desenvolvimento, que não apenas à delinquência, tais como comportamentos escolares, sexualidade e comportamento alimentar. Como mencionado, seria importante uma ampliação no leque de comportamentos adolescentes investigados, incluindo-se não apenas situações de risco, como, por exemplo, ser portador de uma doença crônica ou a gravidez na adolescência, como também situações típicas de desenvolvimento, como a prática de esportes e o estabelecimento de relações afetivas e de amizade. Tais tópicos poderiam ser investigados tanto qualitativamente como quantitativamente, especialmente no contexto nacional, em que se percebeu uma escassez de estudos referentes a essa temática.

3. Instrumentos empregados nos estudos revisados

Quanto aos estudos nacionais, pelo caráter qualitativo, o instrumento de coleta de dados mais frequentemente usado foi a entrevista semidirigida (Felzenszwalb, 2003), para investigar, entre os adolescentes, os afetos envolvidos ou despertados pelo afastamento do pai. Já nos estudos internacionais, o instrumento mais frequentemente empregado foi o questionário (Bogaert, 2005, Carlson, 2006; Coley & Medeiros, 2007; Ellis et al., 2003; Harper & McLanaham, 2004; Hollist & McBroom, 2006, Thomas, Krampe & Newton, 2008), para investigar comportamentos delinquentes dos adolescentes, tais como abuso de substâncias e alcoolismo. Também foram usados testes e escalas, que procuraram avaliar o ambiente familiar e o papel do pai no desenvolvimento da autoestima, da autopercepção e do autoconceito, da identidade de gênero dos filhos e de comportamentos antissociais (Flouri & Buchanan 2003; Mandara, Murray & Joyner, 2005; Paschall, Ringwalt & Flewelling, 2003; Tither & Ellis, 2008). Tanto os questionários como os testes pareceram adequados e em consonância aos objetivos pretendidos em cada uma das investigações.

Com relação ao predomínio do uso de questionários em estudos internacionais, mostraram-se apropriados para estudos longitudinais envolvendo grandes amostras, que despendem bastante tempo para sua execução. Além disso, devido ao uso de vários questionários em cada um desses estudos, foi possível ampliar a avaliação da ausência e suas repercussões, levantando novas variáveis e aspectos a serem considerados. Por sua vez, o uso da entrevista nos estudos nacionais também se mostrou adequado, por facilitar a apreensão de fenômenos subjetivos (Turato, 2003), tais como os sentimentos do adolescente em relação à ausência paterna.

 

Considerações finais

Considerando que este artigo teve como objetivo analisar artigos empíricos publicados entre 1998 a 2008 sobre a ausência paterna e suas repercussões para o adolescente, constataram-se, entre os estudos revisados, diversas repercussões negativas da ausência paterna prolongada/duradoura (seja ela física ou afetiva) no desenvolvimento de adolescentes de ambos os sexos, tais como manifestações de comportamentos delinquentes, amadurecimento físico precoce e dificuldades na conquista de autonomia, em decorrência de padrões de interação familiar disfuncionais. Foi possível perceber, ainda, a diversidade de instrumentos de coleta de dados empregada para avaliar tais repercussões, ficando evidenciada uma diferença entre os artigos nacionais e internacionais. No caso, os estudos nacionais adotaram mais comumente um caráter qualitativo e fizeram uso de entrevistas, enquanto que os internacionais privilegiaram o uso de questionários, adotando um caráter quantitativo e longitudinal.

Entretanto, não se pode esquecer o fato de que diferenças nas repercussões da ausência paterna para o desenvolvimento do adolescente poderão ser identificadas conforme os seus recursos emocionais individuais, o manejo dos membros da família e a presença de uma rede de apoio social com a qual ele possa contar, a fim de minimizar os efeitos adversos dessa condição familiar. De fato, este último aspecto parece ser um fator de proteção para os adolescentes, embora nem sempre seja foco de investigação nos estudos já realizados sobre o tema.

Além disso, como comentado anteriormente, as diversas razões da ausência paterna (como, por exemplo, o falecimento do pai, o afastamento decorrente de separação conjugal, a ausência derivada da atividade laboral ou uma ausência emocional de um pai fisicamente presente), podem ser diferentemente percebidas pelos filhos. Pensa-se que isso, por si só, determinará repercussões diferentes em seu desenvolvimento, embora essas, em geral, possam ser negativas, quando se tem em mente a importância do pai no desenvolvimento de crianças e adolescentes.

Em conjunto, chamou atenção a pequena produção científica sobre o tema da ausência paterna e sua repercussão no desenvolvimento do adolescente no período em análise, especialmente no contexto nacional. Sendo assim, aponta-se para a necessidade da realização de pesquisas brasileiras nessa área. São necessários estudos comparativos entre filhos que convivem com seus pais e filhos cujos pais estão ausentes, emocional e, ou, fisicamente, em relação aos diferentes âmbitos de desenvolvimento.

Ainda há que se ressaltar que o tema da ausência paterna foi abordado na literatura com diversos focos. Se, nas décadas de 1970 e 1980, a ausência do pai teve como foco o contexto das separações/divórcios, temática emergente desde diferentes mudanças sociais da época, na Contemporaneidade, ainda não se conta com investigações sobre o tema decorrentes de novas demandas sociais, tais como as do mundo do trabalho, ou mesmo da perda de poder do pai nas famílias e das consequentes mudanças na identidade paterna, que, em alguns casos, poderá levar os homens a adotarem uma postura de afastamento nas relações familiares.

Nessa perspectiva, sugere-se a realização de novos estudos que abordem o tema da ausência paterna na adolescência, especialmente a ausência de caráter temporário. Outros temas a serem considerados em estudos futuros abrangendo essa condição de ausência seriam a percepção do pai acerca da qualidade de contato com seus filhos e da sua rede de apoio para o desempenho do papel paterno, uma vez que a grande maioria dos estudos aqui revisados centrou-se na percepção dos filhos, poucas vezes incluindo outros membros da família, o que não possibilita compreender a visão do pai sobre esse fenômeno.

A realização de pesquisas brasileiras pode ser útil tanto para a produção de conhecimentos válidos ao nosso contexto como também para comparações com a realidade encontrada em outros países. Tais pesquisas podem ainda trazer subsídios para a elaboração de práticas preventivas e educativas junto às famílias que apresentem essa característica, contribuindo para que todos possam compreender seus papéis dentro do grupo familiar e manejar de modo adequado essa condição.

 

 

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Este trabalho é parte da dissertação de mestrado da primeira autora, realizada sob orientação da segunda autora, intitulada “A percepção de adolescentes do sexo feminino em avaliação para psicoterapia acerca da ausência paterna temporária”, apresentada ao PPG Psicologia da Unisinos.

 

 

* Doutoranda em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). E-mail: anesganzerla@gmail.com.

** Psicóloga (PUCRS), Mestre e Doutora em Psicologia (UFRGS), com Pós-Doutorado em Psicologia (PUCRS). Professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UNISINOS no período 2007-2009. Professora do Departamento de Psicologia da UFCSPA e pesquisadora do CNPq. E-mail: ariane@cfh.ufsc.br.

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