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Psicologia em Revista

versão impressa ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.19 no.3 Belo Horizonte  2013

http://dx.doi.org/DOI-10.5752/P.1678-9563.2013v19n3p497 

ARTIGOS

DOI - 10.5752/P.1678-9563.2013v19n3p497

 

 

Sucesso na transição universidade-trabalho: expectativas de universitários formandos

 

University-to-work transition: expectations of university graduates

 

El éxito en la transición universidad-trabajo: las expectativas de los graduados universitarios

 

 

Marina Cardoso de Oliveira*; Vitor Corrêa Detomini**; Lucy Leal Melo-Silva***

 

 


Resumo

O objetivo deste estudo foi descrever as expectativas de universitários formandos sobre o sucesso na transição universidade-trabalho e os fatores que contribuem para o sucesso. A amostra foi composta por 46 estudantes do último ano da graduação dos cursos de Psicologia (N=21) e Administração (N=25). Como instrumento, foi aplicado um questionário contendo dados socioeducacionais, além de três perguntas abertas sobre sucesso na transição universidade-trabalho. Os dados foram analisados por meio da análise de conteúdo. Os resultados refletem uma multiplicidade de expectativas e de sentidos atribuídos ao sucesso na transição universidade-trabalho, que foi descrito tanto por indicadores objetivos quanto subjetivos. Ainda, os graduandos atribuem o sucesso na transição como sendo decorrentes tanto de características individuais quanto dos contextos social, educacional e político. Confirma-se, portanto, a tendência das teorias de carreira, que discutem a necessidade de incluir nos modelos explicativos da Psicologia vocacional tanto variáveis individuais quanto contextuais.

Palavras-chave: Universitários. Sucesso. Transição universidade-trabalho.


Abstract

This study's aim is to describe the expectations of undergraduate students concerning the definition of success on the transition from the university to work as well the factor or factors contributing to this process. The sample was composed of 46 students studying in the last year/ period of the undergraduate courses in Psychology (N= 21) and Administration (N= 25). A questionnaire containing socio-educational data and three open-ended questions concerning the successful transition from the university to work was applied as an instrument. The data was analyzed using content analysis. In general, the results indicate that the students use both objective and subjective criteria to define success in this transition, although the objective criteria of success outweighed the subjective. Further, graduates attribute success in the transition being due to both individual characteristics and their social, educational and political context.

Keywords: Undergraduate students. Success. University-work transition.


Resumen

El objetivo de este estudio fue describir las expectativas de universitarios graduados sobre el éxito en la transición universidad-trabajo y los factores que contribuyen a dicho éxito. La muestra estaba formada por 46 estudiantes del último año de graduación de Psicología (N=21) y Administración (N=25). El instrumento aplicado fue un cuestionario que contenía datos socio-educativos y tres preguntas abiertas sobre el éxito en la transición universidad-trabajo. Los datos fueron analizados por medio del análisis de contenido. Los resultados reflejan una multiplicidad en las expectativas y sentidos atribuidos al éxito en la transición universidadtrabajo, que fue descrito tanto por factores objetivos como subjetivos. Además, los graduandos atribuyen el éxito en la transición como siendo consecuencias tanto de características individuales como del contexto social, educacional y político. Se confirma así una tendencia de las teorías de carrera, que discuten la necesidad de incluir en los modelos explicativos de la Psicología vocacional tanto variables individuales como contextuales.

Palabras clave: Universitarios. Éxito. Transición universidad-trabajo.


 

 

Introdução

Atualmente, no Brasil, observa-se uma forte expansão da oferta e da democratização do acesso e da permanência no ensino superior. De acordo com o Censo da Educação Superior, o número de matrículas, nos cursos de graduação, aumentou em 110,1% de 2001 a 2010 (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2011). Em 2011, registrou-se um total de 6 739 689 alunos matriculados no ensino superior brasileiro (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2013).

Os motivos dessa expansão podem estar associados, por um lado, ao crescimento econômico alcançado pelo Brasil nos últimos anos, o que requer dos profissionais um perfil mais especializado e, por outro, ao aumento de instituições de ensino superior (IES) e, consequentemente, do número de vagas. Agregam-se a tais motivos as políticas públicas de incentivo ao acesso e à permanência na educação superior, por meio de programas como o Financiamento Estudantil (Fies) e Programa Universidade para Todos (Prouni) e o aumento da oferta de vagas na rede federal, via abertura de novos campi de IES, bem como a interiorização de universidades já existentes (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2011).

Se, por um lado, têm-se dados animadores sobre o acesso ao ensino superior no País, por outro, em pesquisa realizada pelo Observatório Universitário, constatou-se que 539 dos universitários que se formam no Brasil atuam em áreas diferentes da sua formação (Nunes, 2012). Os dados apresentados indicam que a obtenção de um diploma de curso superior não garante o ingresso do recém-formado no mercado de trabalho em sua área de formação.

Esses dados trazem alguns questionamentos. Quais são as expectativas de quem ingressa em um curso superior no Brasil? Quais são os sentidos atribuídos ao sucesso na transição universidade-trabalho? Tais questões precisam ser problematizadas e discutidas no intuito de construir conhecimentos que possam preparar e orientar os universitários brasileiros no processo de transição universidade-trabalho.

Oliveira e Coleta (2008), e Teixeira e Gomes (2004) apontam que o sistema educacional brasileiro, em especial o das universidades, não oferece suporte suficiente aos estudantes no que se refere ao desenvolvimento de carreira e à preparação para a transição universidade-trabalho. Com isso, torna-se necessária a ampliação dos conhecimentos que possam subsidiar as práticas que visam a orientar os universitários, para que estes consigam fazer uma transição bem-sucedida do sistema educacional para o sistema produtivo, haja vista as implicações dessa etapa da carreira para o desenvolvimento pessoal e profissional subsequente.

 

Sucesso na transição universidade-trabalho

A transição da escola para o trabalho (school-to-work transition) tem sido um tema de interesse cada vez maior entre os pesquisadores e teóricos do desenvolvimento de carreira (Quishida & Casado, 2009; Tinsley, 1995; Vieira, 2008). Pesquisadores que se dedicam às questões do desenvolvimento de carreira, em conjunto com representantes de governos e organizações, têm buscado compreender e propor estratégias que facilitem o sucesso na transição escola-trabalho.

No entanto pouca atenção tem sido dada à transição universidade-trabalho se comparada aos estudos sobre a transição dos estudantes que não cursaram o ensino superior, denominados na literatura de "non college-bound" (Lent & Worthington, 1999; Teixeira & Gomes, 2004). Por outro lado, observa-se um crescente interesse de pesquisadores brasileiros em estudar a população universitária e suas experiências no processo de transição universidadetrabalho (Oliveira, 2011; Santos, Mognon & Joly, 2011; Teixeira, 2002; Teixeira & Gomes, 2004).

Em um nível elementar, a transição escola-trabalho é entendida como o período no qual o indivíduo se desvincula do sistema educacional (ensino médio ou ensino superior) e inicia suas atividades de trabalho (Swanson & Fouad, 1999; Ng & Feldman, 2007). Segundo Ng e Feldman (2007), essa transição é a primeira grande adaptação que o jovem adulto deverá fazer em sua carreira. Segundo Perron, Corbière, Coallier e Cloutier (2006), esse é um período de conclusão e início, quando o estudante finaliza sua graduação e começa uma nova fase da vida, com novos desafios.

Nessa direção, a literatura sobre carreira aponta esse período como uma das principais transições que os jovens enfrentarão em decorrência do seu desenvolvimento psicossocial, visto que traz consequências importantes para a consolidação de sua identidade pessoal e ocupacional e para a promoção do seu bem-estar (Maata, Nurmi & Majava, 2002; Nurmi & Salmela-Aro, 2002; Ng & Feldman, 2007). Além disso, é entendida como um processo dilatado no tempo, que começa antes mesmo da transição propriamente dita e continua até a adaptação ao mundo do trabalho (Savickas, 1999; Swanson & Fouad, 1999; Vieira, Maia & Coimbra, 2007; Vieira, Caires & Coimbra, 2011).

Assim, a transição do sistema educacional para o trabalho precisa ser compreendida como um processo entrelaçado a vários momentos interdependentes. Lent, Hackett e Brown (1999) enfatizam que em vez de compreendê-la como um evento que se inicia e finaliza imediatamente após a conclusão da educação, ela deve ser considerada como um processo que se desenvolve gradualmente durante os anos acadêmicos, estendendo-se pelo período de ajustamento ao trabalho e aos demais papéis sociais.

Nessa mesma linha de compreensão, Vieira, Caires & Coimbra (2011) descrevem o percurso formativo, a procura por atividade remunerada e a adaptação ao trabalho como sendo três grandes momentos que caracterizam a dinâmica do processo de transição universidade-trabalho. Os autores apontam que, antes do início do exercício profissional, é o percurso formativo que tende a agregar os investimentos vocacionais do sujeito. Quando opta por dar início à atividade profissional, o processo de busca por uma atividade remunerada ganha o foco dos investimentos. Após a conquista de uma posição profissional remunerada, a adaptação ao trabalho emerge usualmente como o marco mais significativo, no qual os indivíduos dedicam seus esforços. Uma vez que as movimentações entre os espaços formativos e laborais são cada vez mais constantes, é importante considerar a inter-relação entre os três momentos da carreira do recém-graduado.

A conclusão do curso universitário, para muitos jovens, não significa apenas a formação profissional e a inserção no mundo do trabalho; implica também a adoção de novos papéis sociais que possibilitem a independência financeira e familiar e a adoção de novos padrões de relacionamentos que possibilitarão a construção de uma família, ou seja, essa transição coincide tradicionalmente com o estabelecimento na vida adulta (Koivisto, Vuori, & Nykyri. 2007; Teixeira & Gomes, 2004).

A transição universidade-trabalho é um momento fecundo para o estabelecimento de novas metas profissionais, que implica no planejamento do futuro, na reavaliação das escolhas e das experiências, bem como uma antecipação do que está por vir em termos profissionais e pessoais. Nesse sentido, trata-se de um fenômeno que articula, por meio das narrativas, experiências passadas e expectativas para o futuro em um todo que carrega em si múltiplos significados (Teixeira, 2002; Teixeira & Gomes, 2004).

Wendlandt e Rochlen (2008) pontuam que a transição universidadetrabalho é um processo significativo da vida pessoal e profissional, porém difícil de ser vivenciado pela maioria dos universitários. O fim do curso universitário suscita uma ambivalência de sentimentos. Se, por um lado, os formandos se sentem felizes por superarem as dificuldades do caminho e vitoriosos pela conquista de um diploma de curso superior, por outro, sentem medo, apreensão e insegurança por não saberem o que encontrarão no futuro, se serão capazes de colocar em prática tudo o que aprenderam durante os anos de graduação. Além disso, o jovem experimenta uma confusão nos seus modelos de identificação, uma vez que a transição universidade-trabalho é um momento de antecipação e não de realização de projetos.

Nesse contexto, como pensar o sucesso na transição universidade-trabalho? No que diz respeito ao sucesso na carreira, Gunz e Heslin (2005) ressaltam que, desde o século XVI, o sucesso significa algo explicitamente positivo vinculado à realização de algo próspero ou de um desejo, com especial referência à riqueza ou posição social. No entanto, os autores ressaltam que, apesar desse aparente consenso na definição de sucesso na carreira, é preciso considerar a grande amplitude do significado desse conceito, uma vez que a percepção de sucesso varia entre as pessoas, imprimindo ao termo um caráter subjetivo. Por isso as pesquisas sobre o tema devem investigar tanto os fatores que levam ao sucesso e à sensação de prosperidade quanto a percepção de que um determinado resultado foi, de fato, próspero. Na vida profissional e na carreira, é fundamental saber como as pessoas avaliam seus resultados e como essas avaliações podem mudar ao longo do tempo.

A partir do final da década de 1980, observa-se que a evolução nas definições de carreira tem diferenciado duas perspectivas de análise do sucesso. A primeira delas se refere ao aspecto objetivo da carreira, enfocando o sucesso por meio de elementos facilmente observáveis e mensuráveis, tais como remuneração, promoções e status ocupacional. A segunda perspectiva traduz o sucesso por meio de aspectos subjetivos que refletem as percepções individuais sobre realizações profissionais e perspectivas futuras, e englobam critérios como satisfação no trabalho, realização profissional e reconhecimento (Dries, Pepermans & Carlier, 2008; Heslin, 2003; Vieira & Coimbra, 2006). Heslin (2003) sugere ainda a inclusão de um terceiro critério nas investigações sobre o sucesso na carreira, baseado na teoria da comparação social, proposta por Festinger (1954). O autor propõe a inclusão de critérios de sucesso que considerem a comparação com os pares.

Por outro lado, alguns pesquisadores, com base nas diferentes possibilidades de transição, diferenciam o sucesso. Por exemplo, Savickas (1999) diferencia seis tipos principais de transição, sendo três positivos (treinamento, experimentação e estabelecimento) e três negativos (flutuação, vacilação e estagnação). Maata, Nurmi & Majava (2002) e McVicar e Anyadike-Danes (2002) diferenciam três diferentes possibilidades de transição (conseguir emprego, desemprego e continuação dos estudos).

De acordo com a revisão da literatura feita por Vieira e Coimbra (2006), no que concerne especificamente às investigações acerca do sucesso na transição universidade-trabalho, os autores constatam que, em termos gerais, há predominância da inclusão de critérios de sucesso objetivo, tais como tempo para a obtenção do emprego, remuneração, tipo de vínculo laboral e adequação formação-função. Observam, ainda, a inclusão simultaneamente de critérios de sucesso objetivos e subjetivos. Dentre os critérios subjetivos mais encontrados nos estudos relatados, destacam-se a satisfação com o emprego, a realização profissional, a satisfação com o percurso e com a situação profissional atual, aprendizagem, adaptabilidade e reconhecimento.

Diante de um fenômeno complexo e multideterminado como o sucesso na carreira, Gunz e Heslin (2005) ressaltam a necessidade de os pesquisadores considerarem três questões básicas:

a) o que pode ser considerado sucesso? Nesse ponto, o pesquisador deverá refletir sobre os critérios que utiliza para definir o sucesso;

b) quem é o sujeito do sucesso? Ao se questionar sobre isso, o pesquisador deverá ter em mente que o sucesso é um fenômeno que sofre alterações no seu significado, por isso devem ser levadas em consideração as percepções de sucesso dos grupos envolvidos nas pesquisas, não sendo algo definido a priori pelo pesquisador;

c) Como medir e ponderar o sucesso? Em relação a essa questão, o pesquisador deverá preocupar-se com a construção de medidas válidas, bem como com a ponderação sobre qual valor ou avaliação feita com base nessa medida pode ser considerado sucesso.

Assim, o sucesso na carreira deve ser visto como um construto que assume sentidos diferentes para diferentes populações. Com base nas publicações da área, pode-se perceber uma multiplicidade de significados atribuídos ao sucesso na carreira, dependendo do indivíduo ou do subgrupo que o descreve. Desse modo, os pesquisadores da área devem se tornar cada vez mais conscientes de que o sucesso na carreira é uma construção social mais do que uma realidade objetiva, sendo compreendido como um conceito dinâmico ao invés de uma verdade estática, que sofre influência do contexto histórico e cultural, da fase do desenvolvimento de carreira e do nível socioeconômico dos indivíduos, podendo, assim, ser interpretado de diferentes maneiras (Dries, Pepermans & Carlier, 2008).

Em relação aos fatores determinantes do sucesso na carreira, vários estudos (Blustein, 1995; Goodwin & O'Connor, 2005; Lent & Worthington, 1999; McVicar e Anyadike-Danes, 2002; Swason & Fouad, 1999; Phillips, Blustein, Jobin-Davis & White, 2002; Ng & Feldman, 2007) defendem que, devido à natureza multideterminada do sucesso na transição universidade-trabalho, uma definição abrangente de sucesso nessa transição deve incluir variáveis psicológicas e contextuais. Entre as variáveis individuais/psicológicas, as mais citadas na literatura são as atitudes da maturidade de carreira (planejamento e exploração), autoeficácia, decisão de carreira, entre outras. Sobre as variáveis contextuais que exercem influencia na transição, Ng e Feldman (2007) reconhecem a importância das políticas e programas educacionais (oportunidades educacionais oferecidas, preparação e treinamentos), das políticas econômicas e governamentais (que se traduzem nas ofertas de trabalho/mercado de trabalho), das estratégias organizacionais (programas de trainee, estágios, socialização organizacional) e do networking (apoio da rede social).

Como descrever o sucesso na transição universidade-trabalho? Quais variáveis individuais, sociais e econômicas são percebidas como capazes de exercer influência no sucesso na carreira nos primeiros anos depois da conclusão da graduação? Heslin (2003) e Gunz e Heslin (2005) ressaltam que, de fato, pouca atenção tem sido dada à análise da natureza e à operacionalização do sucesso profissional. Vieira e Coimbra (2006) afirmam que a transição universidade-trabalho tem sido caracterizada pela ausência de uma definição clara de sucesso profissional inicial.

Cientes da importância desse período de transição para o ajustamento psicológico, social e econômico do recém-formado, que investiu esforços para uma formação de nível superior e tem expectativas em relação aos resultados da sua formação, investigar o sucesso na transição universidade-trabalho é um desafio atual que se coloca às universidades, aos gestores educacionais e aos pesquisadores do tema "desenvolvimento de carreira".

No Brasil, diante de um cenário de expansão e democratização do acesso ao ensino superior, observa-se a necessidade de estudos sobre o sucesso na transição universidade-trabalho. Inspirado em pesquisa realizada por Vieira e Coimbra (2006) com concluintes do ensino superior português, este estudo tem o objetivo de descrever as expectativas de universitários formandos sobre o sucesso na transição universidade-trabalho e sobre os fatores que contribuem para esse sucesso, buscando-se, assim, elencar alguns indicadores que possam servir de parâmetros para futuras investigações sobre o tema, sobretudo no contexto brasileiro, que está ampliando consideravelmente o número de universitários.

 

Método

Trata-se de uma pesquisa qualitativa de caráter descritivo. Segundo Turato (2005), a pesquisa qualitativa tem como finalidade buscar o significado dos fenômenos. Esses significados são partilhados culturalmente, organizando o grupo social do qual tais indivíduos fazem parte, em torno dessas representações e simbolismos. Para Moresi (2003), a pesquisa descritiva envolve a exposição de características de determinada população ou fenômeno. Pode-se também estabelecer correlações entre variáveis e definir sua natureza, no entanto não tem compromisso de explicar os fenômenos que descreve, embora sirva de base para tal explicação.

Participaram deste estudo universitários graduandos de um campus do interior, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), que foi criado em 2001. O campus está situado em uma cidade de pequeno porte (40 192 habitantes) e oferece três cursos de graduação: Administração, Psicologia e Matemática. Foram selecionados para esta investigação os dois primeiros cursos, uma vez que eles fazem parte do conjunto de carreiras universitárias com mais estudantes matriculados nos cursos de graduação oferecidos no país em 2011, conforme dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2012). Outro critério para a composição da amostra se refere à natureza dos cursos: bacharelado. Ao final, a amostra foi composta por 46 estudantes universitários, com média de 25 anos de idade (DP=5,0), do último ano da graduação dos cursos de Administração (N=25) e Psicologia (N=21).

Para a coleta de dados, inicialmente, o projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UFMS. Posteriormente, os universitários foram contatados por meio dos coordenadores e professores da Universidade. Após esse primeiro contato, foi feito o agendamento de data e horário mais convenientes, de modo a não causar prejuízos às atividades acadêmicas dos estudantes. A coleta de dados foi feita de forma coletiva em sala de aula. Aos universitários que decidiram participar foram explicados os objetivos da pesquisa e coletadas as assinaturas do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).

Foi aplicado um questionário contendo dados socioeducacionais (sexo, idade, curso, se o estudante trabalha, se o estudante planeja atuar na área de graduação) e três perguntas abertas, do tipo completar frases, sobre as expectativas1 dos formandos sobre o sucesso na transição universidade-trabalho, a saber: a) após um ano da minha graduação, eu estarei bem-sucedido se...; b) após três anos da minha graduação, eu estarei bem-sucedido se...; e c) na sua avaliação, cite cinco fatores que determinam o sucesso do recém-formado na transição da universidade para o mercado de trabalho...

As três frases visam a descrever o que é considerado sucesso para esses graduandos, bem como verificar se há diferenças entre as expectativas de sucesso após um e três anos de conclusão da graduação (perguntas a e b), e quais são os fatores que poderiam ser descritos como capazes de contribuir para o sucesso (pergunta c).

Para a análise dos dados, as respostas obtidas foram submetidas à análise de conteúdo tipo categórica, com base em Bardin (1977). Para a construção das categorias, as respostas dadas pelos sujeitos foram analisadas e comparadas com base nos indicadores de sucesso na carreira usados pela literatura da área. Para as duas primeiras questões, as respostas foram categorizadas, utilizando critérios objetivos e subjetivos de sucesso na transição universidadetrabalho, relatados por Vieira e Coimbra (2006). Os critérios objetivos foram subcategorizados da seguinte maneira: adequação formação-função (trabalhar na área da graduação); continuidade dos estudos (pós-graduação); conseguir emprego; vínculo laboral (tipo do contrato de trabalho); remuneração (independência econômica); crescimento (progressão); residir em grandes cidades; e estabilidade. Os critérios subjetivos foram subcategorizados em: congruência nas escolhas vocacionais (possibilidade de expressar sua personalidade/habilidades no ambiente de trabalho); oportunidade de aprender continuamente (um trabalho que permita aprender coisas novas); reconhecimento (de proficiência); satisfação (gostar do que faz); realização (ser bem-sucedido); maturidade de carreira (planejamento, exploração, tomada de decisão); exercer influência no trabalho; ter um bom balanço de vida pessoal e profissional.

Para a terceira questão, as respostas foram classificadas em variáveis individuais/psicológicas e variáveis de contexto, de acordo com Ng e Feldman (2007). Foram caracterizadas como variáveis individuais aquelas que têm caráter psicológico, tais como atitudes positivas em relação ao trabalho; capacidade de exploração de si e do ambiente; aprendizado contínuo; ter conhecimento; desempenho acadêmico; desempenho interpessoal; planejamento; autoeficácia; gostar do que faz; e outras (tais como aparência e saber escolher). As variáveis de contexto foram caracterizadas tendo em vista o que o ambiente proporciona às pessoas para que elas possam obter sucesso: políticas e programas educacionais (estágios, bons professores, atividades de extensão); rede e apoio social (indicações, contatos); políticas econômicas e governamentais (oportunidades de trabalho, mercado de trabalho); estratégias organizacionais (valorização, apoio); e trabalho voluntário.

Cada resposta dada foi analisada previamente pelos pesquisadores, no sentido de identificar quais eram os conteúdos que estavam presentes nas respostas dadas pelos universitários. As categorias identificadas foram discutidas em conjunto até que fossem consensualmente aceitas. Durante as análises, procurou-se preservar as especificidades presentes nas respostas. Assim, em algumas respostas, foi possível identificar mais de uma categoria.

 

Resultados e discussão

Analisando os dados socioeducacionais, observou-se que metade dos participantes exerce alguma atividade remunerada, sendo a maioria deles do curso de Administração (N=19). A maioria dos universitários (78,2%) pretende trabalhar na área depois de concluído o curso de graduação, no entanto 13% relatam não querer atuar na área depois de se formar. Esse dado é semelhante aos relatados por Teixeira e Silva (2010) e traz para a discussão novos questionamentos: como pensar a transição universidade-trabalho entre esses universitários que não querem atuar na sua área de formação? Quais são suas expectativas em relação à graduação conquistada? Por que não querem atuar na área?

Os resultados apontaram que, entre as descrições de sucesso para o primeiro ano após a graduação, 83% das respostas continham expectativas associadas aos indicadores objetivos e 37% das respostas utilizaram indicadores subjetivos. Em relação ao terceiro ano, 73% das respostas definem o sucesso por meio de critérios objetivos e 52% por critérios subjetivos. De modo geral, observase a predominância de expectativas que descrevem o sucesso na transição universidade-trabalho por meio de indicadores objetivos. No entanto, podese perceber um aumento na incidência das respostas que definem o sucesso por meio de critérios subjetivos, quando os universitários teriam três anos de conclusão da graduação.

Conforme expectativas dessa amostra, os indicadores objetivos mais mencionados para descrever o sucesso na transição no primeiro ano após a conclusão da graduação estavam relacionados a conteúdos que remetiam às expectativas de "adequação formação-função", "continuação dos estudos", "conseguir emprego" e "vínculo laboral" (ser aprovado em concurso público). Indicadores associados à "remuneração" (independência econômica), "crescimento" (progressão), "morar em cidade grande" e "estabilidade" também foram observados nas respostas dos participantes. O dado "morar em cidade grande" pode ser considerado específico da amostra deste estudo, uma vez que são dados obtidos em uma cidade de pequeno porte e do interior do País. Para esse grupo, mudar-se para uma cidade maior pode significar a possibilidade de educação continuada, melhores oportunidades e progresso na vida pessoal e profissional.

Os indicadores objetivos mais citados para definir o sucesso, quando os universitários estariam com três anos de conclusão da graduação, foram "continuação dos estudos" (pós-graduação) e "adequação formação-função". Outras subcategorias menos citadas foram "conseguir emprego", "vínculo laboral" (ser aprovado em concurso público), "remuneração" (independência econômica), "crescimento" (progressão) e "estabilidade". A tabela 1 mostra a porcentagem das respostas dos indicadores objetivos de sucesso na transição universidade-trabalho, de acordo com o tempo de conclusão da graduação.

 

 

Em relação aos indicadores subjetivos, as subcategorias mais usadas para definir o sucesso um ano após a graduação foram: "congruência nas escolhas vocacionais" e "oportunidade de aprender continuamente". Outras subcategorias menos citadas nas respostas foram "reconhecimento", "satisfação com o trabalho" e "maturidade de carreira". Nas respostas dadas pelos participantes referentes ao período no qual teriam se passado três anos após a conclusão, o critério subjetivo mais usado para descrever o sucesso na transição foi a "oportunidade de aprender continuamente". A análise das respostas que utilizaram indicadores subjetivos para definir o sucesso mostrou uma diferença no conteúdo das respostas do primeiro para o terceiro ano depois da conclusão da graduação, indicando que conteúdos associados à "satisfação com o trabalho", ao "desejo de exercer influência, tornando-se uma referência na área" e à "realização" tiveram um expressivo aumento. Além disso, conteúdos associados à "satisfação com o percurso" e ao "balanço entre a vida pessoal e profissional" passaram a fazer parte das definições de sucesso na transição universidade-trabalho. Por outro lado, houve um decréscimo para bem menos da metade de respostas que continham indicadores associados à congruência vocacional nas definições de sucesso quando teriam se passado três anos da conclusão da graduação, se comparadas com as definições um ano após a conclusão da graduação. A tabela 2 mostra a porcentagem das respostas dos indicadores subjetivos de sucesso na transição universidadetrabalho, de acordo com o tempo de conclusão da graduação.

 

 

De modo geral, os universitários pesquisados descrevem como bemsucedida aquela transição na qual consigam encontrar um emprego ou tenham a possibilidade de continuar seus estudos (pós-graduação) ou venham a ser aprovados em concurso público. Esses resultados são condizentes com os achados de Maata, Nurmi & Majava (2002) e McVicar e Anyadike-Danes (2002), pesquisadores finlandeses, que definem o sucesso dos jovens adultos em fase de transição escola-trabalho, diferenciando três possibilidades de resultados: conseguir emprego, desemprego ou iniciar novas possibilidades educacionais. A definição de sucesso por meio da aprovação em concurso público também encontra respaldo na literatura. Hopfl e Atkinson citados por Blustein, Schultheiss & Flum (2004), e Vieira e Coimbra (2006) discutem que, tradicionalmente, aspectos relacionados à autonomia, estabilidade, segurança e progressão vertical típica do trabalho nas esferas públicas têm predominado como modelo de sucesso na carreira.

Embora os indicadores objetivos tenham prevalecido nas respostas dos participantes, aspectos subjetivos relacionados à possibilidade de utilizar as habilidades no ambiente de trabalho (congruência vocacional), ter um trabalho no qual seja possível aprender continuamente, estar satisfeito com os resultados alcançados e exercer influência, tornando-se referência na área de atuação também traduzem expectativas do sucesso na transição. Vieira e Coimbra (2006) afirmam que, nos estudos empíricos acerca do sucesso na transição universidade-trabalho, é possível constatar a predominância do uso de critérios objetivos sobre os subjetivos. No entanto, os autores questionam a necessidade de os estudos do sucesso profissional considerarem tanto as manifestações objetivas quanto subjetivas, uma vez que as percepções de sucesso variam de acordo com expectativas vocacionais, valores e contextos de vida e de trabalho da população investigada.

Observa-se que tanto em relação ao primeiro quanto ao terceiro ano após a conclusão da graduação, o conteúdo das respostas apresentadas expressa expectativas de que a transição seja bem-sucedida objetivamente, embora as respostas que utilizem critérios subjetivos aumentem nas descrições de sucesso quando as expectativas são para três anos após a conclusão da graduação.

Esses resultados incitam reflexões sobre os valores de trabalho prioritários para os universitários em dois momentos diferentes da transição, de acordo com suas expectativas e necessidades de vida. Segundo Duffy e Sedlacek (2007), os valores de trabalho se referem ao que as pessoas esperam do trabalho e quais componentes são importantes para a satisfação no trabalho. Assim, os resultados obtidos neste estudo demonstram que, logo após a conclusão da graduação, os resultados esperados indicam a prevalência de valores extrínsecos, tais como encontrar um trabalho, ter estabilidade e ter renda. Após três anos da conclusão da graduação, valores extrínsecos ainda continuariam presentes, no entanto aumenta-se a incidência de valores de trabalho associados a autonomia, congruência vocacional e prestígio.

Nesse sentido, o resultado acerca do aumento da incidência de indicadores subjetivos nas expectativas após três anos de graduação pode ser indicador de um efeito cumulativo das expectativas, isto é, os universitários esperam alcançar, inicialmente, os indicadores objetivos que atendam às expectativas sociais e as necessidades materiais, porém esperam agregar, ao longo do tempo, os indicadores subjetivos. Os dados permitem inferir que, logo após a conclusão do curso universitário, as expectativas prementes sejam as de conseguir trabalhar e ter alguma remuneração. Trata-se da tentativa de independência financeira da família, de sobrevivência física e material. E, conforme se adquira alguma experiência, pode-se aspirar à satisfação no trabalho e busca da realização pessoal e profissional que faz sentido na construção da carreira, o que, por sua vez, não substitui os critérios objetivos, mas a eles se agregam.

Esses resultados são coerentes com a literatura, que enfatiza a transição universidade-trabalho como um processo dilatado no tempo composto por etapas interdependentes. Vieira, Caires & Coimbra (2011) pontuam que essas etapas intercalam investimentos do recém-formado na sua formação, na busca por atividade remunerada e na adaptação ao trabalho.

Ao analisar a terceira questão (c), buscou-se investigar a percepção dos universitários formandos sobre as variáveis que poderiam influenciar uma transição bem-sucedida. A maior parte dos concluintes (69,5%) atribui o sucesso na transição como sendo decorrente tanto de características individuais/psicológicas quanto de contexto. Poucas foram as respostas dos participantes deste estudo que mencionaram apenas as variáveis individuais/ psicológicas (9%) ou apenas as de contexto (2,6%).

As variáveis individuais/psicológicas mais citadas foram as "atitudes positivas em relação ao trabalho" (53,3%) e a "exploração de si e do ambiente" (13,3%). Por outro lado, foram menos citadas as categorias "autoeficácia" (2,5%) e "gostar do que faz" (2%). As variáveis de contexto mais citadas foram as "políticas e programas educacionais" (41,6%), as "redes sociais e apoio social" (29,1%), as "políticas econômicas e governamentais (oportunidades de trabalho, mercado de trabalho)" (18,7%), as "estratégias organizacionais (valorização e apoio da organização)" (8,3%) e "trabalho voluntário" (2%).

Assim, por meio das respostas dos participantes deste estudo, observase que tanto as características individuais/psicológicas quanto os fatores do contexto são percebidos como aspectos que podem influenciar o sucesso na transição. Portanto, nas expectativas dos participantes, a combinação de fatores psicológicos e contextuais determinará o sucesso na transição da universidade para o mundo do trabalho. Trata-se de uma amostra bastante realista sobre o futuro e as possibilidades e as limitações com as quais terão de lidar na construção de suas carreiras. Esses resultados são coerentes com os achados de vários estudos (Blustein, 1995; Goodwin & O'Connor, 2005; Lent & Worthington, 1999; McVicar & Anyadike-Danes, 2002; Swason & Fouad, 1999; Phillips, Blustein, Jobin-Davis, & White, 2002; Ng & Feldman, 2007), que ressaltam a natureza multideterminada do sucesso na transição da educação para o trabalho. Nessa direção, Teixeira e Gomes (2004) discutem que a qualidade da transição da universidade para o trabalho é determinada por uma conjunção de fatores, tais como características pessoais; atitudes de preparação para a transição; competências específicas; redes e apoio social; mercado de trabalho; e envolvimento nas atividades de formação. Assim, fica evidente que, para a compreensão dos determinantes do sucesso na transição, as futuras pesquisas devem incluir tanto variáveis psicológicas quanto contextuais, superando os modelos explicativos tradicionais da psicologia vocacional que enfatizam as características psicológicas e negligenciam as variáveis contextuais (Hartung, 2002).

 

Considerações finais

A transição universidade-trabalho é uma etapa importante do desenvolvimento psicossocial de muitos jovens adultos. De modo geral, o fim do curso universitário traz expectativas do início de uma nova fase da vida, marcada pelo exercício da profissão escolhida, pela independência econômica, pela saída da casa dos pais e pela constituição de família (Teixeira & Gomes, 2004).

Apesar de o cenário nacional ser de expansão das políticas públicas de acesso e permanência no ensino superior, a preparação para a transição ainda é incipiente no currículo universitário atual. A preocupação com o que fazer depois da graduação tende a aparecer somente no último ano, na iminência da conclusão do curso universitário. Cientes da carência de estudos nacionais sobre o tema, o objetivo desta pesquisa foi descrever as expectativas sobre o sucesso na transição universidade-trabalho de concluintes dos cursos de Administração e Psicologia, contribuindo, assim, para a ampliação dos conhecimentos sobre essa etapa importante do desenvolvimento de carreira de jovens adultos e, em particular, com estudantes de uma pequena cidade do interior do País, que tem um campus de uma universidade federal.

Conclui-se que os resultados refletem uma multiplicidade de expectativas e de sentidos atribuídos ao sucesso na transição universidade-trabalho, que foi descrita tanto por indicadores objetivos quanto subjetivos. Em uma perspectiva objetiva, os formandos têm expectativas de que uma transição bem-sucedida seja aquela na qual poderão encontrar um emprego na sua área de formação, de preferência sendo aprovados em concurso público, ou que consigam continuar seus estudos, fazendo pós-graduação. Por outro lado, as definições subjetivas fazem referência à possibilidade de se satisfazer com o trabalho realizado, de se utilizarem as competências no ambiente de trabalho, de se exercer influência e de se tornar referência na sua área de atuação.

De acordo com Blustein, Schultheiss e Flum (2004), as percepções e narrativas sobre as experiências profissionais sofrem influências do contexto em que os indivíduos estão inseridos, dos valores e das tradições vigentes, o que possibilitam a construção de múltiplas descrições da carreira e, consequentemente, o sucesso nela. De modo geral, percebe-se que os indicadores de sucesso usados pelos participantes refletem valores de trabalho tradicionais da sociedade ocidental, no modo de produção capitalista, que descrevem uma carreira bem-sucedida como aquela capaz de promover segurança econômica, progressão, realização e prestígio (Niles & Goodnough, 1996). Além disso, observou-se que as expectativas associadas aos valores de trabalho variam do primeiro para o terceiro ano após a conclusão da graduação, sendo que, num primeiro momento, os formandos valorizam mais aspectos extrínsecos do trabalho e, com o passar do tempo, aspectos intrínsecos e de prestígio vão sendo incorporados com mais frequência às descrições de sucesso.

Os resultados desta pesquisa sugerem algumas implicações teóricas e para futuras pesquisas. Do ponto de vista teórico, as expectativas de sucesso encontradas neste estudo corroboram as argumentações de Vieira, Caires & Coimbra (2011) e Vieira e Coimbra (2006), apontadas anteriormente, que descrevem a transição universidade-trabalho como um processo dilatado ao longo do tempo, no qual intercalam diferentes tipos de investimentos vocacionais, reafirmando que as investigações sobre o sucesso nessa etapa da carreira devem considerar tanto critérios objetivos quanto subjetivos, ampliando as noções tradicionais de sucesso na carreira que priorizam apenas os aspectos objetivos e facilmente mensuráveis, como conseguir emprego, posição hierárquica e remuneração. Além disso, a análise da percepção dos formandos sobre os determinantes do sucesso na transição indicou que uma transição bem-sucedida depende tanto de características individuais/psicológicas quanto contextuais, confirmando uma tendência atual das teorias de carreira, que discutem a necessidade de incluir nos modelos explicativos e nos serviços de carreira tanto variáveis individuais quanto contextuais, uma vez que as características do mundo do trabalho e das populações atendidas estão cada vez mais diversificadas.

Gunz e Heslin (2005) ressaltam que, devido à grande amplitude dos sentidos atribuídos ao sucesso, não há uma definição conceitual única, visto que o considerado sucesso para uma pessoa pode não o ser para outra, fazendo esse termo ter componentes de caráter objetivo e subjetivo. Por isso as pesquisas sobre o tema devem levar em consideração as percepções da população investigada, sobre a maneira como ela avalia e descreve os seus resultados profissionais e de carreira, entendendo que essas avaliações podem mudar ao longo da vida e da carreira.

Por fim, é importante considerar as limitações deste estudo. Em primeiro lugar, por se tratar de uma pesquisa com uma amostra pequena, não tem a pretensão de traçar conclusões amplamente generalizáveis sobre o sucesso na transição universidade-trabalho. A participação de formandos de apenas dois cursos, de uma única universidade, de uma cidade de pequeno porte, não permite a transposição indiscriminada dos resultados para outros contextos. Em relação ao método, a qualidade das respostas dadas pelos universitários no preenchimento do questionário se mostrou muitas vezes difícil de ser analisada, demonstrando que esse procedimento de coleta de dados não foi totalmente satisfatório para compreender a complexidade do fenômeno investigado. Nessa direção, Mignot (2004) ressalta as limitações da escrita, na coleta de dados, quando se busca uma compreensão de sentidos mais aprofundada dos fenômenos psicológicos relacionados à carreira. Por isso, sugere-se que, em futuros estudos sobre o tema, sejam adotados procedimentos que possibilitem ao pesquisador aprofundar os sentidos das falas dos participantes, tais como entrevistas semiestruturadas ou grupos focais.

Diante do exposto, os achados aqui relatados têm um valor instrumental para a elaboração de novos questionamentos e interpretações sobre o tema, podendo servir de subsídios para futuras investigações e para a construção de instrumentos de medida. Futuras pesquisas devem ser realizadas em outros contextos e com diferentes populações, incluindo formandos de outros cursos, bem como recém-formados, ampliando as possibilidades apontadas e a compreensão do fenômeno em questão.

 

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*Doutoranda na Universidade de São Paulo, Campus de Ribeirão Preto, professora assistente da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Campus Paranaíba, no curso de Psicologia; psicóloga. Endereço: Av. Pedro Pedrossian, 725 - Bairro Universitário, Paranaíba-MS. CEP: 79500-000. Telefone: (67) 8127-1000. E-mail:marina.ufms@gmail.com.
**Estudante de Psicologia na UFMS, Campus Paranaíba, bolsista de iniciação científica CNPq/UFMS. Endereço: Rua Generoso Ponce, 1739 – Bairro Centro, Paranaíba-MS. CEP:79500-000. Telefone: (67) 8134-2069. E-mail:vcdbio@hotmail.com.
***Livre-docente da Graduação e da Pós-graduação em Psicologia da Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, psicóloga, editora da Revista Brasileira de Orientação Profissional. Endereço: Avenida Bandeirantes, 3900, Bloco 5, sala 21 - Bairro Monte Alegre, Ribeirão Preto-SP. CEP: 14040-901. Telefone: (16) 3602- 3789. E-mail:lucileal@ffclrp.usp.br.
1 As expectativas são entendidas, neste estudo, como uma antecipação do que está por vir em termos profissionais e pessoais. Por se tratar de universitários concluintes, o sucesso na transição universidade-trabalho só pode ser descrito por meio das suas expectativas.