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Psicologia em Revista

versão impressa ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.19 no.2 Belo Horizonte  2013

http://dx.doi.org/DOI-10.5752/P.1678-9563.2013v19n2p305 

ARTIGOS

DOI - 10.5752/P.1678-9563.2013v19n2p305

 

Infidelid@de.com: infidelidade em relacionamentos amorosos mediados e não mediados pela Internet

 

Infidelity.com: infidelity in romantic relationships mediated and unmediated by Internet

 

Infidelid@d.com: infidelidad en las relaciones amorosas mediadas y no mediadas por Internet

 

 

Karla Rafaela Haack*; Denise Falcke**

 

 


Resumo

A Internet oferece diversas oportunidades para que as pessoas se conectem e se relacionem, propiciando que pessoas se aproximem, favorecendo o estabelecimento de novos relacionamentos, mas também da infidelidade. O objetivo deste trabalho foi investigar as concepções de infidelidade de usuários de Internet que estavam em relacionamentos amorosos mediados pela Internet e em relacionamentos amorosos não mediados por ela. Participaram deste estudo quantitativo, com delineamento comparativo, 86 usuários de Internet de 18 a 55 anos, de 13 Estados brasileiros. As concepções dos aspectos que definem o que é considerado infidelidade para os participantes em relacionamentos mediados e não mediados pela Internet foram bastante parecidas, contudo os resultados apontaram que as pessoas que se relacionam amorosamente pela Internet revelam que a infidelidade se faz mais presente nesse contexto, especialmente pela falta de definição mais precisa de um contrato de exclusividade conjugal.

Palavras-chave: Fidelidade. Internet. Relacionamento amoroso. Comunicação mediada por computador.


Abstract

The Internet offers many opportunities for people to connect and socialize. In this sense, it provides these people a way of contacting each others, which favors the establishment of new relationships, but also of infidelity. This study aims to investigate the conceptions of infidelity among Internet users who were in romantic relationships mediated by the Internet and romantic relationships that are not mediated by the Internet. The study has a quantitative approach, with comparative design, with the participation of 86 Internet users, with ages from 18 to 55 from 13 Brazilian states. The conceptions of the aspects that define what is considered infidelity for participants in relationships mediated and unmediated by the Internet were quite similar, however the results indicated that people who have romantic relationships on the Internet reveal that infidelity is more present in this context, especially because of the lack of more precise definition of an exclusive marital contract.

Keywords: Fidelity. Internet. Romantic relationship. Communication mediated by computer.


Resumen

La Internet ofrece muchas oportunidades para que las personas se conecten y se conozcan, permitiendo que se aproximen, favoreciendo el establecimiento de nuevas relaciones, pero también de la infidelidad. El objetivo de esta investigación fue conocer la percepción de la infidelidad entre los usuarios de Internet que tenían relaciones amorosas mediadas por la Internet y relaciones amorosas no mediadas por la Internet. Participaron de este estudio cuantitativo, con diseño comparativo, 86 usuarios de Internet de 18 a 55 años de 13 provincias brasileñas. La concepción de los aspectos que definen lo que se considera infidelidad para los participantes de relaciones mediadas y no mediadas por la Internet fueron bastante similares, sin embargo, los resultados indicaron que las personas que se relacionan amorosamente a través de Internet revelan que la infidelidad está más presente en este contexto, especialmente por la falta de una definición más precisa de un contrato de exclusividad conyugal.

Palabras clave: Fidelidad. Internet. Relaciones amorosas. Comunicación mediada por el ordenador.


 

 

Introdução

A Internet tem participado do dia a dia da maioria das pessoas. Dessa forma, facilitou que elas iniciassem e desenvolvessem relacionamentos interpessoais (Hatala, Milewski & Baack, 1999; Underwood & Findlay, 2004). Pesquisas apontam que diversos relacionamentos amorosos que iniciam pela Internet acabam migrando para relacionamentos amorosos presenciais (Whitty & Carr, 2006).

Alguns autores (Cooper, Mansson, Daneback, Tikkanen & Ross, 2003) sugerem que o uso excessivo de Internet pode fazer com que ocorram certos problemas nos relacionamentos amorosos presenciais, tais como a diminuição do tempo compartilhado entre o casal, o que se caracteriza como um fator de risco para o desenvolvimento da infidelidade. Nesse sentido, observa-se que, ao mesmo tempo em que a Internet pode unir quem está longe, segundo os autores, ela também pode afastar quem está perto fisicamente.

Estudo realizado pela American Academy of Matrimonial Lawyers (2010) com advogados que trabalham com casos litigiosos de divórcios constatou que um em cada cinco divórcios nos Estados Unidos tem a rede social Facebook citada no processo de separação. Segundo os advogados, normalmente, a rede social é causa de conflitos e é utilizada para encontrar provas de infidelidade. Dos advogados que participaram da pesquisa, 81% afirmaram ter percebido que os casos nos quais a rede social é utilizada como prova aumentaram nos últimos cinco anos. Ainda no estudo, verificou-se que problemas relacionados ao dinheiro e à intimidade já não eram mais as principais causas de divórcio nos EUA e que o Facebook, sozinho, já seria responsável por 20% dos casos. Os autores acreditam que a maioria dos encontros amorosos na rede social não foi intencional, mas que começou por curiosidade, pois a rede social propiciou que pessoas se reencontrassem com ex-namorados, amantes, amigos e também facilitou a descoberta da prática da infidelidade. Esse fato também foi evidenciado por Muise, Chistofides e Desmarais (2009), que mencionam uma relação significativa entre a quantidade de tempo passada no Facebook e sentimentos de ciúme, normalmente desencadeados pela comunicação entre o parceiro e algum ex.

Buscando analisar a relação entre ciúme e infidelidade, Almeida (2012) realizou um estudo com 45 casais heterossexuais na cidade de São Paulo. Foi constatada essa relação, sugerindo que quanto maior o ciúme, maior a chance de traição, confirmando a teoria da profecia de autorrealização em relação à infidelidade do outro. Guadagno e Sagarin (2010) também avaliaram a relação entre ciúme e infidelidade, tanto em contexto presencial como em relacionamentos mediados pelo computador, e concluíram que o ciúme masculino está mais relacionado à infidelidade sexual, enquanto que o ciúme feminino está mais voltado para a infidelidade emocional.

Atualmente, no Brasil e no mundo, existem diversas formas de trair o companheiro, entre elas por meio de sites específicos para infidelidade. No Brasil, existem, no mínimo, três opções: o Second Love (2012), o Ohhtel (2012) e o Ashleymadison (2012), que tem como slogan "A vida é curta. Curta um caso" e relata ter mais de 16 500 000 usuários anônimos (acesso em 11 de novembro de 2012). A infidelidade pode ser considerada, em nosso contexto, uma prática contra a normativa da sociedade, sendo uma temática de interesse pessoal e social difícil de ser abordada com veracidade e profundidade em contextos públicos. Dessa forma, a Internet surge como um espaço para aproximação com a temática, pois a desejabilidade social fica abrandada (Camargo, Alves, Morais & Koelzer, 2012).

Ainda que a infidelidade seja um fenômeno presente em vários relacionamentos, Blow e Hartnett (2005) destacam que existem poucas pesquisas investigando o tema, principalmente pelo fato de que não é um assunto fácil de ser abordado e que pode fazer com que as pessoas se lembrem de decepções e danos causados em suas vidas. A infidelidade pode ser caracterizada como um "segredo sexual, romântico, ou envolvimento emocional que viola o compromisso de um relacionamento exclusivo" (Glass, 2002, p. 489). Sob determinada perspectiva, a falta de satisfação conjugal pode fazer com que um dos parceiros pratique a infidelidade (Duba, Kindsvatter & Lara, 2008), que se constitui como um dos principais motivos para o divórcio, sendo a principal razão da procura por terapia de casal (Fife, Weeks & Gambescia, 2008; Snyder, Baucon & Gordon, 2008). Entretanto Pittman (1994) considera a relação infidelidade e insatisfação conjugal como sendo um mito. Segundo ele, a infidelidade é uma quebra de confiança, sendo constituída pela traição e rompimento de um acordo.

Existem diversos mitos relacionados à infidelidade: "que o cônjuge não ama mais seu parceiro", "que arrumou alguém mais atraente", "que a infidelidade está ocorrendo em virtude de a relação estar desgastada", entre outros (Pittman, 1994). Nos relacionamentos, o casal cria um contrato de relacionamento, que é interno e, muitas vezes, inconsciente, mas se externaliza de vários modos, como emitindo sinais do que esperam, como funcionam e o que podem oferecer (Anton, 2002). A infidelidade se refere a qualquer comportamento de quebra desse contrato entre duas pessoas (Lusterman, 1998), não estando necessariamente ligada a quaisquer dos mitos citados. Em busca dos motivos para a ocorrência da infidelidade, Martins (2012) avaliou, no Brasil, 494 pessoas (156 homens e 338 mulheres) que apontaram a "oportunidade que surgiu" como motivo para a infidelidade mais citado pelos homens e a "infelicidade com a relação" como o mais referido pelas mulheres. Além disso, já ter sido infiel a um parceiro e uma menor satisfação relacional foram variáveis preditoras para a infidelidade. Outros estudos também indicam uma ligação entre a oportunidade e a infidelidade (Traeen & Stigum, 1998; Treas & Giesen, 2000), o que sugere que pessoas que têm ocasião para trair apresentam grande chance de fazê-lo. Além disso, o trabalho e a Internet são apontados como as principais áreas de risco para a ocorrência do fenômeno (Glass & Staeheli, 2004).

Um estudo realizado por Greenfield (1999) com usuários dependentes de Internet aponta que 42% das pessoas relataram estar tendo um caso enquanto estavam conectadas à rede. Aviram e Amichai-Hamburger (2005) descrevem a infidelidade mediada pela Internet como sendo uma relação extradiádica com conteúdo de intimidade emocional e contato virtual de cunho sexual. Durante alguns anos, autores (Cooper, 2002; Maheu & Subotnik, 2001; Whitty, 2003) procuraram estudar se a infidelidade ocorrida pela Internet era um fenômeno real, chegando ao consenso de que as pessoas podem trair e realmente traem por meio dela. Contudo não existe concordância sobre quais aspectos são levados em consideração para considerar a ocorrência de infidelidade pela Internet.

Considerando que a infidelidade pode fazer com que o cônjuge sinta-se desvalorizado, traído ou humilhado (Pittman, 1994), ela deve ser considerada um fenômeno complexo, que precisa de melhor compreensão por parte de pesquisadores, psicólogos e demais interessados na temática. Nesse sentido, este trabalho teve como objetivo investigar as concepções de infidelidade de usuários de Internet que estavam em um relacionamento amoroso mediado por esta e de usuários de Internet que estavam em um relacionamento amoroso não mediado por ela. É importante destacar que a expressão "relacionamentos amorosos mediados pela Internet" (RAMI) é utilizada neste trabalho para se referir aos relacionamentos amorosos que ocorrem por meio da grande rede de computadores e que são desenvolvidos somente por meio dela, ou seja, sem a presença física do parceiro (Haack & Boeckel, 2009). No mesmo sentido, as expressões "relacionamentos amorosos não mediados pela Internet" ou "relacionamentos amorosos presenciais" (RAP) descrevem os relacionamentos que ocorrem presencialmente.

 

Método

Participantes

O processo de amostragem desta pesquisa de caráter quantitativo, que se caracteriza pelo delineamento comparativo, sucedeu-se de maneira intencional, mediante cadastro e envio de convites em redes sociais gratuitas, tipo Facebook e Orkut, e e-mails. Foi considerado também o critério de amostragem por "bola de neve", uma vez que foi solicitado que os participantes encaminhassem o convite para os seus conhecidos.

Responderam à pesquisa 276 usuários de Internet, maiores de 18 anos, que estavam em um relacionamento amoroso heterossexual no momento de sua aplicação e que concordaram em responder a pesquisa pela Internet. As pessoas casadas e que declararam estar morando juntas foram excluídas. Do total, 43 participantes estavam em uma relação amorosa mediada pela Internet (RAMI).

O restante dos participantes, em relacionamentos presenciais, foi pareado conforme o sexo e também se buscou uma aproximação entre o tempo de relacionamento e a idade. Dessa forma, obtiveram-se 43 participantes que estavam em um relacionamento amoroso presencial (RAP), totalizando 86 participantes.

Os participantes se caracterizaram por serem 42 homens e 44 mulheres, com idades que variaram de 18 a 55 anos (m = 29,5, dp = 8,1), residentes de 13 Estados brasileiros (Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina e São Paulo). O tempo médio dos relacionamentos amorosos mediados pela Internet foi de 8,37 meses (dp = 14,27), e dos relacionamentos amorosos presenciais foi de 11,93 meses (dp = 14,39). Dos 86 participantes da pesquisa, 56,2% declararam estar namorando, e o restante (43,8%), embora se considere em um relacionamento amoroso, declarou estar solteiro. A maioria não tem filhos, trabalha e tem ensino médio, como pode ser observado na tabela 1.

 

 

Instrumentos de coleta de dados

Foi utilizado um questionário de informações gerais para o mapeamento das características dos participantes, no qual foram coletados os seguintes dados: idade, sexo, se tinham filhos, situação de trabalho, situação conjugal, tempo da relação amorosa, tempo semanal de uso da Internet e escolaridade. Utilizou-se também de um questionário sobre infidelidade, criado pelas autoras, com base na literatura, o qual tinha 26 perguntas do tipo: "O que é infidelidade para você?"; "Você já foi infiel com seu companheiro? Se sim, por que isso aconteceu?"; "Porque você acha que as pessoas são infiéis?"; "Se nunca foi infiel, você o seria se tivesse oportunidade?". O objetivo desse instrumento foi proporcionar aos participantes oportunidade para que pudessem expor suas concepções sobre a infidelidade. Foi realizada uma validação do conteúdo das questões por cinco juízes, visando a verificar se as perguntas correspondiam aos objetivos e se elas estavam devidamente elaboradas.

Procedimentos para a coleta de dados

A pesquisa seguiu as orientações das resoluções 196/1996, do Conselho Nacional de Saúde (1996), e 016/2000, do Conselho Federal de Psicologia (2000), sobre pesquisas envolvendo seres humanos, e foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), sob o protocolo de número 11/195. A coleta de dados ocorreu pela Internet, tendo sido enviado um convite por e-mail e por recados em redes sociais, informando aos usuários os objetivos e procedimentos da pesquisa, bem como a confidencialidade dos dados e o anonimato de sua cooperação. Coube aos participantes a decisão de responder ou não ao questionário da pesquisa, assinalando "sim" ou "não" ao serem questionados se aceitavam participar do estudo, concordando com o termo de consentimento livre e esclarecido. Os dados referentes à identificação dos usuários, como endereço de IP e e-mail, foram mantidos em sigilo. O questionário foi aplicado via Internet, por meio de um formulário criado pelas próprias pesquisadoras.

Análise dos dados

Os dados foram analisados por meio de estatísticas descritivas e inferenciais, utilizando o programa SPSS 20.0 (Statistical Package for Social Science). As questões abertas do questionário sobre infidelidade foram analisadas por análise de conteúdo (Bardin, 1977). Nessa análise, foram obtidas, mediante procedimentos sistemáticos e objetivos da descrição, as frequências do conteúdo de comunicação. Realizou-se uma categorização das unidades de texto que se repetiram e, considerando uma abordagem quantitativa, identificou-se a frequência das características observadas (Bardin, 1977).

As categorias, definidas a posteriori, foram descritas em termos de frequência e porcentagem. As comparações entre os grupos de participantes com relacionamentos mediados e não mediados pela Internet foram feitas por meio do teste do Qui-quadrado ou teste t para amostras independentes, conforme o tipo de variável, e as associações entre variáveis analisadas por meio de correlação de Pearson. Foi considerado como significativo todo resultado que obteve um p<0,05.

 

Resultados e discussão

Ao questionar o que os participantes da pesquisa consideravam ser infidelidade, encontramos diferença estatisticamente significativa entre os grupos de usuários em relacionamentos amorosos mediados e não mediados pela Internet (p = 0,034, x² = 15,130), conforme indica a tabela 2.

 

 

A resposta que mais apareceu para definir o que é infidelidade foi quebra de contrato, que pode ser exemplificada pelas falas: "É o não cumprimento de um acordo no relacionamento"; "Infidelidade é fazer algo que não está no acordo entre as partes"; "Qualquer atitude que quebraria a confiança de alguém"; "É quando se tem um relacionamento sério e previamente combinado que o casal será fiel e um dos dois quebra o combinado procurando outro parceiro". Para Maheu e Subotnik (2001), a infidelidade ocorre quando duas pessoas mantêm um compromisso e ele é rompido, não importando nem onde, nem quando e nem com quem.

Além disso, foram citados outros aspectos como: ter outra pessoa ("Relacionar-se de maneira paralela com outra pessoa"), mentir ("Mentir que não tem outra tendo"; "É mentir independente do assunto sobre o que se mente"), manter contato físico com outra pessoa ("Beijar ou transar com outra pessoa"; "Ter relacionamentos físicos ou amorosos com outra pessoa que não seja seu companheiro"), o desejo por outra pessoa, seja em contexto presencial ou pela Internet ("Um simples desejo por outra pessoa para mim já é infidelidade"; "O desejo por outra pessoa"; "Desejar ter relacionamento com outra pessoa"), manterse em um relacionamento sem sentimento ("É se dizer fiel ao seu companheiro quando, na verdade, não há mais tanto sentimento") e falta de respeito ("É a falta de respeito com quem está ao seu lado, sendo que você só está com essa pessoa porque quer").

Conforme descreve, de maneira mais complexa, um dos participantes:

    Infidelidade é o ato de desejar e se pôr em situações em que o desejo será "incontrolável" por outra pessoa que não a com quem está "comprometido". Infidelidade inclui manter e conversar amorosamente com pessoas via Internet, contatos presenciais, ficar objetivamente com outra pessoa, envolver-se física e emocionalmente. O envolvimento emocional, em minha visão, conta bem mais que o aspecto físico em si.

Essa definição incorpora diferentes aspectos do que foi definido pelos participantes como infidelidade, podendo ser considerada como a integração dos critérios preponderantes.

A infidelidade pela Internet pode ser considerada diferente dos outros tipos de infidelidade, segundo Shaw (1997), principalmente no que diz respeito a questões comportamentais, porém os fatores que contribuem para seu desenvolvimento e o resultado em si são semelhantes, considerando como ela afeta e interfere no relacionamento amoroso. Juridicamente, segundo Kümpel (2005), a infidelidade pela Internet dá margem a uma série de condutas ilícitas e violações de obrigações conjugais que podem gerar graves consequências. Observa-se, assim, que o conceito de infidelidade varia desde uma concepção mais tradicional, como descrita por Nodin (2001), que envolve o ato de ter relações sexuais com uma terceira pessoa que estaria fora do relacionamento afetivo considerado principal, até situações de desejo ou busca por envolvimento em contextos virtuais (Shaw, 1997). De maneira mais ampla, a compreensão da infidelidade dependerá do contrato estabelecido pelos parceiros. Nesse sentido, ele pode ser conservador ou mais aberto, no qual existe permissão para relacionamentos extraconjugais (Ceccato, Cericatto & Reichert, 2001).

Quando questionados sobre quais, dentre as seguintes situações (relações sexuais, beijo, flerte, acessar pornografia ou ter relacionamento pela Internet, dar telefone ou sair com amigos), quando realizadas com outras pessoas que não o parceiro, eram consideradas infidelidade, 96,4% dos participantes consideraram como infidelidade ter relações sexuais; 96,4%, beijar na boca; 75,9%, flertar; 54,2%, se relacionar pela Internet; 33,7%, dar o número de telefone; 10,8%, acessar pornografia na Internet; e nenhum participante considerou infidelidade sair com os amigos. Não foram observadas diferenças significativas entre os usuários com relacionamentos amorosos mediados e não mediados pela Internet. Roscoe, Cavanaugh e Kennedy (1988) pesquisaram universitários solteiros dos Estados Unidos. Estes citaram que interações sexuais, como beijar, flertar e acariciar outra pessoa que não o parceiro deveriam ser consideradas indícios de infidelidade, do mesmo modo que a maioria dos participantes deste estudo. Também foram corroborados os dados de um estudo realizado com 1 117 participantes, o qual revelou que, embora os parceiros fiquem infelizes ao saber que o cônjuge se excita ao ver pornografia, a minoria considerou um ato de infidelidade (Whitty, 2003). Complementando, Parker e Wampler (2003) descobriram, por meio de uma pesquisa com 242 participantes, na qual criaram oito cenários de sites adultos para relacionamentos sexuais, que visitar salas de bate-papo ou sites para adultos, mas não interagir, não era um comportamento considerado como transgressão no relacionamento. Segundo os autores, isso talvez tenha a ver com a passividade do ato, em que a pessoa não interage com o outro, apenas observa, enquanto a infidelidade estaria sendo medida por atitudes mais ativas.

Ao serem questionados se já haviam sido infiéis, encontrou-se diferença significativa na comparação dos grupos (p = 0,007; x² = 7,312), sugerindo que as pessoas que estão em um relacionamento amoroso mediado pela Internet (43,9%, n = 18) são mais infiéis que as pessoas que estão se relacionando no contexto presencial (16,7%, n = 7). Uma hipótese para justificar o achado seria a de que a Internet favorece a infidelidade, já que proporciona manter contato com diversas pessoas ao mesmo tempo, além de um possível menor comprometimento com o relacionamento conjugal exclusivamente mediado pela Internet (Cooper, 2002; Maheu & Subotnik, 2001; Whitty, 2003). Além disso, segundo Mileham (2007), a Internet propicia o anonimato, que permite desenvolver, com relativa segurança, fantasias e desejos sem se expor ou ser reconhecido, diferentemente das traições presenciais, nas quais a pessoa pode marcar um encontro e algum conhecido pode perceber que ela está praticando a infidelidade.

Com relação à frequência das traições, não houve diferença significativa entre os grupos (p = 0,093, x² = 10,854), contudo, a frequência variou de uma única vez até cinco vezes ou mais, conforme indica a tabela 3.

 

 

Como justificativas para terem cometido a infidelidade, aparecem a curiosidade para experimentar outros relacionamentos ("Puramente curiosidade de ter outra pessoa, prazer e aventura, desejo de ter uma mulher bonita, atraente e diferente"), desgaste no relacionamento ("Porque ele não me dava atenção e tinha que me sentir bonita"), carência ("Carência... necessidade de sentir algo mais forte"), falta de comprometimento ("Falta de comprometimento no relacionamento"), antecipação de uma possível traição ("Quem não faz gol leva") e vingança ("Como vingança por ele ter feito isso comigo"), conforme indica a tabela 4:

 

 

Ainda que sejam poucos os sujeitos que já foram infiéis, o que compromete a análise estatística, verifica-se, nessa amostra, que os motivos foram mais variados entre os usuários em relacionamentos mediados pela Internet, havendo uma tendência estatística de diferenciação entre os grupos (p = 0,076, x² = 15,594). Ao serem questionadas sobre por que as pessoas, em geral, são infiéis (tabela 5), os participantes alegaram insatisfação conjugal e sexual ("Porque estão sempre insatisfeitas e colocam a culpa no outro. Buscam em novas pessoas o preenchimento do vazio interior"; "Porque estão insatisfeitas com alguma parte do seu relacionamento. Não que a outra pessoa não se faça presente e viva naquela relação, mas a pessoa que trai não se satisfaz"), comodismo ("Por não terminarem relacionamentos que não estão mais dando certo, por se acostumarem com o outro, e, mesmo quando não existe sentido ou vontade em se manter em um relacionamento, elas arrastam e empurram essa situação, vão levando assim um relacionamento cheio de mentiras, mantendo aparências"), insegurança, desconhecimento próprio ou carência ("Quando há uma carência ou necessidade no relacionamento, da qual o parceiro não corresponde a uma ‘expectativa', a pessoa tenta suprir isso com outras pessoas"; "Acho que por não conhecerem a si próprio e não compreenderem seus próprios desejos e necessidades"), falta de respeito ("As pessoas que são infiéis têm esse comportamento inadequado porque não respeitam a pessoa que está do seu lado"), busca de uma relação melhor e novas experiências ("Porque buscam constantemente por perfeição, algo que nunca vão encontrar, porque as pessoas têm defeitos e dificilmente vão nos agradar em todos os sentidos. Cabe a nós colocar tudo na balança e ver o que pesa mais e procurar manter isso, pois de nada adianta procurar em outras pessoas algo que não existe na pessoa amada, essa busca não leva a lugar algum"; "Porque o ser humano é curioso e tem que experimentar coisas novas"), falta de amor, romantismo, compreensão ou confiança ("Porque não amam ou não se sentem amadas"; "Por falta de carinho, amor, compreensão, afeto, respeito e confiança"), busca de satisfação pessoal ("As pessoas são infiéis quando valorizam, única e exclusivamente, seus próprios interesses e vontades, se esquecendo de que há uma outra pessoa envolvida, que se trata de uma relação"), instinto ("Porque o ser humano já nasce traindo"; "Homens são infiéis por terem um instinto"), pressão externa ("Porque a tentação mora ao lado e a carne é fraca"; "Talvez porque elas não consigam ou queiram ter o compromisso de não ceder às pressões externas, que pode ser um ‘mole' de uma pessoa bonita") e outros ("Porque elas não entendem que o amor é uma escolha, uma atitude do dia a dia"; "Pelo mesmo motivo que eu fui").

 

 

Lusterman (1998) descreve que as pessoas são infiéis por diversas razões, podendo ter relação com a família de origem ou com um passado distante, com as crenças que a pessoa tem sobre o sexo oposto ou também, às vezes, com um sentimento de vulnerabilidade em algum momento do ciclo vital, como o nascimento de um filho, perda de um pai ou desligamento dos filhos. Já Almeida (2007) relata que, mesmo que seja mais fácil pensar que quem trai não ama o parceiro, esse pensamento é irreal, pois a infidelidade seria uma resposta a uma possível situação de insatisfação com o relacionamento e estaria mais relacionada à incapacidade de resolver os problemas na relação do que com a falta de amor. Os participantes deste estudo, ainda que também aleguem diferentes motivos, confirmam como o mais referido a relação entre infidelidade e insatisfação conjugal.

Quando questionados diretamente se a insatisfação conjugal estaria relacionada com infidelidade, 71,1% (n = 27) dos participantes dos RAMI e 70,7% (n = 29) dos RAP responderam que sim, não havendo diferença na opinião entre os grupos (p = 0,975; x² = 0,001). Como justificativa, os participantes relatam: "Este é o maior motivo para que a infidelidade aconteça"; "Não, pois se a pessoa está insatisfeita com sua atual relação, termina e pronto, não precisa trair"; "Sim, pois acredito que se é infiel para manter o status, para não se separar pelos filhos ou porque ainda existe algum carinho entre o casal, eles não se separam e optam pela traição". Corroborando os dados encontrados, Glass e Wrigth (1985) relatam que, quanto mais baixo o nível de satisfação no relacionamento, maior a possibilidade que ocorra um comportamento de infidelidade. Já Pittman (1994), com base em dados clínicos, contradiz esse pressuposto, descrevendo que a infidelidade pode ocorrer tanto em casamentos bem resolvidos quanto nos considerados disfuncionais.

Quando questionados se a insatisfação sexual estaria relacionada com infidelidade, 74,4% (n = 29) dos participantes dos RAMI e 64,3% (n = 27) dos RAP responderam que sim, correspondendo a 69,1% (n = 56) da amostra total pesquisada. Como justificativas, descrevem: "As pessoas sentem necessidade de manter relações sexuais frequentes. Se não se sentem satisfeitas com o parceiro(a), acabam procurando outra pessoa que a satisfaça"; "Acaba gerando a vontade de sair com outras pessoas, para satisfazer a si mesmo". Contrariando a concepção da maioria dos participantes, Brown (1991) indica, em seu livro sobre o tratamento de casos que envolvem infidelidade, que ela pouco tem a ver com sexo, pois ocorre principalmente relacionada a medos, decepções, raiva e vazio, estando mais ligada ao amor e à aceitação. Um participante reforça esse posicionamento ao referir:

    Relacionamento não é só sexo. A traição pode acontecer por raiva após uma grave briga, amigos solteiros e festeiros que levam um ser comprometido para festas, problemas com vícios como álcool, falta de comunicação entre o casal, enfim... Muitos motivos... Não só a insatisfação sexual. Problemas sexuais podem ser resolvidos com conversas entre o casal. Ambos podem ganhar com o diálogo.

Buscando confirmar os achados citados anteriormente de Traeen e Stigum (1998) e Treas e Giesen (2000), que apontam uma ligação entre a oportunidade e a infidelidade, ao sugerirem que pessoas que têm ocasião para trair têm grande chance de fazê-lo, foi perguntado aos participantes se eles seriam infiéis caso tivessem oportunidade. Não foram observadas diferenças entre os grupos (p = 0,103, x² = 2,662), pois 26,7% (n = 8) dos participantes que estavam em um relacionamento mediado pela Internet e 11,1% (n = 4) dos participantes que estavam em um relacionamento presencial acreditam que seriam infiéis se surgisse a oportunidade, perfazendo um total de 18,2% (n = 12) da amostra pesquisada. Como justificativas para essa resposta surgiram: "A infidelidade é imoral e destrutiva para a pessoa que a comete. Não faria com minha companheira o que não gostaria que acontecesse comigo, sem contar que é um desrespeito extremo àquela pessoa"; "A ocasião faz o ladrão"; "Somente seria infiel se minhas expectativas não fossem atendidas. Nesse caso, buscaria encontrar isso em outras mulheres"; "Porque eu não acredito que nesse mundo exista uma pessoa que nunca traiu alguém, e a lei do retorno tem que ser aplicada". Verifica-se que as opiniões são variadas, algumas na direção evidenciada pelos autores, de que a infidelidade pode surgir de uma oportunidade, e outras que consideram que, mesmo tendo oportunidade, deveriam prevalecer os valores pessoais e morais que sustentam o contrato de exclusividade do relacionamento conjugal.

Além disso, 61% (n = 25) dos participantes do RAMI e 56,1% (n = 23) do RAP têm conhecimento de que algum parceiro tenha sido infiel, não tendo sido observada diferença estatística significativa entre os grupos (p = 0,654; x² = 0,201). Eles relatam terem se sentido: "Mal, principalmente com a mentira, com a falta de honestidade em se assumir responsabilidades e atitudes"; "Foi horrível. Confiava muito nele, gostava muito, me senti sem chão, vazia, suja, mas principalmente enganada, como se eu tivesse vivido três anos em um conto de fadas que de repente deixou de fazer sentido, como num sonho quando você acorda e vê que nada daquilo foi verdade. Não senti raiva, nem ódio, nada parecido. Senti mágoa, decepção, tristeza, insegura em relação a como voltar a confiar em alguém, já que passei três anos e meio achando que conhecia uma pessoa que, na verdade, eu não fazia a mínima ideia de quem era"; "Desvalorizado"; "Rejeitada, desrespeitada e vulgarizada pelo meu companheiro". Como se pode perceber, o cônjuge que é vítima da traição do parceiro sofre com esse comportamento e, por vezes, até se sente culpado pela atitude do parceiro. Esse dado confirma a literatura citada anteriormente, que descreve que a infidelidade pode fazer com que o cônjuge se sinta desvalorizado, traído ou humilhado (Pittman, 1994).

Além disso, houve diferença estatisticamente significativa no que diz respeito ao compromisso de exclusividade entre os parceiros (P = 0,003; x² = 14,076). Do total, 61,7% relatam ter um compromisso de exclusividade (RAMI = 41%; RAP = 81%), 16% não têm (RAMI = 23,1%; RAP = 9,5%) e 21% nunca conversaram sobre o assunto (RAMI = 33,3%; RAP = 9,5%). Pode-se verificar que os usuários em relacionamentos presenciais, em sua grande maioria (81%), mantêm um contrato de exclusividade, enquanto que os que estão em um relacionamento mediado se distribuem de forma mais homogênea entre as três situações: ter um contrato de exclusividade (41%), não ter (23,1%) ou nunca ter conversado (33,3%). Segundo Parker e Wampler (2003), cada pessoa tem uma definição própria do que significa ser infiel no relacionamento, e isso pode ser o resultado dos casais não discutirem seu contrato conjugal, o que ocorre com ainda maior frequência nos relacionamentos mediados pela Internet. Conforme evidencia Bauman (2004), nas relações mediadas pela Internet, não existe o estabelecimento claro de compromisso, sendo mais fácil entrar e sair desse tipo de relação. Nesse sentido, pode-se compreender que os relacionamentos mediados pela Internet sejam menos rígidos quanto ao estabelecimento do contrato, uma vez que podem esperar o encontro presencial para definir o status do seu relacionamento, bem como para discutir pessoalmente as questões do contrato conjugal.

Quando questionados se estimulavam que as pessoas os paquerassem, mesmo que estivessem em um relacionamento, o mesmo percentual de 27,5% (n = 11) de ambos os grupos responderam que sim, justificando: "Nunca podemos dispensar de cara todas as possibilidades"; "Gosto de me sentir desejada"; "Acho que olhar, achar outra pessoa bonita e demonstrar interesse faz bem para o ego"; "Acredito que flertar seja apenas uma interação social, uma brincadeira de insinuações. Muitas vezes, a pessoa está ciente do meu relacionamento, e vice-versa, não há quebra de limites, apenas conversas". Esses dados corroboram os postulados de Baumeister e Leary (1995), que descrevem que o ser humano tem uma necessidade de se conectar com os outros, pois isso seria fundamental para a motivação humana. Ainda com relação ao assunto, 58,5% (n = 24) dos participantes dos RAMI consideram infidelidade permitir que as pessoas os paquerassem, contra 36,6% (n = 15) dos RAP, apresentando uma diferença estatística significativa (p = 0,047, x² = 3,961) na comparação dos grupos. Esse resultado evidencia que as intenções para flertar parecem ser mais consideradas nos relacionamentos mediados do que os fatos em si, podendo impactar mais a predisposição para a ocorrência da infidelidade do que, como verificado em outras questões, atitudes mais específicas de contato físico com outras pessoas, quando não intencionalmente relacionadas à traição do companheiro (McKenna, Green & Gleason, 2002).

Encontrou-se diferença significativa entre os grupos (p = 0,016; x² = 5,760) com relação à afirmação "Mantenho contatos virtuais, através de bate-papo, envio de e-mails, mensagens on-line e outros, com outra pessoa que não seja o parceiro, pois tenho interesse além de amizade com essa pessoa". Dos participantes que estavam em um relacionamento mediado pela Internet, 46,3% (n = 19) responderam que sim, em comparação com apenas 21,4% (n = 9) dos relacionamentos presenciais. Foram questionados, ainda, se consideravam infidelidade manter contatos virtuais, por meio de bate-papo, envio de e-mails, mensagens on-line e outros, para ter algo além de amizade com essa pessoa, e 70% do RAMI e 83,3% do RAP responderam que sim, não havendo diferença significativa entre os grupos (p = 0,153; x² = 2,046). Pode-se pensar que a maioria dos participantes considera esse comportamento como infidelidade, porque têm a convicção, ressaltada por Joinson (1998), de que a Internet permite que as pessoas se conectem de maneira profunda e direta, sem muita inibição, comunicando seus desejos, fantasias, atitudes e objetivos de forma clara, o que talvez, inclusive, seja mais difícil em paqueras presenciais.

Os participantes ainda foram questionados se considerariam infidelidade se descobrissem que o companheiro estivesse mantendo um relacionamento com outra pessoa pela Internet. Dentre eles, 75,6% (n = 31) dos RAMI e 88,1% (n = 37) dos RAP responderam que sim, não sendo observada diferença estatística significativa entre os grupos (p = 0,139; x² = 2,184). Foi solicitado que justificassem sua resposta, e os dados encontram-se na tabela a seguir.

 

 

As justificativas foram: envolvimento emocional ("Porque está demonstrando o mesmo sentimento que demonstra a mim, só que por outra pessoa"; "Pois há um afeto ligado a esse relacionamento"), existe a intenção de trair ("Interessar-se amorosamente por outra pessoa é infidelidade"; "Porque existe a intenção"), falta de respeito, comprometimento e quebra de confiança ("Falta de respeito é traição"; "Compromisso não tem barreira, então não aceitaria esse tipo de atitude"; "Porque estaria traindo a confiança que depositei"), envolvimento é igual apesar da ausência física ("Mesmo longe, continua sendo infidelidade"; "Porque, para uma pessoa ser infiel, não precisa ter contato físico com outra"). Os que discordam de que seja traição justificam pela necessidade de contato físico ("Se não tem o contato físico, não acho que seja traição"; "Desde que não exista contato físico, não é infidelidade").

Quando se fala em infidelidade relacionada à Internet, pesquisas apontam que ela é rotulada em emocional e, ou, sexual (Hackathorn, 2009; Henline, Lamke, & Howard, 2007; Whitty, 2003). Yarab e Allgeier (1998) descrevem que a exclusividade emocional é tão importante quanto a exclusividade sexual, por considerarem que a infidelidade emocional pode ser tão perturbadora quanto a traição sexual, pois a emocional é compreendida principalmente pelo apaixonar-se por outra pessoa. Questionados se existiria diferença se a infidelidade ocorresse pela Internet ou no contexto presencial, não se encontrou diferença significativa entre os grupos (p = 0,44, x² = 1,627). Do total, 33,3% dos participantes acreditam que exista diferença (RAMI = 18,7; RAP = 14,7%), 34,7% não acreditam que exista diferença entre a infidelidade cometida presencialmente ou pela Internet (RAMI = 13,3%; RAP = 21,3%) e 32% acreditam que, independente de ser diferente ou não, é infidelidade (RAMI = 16%; RAP = 16%). Nesse sentido, na opinião dos participantes, o que vai legitimar o ato da infidelidade é a intenção ou o comportamento infiel, independente do contexto em que ela ocorra, presencial ou pela Internet.

 

Considerações finais

O objetivo deste trabalho foi investigar as concepções de infidelidade de usuários de Internet que estavam em um relacionamento amoroso mediado e não mediado pelo computador. De acordo com os resultados deste estudo, pode-se observar que, para as pessoas que estão em um relacionamento amoroso presencial, a quebra de contrato, mantendo um relacionamento com outra pessoa, é o que preponderantemente define a infidelidade. Já nos relacionamentos amorosos mediados pela Internet, além da quebra de contrato, são pontuados aspectos como as mentiras e o desejo por outra pessoa, merecendo maior destaque questões relacionadas à intenção ou disponibilidade para trair. Dessa forma, em um relacionamento presencial, a possibilidade de desejo e fantasia não parece ser uma ameaça que exista na mesma proporção que no relacionamento mediado. Constatou-se, inclusive, que os participantes em relacionamentos mediados pontuam significativamente mais como infidelidade o fato de permitir que outras pessoas os paquerem.

Além disso, as pessoas que se relacionam amorosamente pela Internet mostraram-se mais infiéis que aquelas que se relacionam presencialmente, possivelmente confirmando o postulado de Bauman (2004) de que, em relacionamentos mediados pela Internet, não existe o estabelecimento claro de compromisso, sendo mais fácil entrar e especialmente sair desse tipo de relação, bastando apenas usar a tecla delete. Com relação aos participantes dos RAMI, menos da metade (41%) declarou ter um compromisso de exclusividade e 33,1% revelaram não ter nunca conversado sobre o assunto. Quando o casal não conversa sobre o contrato conjugal, ele não fica claro, abrindo margens para comportamentos infiéis, o que pode justificar uma maior presença da infidelidade nos relacionamentos mediados, uma vez que, nos relacionamentos presenciais, o contrato de exclusividade esteve presente em 81% dos casos.

Os principais motivos apontados para cometer a infidelidade conjugal não se diferenciaram significativamente entre os grupos, sendo destacados a curiosidade para experimentar outros relacionamentos, o desgaste, a carência, a falta de comprometimento, a antecipação de uma possível traição e a vingança. Do mesmo modo, os grupos avaliaram de forma semelhante situações relacionadas ao comportamento infiel, como flertar, beijar ou se relacionar com outra pessoa, além de ter relacionamento pela Internet ou acessar pornografia.

Considera-se que esses achados lançam luz sobre a temática da infidelidade em relacionamentos mediados e não mediados, possibilitando uma análise de aspectos que se assemelham ou se diferenciam entre os grupos. Contudo, ressalta-se como limitação do estudo o número de participantes, devido à dificuldade de identificação de casais que se disponibilizassem a participar da pesquisa e estivessem em um relacionamento exclusivamente mediado pela Internet. Ainda que sejam muito comuns na atualidade, em sua maioria, os relacionamentos se iniciam pela Internet, mas os parceiros buscam meios de viabilizar um encontro presencial em algum momento, o que foi considerado critério de exclusão neste estudo.

Muitos outros estudos são necessários para um maior entendimento dos relacionamentos que se desenvolvem nesse contexto, especialmente de natureza qualitativa, buscando uma maior compreensão sobre a dinâmica de funcionamento dos relacionamentos que se desenvolvem em contexto exclusivamente mediado pela Internet, como é firmado o contrato de relacionamento e que cláusulas são relevantes. Além disso, acredita-se que seja importante investigar como ocorrem as infidelidades pela Internet, quem são as pessoas que a praticam e de que maneira tais comportamentos têm influenciado as relações amorosas, sejam presenciais ou mediadas pela Internet.

 

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*Doutoranda e mestra em Psicologia Clínica pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). E-mail: krh.psi@gmail.com.
**Doutora em Psicologia Clínica, professora e coordenadora do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Unisinos. E-mail: dfalcke@unisinos.br.