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Psicologia em Revista

versão impressa ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.19 no.1 Belo Horizonte abr. 2013

 

ARTIGOS

DOI - 10.5752/P.1678-9563.2013v19n1p30

 

Lúpus: efeitos nos cuidados de si e nas relações familiares

 

Lupus: effects on self-care and in familial relationships

 

Lupus: efectos sobre el cuidado de sí mismo y en las relaciones familiares

 

 

Ana Carolina Santos Silva; Edla Cavalcanti Amorim; Gabriela Gama Silva; Jaqueline de Souza Silva*Divanise Suruagy Correia**

 

 


Resumo

Realizamos um estudo qualitativo desenvolvido em dois grandes hospitais gerais da capital alagoana, no período de janeiro a julho de 2011, objetivando analisar as pacientes com lúpus atendidas ambulatorialmente quanto aos seus conhecimentos sobre a doença, o impacto desta no seu dia a dia e as suas relações familiares após o diagnóstico. Foram entrevistadas 12 pacientes, todas do sexo feminino, com idade entre 16 e 55 anos. Usamos um roteiro de entrevista aberta, seguindo roteiro previamente elaborado. As entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra para apreciação manual embasada na análise de conteúdo temático. Os resultados mostraram que o lúpus é uma doença impactante para suas portadoras e familiares, mas que nem sempre é vista de modo completamente negativo. O conhecimento está relacionado ao nível educacional, e suas relações familiares favorecem o bom prognóstico da doença.

Palavras-chave: Lúpus. Relações familiares.


Abstract

A qualitative study was conducted in two outstanding general hospitals in the capital of Alagoas during the period January to July 2011. The study aimed to listen to the SLE (systemic lupus erythematosus) patients attending ambulatory care facilities about their knowledge of the disease, its day-to-day impact on familial relationships after the diagnosis. Twelve female patients were interviewed and their ages ranged from 16 to 55 years of age. An open interview was used in agreement with a script previously elaborated. All interviews were recorded and transcribed for manual analysis based on thematic content analysis. The results showed that lupus is a powerful disease for their patients and familiars; however, the disease is not always seen in a fully negative way. The knowledge is related to the educational level and their familial relationships which promote a good prognosis of the disease.

Keywords: Lupus. Familial relationships.


Resumen

Fue realizado una estudio cualitativo en dos grandes hospitales clínicos de Maceió, capital de Alagoas, entre los meses de enero y julio de 2011, con el objetivo de analizar a las enfermas de lupus asistidas ambulatoriamente según sus conocimientos sobre la enfermedad, el impacto de esta condición en su cotidiano y cómo quedan las relaciones familiares tras el diagnóstico. Se entrevistó a 12 enfermas, todas mujeres, con edad entre 16 y 55 años. Fue utilizado un guión de entrevista abierto, siguiendo un guión anteriormente elaborado. Las entrevistas fueron grabadas y transcritas integralmente para su análisis manual con base en el análisis de contenido temático. Los resultados han demostrado que el lupus es una enfermedad que tiene un considerable impacto y afecta la vida de los que la padecen y de sus familiares, pero que no siempre se ve de una manera por completo negativa. El conocimiento sobre la enfermedad está relacionado con la escolaridad, y las relaciones familiares favorecen el buen pronóstico de la enfermedad.

Palabras clave: Lupus. Relaciones familiares.


 

 

Introdução

O lúpus eritematoso sistêmico é uma doença inflamatória crônica, multissistêmica, de causa desconhecida e de natureza autoimune (Borba et al., 2008). Essa patologia é conhecida como a "doença de mil faces", exatamente pelo fato de existirem inúmeros e diversos sintomas que podem variar de pessoa para pessoa(Martins, 2005). O doente com lúpus tem diversas complicações em nível biológico, cognitivo, social e psicológico (Araújo & Traverso-Yépez, 2007); apresentando evolução crônica caracterizada por períodos de remissões e de atividade, como lesões de pele, dores articulares (Bittencourt, Beserra, Nóbrega, 2008) e problemas psicossociais, dentre os quais se salientam a repercussão psicológica, o peso físico da doença e da sua potencial gravidade, e o impacto nas tarefas do dia a dia (Araújo & Traverso-Yépez, 2007).

Para pacientes portadores de uma doença crônica, nos primeiros instantes, a descoberta de uma nova doença para suas vidas representa algo nebuloso, sem uma identidade reconhecível e, assim, um fenômeno ao qual não se sabe exatamente que grau de importância deveria ter sido dado(Mattje & Turato, 2006). Para os pacientes portadores de lúpus, na maioria das vezes, isso acontece devido ao fato de esta ser uma doença que, sendo relativamente rara na população, sua representação não habita o imaginário social (Mattje & Turato, 2006).

Existem distinções na forma como as pessoas lidam com a doença crônica e com a interpretação dos sintomas; sendo que alguns dos fatores apontados como influenciadores são personalidade, grau de maturidade, gênero, cultura, aspectos sociais e emocionais (Araújo, 2004). No caso de uma doença crônica, percebe-se que cada pessoa processa os diversos significados com base nas relações sociais no contexto em que está inserida, na sua história de vida e nas suas experiências(Araújo & Traverso-Yépez, 2007).

A doença crônica, seja ela qual for, na maioria dos casos, exige alterações no estilo de vida da pessoa, visando a minimizar os sintomas e (ou) manter a doença relativamente controlada(Araújo, 2004). As limitações significativas que afetavam o relacionamento das pacientes lúpicas com seus companheiros e familiares, de acordo com estudo realizado com 79 mulheres em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, incluíam dor, fadiga, estresse, diminuição da autoestima, alteração da autoimagem, diminuição da libido, incapacidade física, uso de medicamentos, necessidade de apoio de outras pessoas e dificuldades financeiras (Ayache & Costa, 2005).

O isolamento social da família em que um dos membros é portador de doença crônica é um acontecimento frequente, que pode deixar o doente mais vulnerável a transtornos emocionais (Castro & Piccinini, 2002). É, portanto, de extrema relevância os vínculos sociais na vida do portador, bem como o tipo e a qualidade das relações que os configuram (Andrade & Vaistman, 2002). No lúpus, assim como em qualquer outra doença crônica, a doença de uma pessoa é a de sua família, sendo os laços de afetividade que marcam a estrutura familiar os responsáveis pelo envolvimento de todos os entes no enfrentamento dessa situação (Silva et al., 2002).

Por ser o lúpus um sério problema de saúde, com abrangência muito maior que apenas o âmbito biológico, as pesquisas qualitativas devem ser consideradas como mais uma fonte de informação e de pesquisa. O objetivo deste estudo, portanto, foi analisar as pacientes lúpicas atendidas ambulatorialmente em dois grandes hospitais gerais da capital alagoana, quanto ao conhecimento delas acerca da doença, do impacto desta no seu dia a dia e das relações familiares após o diagnóstico.

 

Métodos

Este estudo foi realizado em dois grandes hospitais gerais da capital alagoana, no período de janeiro a julho de 2011. Os hospitais foram escolhidos por serem grandes centros de atendimento à saúde e por terem ambulatórios específicos de reumatologia. Um deles, o Hospital Universitário Professor Alberto Antunes, é ainda uma instituição federal pública que desenvolve um grupo de apoio a pacientes portadores de lúpus, facilitando, pois, o contato com pacientes portadores da patologia em questão neste estudo.

A pesquisa foi realizada com 12 pacientes, todas do sexo feminino, com idade variando de 16 a 55 anos e com média de idade de 33,82 (±13,74) anos. Todas eram portadoras de lúpus e eram acompanhadas em ambulatório nas instituições selecionadas, tendo condições de comunicação e de entendimento dos instrumentos da pesquisa. A maior parte (73,7%) das pacientes era proveniente da classe socioeconômica C e, quanto à profissão exercida, 36,8% delas eram estudantes e 26,3% donas de casa; as demais se distribuíram entre aposentadas, desempregadas, agricultoras, funcionárias públicas e domésticas.

A seleção da amostra foi feita a partir do acesso às fichas de atendimento dos pacientes nos hospitais selecionados, sendo que apenas 12 dos pacientes consultados tiveram disponibilidade de participar da pesquisa. A totalidade das pacientes foi do sexo feminino, reafirmando que o acometimento dessa doença ocorre predominantemente nesse sexo.

Os instrumentos utilizados para a coleta dos dados foram um questionário socioeconômico para critérios de classificação econômica do Brasil, estabelecido pela Associação Nacional de Empresas de Pesquisa (ANEP) e composto por quesitos relacionados a posses e grau de escolaridade do chefe familiar; e uma entrevista com roteiro composto por perguntas abertas, elaborado por nós, pesquisadoras, após revisão de literatura e após resultados obtidos em outras pesquisas sobre o lúpus, realizadas por nós em Alagoas (Silva et al., 2010). As perguntas foram elaboradas de forma a permitir que as pacientes pudessem falar à vontade, sem se deter apenas aos questionamentos estabelecidos. Também as questões foram expostas de forma clara, de fácil entendimento e de modo que abrangessem os pontos que a pesquisa se propunha a estudar. Buscando, assim, entrosamento pesquisadoras-pesquisadas de forma imparcial, permitindo liberdade de opinião das pesquisadas sem induzir respostas e nem questionar valores, visando a não interferir nos resultados obtidos nesta pesquisa, que sempre objetivaram retratar, da maneira mais fidedigna possível, os pensamentos, as dificuldades e as apreensões das pacientes entrevistadas.

Coletamos os dados nos locais mais convenientes às pacientes, sendo as entrevistas realizadas no intercurso anterior ou posterior às suas consultas médicas, em seus locais de trabalho ou residência. As perguntas foram elaboradas de modo que pudéssemos ter compreensão da maneira como essas pacientes enxergam e entendem a sua doença, e de que maneira o fato de ser portadora de lúpus influenciou em seus contextos de vida. As entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra; sendo depois analisadas manualmente, considerando a teoria de análise de conteúdo de Laurence Bardin (1979), que nos permite agrupar o conteúdo em grupos de elementos com caracteres comuns entre si, podendo dar a esse agrupamento um título genérico.

Após várias leituras e análise das respostas obtidas, nós as classificamos em três categorias, de acordo com a temática do assunto abordado. Verificando as similitudes e diferenças encontradas, chegamos, então, às seguintes categorias: visão do lúpus; impacto da doença; lúpus e contexto familiar. Para tanto, tomamos como parâmetros aspectos amplos, que foram do conhecimento dessas pacientes sobre sua doença até as repercussões desta em suas relações sociais e familiares.

Os resultados são apresentados com nomes fictícios, para melhor entendimento e preservação do sigilo ético da identidade das pacientes entrevistadas.

O estudo foi desenvolvido após a aprovação no Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), com parecer nº 010963/2010-42, de 8 de outubro de 2010.

 

Resultados

As pacientes, ao serem indagadas sobre sua doença, fizeram uma pequena descrição do que era o lúpus e dos seus conhecimentos acerca da patologia. Com base nessas respostas, reunimos as informações semelhantes e chegamos à categoria denominada "visão do lúpus".

 

Visão do lúpus

Após a análise dos resultados obtidos, foi possível discernir que é consenso, entre as entrevistadas desta amostra, que o lúpus é entendido como uma doença que causa repercussões gerais em suas vidas, tais como problemas físicos, impacto nas relações sociais e familiares, e distúrbios psicológicos.

Percebemos que a amostra pode ser dividida em duas metades: aquela que compreende a causa de sua doença; e outra que não compreende esse processo, mesmo que também sofra e perceba as consequências dele.

O grupo de mulheres que compreende o seu problema de saúde é formado por 33,3%, o que representa pequena parcela de nossa amostra. Constatamos, portanto, que a maioria da nossa amostra ignora o fator causal da doença, restringindo seu conhecimento aos fatores desencadeantes e às suas repercussões, como podemos constatar com as falas: "Eu entendo muito pouco, sabe? As pessoas perguntam, eu não sei nem explicar o que ela é, o que ela significa... eu diria que é um problema no sangue, que não pode pegar sol" (Maria, 25 anos). "Bem, é uma doença que tem as lesões, as dores articulares, não pode ficar exposto ao sol, tem que ficar sempre usando protetor" (Joana, 25 anos).

As pacientes que tinham um maior conhecimento acerca da doença descreveram as desordens imunológicas, assim como possíveis repercussões sistêmicas desta: "Bem, eu sei que é uma doença autoimune, que não tem cura, mas tem tratamento, e o tratamento de hoje evoluiu bastante, e eu posso ter vida normal" (Paula, 16 anos). "Sei que é uma doença autoimune, crônica, e que todos os sintomas, como a queda de cabelo, as dores, são resultado da manifestação do lúpus" (Fabrícia, 23 anos). "Que é uma doença autoimune, que o organismo fica sem defesa e que produz anticorpos um contra o outro"(Sílvia, 55 anos).

Observamos que a idade não é fator relevante em conhecer ou não a doença, uma vez que encontramos o conhecimento em várias faixas etárias.

Algumas pacientes, ao descreverem seu entendimento sobre a doença, deixaram ainda transparecer as implicações psicológicas dela, como a angústia e o medo, emoções e sentimentos muitas vezes companheiros dos danos físicos. Identificamos, também em suas falas, a preocupação com sua aceitação perante a sociedade: "Eu acho que é uma doença que veio atrapalhar minha vida, uma doença imunológica que ataca qualquer sistema do organismo"(Cristiane, 35 anos). "Eu entendo ser uma doença muito perigosa, que deixa a gente muito constrangida. E eu gostaria muito que eu ficasse curada disso. Realmente eu acho triste" (Tereza, 54 anos).

 

Impacto da doença

Diante da indagação sobre as restrições impostas pelo lúpus no seu cotidiano, a maioria das pacientes que afirmaram ter sofrido o impacto da patologia reclamaram da impossibilidade de exposição ao sol e das dores articulares, imposições que perpassam também as atividades diárias rotineiras: "Sair no sol. Quando levo muito sol, fico com a pele coçando e muita dor nos ossos. Pegar em peso eu não posso. Tomar coisa gelada eu também não posso que fico logo gripada" (Fátima, 50 anos).

Tereza, 54 anos, que era cozinheira há muitos anos e adorava sair pra se divertir, afirmou: "Porque, depois dessa doença, eu fiquei com os problemas mais dos meus ossos, não pude trabalhar mais. Eu achei ruim. Não saio de casa, não tenho mais contato com os meus colegas como eu tinha. Fico mais reservada em casa por causa disso".

Limitações que encontramos também nas afirmações de Maria, uma jovem mulher de 25 anos que jogava futebol com as amigas nos finais de semana: "Ah! Não tem como pegar sol, ir pra praia, né? Jogar bola como eu jogava, e não jogo mais... só". E em Sílvia, 55 anos: "As limitações são o sol, porque eu tenho que ter cuidado com a pele e usar protetor, e evitar entrar em contato com pessoas gripadas". "Não posso andar muito, não posso completar as atividades diárias de casa e não consigo pegar ônibus" (Cristiane, 35 anos).

Algumas pacientes também relataram queixas relacionadas a restrições alimentares, além de evidenciarem o estigma que as manchas na pele provocam nos portadores dessa patologia: "Não tenho muitas, a não ser de alguns tipos de comida e não poder pegar sol" (Juliana, 15 anos). "Bem, eu gostava muito de ir à praia com os meus familiares e, hoje em dia, eu fico me prendendo pra sair, não tenho vontade de sair porque eu tenho vergonha das manchas que eu tenho no corpo, de não poder colocar um biquíni" (Joana, 25 anos).

Em contrapartida, houve mulheres que afirmaram não existir qualquer mudança em seu cotidiano e executam suas atividades diárias normalmente: "Nenhuma. Tento sempre fazer as minhas atividades diárias levando a vida normalmente" (Fabrícia, 23 anos). "Não, eu faço tudo" (Glória, 41 anos). "Não existe, até agora não. Eu trabalho, vou para academia, faço faculdade à noite e a doença não me afeta em nada" (Maria, 25 anos).

Os problemas físicos identificados pelas pacientes do estudo foram os mais diversos, sendo que a presença de dor, muitas vezes com repercussões incapacitantes, foi o ponto mais relevante dentre os discursos: "Só as minhas articulações mesmo que eu tinha muita dor e fiquei sem andar. Mas depois tudo voltou ao normal" (Paula, 16 anos). "Dores nas articulações, manchas na pele, engordar e emagrecer sempre quando a doença está em manifestação, por isso que tenho um guarda-roupa que vai do 38 ao 42" (Fabrícia, 23 anos). "Só as dores mesmo, mas que não são tão intensas do que antes de eu começar o tratamento" (Joana, 25 anos). "Dores nas articulações, mas não as sinto mais ultimamente. Não tive nenhuma deformação no meu corpo" (Juliana, 15 anos). "Porque eu era costureira e, quando eu começava a trabalhar na máquina, os meus pés ficaram inchados e vermelho (sic), muito vermelho. Doía muito. Depois foi os ossos que começaram a doer, aí eu descobri que tinha sido a doença" (Tereza, 54 anos).

Apesar de a dor ser o ponto crucial, os problemas físicos resultantes da patologia tiveram abrangência bem mais grave em algumas pacientes: "Pericardite, fígado cresceu, pressão alta, dores articulares, psicose lúpica e esterilidade" (Patrícia, 35 anos). "Só as convulsões, no início eu tive dor articular, mas agora só as convulsões" (Sílvia, 55 anos).

 

Lúpus e contexto familiar

Acerca das indagações sobre como seus familiares lidam com a patologia, a maioria das pacientes entrevistadas afirmou que há uma consciência de que a doença existe e de que eles agem normalmente, cuidando e apoiando no que lhes é possível: "Normal, todo mundo me trata normal" (Paula, 16 anos). "Eles acham normal, né?! Não podem fazer nada. Só que eu tenho que me tratar. Se eles pudessem, já tinham feito alguma coisa" (Tereza, 54 anos). "Eles me apoiam e cuidam de mim" (Patrícia, 35 anos). "Só os meus filhos sabem da minha doença e eles me apoiam muito e se preocupam comigo, cuidam muito bem de mim" (Glória, 41 anos). "Normal, eles me tratam como uma pessoa normal, eles nunca tiveram preconceito não" (Sílvia, 55 anos). "Ajudam muito, são muito conscientes" (Cristiane, 35 anos).

Quando perguntamos de que forma o lúpus afetou o relacionamento delas com seus familiares, todas afirmaram que não houve nenhum impacto negativo e que a presença da doença só fez melhorar o cuidado com elas; assim como promoveu uma maior proximidade entre todos, estreitando os laços familiares: "Aumentou muito mais o apoio. Se eu já tinha um apoio, dobrou. Foi muito mais apoio devido a saberem o que é a doença" (Fátima, 50 anos). "Fez eu ter mais aproximação com minha família, com meus pais, dar mais valor a eles" (Paula, 16 anos). "Aumentou o apoio e o cuidado. Meus filhos não querem que eu saia de casa pra nada na parte do dia. Pedem que eu use o protetor diariamente, três vezes ao dia, como a médica mandou. Tem que tomar o medicamento correto" (Tereza, 54 anos). "Não, na verdade os meus familiares passaram a me apoiar mais ainda depois da doença" (Sílvia, 55 anos). "Fez aumentar o cuidado, a preocupação que já existia" (Fabrícia, 23 anos).

 

Discussão

Sendo o lúpus uma doença complexa, rara, de causa desconhecida e de etiologia ainda não totalmente esclarecida (Borba et al., 2008), podemos compreender o motivo por que parte das pacientes entrevistadas não compreendem a sua doença. Observa-se esse desconhecimento mesmo entre os profissionais de saúde, principalmente em determinadas especialidades pouco vinculadas ao tema ou à especialidade da reumatologia. A literatura aponta que ela é ainda uma patologia de difícil diagnóstico e que demanda uma atenção especial.

Neste estudo, podemos ver a angústia inerente à falta de conhecimento sobre a patologia, como na fala de Cristiane, no dia 2 de junho de 2011: "Eu entendo muito pouco, sabe? As pessoas perguntam, eu não sei nem explicar o que ela é, o que ela significa... Eu diria que é um problema no sangue, que não pode pegar sol". Observamos certa angústia, sendo esta resultado da falta de conhecimento que, muitas vezes, toma proporções muito maiores do que a doença pode trazer, o que provoca isolamento social e uma imagem errônea da doença.

É importante que os profissionais de saúde orientem os seus pacientes, já que são a fonte mais segura e de mais fácil acesso para informá-los; podendo, por meio de um diálogo elucidativo, modificar o curso e o impacto que a doença trará para seus portadores. No lúpus, em especial, esses profissionais devem enfatizar que viver com essa patologia significa aprender acerca da doença para poder conhecê-la e, a partir disso, reconhecer seus processos de remissões e de exacerbações (Seabra et al., 2009).

Pacientes conscientes, tais como a parcela que encontramos neste estudo, são capazes tanto de aderir com mais afinco ao tratamento estabelecido como de lidar com as repercussões da doença em seu corpo e em sua vida. Na fala de Paula, de apenas 16 anos, podemos sentir que há segurança, pois, apesar de saber que sua doença não tem cura, ela afirma ter conhecimento do tratamento e de que pode ter vida uma normal: "Bem, eu sei que é uma doença autoimune que não tem cura, mas tem tratamento, e o tratamento de hoje evoluiu bastante, e eu posso ter vida normal".

No lúpus, as dores nas juntas e nos músculos ocorrem em 90% dos casos, podendo estes serem gravemente danificados pela doença, o que resulta em fraqueza e perda da resistência (Araújo & Traverso-Yépez, 2007). A totalidade das pacientes reclamou de dor nesses sistemas, sendo que algumas relataram as repercussões dessas dores nas suas atividades diárias, como na fala de Tereza, de 54 anos, que deixou sua profissão: "Quando eu começava a trabalhar na máquina, os meus pés ficaram inchados e vermelho, muito vermelho. Doía muito. Depois foi os ossos que começaram a doer, aí eu descobri que tinha sido a doença".

A patologia lúpica também pode atingir todas as partes do coração e do sistema nervoso central, com 75% de envolvimento, gerando convulsões, perda de sensibilidade, depressão e psicose(Chartash, 2001; Hanly, 1991). Esses sintomas foram relatados por duas pacientes, Cristiane e Sílvia, de 35 e 55 anos respectivamente: "Pericardite, fígado cresceu, pressão alta, dores articulares, psicose lúpica e esterilidade"; "Só as convulsões, no início eu tive dor articular, mas agora só as convulsões".

A percepção subjetiva de bem-estar social e de qualidade de vida dos pacientes com lúpus, além de ser condicionada pelo peso físico da doença e também pela sua potencial gravidade, é também suscetível de ser altamente influenciada por variáveis psicossociais (Martins, 2005). Maria, de 25 anos, ao descrever as limitações impostas pela doença e os problemas físicos, também deixou transparecer sua vergonha e o estigma que a doença tem: "Bem, eu gostava muito de ir à praia com os meus familiares e, hoje em dia, eu fico me prendendo pra sair, não tenho vontade de sair porque eu tenho vergonha das manchas que eu tenho no corpo, de não poder colocar um biquíni".

Maceió, cidade em que realizamos a pesquisa, está localizada no nordeste brasileiro e é uma cidade ensolarada e famosa por suas praias. Tal fato nos faz refletir sobre as consequências da doença para essas mulheres, quando ouvimos de Silvia em sua fala: "As limitações são o sol porque eu tenho que ter cuidado com a pele e usar protetor".

A percepção da doença e o seu enfrentamento estão relacionados ao conteúdo interno de cada uma, como podemos observar nas falas daquelas que afirmaram não existir qualquer mudança em seu cotidiano, excetuando suas atividades diárias normalmente; como nos relatos de Fabrícia, de 23 anos, e de Glória, de 41 anos. Diante dessas repercussões psicológicas, o apoio familiar constitui-se no cerne para uma vida mais tranquila e centrada. A família deve estar sempre informada acerca do que é a doença, de sua evolução e de seus riscos (Araújo, 2004), podendo, desse modo, atuar como amenizadora dos efeitos patogênicos do estresse no organismo e incrementar a capacidade dos pacientes de lidarem com situações difíceis (Andrade & Vaistman, 2002).

As pacientes descreveram o apoio e o cuidado familiar, sendo esse o ponto principal que modificou os laços familiares, em que a família é vista como um berço de proteção e de alicerce para enfrentar todas as implicações oriundas da patologia, como afirmou Fátima, de 50 anos: "Aumentou muito mais o apoio. Se eu já tinha um apoio, dobrou. Foi muito mais apoio devido a saberem o que é a doença". Servindo também como valorização do outro, por meio da percepção do apoio recebido, como afirma Paula, de 16 anos, sobre seus pais: "Fez eu ter mais aproximação com minha família, com meus pais, dar mais valor a eles".

 

Síntese conclusiva

Este estudo nos fez refletir sobre o lúpus e suas particularidades, sendo esta uma doença que causa impacto para os seus portadores e para seus familiares, interferindo em seu dia a dia, mas que nem sempre é vista de modo completamente negativo.

O apoio social e familiar é um suporte para lidar com a doença, um estímulo para o autocuidado e até mesmo para uma maior adesão ao tratamento instituído, o que mostra a doença estreitando laços familiares.

O desconhecimento, por parte das pacientes, sobre as características médicas de sua doença, assim como sobre as complicações e as repercussões desta no âmbito biopsicossocial demonstra uma precariedade da assistência à saúde, não só na transmissão de informações como no próprio conhecimento científico a respeito da patologia.

Tal fato mostra a necessidade de maior divulgação das características da doença e de formação de equipes multiprofissionais com mais capacidade em lidar com pessoas acometidas pelo lúpus, ajudando na luta desses pacientes, tanto com os sintomas físicos como psicológicos. Faz-se necessária também a divulgação de esclarecimentos acerca da doença para a população em geral, possibilitando um diagnóstico precoce e uma atenção especial à qualidade de vida de seus portadores.

Outros estudos qualitativos seriam de grande importância ao serem abordadas outras questões relativas às impressões e sensações desses pacientes, com o objetivo de continuar a ampliar o suporte oferecido a eles.

 

Referências

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* Acadêmicas de Medicina, Faculdade de Medicina (Famed) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
** Doutora em Ciências da Saúde, professora na Faculdade de Medicina (Famed) da Universidade Federal de Alagoas. Endereço para correspondência: Gabriela Gama Silva. Avenida Betel, Quadra G-82, Conjunto Cleto Marquez Luz, nº 29 – Tabuleiro dos Martins, Maceió-AL. CEP: 57442-000. Telefones: (82) 9614-5000 e 9619-1364. E-mail:g_gama_@hotmail.com.