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Psicologia em Revista

Print version ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.18 no.3 Belo Horizonte Dec. 2012

http://dx.doi.org/DOI-10.5752/P.1678-9563.2012v18n3p402 

ARTIGOS

DOI - 10.5752/P.1678-9563.2012v18n3p402

 

O espaço de habitação e sua importância para a produção de subjetividade

 

The living space and its importance for the production of subjectivity

 

El espacio de habitación y su importancia para la producción de subjetividad

 

 

Renato Ferreira Franco*; Cornelis Johannes van Stralen**

 

 


Resumo

Este estudo tem como foco analisar a importância do espaço de habitação para a produção de subjetividade. Este primeiro conceito sempre esteve presente em diversos campos científicos, desde a Física até os estudos do Urbanismo, passando por diversos autores das Ciências Humanas. As possibilidades de análises voltadas para essa articulação são diversas, mas este estudo se direciona, primeiramente, para o entendimento do conceito de espaço para a Física. Posteriormente, por meio de filósofos ligados à Fenomenologia e à Arquitetura, busca-se a compreensão de que não é o espaço absoluto de Newton que interessa para se fazer uma interlocução possível com a teoria da subjetividade. Finalmente, conclui-se que o espaço entendido como habitação (habitar a casa e a cidade) é um componente indispensável à produção de cuidados e, consequentemente, à produção de subjetividade.

Palavras-chave: Espaço, Território, Subjetividade.


Abstract

This study focuses on analyzing the importance of living space for the production of subjectivity. This first concept has always been present in many scientific fields, from physics to the study of urbanism, touched on by several authors of the humanities. The possibilities of analyzes focusing on this issue are diverse, but this study is directed primarily at the understanding of the concept of space of Newton. Later, through philosophers associated with phenomenology and architecture, we seek to understand that there is absolute space physics that matters to make possible a dialogue with the theory of subjectivity. Finally, we conclude that the space understood as housing (dwelling housing and the city) is an indispensable component for the production of self-care and, consequently, the production of subjectivity.

Keywords: Space, Territory, Subjectivity.


Resumen

Este estudio se centra en analizar la importancia del espacio vital para la producción de subjetividad. Este primer concepto siempre ha estado presente en muchos campos de la ciencia, de la física al estudio de urbanismo, pasando por diversos autores de las ciencias humanas. Las posibilidades de análisis dirigidos a esa articulación son diversas, pero este estudio se dirige, principalmente, a la comprensión del concepto de espacio. Más tarde, a través de filósofos asociados con la fenomenología y la arquitectura, buscamos entender que no es el espacio absoluto de Newton lo que importa para hacer posible un diálogo con la teoría de la subjetividad. Por último, llegamos a la conclusión de que el espacio entendido como la habitación (habitar la casa y la ciudad) es un componente indispensable para la producción de ciudadanos y, en consecuencia, para la producción de subjetividades

Palabras clave: Espacio, Territorio, Subjetividad.


 

 

Este estudo tem como foco analisar a importância do espaço de habitação para a produção de subjetividade. Esse primeiro conceito sempre esteve presente em diversos campos científicos, desde a Física até os estudos do Urbanismo, passando por diversos autores das Ciências Humanas. As possibilidades de análises voltadas para esse tema são diversas, mas este estudo se direciona, primeiramente, para o entendimento do conceito de espaço para a Física. Posteriormente, por meio de filósofos ligados à Fenomenologia e à Arquitetura, busca-se a compreensão de que não é o espaço absoluto da Física que interessa para se fazer uma interlocução possível com a teoria da subjetividade. Finalmente, conclui-se que o espaço entendido como habitação (habitar a casa e a cidade) é um componente indispensável à produção de cuidados e, consequentemente, à produção de subjetividade.

 

O espaço absoluto

Tempo e espaço são conceitos que penetram o conhecimento humano desde a era mais primitiva. Gregos, babilônios e egípcios, durante séculos, percebiam o tempo e as modificações que ocorriam em seu espaço habitado, por meio da observação e de sua interação com o meio ambiente.

Várias ciências estudam o conceito de espaço e de tempo, o que desvenda a grande complexidade do assunto. Nos séculos XVI e XVII, por exemplo, com o avanço das descobertas científicas feitas pelo homem, ocorreram grandes mudanças na percepção do ser humano em relação ao espaço e ao tempo (Blainey, 2011). A nova noção do cosmo, que surgiu entre os anos de 1500 e 1700, produziu uma concepção de universo mecânico, funcionando como uma máquina, que veio substituir a antiga ideia de um universo orgânico e espiritual.

Essa nova compreensão do conceito de espaço foi introduzida pela Física e é, na verdade, a base de qualquer tentativa de compreensão do conceito ou denominação que se possa dar ao espaço (lugar, território, ambiente, entre outros). Assim, seria esclarecedor começar este estudo sobre o conceito de espaço pelo ensinamento de Isaac Newton.

Newton, em seus estudos que chamou de Principia mathematica, relatou que o tempo absoluto (matemático) flui uniformemente, e o espaço permanece sempre similar e imóvel. Movida por entusiasmo religioso, a teoria newtoniana entende que o espaço e o tempo são criação de Deus. Ele comparou a onipresença do espaço com a onipresença de Deus. Nesse sentido, o espaço é o palco da totalidade, onde ocorrem todos os fenômenos e coisas e, por isso, ele é o ponto de referência ou referencial para o ser humano (Sklar, 1992).

Em sua teoria, Newton faz a caracterização do espaço como um fenômeno absoluto e tridimensional. E, como o tempo, não tem outro lugar a não ser ele mesmo, sendo tanto um quanto o outro o lugar de todas as coisas.

Newton entendia, assim, que o espaço e o tempo produzem-se fora do ser humano, são independentes dele e têm uma realidade objetiva plena. Apesar de não variar com o tempo, o espaço absoluto newtoniano está intimamente relacionado a ele (Gomes,1994).

O interesse pelo estudo da teoria newtoniana serve para entendermos como os homens tentam formular neles mesmos a noção de espaço e tentam notar que essa noção se faz como uma referência para sua existência. Interessante também notar que essa noção se faz como uma referência para a existência do homem, que semeou a discussão que se apresentou posteriormente sobre o espaço ser um elemento da experiência e vivência subjetiva.

 

Espaço como referência: habitar o espaço

Em seu livro "Ser e tempo", Martin Heidegger (2011) propunha a vinculação ontológica do espaço com o lugar. Apesar de Heidegger não se interessar pelo estudo do espaço absoluto de Newton, ele colocou o espaço como um elemento fundamental para a vida psíquica do indivíduo.

Em seu pensamento, Heidegger (2011) entende que Dasein(o ser-aí ou o ser-no-mundo) jamais se encontra dentro ou fora de algum lugar, mas ele mesmo cria um espaço em torno de si, e essa criação de pertencimento é um dos aspectos básicos da autocompreensão da existência.

O espaço da ação do ser-no-mundo, para Heidegger (2011), não é homogêneo e está intimamente ligado ao tempo, organizando-se com base nas coisas, acontecimentos e objetos. Isso acontece porque o Dasein compreende o espaço simultaneamente à compreensão de seu próprio ser. Assim, a existência do ser só ocorre a partir de um lugar determinante. Cabe ao Dasein, em sua unidade com o mundo, "libertar os espaços", dar espaços ou "espaciar" (Eiräumen), o que aponta para um arranjo de conceber espaços para o alojamento, para a permanência em seu lugar. É importante que nesse processo o Dasein traga para dentro de si o espaço, determinando e conservando o seu próprio lugar.

O espaço não está em oposição ao ser humano, não é algo que esteja exterior nem é uma vivência apenas interior. Essa espacialidade se faz por meio do sujeito e é a sua expressão de habitar o mundo. Habitar seria "estar em", permanecer no mundo em um lugar familiar

O Dasein estaria naquilo que seria o mundo circundante, em relação direta com os objetos que ali estão distribuídos e que são referências fundamentais para compreender as dimensões relativas entre os corpos. Os objetos dispostos no espaço também aparecem como algo útil que se pode utilizar a favor de um habitar. O "ser em" é o ser que constrói a espacialidade pensando, refletindo, cuidando da própria existência, percebendo o sentido de seu próprio ser e de tudo quanto precisa para continuar existindo.

Para Heidegger, o cuidado é o modo de ocupação do ser no mundo, um ato que ele está sempre exercendo sobre sua própria existência e a existência desse mundo, buscando como resultado uma autocompreensão que produz ações transformadoras. O ocupar-se de si seria um modo como o ser ocupa um espaço e de construir ali sua habitação (Heidegger, 1951). O modo de estar e ser num determinado espaço preexistente só faz sentido com a espacialidade do corpo em função com a espacialidade do mundo. Assim, o lugar se faz na ação de habitar, que, por sua vez, designa a apropriação desse espaço pela sua função a partir da atitude e das necessidades do sujeito em relação ao mundo. Heidegger (2011), então, chama nossa atenção para a importante ação de habitar, pois é por meio dela que se faz a relação do homem com o espaço.

Otto Friedrich Bollnow (2008), arquiteto e filósofo alemão, também buscou estudar a relação do indivíduo com o espaço. Para ele, o "espaço vivenciado" é diferente do espaço vivencial, que se assemelha ao espaço newtoniano. O espaço vivenciado deve ser entendido como um espaço no sentido subjetivo e deve ser tomado como uma "experiência do espaço" vivida pelo sujeito que interferirá na sua subsistência e na compreensão de si e do mundo. Ou seja, devemos estudar o espaço como elemento de referência para a existência humana.

Em sua teoria, Bollnow concorda com Heidegger quando este diz que a relação do homem com o espaço se faz na ação de habitar. Mas, para Bollnow, a ação de habitar objetiva a construção de um espaço de referência. Assim, esse espaço de habitação está diretamente relacionado com a casa, a moradia.

A casa é o lugar de onde o sujeito pode partir numa caminhada em busca de sua sobrevivência e dos encontros com os outros sujeitos. Ela também é o lugar do regresso, quando o sujeito volta em segurança para avaliar essa caminhada. Isso permite ao sujeito fazer do espaço de habitação o "lugar a que pertenço".

Além disso, o espaço de habitação, a que se refere Bollnow (2008), permite a apropriação de novos espaços e ser explorados pelo homem para sua sobrevivência e para cuidar de si. Para Bollnow (2008), o sujeito precisa de um espaço de referência, um espaço de habitação, para poder circular pela cidade, que é o espaço do mundo onde o homem pode se encontrar com um elemento não estranho, ligando a ele, fazendo novas identificações e significações. Assim, o sujeito habita a casa e, ao mesmo tempo, habita a cidade. Mas, para se habitar a cidade é preciso, antes de tudo, habitar a casa.

Podemos dizer que o lugar de Heidegger (2011) e o espaço de habitação de Bollnow (2008), além de darem o sentido de referência e proteção, possibilitam ao sujeito a oportunidade de cuidar de si, pois o ato de construir um referencial no mundo implica a criação de uma referência no mundo, um lugar que será a base da exploração de outros lugares, fora do espaço da casa (cidade), em busca de sua sobrevivência e de sua autocompreensão. O ato de explorar o espaço urbano, por exemplo, propicia ao sujeito o encontro com o outro (sujeitos, acontecimentos, discursos, instituições, etc.), que são componentes fundamentais para a produção de subjetividade. Esse longo caminhar viria como um exame regular e sistemático do sujeito por ele mesmo. Seria como se o sujeito se transformasse no edificador de sua própria moradia.

 

Habitar a cidade

O fenômeno da urbanização conduziu à criação de várias estratégias por parte das instituições do Estado para melhorar a relação do homem com as cidades. Para Lefebvre (2001), foi pelo Urbanismo que se pensaram vários sistemas de reflexões práticas e ideológicas que tiveram efeito pouco significativo no pensamento daqueles que movem ações na estratégia de se morar nas cidades. Muitas políticas endereçadas às cidades esquecem que o "tecido urbano" não se limita à sua morfologia, pois ele é um suporte do modo viver de uma determinada sociedade urbana, no qual aparecem fenômenos culturais (lazeres, danças, canções).

Em seu livro O direito à cidade, Lefebvre (2001) anuncia que a cidade está em crise, o que conduz a cidade e o espaço urbano ao centro das contradições sociais. A cidade nasceu e cresceu atrelada à industrialização e ao comércio, mas também cresceu juntamente com a produção cultural. A cidade também produziu, nos últimos tempos, um conjunto de modificações na relação do espaço que são geradoras de conflitos. O principal ponto de clivagem entre o cidadão e o espaço urbano na atualidade se configura na forma estrita da política urbana atrelada ao mercado imobiliário.

As cidades da atualidade têm uma forte relação com o consumo que desatrela o nível do habitar, da construção do lugar de Heidegger (2011) e do espaço de habitação de Bollnow (2008) para um nível geral (escala da disposição do valor do território, da urbanização globalizada, da produção industrial). Esses espaços urbanos atuais passam, portanto, por cima da apropriação que o sujeito poderia fazer desse espaço, com base na utilização de objetos ali presentes que serão úteis no seu cotidiano para a sua sobrevivência e para cuidar de si

Sabemos que o capitalismo compreende que se pode produzir subjetividade atrelada à produção material de bens de consumo (Ferreira Neto, 2011). Nas cidades da atualidade, existe um investimento na ideia da compra de locais de moradias seguras, sem o ingresso daquilo que vem de fora: moradias idealizadas num imaginário da felicidade imaculada. Esse espaço vinculado à produção material está, a cada dia, sendo incorporado à produção de subjetividade.

Seria importante anotar que as representações simbólicas não afetam só as relações de poder, mas também alteram as relações no campo das práticas sociais reinventando e dando valor ao cotidiano. Isso significa que construir a imagem de um espaço habitado na cidade tem como consequência a construção de muitas imagens. Isso vai depender das políticas urbanas e sociais, das formas de segregação que nesse espaço se instalam, da cultura, da saúde, do comércio, do emprego e do dinheiro que ali possa ser gerado.

Lefebvre distingue as modalidades de representações simbólicas que interferem na construção de um espaço de habitação da seguinte forma: 1) práticas espaciais, que seria o espaço concebido por nós, constituindo as nossas representações e está ligado ao produto da apropriação, do uso e da forma física do espaço; 2) representações do espaço, do administrador da cidade, do urbanista e de todos aqueles que planejam e projetam o território para os habitantes; 3) espaço de representação dos habitantes, que se opõe ao segundo, pois este seria o espaço vivido pelo cidadão, pelo artista, por aqueles que produzem a cultura, a filosofia. Seria o espaço que o cidadão tenta modificar e apropriar-se dele.

Todos esses espaços convivem simultaneamente, num processo complexo de transformação constante, onde circulam o sujeito, as instituições, as práticas e os produtos da sociedade.

O Direito à cidade de Lefebvre (2001) estimula a criação do sujeito diferenciado em vez do "sujeito consumidor" ou do "indivíduo sujeitado". O sujeito diferenciado, que ocupará a cidade em liberdade, atravessando seu espaço, percebendo-o e construindo ali o seu lugar de habitação. Como num caminhar de Bollnow (2008).

As representações do espaço dos urbanistas e dos administradores da cidade também são chamadas pelo autor de "espaço absoluto". Esse espaço não tem relação alguma com o espaço absoluto de Newton, sendo caracterizado pelos elementos naturais, cívicos, religiosos e institucionais. Ele é um sedimento histórico e dá suporte para as representações sociais dos habitantes, tornando-se um espaço vivido e percebido do corpo, que utiliza de várias práticas para conceber um espaço que literalmente se sabe por meio do "meu corpo" (Lefebvre, 1974).

As representações do espaço poderiam ser a tentativa de se administrar a dinâmica das cidades e, assim, o administrador público investe na ciência e em pesquisas para planejar o urbanismo, na tentativa de melhorar os serviços dados à população. Mas seria impossível entender a inserção social sem entender como o urbanismo se inscreve hoje na relação dos sujeitos com o espaço. As cidades se organizam essencialmente nas relações entre pessoas, grupos, famílias, organizações, entre outras. Ela está na confluência daquilo que Lefebvre chamou de ordem próxima(relações de grupos mais ou menos amplas e estruturadas) e a ordem distante (instituições como a Igreja, a Justiça, a cultura). A cidade é uma "mediação entre as mediações", é uma produção histórica do ser humano (Lefebvre, 2001).

Para análise e entendimento do urbano, exigem-se instrumentos metodológicos que permitem que essa "ordem distante" organize modelos prático-técnicos que atuarão na "ordem próxima". Nesse sentido, as aplicações técnicas desse contexto são observadas, segundo Lefebvre (2001), no quadro geral fixado por decisões estratégicas e políticas do Estado. Isso significa a produção de um material científico que, de alguma forma, entenderá a complexidade do tecido urbano e que, por consequência, poderá dar respaldo teórico às legislações que, por sua vez, darão soluções práticas para o melhoramento qualidade da vida e das relações sociais no tecido urbano.

No nosso País, o conceito espacial de território, produzido por Milton Santos, foi um dos pilares desse complexo material científico e legal que ordenou um conjunto de ações em diversos campos científicos que objetivam especificamente o melhoramento da qualidade da saúde nas cidades.

Segundo Santos(2000), é uso do território e não o território em si mesmo, que faz dele objeto de análise social. Seu entendimento correto é fundamental para afastar o risco de isolamento social, "o risco de perda do sentido da existência individual e coletiva, o risco de renuncia ao futuro" (Santos, 2000). O território é formado por suas características geográficas, pelas técnicas vigentes (diferenciação tecnológica) nele utilizadas, bem como pelo seu meio de produção, pelos objetos e coisas que convivem dialeticamente com o espaço e que penetrarão na intencionalidade humana.

O território pode estar ligado ao sentido mais concreto de dominação, quanto ao sentido simbólico de apropriação. O primeiro, numa lógica mais capitalista, vincula o território ao valor de troca (funcional); e o segundo, ao valor de uso (simbólico). Os dois valores dados ao território devem caminhar juntos, pois obrigatoriamente o território é uma combinação do valor funcional e do valor simbólico, mesmo que em nossa sociedade exista um domínio maior do primeiro sobre o segundo, como mostrou acima Ferreira Neto (2011). Seguindo nessa linha, Milton Santos vincula o território "funcional" a uma prerrogativa dos atores hegemônicos, e o território "simbólico", visto como abrigo, na perspectiva de Heidegger (2011) e Bollnow (2008), sendo utilizado pelos atores hegemonizados.

Assim, ter-se-á um território repleto de relações de poder nele incorporadas por meio de seus múltiplos sujeitos, hegemonizados e hegemônicos, que seguem, pela cultura, pelas relações econômicas e políticas, organizando e construindo um espaço cheio de significados nele enraizados, que garanta a sobrevivência cotidiana.

Portanto, pode-se falar de dois tipos de análise do território: uma análise mais funcional e outra, mais simbólica. Como já foi visto, seria impossível separar o território "simbólico" do território "funcional", pois cada um deles carrega em si uma carga do outro. Mas é o território simbólico que importa a este estudo, o território apropriado pelo sujeito, território da diferença, princípio da multiplicidade, território como símbolo e valor simbólico.

O território simbólico é bem mais que um espaço geograficamente delimitado, é também um conjunto de referências socioculturais que modelam o cotidiano, o projeto de vida, a inserção de vida de uma pessoa. Ele deve ser compreendido por meio do conteúdo agregado a ele pelos diversos atores que de alguma forma ali inscrevem sua história.

Para Santos (2006), o território é apropriado e produzido pelo sujeito. Não é um elemento puramente físico e espacial. O espaço pode ser concebido como o lugar onde os sujeitos sociais constroem suas histórias de vida que, por sua vez, inscrevem-se nele. Santos também reforça a ideia de que seria inconcebível analisar o sujeito e o espaço separadamente, pois é neste vínculo que se faz a atividade do homem e a construção de histórias. Assim, o território deixa de ser forma e passa a ser usado como objeto e ações, o que o autor denomina de "espaço humano, espaço habitado".

Na obra de Santos (2000), como na obra de Lefebvre (2001), o espaço é uma instância a ser produzida, em permanente construção. Os dois autores têm a concepção dialética na qual o sujeito e o espaço são entidades já constituídas que se interagem, sendo o sujeito aquele irá ocupá-lo e dar-lhe função e utilizá-lo para seu conforto físico e mental.

Embora Lefebvre se refira sempre a espaço urbano ou cidade e não a território, é fácil perceber que não se trata de um espaço no sentido genérico ou simplesmente natural. Trata-se de um espaço onde se processa uma construção social e podemos afirmar que o espaço trabalhado tanto por Santos e Lefebvre é um "espaço feito território", um território como uma configuração que se desenha como um todo, construído por meio dos processos denominados de apropriação.

Tanto para Santos quanto para Lefebvre (2001), a organização do território da cidade é uma questão do Estado. Mas, na obra de Santos (2000), o território é uma base espacial menor, que ele chamou de "espacialidades singulares", resultados das articulações entre a sociedade, o espaço e a natureza. Nesse território, tudo acontece e aponta para a necessidade de sua apropriação pelo sujeito por meio dos aspectos políticos, sociais, econômicos e culturais que se entrelaçam nos momentos históricos da vivência de cada um.

Assim, podemos entender o território da cidade com base naquilo que foi proposto por Santos (2000) e Lefebvre (2001) como algo vivo, que se diferencia qualitativamente e quantitativamente, em constante modificação. Esse território se relaciona com a teoria de Heidegger (1951) e Bollnow (2008), quando entendemos que é nele no qual o sujeito constrói sua habitação e, como apontou Lefebvre (2001), essa ação é feita por mediações e na confluência de relações entre pessoas, instituições, cultura, etc.

Habitar é, segundo Bollnow (2008), habitar a casa e a cidade. Quando o sujeito caminha pela cidade, ele leva consigo o seu espaço de referência, a casa, devido a sua estreita identificação com ela. Porém habitar o espaço da casa é diferente de habitar o espaço da cidade. A casa é o espaço de referência que propicia o sujeito a sair pelos territórios da cidade, não como um consumidor, mas como alguém em conexão com o que o rodeia, apropriando de componentes que o ajudarão a sobreviver ou que irão ajudá-lo a construir a sua subjetividade.

 

Espaço e subjetividade

Na tentativa de buscar nos estudiosos das Ciências Sociais a relação entre a subjetividade e o espaço, Ferreira Neto (2004) e Nogueira (2009) comentam que a Psicologia, em diversos momentos da história, refutou a categoria "espaço" como elemento imprescindível para a realização de uma análise da produção da subjetividade.

Em seu nascimento, influenciada pelo pensamento de Descartes, a Psicologia de Wundt separava o mundo interno e externo, fazendo uma distinção entre o social e o individual. Pioneira, a Psicologia wundtiana colocava a consciência como seu objeto de estudo e como um processo da interioridade, que poderia ser estudada pelo método da introspecção. Assim, em seu início, a Psicologia se tornou uma disciplina desconectada do espaço social.

Ferreira Neto (2011) relata que, já no decorrer do século XIX, o enfoque dos estudos na área das Ciências Humanas e Sociais passou a se voltar para a dimensão histórica, influenciado pelo Materialismo Histórico. A consequência disso foi que a dimensão do tempo teve sua relevância aumentada, deixando o espaço fora do foco das investigações científicas da época.

A partir da primeira parte do século XX, a separação entre mundo interno (subjetividade) e mundo externo (social), feita pelos estudos na área da Psicologia, começou a se desfazer. Assim, os psicólogos começaram a formular a existência de uma influência fundamental entre a vida social e a vida subjetiva. Ferreira Neto (2011) formula que a problematização dessa relação entre social versus subjetividade aparece na Psicologia do século passado sob duas formas: a primeira, que ainda mantém separada a interioridade da exterioridade e indica, por meio de noções como socialização e introjeção, a existência de uma influência dialética na formação do mundo interior e do mundo exterior; e a segunda, que demonstra que a formação de subjetividade não está influenciada pelo social, mas em conexão com vários processos sociais (econômicos, midiáticos, culturais, ecológicos, políticos, etc.) que participam de diversos processos de subjetivação, os quais não se reduzem a uma subjetividade interiorizada. Nesse sentido, a subjetividade é vista como um processo e não como uma estrutura, ocorrendo novos processos de subjetivação com a formulação de novos arranjos sociais. Os processos de subjetivação são variáveis e contínuos e surgem em concordância com processos históricos, sociais, políticos, urbanos, sem ser um determinante absoluto.

Um dos autores importantes para essa visão ampliada a respeito da subjetividade foi Michel Foucault. Foi principalmente na A História da Sexualidade(1984) que a obra foucaultiana lança a noção de que sujeição ou "indivíduo sujeitado" é o contraponto de subjetividade (subjetivação). Nesses estudos, a noção de estética da existência é analisada sob a ótica dos modos de subjetivação como experiências do governo de si mesmo. Ao se afastar da ideia de todo, de identidade ou de pensamento absoluto, criaram-se espaços para o entendimento da construção de um sujeito diferenciado, para a criação de si, no sentido de fazer da vida uma obra de arte.

Assim, Foucault convida para a criação de um sujeito constituído de espaços de multiplicidades, onde tudo cabe e tudo pode ser recriado e onde a diferença é a possibilidade de vários outros dentro de si. O sujeito, diante do que é dado pela cultura, pode, por meio do seu pensamento, experimentar não só o que já se sabe, mas viver o novo por meio das interrogações diante de uma verdade, modificando valores preconcebidos para fazer outra coisa e se tornar diferenciado.

Para Foucault, a subjetividade não é uma produção solitária, ela se faz na relação com outros indivíduos livres, numa relação intersubjetiva no espaço público. Somente pela ação no mundo e na forma como produz seu discurso é que o sujeito poderá se diferenciar, fazendo a invenção de si mesmo e experimentando o cotidiano numa transformação constante no encontro como o outro.

Foucault, numa conferência no "Centre d’Études Architecturales", em 1967, afirmou que a ansiedade da sociedade atual está mais relacionada com o espaço do que com o tempo, mesmo após todos os avanços da ciência do século XX e com a revolucionária teoria de Galileu do século XVI. O filósofo ainda afirma que a nossa era é, acima de tudo, a época do espaço na qual experimentamos mais a vivência em redes que se conectam do que uma vivência que vai se enriquecendo com o tempo. Para o autor, o espaço não é uma inovação e tem uma história em si que pode ser contada pela experiência ocidental com o tempo.

Ao contrário da fenomenologia, que preferiu fazer uma análise do espaço com base na percepção interna do sujeito, Foucault debruça sua análise na relação do ser humano com o espaço externo que, assim como o espaço interno percebido pelo "ser" dos fenomenologistas, é também um espaço heterogêneo, delineado por sítios irredutíveis que não se sobrepõem. Não é nossa intenção mostrar as análises e conceituações que Foucault faz a respeito do espaço na nossa era, mas comprovar que esse autor fez a recriação do espaço público, descrevendo sua relação com uma política ligada às atividades de criação e de experimentação do sujeito.

É na ação no espaço e no discurso produzido ali que o sujeito se mostra, revelando sua subjetividade. Esta é constituída por técnicas de cuidados de si. O que Foucault (2010) chamou de cuidados de si tem origem nos seus estudos sobre o estoicismo e que são procedimentos com o objetivo de cuidar da existência. A partir da decisão de construir uma vida bela que implicasse em uma série de condutas e restrições, estava colocada uma dimensão ética e, ao mesmo tempo, política diante da própria existência, que favorecia também a construção de uma estética.

Dessa forma, o sujeito se constituía mediante uma atitude de individualizar-se e estilizar a sua ação, com a finalidade da glória e da permanência longa na memória. Porém isso só poderia ser compreensível em uma dimensão intersubjetiva, ou seja, somente na relação livre com outros sujeitos, por meio dos discursos e nos espaços públicos, seria possível ao sujeito se diferenciar, mostrar seu valor e poder reconhecer-se na alteridade. Quem escolhesse esse caminho, estaria disposto a transformar seus hábitos e valores para governar a cidade.

No decorrer da História, os modos de subjetivação passaram por variadas transformações. O pensamento foucaultiano defende que o cuidado de si representa uma forma de resistência às formas de dominação, de exploração e ao poder que liga o sujeito a si mesmo e o submete aos outros. Essa ação política tem como foco a insistência nos encontros com o outro, fazendo circular no cotidiano as nossas invenções e percepções que emergem dessa experiência e que não se simplificam em regras obrigatórias.

Em sua obra, Foucault (2010) se esforça para que essa categoria seja diferenciada da ideia de egoísmo, surgida com o cristianismo, cujo interesse único está centrado no sujeito que não se interessa em se sacrificar pelos outros. Para ele, o cuidado de si está direcionado para o conhecer-se e também para o formar-se e conduzir-se, o que constituiria uma ética do cuidado de si, baseado na liberdade, tão cara aos gregos: "Não digo que a ética seja o cuidado de si, mas que, na Antiguidade, a ética como prática racional da liberdade girou em torno desse imperativo fundamental: ‘cuida-te de ti mesmo’" (p. 268).

A liberdade que se propõe para o cuidar de si implica numa relação com os outros, já que se realiza nos espaços comuns da cidade, seja de ordem próxima (Lefebvre, 2001) (amigo, companheiro, marido, esposa) ou de ordem distante (Lefebvre, 2008) (vizinhos, colegas de trabalho). Cuidar de si relaciona-se também com o cuidar do outro, uma vez que aquele que sabe quais são seus deveres descobrirá como manter uma relação responsável com o outro. Os códigos de conduta (permissões ou proibições) que permeiam a relação do sujeito com o outro são decisivos para a produção de subjetividades.

Portanto podemos entender que, na obra de Foucault (2009, 2010), o homem, para cuidar de si, necessita de liberdade, porquanto a produção de subjetividade, como já foi dito, não se faz solitariamente, fazendo-se necessário o encontro com o outro em espaços públicos e privados, sempre influenciado pelas relações de poderes. Para tanto, depende de ele poder caminhar pelo território da cidade, reconhecendo e apropriando dos elementos ali presentes.

O espaço seria um elemento fundamental para a construção da subjetividade, pois é nele que o homem se aventura no encontro com os outros, remetendo-se a um complexo de problematizações que advêm da experiência dos encontros. Tomar a consciência de si e a consciência do outro, no qual se imbrica o plano social, é um processo vivo e também provisório. O espaço é o elemento no qual desfilam as relações de poder, de subsistência e em que os homens e as mulheres imprimem suas marcas. Para a autora, é de fundamental importância o estudo da produção da subjetividade em relação ao espaço, pois é por meio dele que a existência humana é possibilitada. Não podemos negar a materialidade da subjetividade, já que não seria cabível imaginar o eu confinado no interior da mente sem fazer conexões com os objetos, com as sensações e com as relações com o outro ser humano, que se apresentam constantemente no espaço (Nogueira, 2009).

A ideia de produção de subjetividade pode ser enriquecida pelo entendimento de que a subjetividade nunca estará acabada, mas será um processo contínuo de modo não casual, no qual as instituições contemporâneas e o espaço são lugares fundamentais para essa produção (Prata, 2005). Para Rolnik e Guattari (2005), a subjetivação também é uma produção que acontece no encontro com o outro, modelada no registro social. O outro é entendido como o outro social, ou seja, tudo aquilo que produz efeitos na maneira de viver do indivíduo. Esses efeitos ocorrem mediante múltiplos componentes de subjetividade que circulam no espaço social.

Assim, o espaço pode ser percebido e representado pelo sujeito, assumindo tantas formas, quantas forem as mediações culturais do sujeito. A nosso ver, o espaço real ou absoluto não nos interessa como uma categoria de análise para este trabalho ou para aqueles que se detêm no estudo da subjetividade, pois o espaço não é meramente um entidade objetiva. O espaço é dotado de significações específicas para cada indivíduo, é a coisa onde o ser se aloja, de onde o ser tira seu sustento, onde o ser vive suas relações com o outro. A concepção de lugar de Heidegger, por exemplo, vai além do espaço absoluto de Newton e é um suporte material para a existência do ser, sendo dotado de simbolismo e afeto, e que é um componente fundamental para a produção de subjetividades.

 

Conclusão

Devemos, então, comparar as teorias dos diversos autores citados neste texto, tentando achar os poros de conexão entre eles para se tentar fazer um fio de ligamento das diversas teorias. A conclusão a que chegamos é a de que o espaço não é uma instância puramente absoluta e abstrata. Vimos, neste texto, que o espaço pode ser caracterizado como um conjunto de objetos, somado à vida dos homens que o anima, um produto das práticas sociais e um meio utilizado e criado pelo sujeito, que está em constante construção. O espaço é geográfico, natural, social e mental.

O espaço pode ser percebido e representado pelo sujeito, assumindo tantas formas quantas forem as suas mediações culturais. O que nos interessa não é o espaço absoluto newtoniano, mas o espaço dotado de significações específicas para cada sujeito, onde ele se aloja, abriga-se e o tem como referência. Ou, ainda melhor, o espaço no qual o sujeito habita em liberdade, enraíza-se e o tem como referência para poder explorar o mundo, tirando seu sustento, ocupando-se de si e cuidando de si, tendo como consequência a produção de subjetividades. O espaço estudado aqui assume, assim, uma ligação intensa com a ação de habitar.

Ao contrário de Lefebvre (2001) e Santos (2000), Bollnow (2008), Heidegger (1951, 2011) e Foucault não entendem o espaço e o sujeito como uma relação dialética. Ao contrário, para estes autores, ambos têm uma forte influência um sobre o outro. O espaço mundano que o ser habita permite também ao sujeito a prática de cuidar de si, junto aos outros sujeitos e em liberdade.

Na leitura das obras da genealogia de Foucault (2009, 2010) e da ontologia de Heidegger (1951, 2011), existe uma relação enriquecedora para o desenvolvimento desta pesquisa, fundamentada no "cuidado". A leitura das obras de Heidegger nos leva a concluir que a autocompreensão existencial da condição humana se faz por meio do ato de ocupar de si, no qual o espaço é uma condição fundamental, pois será nele que o sujeito disporá de instrumentos e coisas para fundamentar sua sobrevivência. O ato de ocupar-se de si tem relação com o conhecimento para a prática de construir uma habitação para o ser no mundo.

Já as obras de Foucault nos mostram o cuidado de si historicamente desenvolvido como uma forma de vida no Ocidente. No pensamento foucaultiano, as práticas do cuidado de si se opõe a qualquer forma de sujeição e, por isso, devem ser analisadas no espaço livre, como aquele da cidade. Essas práticas têm uma relação com a verdade, que não é necessariamente ligada ao conhecimento verdadeiro e ao saber, mas também à ação. Segundo Ayres (2004), "O cuidado de si possibilita, assim, enraizar genealogicamente o plano de imanência da ontologia heideggeriana, ao mesmo tempo em que o Daseinabre-nos a possibilidade de conferir um sentido existencial à genealogia foucaultiana" (p. 86).

Martin Heidegger e Michel Foucault têm em comum a descrença no sujeito soberano, fundador do mundo e das representações. Percebemos, na genealogia de Foucault, a exploração de três domínios da subjetividade: uma ontologia histórica do sujeito em relação à verdade, que o permite que seja sujeito do conhecimento; uma ontologia histórica do sujeito e suas relações com o campo do poder, que o permite agir sobre o outro; enfim, uma ontologia histórica da relação do sujeito com a moral, que o permite se constituir como agente ético (Figueiredo, 1995). Se, por um lado, etimologicamente, ethos (ética) também se refere tanto a costume como a morada, por outro lado, hábito e habitação compartilham a mesma raiz. Portanto, entendemos a casa como metáfora da dimensão ética da existência, na qual hábitos e habitação compartilham a mesma raiz (Figueiredo, 1995).

A casa seria o espaço de separação, de recolhimento, de proteção, que não encerra o sujeito numa clausura existencial (Bollnow, 2008). A casa é um instrumento ou coisa, feito para se morar, para se abrigar e, segundo Figueiredo (1995), "Considerar o ethos como uma casa, como uma instalação, é ver nele, nos códigos, valores, ideais, posturas, condutas para consigo mesmo e para com os outros algo equivalente à moradia" (p. 143).

Os estudos das práticas éticas do cuidado de si, na obra de Foucault, encontram-se com a problemática heideggeriana e de Bollnow (2008) do habitar. Foucault afirma:

    Ocupar-se de si - o que de uma forma ou de outra está presente em toda ética desde a falência da ética coesiva - não é uma preparação para a vida; é uma forma de vida. [...] Não há outro fim nem outro termo além do propósito de estabelecer-se junto a si, residir em si mesmo, fazer aí sua morada. (Foucault, 2010, p. 356).

Para estabelecer junto a si, o sujeito deve construir e habitar um espaço, um lugar, como afirmou Bollnow (2008), onde ela possa se recolher e dar sentido a sua vida. Assim, a casa é também o lugar para se distanciar dos acontecimentos do mundo lá de fora, local do repouso. Além disso, é o local do autoconhecimento, que permitirá, ao mesmo tempo, um trabalho de experimentar e de representar o cotidiano (Bollnow, 2008). Habitar deve ser entendido também como uma condição de trabalhar, de se apropriar de um espaço que contém instrumentos espalhados no mundo para convertê-los em morada, sustento e proteção.

A construção de uma casa não poderia ser feita nos moldes de uma estética ligada ao narcisismo, quando cada um constrói sua habitação baseado no seu estilo de vida ou na excelência de uma ocupação ou sem pensar em qualquer compromisso com a autenticidade, com a procura da verdade de si, o que levaria tão somente à problemática de condutas individualizantes.

Habitar uma casa possibilita ao sujeito habitar a cidade, pois a cidade, segundo Lefebvre (2001), é o espaço de ação do homem. É importante que essa ação de habitar a cidade possibilite a apropriação da potencialidade dos territórios (Santos, 2000), que seriam um produto coletivo em constante construção onde se desenrola as relações de poderes, as relações afetivas e os encontros com o outro. Com isso, possibilita a emersão de um material fértil para a produção de subjetividades.

Aqui, podemos entender a importância das práticas de cuidados de si, que viriam como exames regulares e sistemáticos do sujeito por ele mesmo. Seria como se o sujeito se transformasse no edificador de sua própria moradia, mesmo que esta fosse padronizada ou gerenciada por portarias governamentais. A resolução ética, nesse sentido, aplica-se da seguinte forma: não é impor um estilo de morar, mas morar conforme seu estilo.

 

Referências

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* Doutor em Psicologia pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), psiquiatra. E-mail:renatofranco@me.com.
** Professor do Departamento de Pós-graduação em Psicologia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). E-mail:stralen@superig.com.br..