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Psicologia em Revista

versão impressa ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.18 no.3 Belo Horizonte dez. 2012

 

SEÇÃO ABERTA

 

Um estudo teórico-clínico sobre o ato cerimonial em um caso de neurose obsessiva

 

A clinic theoric study about the ceremonial act in an obsessive neurosis case

 

Un estudio teórico clínico sobre el acto ceremonial en un caso de neurosis obsesiva

 

 

Henrique Guilherme Scatolin*

 

 

Dentro do vasto campo que compreende o quadro clínico da neurose obsessiva na teoria psicanalítica, essa dissertação tem como objeto de estudo o ritual na neurose obsessiva. Assim, esse estudo elabora uma análise teórico-clínica sobre o que o ato de ocultar facas representa na constituição psíquica de um paciente neurótico obsessivo.

Essa pesquisa fundamenta-se na psicanálise como teoria, método terapêutico e de investigação do inconsciente. Nesse estudo, o referencial teórico psicanalítico de Sigmund Freud e as contribuições de Piera Aulagnier à metapsicologia freudiana constituem os pilares que o sustentam.

O interesse pela temática do ato cerimonial na neurose obsessiva inicia-se pelos dados clínicos abundantes trazidos por Cláudio, o Homem das Facas, sobre o seu ritual obsessivo. Como, por exemplo, ele assevera que toda vez que discute com o pai, verifica as facas nos buracos das paredes, nos armários ou na pia. Se vier o pensamento "ruminante" de faca ou de morte de alguém de sua família, ele o desvia, escondendo uma faca em lugares como na bacia de lavar roupas de sua mãe, na gaveta do armário da cozinha de sua mãe, no buraco do muro ou em outros lugares.

Cláudio declara que o ato de esconder facas o alivia de certa culpa, pois toda vez, antes de esconder a faca, relata sentir muita culpa, principalmente após discutir com seu pai. Além desse sentimento de culpa, ressalto que esse ato de ocultar facas está permeado de incertezas, pois ele sempre verifica as facas em cada buraco, várias vezes, devido aos seus pensamentos compulsivos de "faca, faca e faca".

Tal ato obsessivo também se relaciona com o medo de que a faca, objeto-alvo de seus rituais, venha a cutucar "a sua bunda" se ele não a esconder. O autor ressalta que, embora apresente esse medo, o paciente tem consciência de que isso jamais acontecerá. Sabe que é impossível que uma faca venha a cutucá-lo, afirmando ser mais um pensamento idiota que tem.

No ato de ocultar facas, nesse ritual "primitivo", a religião individual desse paciente neurótico, com as suas leis tácitas e pensamentos ruminantes, revela que esse ato não deixa de ser uma medida defensiva, uma medida protetora contra os seus próprios desejos inconscientes.

Na constituição psíquica desse paciente, o ódio ao pai (reforçado pela regressão da libido à fase anal-sádica), o desejo incestuoso pela mãe e a passividade mediante esse pai são recalcados devido ao medo do pai "lobo-caipora". Mas o estudo teórico-clínico sobre o ato de ocultar facas mostra que o recalque falhou, surgindo inúmeros sintomas obsessivos durante sua infância, tendo estes perdurados até a idade adulta.

O ato de ocultar facas pode ser considerado uma medida protetora para impedir o retorno do recalcado na dinâmica psíquica desse sujeito, tornando esse ato uma formação de compromisso entre o id, de um lado, e o ego impelido pelo rígido superego, de outro. Essas formações de compromissos levam-no a realizar atos de ocultar facas como formas substitutivas prazerosas para os seus desejos recalcados.

Assim, os desejos incestuosos recalcados movem esse sujeito em seu ritual de esconder facas, criando-lhe certos tabus. O medo do toque desses desejos, o delire du toucher, leva-o a realizar "atos de loucura", como o paciente próprio afirma. Esses atos consistem em rituais cotidianos de esconder e verificar facas, giletes, pregos, tesouras, agulhas (e outros objetos) na bacia de lavar roupas de sua mãe, na gaveta da cozinha onde a sua mãe guarda os talheres e em outros lugares.

Não só os desejos incestuosos estão expressos nesses atos como também a homossexualidade recalcada recebe um breve destaque. O medo de que uma faca o cutuque pelo ânus, isto é, o desejo de penetração passiva está presente nessa constituição psíquica. Esse medo consciente (ou desejo inconsciente) expressa a antiga identificação com a mãe e a passividade pela qual esse neurótico se colocou mediante a figura de seu pai durante a fase de sua organização genital infantil.

Além disso, o ato de ocultar facas também revela a problemática da relação desse jovem paciente com o pai "cruel e rei da razão": o amor consciente ao pai, a culpa consciente encobrem o ódio, a hostilidade e o desejo parricida inconsciente dirigidos a essa figura. Nesse ritual, cada vez que, simbolicamente, ele assassina o pai, este retorna cada vez mais forte por meio do intenso sentimento de culpa consciente apresentado por Cláudio. Esse sentimento permeia esse ritual, funcionando como um círculo vicioso: após enfiar a faca no buraco, esse sentimento retorna mais intenso. Desse modo, durante o ritual de ocultar facas, ele expressa tanto a identificação como também toda sua hostilidade inconsciente ao "pai-facão" pelo fato de este ter-lhe interditado a sua própria mãe.

 

Referência

Scatolin, H. G. (2007). Um estudo teórico-clínico sobre o ato cerimonial na neurose obsessiva. Dissertação de mestrado, Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo.         [ Links ]

 

 

* Doutorando no núcleo de Psicologia Clínica - Psicanálise, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2007), orientado pela professora doutora Maria Lucia Vieira Violante. Graduado em Psicologia pela Universidade Metodista de Piracicaba (2003). Endereço: Rua Valdocir José Vasques, nº 154, Cordeirópolis-SP. CEP: 13490-000. E-mail:henriquescatolin@hotmail.com.