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Psicologia em Revista

versão impressa ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.16 no.2 Belo Horizonte ago. 2010

 

RESUMO DE DISSERTAÇÃO

 

Recursos humanos, demasiadamente recursos: uma experiência revisitada

 

Human resources, all too much of resources: a revisited experience

 

Recursos humanos, demasiados recursos: una experiencia releída

 

 

Terezinha Maria Araújo *

 

 

Este estudo baseou-se na análise de uma experiência de intervenção em uma organização hospitalar filantrópica em processo de profissionalização. Buscou-se fazer, à luz da Psicossociologia francesa, a releitura da construção de uma área de Recursos Humanos em que se pensava que as pessoas realmente eram o foco. Essa releitura possibilitou a análise, numa perspectiva crítica, dos fenômenos organizacionais, o que permitiu a desconstrução das anteriores hipóteses de harmonia entre capital e trabalho. Por meio do aporte teórico da Psicossociologia (Enriquez, 1997, 2001, 2002; Lévy, 2001; Barus-Michel, 2001, 2004; Freitas, 2002, 2006; Gaulejac, 2007), pôde-se apreender a dialética do funcionamento organizacional, bem como a lógica dos conflitos entre pessoas e grupos, nos níveis horizontais e verticais. Pelo resgate e a costura dos vários discursos que, em um primeiro momento, apareciam apenas como retalhos, foi possível perceber que as ações do então RH estavam essencialmente a serviço da empresa.

A perspectiva crítica possibilitou também repensarmos as práticas de RH que, à época, estavam alicerçadas nas teorias administrativas: Administração de Recursos Humanos Estratégica e Recursos Humanos como Vantagem Competitiva. Tais teorias privilegiam a gestão em detrimento do humano, constituindo-se em “um sistema sociopsíquico de dominação, fundado sobre um objetivo de transformação da energia psíquica em força de trabalho” (Gaulejac, 2007, p.108).

Os principais objetivos da pesquisa foram repensar aquela experiência de montagem de um serviço de RH, procurando desvendar o que ela encobria a respeito das relações políticas, sociais e econômicas no interior daquela organização hospitalar; resgatar, nessa experiência, os avanços que a diferenciavam das clássicas práticas funcionalistas de RH, naquilo que ela levava em consideração os diversos sujeitos e as várias configurações de poder existentes na organização; identificar as contradições internas ao funcionamento da organização, assim como as formas de dominação entre líderes e subordinados nos diversos escalões da hierarquia; repensar a atuação da autora enquanto profissional de Recursos Humanos.

Tentamos, assim, discutir, nessa análise, a distância entre o que acreditávamos poder fazer e não fizemos, no que diz respeito à chamada gestão humanizada, cujos referenciais técnicos e teóricos, afinal, não levavam em conta os sistemas visíveis e invisíveis de poder na referida organização. Percebemos que a insuficiência crítica dos referenciais com os quais nos identificávamos, à época, impediu-nos de enxergar alguns fenômenos organizacionais e institucionais, determinando a interrupção de nosso projeto.

Foi instigante debruçar sobre essas questões que nos passaram despercebidas durante a intervenção por falta de referencial teórico que baseasse o entendimento de questões mais complexas, como as relações de poder (Motta, 1986), os jogos de forças (Minztberg, 2001), a identificação da cultura institucional (Freitas, 2002) e vários outros fenômenos que compunham o tecido social da instituição.

Em síntese, a proposta deste trabalho foi de uma análise a posteriori da intervenção na instituição hospitalar e dos múltiplos acontecimentos que a constituíram. Essa tomada de distância permitiu repensá-los em uma perspectiva crítica em ruptura com o modelo então adotado, ou seja, a Gestão Estratégica de RH.

Foucault (1984, p. 13), ao falar sobre a busca do saber, instiga a buscar o novo: “Existem momentos na vida em que a questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa e perceber diferentemente do que se vê é indispensável para continuar a olhar ou refletir”.

Do ponto de vista metodológico, buscamos empreender a análise da experiência com base na abordagem psicossociológica das organizações, procurando, ao mesmo tempo, reconstruir e desconstruir seu sentido. Para atingir tais propósitos, além de recorrer à literatura que sustenta tal abordagem, usamos, como dados de campo, o conjunto de documentos de que dispúnhamos, tais como os relatórios relativos aos trabalhos desenvolvidos à época, anotações particulares, além de relatos atuais de algumas pessoas que participaram da intervenção, visando a ajudar-me na reconstituição desta.

Nessa dissertação, relatamos a experiência aqui referida, apresentando a empresa em seu momento de profissionalização e a implantação do departamento de RH, baseada no modelo estratégico de recursos humanos.

As bases teóricas que nortearam o trabalho constam de duas seções principais. A primeira refere-se à Administração Estratégica de Recursos Humanos, com um breve percurso pela trajetória da gestão de pessoas no Brasil, desde o início da Era Industrial. A segunda, por sua vez, apresenta a Psicossociologia como abordagem crítica, capaz de explicitar os conflitos entre capital e trabalho.

Em seguida, analisamos a experiência em questão, tomando a Psicossociologia como referência de análise, destacando aspectos que serviram de base para desconstruir modelos de práticas em RH. Mostramos também como a mudança do referencial teórico da administração estratégica de RH para a Psicossociologia possibilitou nova possibilidade de leitura do mesmo fenômeno, trazendo uma perspectiva menos ingênua para a atuação dos profissionais de RH nas empresas. Isso nos levou a uma pergunta crucial: será que, partindo dessa nova abordagem, é possível pensar propostas alternativas as práticas dominantes de implantação e desenvolvimento de serviços de RH? Com efeito, a releitura da experiência na instituição significou a possibilidade, principalmente para os profissionais com formação em Psicologia, de ver novas práticas que restituam ao coletivo de trabalhadores seu lugar de sujeito nas organizações.

 

 

* Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Orientador: Prof. Dr. José Newton Garcia de Araújo. E-mail: te.araujo@yahoo.com.br.

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