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Psicologia em Revista

versão impressa ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.16 no.2 Belo Horizonte ago. 2010

 

RESUMO DE DISSERTAÇÃO

 

Adoção de crianças maiores: percepções e vivências dos adotados

 

The adoption of grown up children: perceptions and experiences of those adopted

 

Adopción de niños mayores de dos años: percepciones y vivencias de los adoptados

 

 

Jaqueline Araújo da Silva *

 

 

Este estudo teve por objetivo investigar a adoção de crianças maiores, que se refere àquelas adotadas a partir de 2 anos de idade. Pretendeuse compreender, junto a adolescentes que foram adotados na infância a partir de 2 anos, como percebem e vivenciam a adoção. Optou-se por trabalhar com adolescentes por considerar que estes têm condições para o enfrentamento dos próprios conflitos e ansiedades, bem como recursos linguísticos que possibilitem verbalizar e expressar com maior clareza (consciência) as experiências anteriores e posteriores relacionadas à adoção.

Vários autores (Vargas, 1998; Weber, 1998; Ebrahim, 1999; Camargo, 2006) usam o termo “adoção tardia” para designar a criança que, no momento da adoção, tem idade superior a 2 anos. No que diz respeito ao termo “adoção tardia”, Carvalho e Ferreira (2000) afirmam que essa classificação remete à ideia de uma adoção fora do tempo em que deveria, reforçando o preconceito de que ser adotado é privilégio de bebês. Concordamos com essas ponderações e usamos, nesta dissertação, a expressão “adoção de crianças maiores” para nos referir àquelas crianças adotadas a partir dos 2 anos.

A pesquisa foi realizada na abordagem qualitativa, utilizando a entrevista semiestruturada com quatro adolescentes de ambos os sexos, a partir de 12 anos de idade, já colocados em famílias adotantes e que residiam na Região Metropolitana de Belo Horizonte. As entrevistas foram realizadas entre os meses de março e julho de 2009, e tiveram como foco categorias temáticas relacionadas à adoção de crianças: vivência de abandono, passagem da família biológica para o abrigo, experiência no abrigo e vínculos estabelecidos, passagem do abrigo para a família adotante, vivência e adaptação na família adotante. Essas categorias em que se basearam as entrevistas foram levantadas pela literatura consultada e construídas a priori. Categorias a posteriori não foram localizadas por meio do levantamento de dados obtidos nas entrevistas.

No período de desenvolvimento da pesquisa teórica e conceitual, foi realizado contato inicial com as famílias adotantes e com os adolescentes, conhecidos da pesquisadora, que foram convidados e consultados sobre a possibilidade de participar da pesquisa. Todos assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, em conformidade com as disposições éticas. Esse estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da PUC Minas, sob o número CAAE - 0001.0.213.000-09.

Os dados obtidos foram tratados pela análise de conteúdo por categorias temáticas e mostraram pontos em comum que levaram os entrevistados ao acolhimento institucional, como a negligência, a falta de recursos financeiros, a violência e o abandono pela família biológica. Apesar disso, cada entrevistado teve uma trajetória singular e uma narratividade peculiar. No que se refere à experiência de abandono, cada entrevistado atribuiu sentido diferente. Essa vivência esteve relacionada às suas características pessoais e às situações em que se deram a adoção, como experiências na família biológica, a idade no momento da separação da família biológica, o tempo que permaneceram em acolhimento institucional e a qualidade da interação estabelecida com os pais adotivos. A passagem da família biológica para o abrigo foi vivenciada como inesperada e sem esclarecimentos, sendo marcada por medos, sofrimentos e dúvidas. Várias práticas arbitrárias que contrariam as diretrizes propostas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foram observadas, como o abrigo, que deveria ser um local de passagem, ter se tornado, para a maioria dos entrevistados, um lugar permanente, inclusive prolongando-se por cinco anos para um dos entrevistados. Sobre a passagem do abrigo para a família adotante, embora todos demonstrassem disponibilidade para estabelecer novos vínculos, isso não significou que não tinham dúvidas, medo, insegurança e se mostrassem cautelosos na aproximação.

Com base nesses resultados, pode-se concluir que a adoção de crianças maiores requer cuidados, porque, além da marca do abandono inicial pelos pais biológicos, a criança maior terá vivenciado sucessivas experiências de perdas e frustrações. No entanto, pode-se observar que algumas crianças são simplesmente mais suscetíveis à separação e à perda do que outras. Dessa maneira, não se pode dizer que uma criança maior, em princípio, tem mais problemas de adaptação. Depende das características pessoais de cada um e de como vivenciaram a descontinuidade de laços afetivos.

Além disso, foi possível observar que não houve, para a maioria dos entrevistados, preparação gradativa e acompanhamento para a passagem da família biológica para o abrigo e do abrigo para a família adotante, e nem acompanhamento pós-adoção. O acompanhamento pré e pós-adoção é uma forma de verificar o bem-estar emocional, permitindo à criança/adolescente sustentação para vivenciar as separações dos vínculos pregressos e para o estabelecimento das novas relações familiares. Constatou-se também a importância de se fazer um trabalho prévio com os requerentes à adoção, assim como com suas famílias extensas, ajudando-os a compreender e elaborar suas expectativas, medos e angústias.

 

 

* Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, orientadora: Prof.ª Dr.ª Márcia Stengel. E-mail: jaquelineas@pucminas.br.

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