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Psicologia em Revista

Print version ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.19 no.3 Belo Horizonte  2013

http://dx.doi.org/DOI-10.5752/P.1678-9563.2013v19n3p480 

ARTIGOS

DOI - 10.5752/P.1678-9563.2013v19n3p480

 

 

Trauma infantil e sua associação com transtornos do humor na vida adulta: uma revisão sistemática

 

Childhood trauma and its association with mood disorders in adulthood: a systematic review

 

Trauma infantil y su asociación con los trastornos del humor en la vida adulta: una revisión sistemática

 

 

Ângela Leggerini Figueiredo*; José Caetano Dell'aglio**; Thiago Loreto Silva***; Luciano Dias de Mattos Souza****; Irani Iracema de Lima Argimon*****

 

 


Resumo

Eventos estressores traumáticos na infância ocorrem comumente em situações de maus-tratos e estão associados a prejuízos psicológicos e a transtornos mentais, entre eles os transtornos do humor. Este estudo apresenta uma revisão sistemática da literatura visando a identificar achados que descrevam associações entre trauma na infância e transtornos do humor na vida adulta. Uma busca de palavras-chave foi realizada nas bases de dados Scielo, Web of Science, PsychInfo, LILACS e Pubmed. Dez artigos preencheram os critérios de inclusão estabelecidos. Todos os artigos encontrados apontavam relações significativas entre traumas na infância e diferentes tipos de transtornos do humor. Estudos mostram ainda que, nos casos em que há esse tipo de associação, também são encontradas comorbidades psiquiátricas, pior sintomatologia e prognóstico.

Palavras-chave: Transtornos do humor. Trauma na infância. Estudos de associação.


Abstract

Traumatic events, when occur in childhood, which commonly happen in situations of maltreatment, are associated with different types of psychological and mental disorders, among them, Mood Disorders. This study presents a systematic review of the literature, which aims to identify findings that describe associations between childhood trauma and Mood Disorders in adulthood. A search for key words was performed in the database: Scielo, Web of Science, PsychInfo, Pubmed and LILACS. Ten articles met the inclusion criteria established for the present study. All studies found indicated significant relationships between childhood trauma and different types of Mood Disorders. Studies also show that in cases in where there is this kind of association, are different psychiatric comorbidities, worse symptoms and prognosis.

Keywords: Mood disorders. Childhood trauma. Association studies.


Resumen

Eventos estresantes traumáticos en la infancia se producen comúnmente en situaciones de abuso y están asociados con daños psicológicos y trastornos mentales, entre ellos los trastornos del humor. Este estudio presenta una revisión sistemática de la literatura para identificar resultados que describan las asociaciones entre el trauma de la infancia y los trastornos del humor en la vida adulta. Una búsqueda de palabras clave se realizó en la base de datos: Scielo, Web of Science, PsychInfo, PubMed y LILACS. Diez artículos cumplieron con los criterios de inclusión establecidos. Todos los artículos encontrados indicaban relaciones significativas entre trauma infantil y los diferentes tipos de trastornos del humor. Los estudios también muestran que en los casos en los que hay este tipo de asociación, también aparecen co-morbidades psiquiátricas, peor sintomatología y pronóstico.

Palabras clave: Trastornos del humor. Trauma de la infancia. Estudios de asociación.


 

 

Introdução

Um dos temas mais inquietantes da atualidade é a etiologia dos transtornos mentais. Mais do que determinar causas, cada vez mais se busca encontrar quais fatores se associam e podem ser vistos como fatores preditivos de vulnerabilidade do indivíduo. Os motivos para essa inquietação podem ser muitos: desde a crescente preocupação com a prevenção em saúde, como a busca de estratégias mais eficazes na promoção desta.

Na última década, os transtornos do humor têm sido amplamente estudados e caracterizados por terem alta taxa de prevalência e severas consequências globais na vida do indivíduo. Autores como Angst (2002), Akiskal, Bourgeois, Angst, Post, Moller & Hirschfeld (2000) e Ghaemi (1998) têm se preocupado cada vez mais com o impacto dos transtornos do humor, tanto unipolares como bipolares. Tais autores descrevem que as consequências desses quadros se refletem tanto na vida afetiva (relação conjugal e entre pares), vida funcional (maior número de doenças físicas associadas) e ocupacional (desemprego e aposentadoria precoce) como no bem-estar e autoimagem.

Eventos estressores traumáticos, que podem ser definidos como eventos intensamente perturbadores em que a pessoa esteve envolvida direta ou indiretamente em situações ameaçadoras à vida ou consideradas catastróficas pelo indivíduo (Friedman, Resick, Bryant & Brewin, 2011), é um dos principais fatores associados ao desenvolvimento de transtornos mentais, como depressão e transtorno de estresse pós-traumático (Ozer, Lipzey & Weiss, 2003). Alguns eventos específicos, quando ocorridos na infância, como o abuso sexual, estão fortemente associados ao surgimento de patologias como o transtorno de personalidade borderline (Linehan, 2010). Canals (2011) mostra a relação entre transtornos do humor e satisfação conjugal, chegando à associação entre os transtornos e a insatisfação.

Segundo Pires e Miyazaki (2005), os maus-tratos na infância são motivo de preocupação crescente em nosso País. Essas autoras dividem os maus-tratos da seguinte forma: negligência, física, educacional, emocional, abandono, sevícias ou abuso físico, abuso psicológico e abuso sexual. Essas situações, segundo as autoras, são a primeira causa de morte na faixa etária de 5 a 19 anos, o que acaba evidenciando que, no Brasil, as crianças morrem mais por maus-tratos do que de por doenças físicas. Esses dados aparecem de forma impactante, levando em conta que, além da mortalidade, a maioria dos autores que trabalha com trauma e maus-tratos refere que essas situações estão estreitamente relacionadas a sintomas e transtornos mentais na vida adulta. Portanto indicam que o trauma na infância acarreta sérias consequências tanto na vida do indivíduo como para a sociedade como um todo.

Nesse sentido, o trauma na infância tem sido indicado como fator associado a transtornos do humor (Alloy, Abramson, Smith, Gibb & Neeren, 2006). Ainda, se o trauma na infância está associado a uma história familiar positiva de transtorno do humor, as chances de desenvolvimento se tornam maiores. Portanto existe uma necessidade de estudar-se a prevalência desses transtornos na população em geral, pois adultos com sintomas de humor têm maior probabilidade de negligenciar sua prole por consequência destes (Beard, Galea & Vlahov, 2008).

Mesmo que diferentes estudos já apontem para uma relação entre trauma na infância e transtornos do humor, ainda se carece de estudos que elucidem as minúcias e consequências que se desencadeiam a partir desta associação e quais a implicações desta (Heim & Nemeroff, 2001). Além disso, muito pouco ainda é sabido a respeito de quais outros fatores podem ser agravantes, mantenedores nos casos em que transtornos do humor estão associados a trauma na infância. Com base nesse contexto, este estudo consiste em uma revisão sistemática da literatura, tendo como objetivo verificar, na literatura atual, quais são as principais associações descritas entre trauma na infância e transtornos de humor.

 

Método

Este estudo é uma revisão sistemática da literatura. Segundo Atallah e Castro (1998), esse tipo de revisão é uma forma atual de levantar e avaliar, de forma simultânea, dados recentemente publicados. Segundo esses autores, é uma forma completa, precisa, portanto possível de ser reproduzida e que, por tais características, torna-se cientificamente relevante.

Tais autores descrevem ainda o passo a passo necessário para uma revisão sistemática no modelo Cochrane: definição de tema; definição de palavraschave ou de busca; definição de bases de dados a serem consultadas; definição do intervalo de tempo que será pesquisado; definição dos dados importantes a serem investigados e relacionados; fatores de inclusão e exclusão dos artigos encontrados; seleção dos artigos; organização de um quadro que sistematize os resultados; por fim, a discussão dos resultados encontrados. Este foi o modelo usado nesta revisão:

    a) definição do tema: o tema foi definido com base no interesse em verificar se a literatura atual aponta associação entre trauma na infância e transtornos do humor na vida adulta. O tema em questão é de extrema relevância para entendimento da intersecção de dois fenômenos muito presentes na prática clínica e, a partir deste, o posterior, apontamento para estratégias de intervenção e prevenção;

    b) definição de palavras-chave ou de busca: para a busca, foram definidas as seguintes palavras-chave, com o intuito de encontrar o maior número de artigos sobre o tema: transtornos do humor OR transtornos afetivos AND trauma na infância OR negligência na infância AND associação OR estudos associativos (mood disorders OR affective disorders AND childhood trauma OR neglect in childhood AND association OR association studies);

    c) definição de bases de dados: optou-se por pesquisar nas bases mais relevantes da área da Psicologia e Psiquiatria. Foram usadas as bases Scielo, Web of Science, PsychInfo, LILACS, Pubmed e Medline;

    d) definição dos dados importantes a serem investigados: os principais dados buscados foram os fatores associados entre ambos os fenômenos, quem realizou o estudo, local do estudo/ revista, número de amostral do estudo, data de realização do estudo, associação com variáveis independentes, como idade, gênero, nível socioeconômico da amostra, método usado no estudo, instrumentos empregados no estudo e resultados mais significativos;

    e) definição do intervalo de tempo a ser pesquisado: optou-se por buscar do ano de 2000 a março de 2011, para obterem-se dados atualizados até a realização desta revisão;

    f ) fatores de inclusão e exclusão:

    • inclusão: como fatores de inclusão, consideramos artigos quantitativos; com delineamento transversal ou coorte; que incluíssem alguma entrevista ou instrumento diagnóstico; tratar de algum transtorno do humor e de algum trauma (abuso físico, sexual ou emocional e negligência física ou emocional) na infância; ter sido publicado no período estabelecido (2000- 2011);

    • exclusão: serem artigos de revisão de literatura; tratarem de outros transtornos psiquiátricos; tratarem de outros domínios do trauma na infância; estarem fora do período determinado; estudos que verificassem a eficácia de alguma intervenção; estudos de análise de dados realizada qualitativamente.

Resultados e discussão

A partir das buscas nas bases de dados, foram encontrados inicialmente 123 artigos. Com os critérios de inclusão e exclusão, foram selecionados 10 estudos que serão descritos a seguir.

No que se refere aos estudos que foram excluídos: 25 se tratavam de estudos de validação de instrumentos para um dos transtornos escolhidos, 31 se tratavam de estudos de intervenção, 53 buscavam a associação entre um dos transtornos desejados e outra comorbidade, como transtornos de ansiedade ou personalidade, 4 eram revisões sistemáticas ou metanálises.

Iniciou-se a discussão dos resultados por meio de uma tabela que sintetiza descritivamente os artigos utilizados. Vide Quadro 1.

 

 

 

Os artigos encontrados utilizaram diferentes formas de avaliar e de identificar transtornos de humor e trauma na infância. A maioria usa dados sociodemográficos e um ou mais instrumentos de autorrelato. Segundo Lima, Tassi, Novo e Mari (2005), os estudos epidemiológicos, em geral, são delineados de duas formas: transversais ou de coorte. Os transversais têm a vantagem de não apresentarem perda amostral significativa e rapidamente identificar fatores associados aos "novos" e "antigos" casos em determinada população. Porém parecem ser menos sensíveis às particularidades de cada indivíduo. Os estudos encontrados nesta revisão são, em sua grande maioria, transversais. Outro fator referido pelos autores é que, a maioria desse tipo de estudo opta por instrumentos de autorrelato, pois demandam menos habilidade dos aplicadores e são aplicados em tempo menor. Tal realidade, também, foi encontrada nos estudos selecionados.

Por outro lado, os estudos de coorte apresentam maior sensibilidade para detectar particularidades, principalmente por acompanhar os indivíduos por mais tempo. Porém, muitas vezes, são menos específicos na detecção de fatores associados. A vantagem desse delineamento é a possibilidade de detecção das incidências dos transtornos em questão. Na revisão acima, encontrou-se apenas dois estudos de coorte.

Quanto aos instrumentos usados nos artigos selecionados, percebese uma variedade entre entrevistas diagnósticas, registros e, mais frequentemente, instrumentos de autorrelato. Em geral, estudos com esse tipo de instrumento servem para caracterizar e nortear estratégias de prevenção e intervenção.

Todos os estudos encontraram alguma relação estatística significante entre algum tipo de maus-tratos na infância e transtornos do humor na vida adulta, independente do teste ou método utilizado. Um dos artigos investigou a prevalência de maus-tratos infantis em mulheres usuárias do serviço primário de saúde americano (Duran, Malcoe, Sanders, Waitzkin, Skipper. & Yager, 2004). Esse estudo identificou que de três a cada quatro das mulheres haviam sofrido algum tipo de maus-tratos, e mesmo que o transtorno mais associado fosse o transtorno de estresse pós-traumático, também se encontrou relação com os transtornos do humor (76.5%; 95% CI = 70.4, 81.7). Outro estudo que corrobora esse achado aponta que pacientes com transtornos do humor tentem a reportar, em média, ao menos três diferentes tipos de maus-tratos na infância (57,1%; p <0,008) (Weil et al., 2004).

Dos estudos de coorte revisados, o estudo de Cutajar, Mullen, Ogloff, Thomas, Wells & Spataro (2010) aponta que maus-tratos estão associados a transtornos afetivos (OR=2.07 CI-1.59–2.70, p < 0.001) e que, nesses casos, essa relação aumenta quanto mais recente na infância for a situação traumática. Outro estudo de coorte revisado apontou que, em populações clínicas, os maus-tratos estão associados a maiores índices de recaídas no caso do humor depressivo (β=-0.339;t=5.02; OR=1.40; 95% CI 1.04–1.89, p=0.25) (Gopinath, Katon, Russo, & Ludman, 2006).

Em relação ao abuso sexual infantil, estudo de Hills, Davis, Byatt, Burnside, Rollinson & Fear (2006), realizando uma análise de regressão, concluiu que poucos cuidados parentais foi o único preditor para transtornos depressivos, sendo o abuso sexual um fator que aumentaria o risco para o desenvolvimento de psicopatologia apenas na presença desse preditor (P < 0.0001, OR 2.41 95% CI 1.64–3.54). Em contrapartida, outro estudo encontrou que o abuso sexual é o fator que está mais associado ao humor depressivo (X2= 10.893, P = 0.001), mesmo que o indivíduo tenha vivenciado outros tipos de maus-tratos (Carey, Walker, Rossouw, Seedat & Stein, 2008). Assim, futuros estudos são necessários para levantar indicativos mais precisos acerca do papel do abuso sexual em relação a outros tipos de maus-tratos no desenvolvimento de humor depressivo.

O humor depressivo também esteve associado a maus-tratos físicos em um dos estudos revisados (Ibarra-Alcantar, Ortiz-Guzman, Alvarado- Cruz, Graciano-Morales & Jimenez-Genchi, 2010). Esse estudo aponta que indivíduos com transtorno distímico também apresentavam as mesmas chances de terem sofrido maus-tratos do tipo físico, ainda que, nos sujeitos deprimidos, os maus-tratos eram mais severos (4.88 [DE 4.81] vs. 3.18 [DE 3.10]; t=1.8, gl 78, p= 07).

Dos fatores associados que se mostram mais ressaltados, podemos citar: cuidados parentais insuficientes, histórico de doença mental na família, trauma (abuso físico, sexual, emocional ou negligência física ou emocional) e abuso sexual na infância (este sendo apontado como grande fator predisponente de psicopatologia na vida adulta). Isso corrobora os achados de Tucci (2005), que coloca que a negligência infantil aparece mais vezes em familiares de dependentes químicos.

Quando falamos em maus-tratos na infância, estima-se que é um fator de risco muito importante para a presença de transtorno mental na vida adulta (Ibarra-Alcantar et al., 2010). Todos os artigos selecionados corroboram a mesma afirmativa, salientando ainda que esses traumas fazem com que o indivíduo desenvolva uma capacidade diminuída de identificação e controle de humor. Assim, reforça-se a ideia de que o trauma na infância torna o indivíduo vulnerável, de maneira geral, na vida adulta (Monteiro, 2010). O trauma pode ser uma marca para toda vida, tanto no desenvolvimento psicológico como no biológico e neuropsicológico do indivíduo. Nesse sentido, aponta-se ainda para a associação com déficits cognitivos e de memória a partir de um trauma infantil (Grassi-Oliveira, Stein & Pezzi, 2006). Ainda, quando existe trauma na infância, as estratégias de enfrentamento e regulação do humor ficam prejudicadas (Pfeiffer, Kaemmerer, Mearns, Catanzaro & Backenstrass, 2011).

Alloy et al. (2006) descreve que indivíduos com transtorno de humor bipolar I, com histórico de maus-tratos, têm uma versão agravada do seu transtorno de humor. Esses dados corroboram achados que apontam para uma possível associação entre episódios de mania com casos de violência infantil (Zavaschi, Graeff, Menegassi, Mardini, Pires, Carvalho et al., 2006). Nos casos de violência doméstica infantil, os transtornos mais comumente associados são os de conduta e antissocial, assim, frisase a necessidade de realizar um diagnóstico diferencial destes com um episódio maníaco (Bordin & Offord, 2000).

O número amostral dos estudos apresentou-se muito variado e irregular, sendo algumas pesquisas em população clínica (a maioria) e outras em população geral. Três dos dez estudos foram realizados com população unicamente feminina. Tal fato reforça a sempre citada dificuldade de realizar pesquisa populacional, principalmente quando nos referimos ao custo desse delineamento. Lima et al. (2005) trazem ainda um histórico, concernente ao Brasil, de desvalorização de pesquisas epidemiológicas. O que em nada retrata sua real importância para estabelecer medidas de intervenção e prevenção.

Em três dos estudos revisados, o abuso sexual aparece como o evento traumático associado a diferentes psicopatologias e a transtornos de humor, principalmente transtorno distímico e depressivo (Hills et al., 2000; Cutajar et al., 2010; Ibarra-Alcantar et al., 2010). Esses achados parecem coincidir com os de Beard et al. (2008), que afirmam que o trauma na infância é um dos principais fatores etiológicos para o transtorno de humor, principalmente o depressivo.

A respeito da temática do abuso sexual, Kendall-Tackett, Williams e Finkelhor (1993) realizaram uma revisão de 45 estudos que tratavam do tema, verificando um amplo espectro de sintomas e dificuldades de desenvolvimento a partir deste fenômeno. Com isso, criticam a chamada "síndrome da criança abusada", já que uma variedade de sintomas pode ser expressa pela vítima sem que nenhum seja identificado como fator patognomônico. Esses autores referem que, revisando achados de outros estudos, colabora-se nas decisões para tratamento e identificação de fatores associados, os quais favorecem estratégias de intervenção precoce e prevenção, podendo, assim, ter maior possibilidade de um melhor prognóstico.

Assim, é reforçada a importância de clínicos se aterem ao histórico da criança por diferentes fontes e relatos. Quando adultos, no contexto de pesquisa, a escala Childhood Trauma Questionnaire (CTQ) têm sido bastante utilizada para avaliar todos os tipos de maus-tratos, inclusive o sexual (Grassi-Oliveira et al., 2006). No contexto clínico, o uso de escalas como essa também pode ser útil, inclusive se aliada a uma anamnese minuciosa acerca do histórico de vida do indivíduo. Em casos de sujeitos que apresentam transtornos do humor, tal avaliação pode ser um fator importante para o diagnóstico, um prognóstico preciso, e para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas mais precisas e eficazes.

 

Conclusão

Por esta revisão, constatou-se que, quanto à associação entre trauma na infância e transtornos do humor, todos os autores a trazem como existente e importante. A maioria aponta também para a relação com outros transtornos mentais da vida adulta, como os de ansiedade e abusos de substâncias, por exemplo.

Apesar de haver poucos estudos de uma maneira geral que apontem para relações específicas entre tipos de maus-tratos e alguns transtornos pouco explorados (como distimia, ciclotimia), o que fica evidente nesta revisão é a inexistência, ou a escassez, de estudos desse estilo descrevendo a realidade brasileira. Ao longo de toda a revisão, buscou-se encontrar algo equivalente realizado no Brasil.

Encontraram-se algumas publicações que descreviam o trauma na infância, como em Pires e Miyazaki (2005), porém se tratavam de revisões da literatura ou relato histórico do fenômeno. Estudos epidemiológicos no Brasil não foram encontrados quando nos referimos a traumas psicológicos.

Quando se buscou a associação entre trauma e transtornos do humor, encontraram-se artigos de caso controle, que relacionam um grupo clínico (que sofreu abuso sexual ou físico) a um grupo controle (sem indícios de abuso), como é o artigo de pesquisadores gaúchos transtornos do humor no adulto e trauma psicológico na infância, que verifica tal associação com o delineamento descrito (Zavaschi et al. 2006).

Verificaram-se, ainda, artigos como transtornos de humor e de ansiedade comórbidos em vítimas de violência com transtorno do estresse pós-traumático (Quarantini, Netto, Andrade-Nascimento, Almeida, Sampaio, Scippa et al., 2009), mas estes, no entanto, relatam revisão de literatura em bases atuais.

A partir da revisão de literatura, o que fica evidente é que os estudos analíticos descritivos, que são muito realizados nos Estados Unidos, por exemplo, ainda são pouco realizados na realidade brasileira. Entre os fatores que influenciam no número baixo desses estudos está a falta de registros uniformes em nossa realidade e as poucas condições financeiras para esse tipo de pesquisa.

Apesar dessas dificuldades, salienta-se a importância desse tipo de trabalho, levando-se em conta a realidade que vivemos no Brasil, onde o trauma na infância ainda é uma questão tabu, apesar de claramente presente. Existe um movimento significativo, desde 1990, quando se criou o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), o qual visa a resguardar e garantir os direitos da criança e do adolescente. Apesar dessa elaboração, a implantação se dá de forma gradual, e quanto mais pudermos contribuir para a aceleração desse processo, mais garantiremos tais direitos.

Segundo a maioria dos autores descritos acima, o trauma na infância é estreitamente relacionado com o desenvolvimento de psicopatologia na vida adulta. Seguindo essa premissa, podemos inferir que esse tipo de estudo é fundamental para criação de novas estratégias de prevenção (principalmente de conhecimentos que sirvam para evitarmos esses fenômenos tão prejudiciais ao desenvolvimento e bem-estar dos indivíduos) e intervenção.

Por fim, é importante ressaltar a necessidade desses estudos na população brasileira, pois não foi encontrado nenhum com tal descrição. Na ausência de tais estudos, a organização e desenvolvimento de políticas de prevenção e intervenção se tornam difíceis.

 

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*Doutora e mestre em Psicologia Clínica pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), professora da Faculdade de Psicologia (Fapsi) da Psicologia na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), psicóloga especialista em Psicoterapias Cognitivo-Comportamentais. E-mail:angelalfig@gmail.com.
**Doutorando em Psicologia na PUC-RS, mestre em Farmacologia pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), especialista em Psicoterapias Cognitivo-Comportamentais, professor do Curso de Especialização em Psicoterapias Cognitivo-Comportamentais a Distância PUC-RS, médico psiquiatra. E-mail:caedell@me.com.
***Graduando em Psicologia na PUC-RS. E-mail:thiagoloreto@hotmail.com.
****Doutor em Psicologia pela PUC-RS, mestre em Saúde e Comportamento pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel), especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental, docente permanente do Curso de Pós-graduação em Saúde e Comportamento da UCPel e do Curso de Graduação em Psicologia, psicólogo pela UCPel. E-mail:luciano.dms@gmail.com.
*****Doutora em Psicologia, mestra em Educação, especialista em Toxicologia Aplicada, graduada em Psicologia (PUC-RS), coordenadora do Grupo de Pesquisa Avaliação e Intervenção no Ciclo Vital, do Programa de Pós-graduação em Psicologia da PUC-RS, professora dos cursos de Graduação e de Pós-graduação em Psicologia da PUC-RS. E-mail:grupoirani@gmail.com.