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Psicologia em Revista

versão impressa ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.20 no.1 Belo Horizonte  2014

http://dx.doi.org/DOI-10.5752/P.1678-9523.2014v20n1p56 

ARTIGOS

DOI - 10.5752/P.1678-9523.2014v20n1p56

 

 

A intersetorialidade nas publicações acerca do Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil

 

Intersectional in publications about the Children and Youths Psychosocial Care Center

 

La intersectorialidad en las publicaciones acerca del Centro de Atención Psicosocial Infantojuvenil

 

 

Ednéia José Martins Zaniani*; Cristina Amélia Luzio**

 

 


Resumo

A atual política de saúde mental infantojuvenil propõe que as ações nesse campo devam se somar a várias outras, para que, num processo de diálogo intersetorial permanente, garanta-se integralidade dos cuidados, como pleiteia o paradigma da atenção psicossocial. Neste trabalho, refletimos sobre o lugar da intersetorialidade nas produções científicas da última década divulgadas em periódicos brasileiros, bem como a concepção de saúde mental que essas revelam. Para tanto, analisamos 14 artigos indexados que tratavam dos Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi). Observou-se, em grande parte das publicações, a primazia do olhar clínico-individual, sinalizando o entendimento de que a saúde mental é uma categoria ontológica, universal, dependente dos mecanismos intrapsíquicos do sujeito. Alguns estudos referenciam a intersetorialidade, sem, contudo, colocá-la em debate. Concluímos que, se as ações do CAPSi não podem prescindir às outras, tampouco tal discussão pode passar inadvertida e não problematizada nesse meio científico.

Palavras-chave: Criança. Adolescente. Atenção psicossocial. Intersetorialidade. Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil.


Abstract

Current children and youth mental health policy proposes that actions assumed in this field should be added to many others, so that, in a process of permanent intersectional dialogue integral care is assured, according to the Psychosocial paradigm. This paper reflects upon the intersectional place in the last decade scientific papers published in Brazilian journals, and their Mental Health conceptions. We analyzed fourteen indexed papers which dealt with Brazilian Children and Youth Psychosocial Care Centers (CAPSi). Most of these publications focused on individual clinical watch suggesting that Mental Health is understood as a universal and ontological category dependent on the subject's intrapsychic mechanisms. Some of these studies make reference to the intersectional matter, although it is not clearly discussed. In sum, we understood that the actions assumed by CAPSi cannot neglect others, and discussions should be seriously considered in the scientific field.

Keywords: Child. Adolescent. Psychosocial attention. Intersectoral Children and Youths Psychosocial Care Center.


Resumen

La actual política de Salud Mental infantojuvenil propone que las acciones en ese campo deben sumarse a otras para que, en un proceso de diálogo intersectorial permanente, se garantice la integralidad de los cuidados, como defiende el paradigma de la Atención Psicosocial. Reflexionamos aquí sobre el lugar de la intersectorialidad en las producciones científicas de la última década divulgadas en los periódicos brasileños así como el concepto de Salud Mental que revelan. Analizamos catorce artículos que trataban de los Centros de Atención Psicosocial Infantojuvenil (CAPSi). Se observó en gran parte de las publicaciones la primacía de una mirada clínico-individual, señalando el entendimiento de que la Salud Mental es una categoría ontológica, universal, dependiente de los mecanismos intrapsíquicos del sujeto. Algunos estudios hacen referencia a la intersectorialidad, pero sin colocarla en debate. Concluimos que si las acciones de los CAPSi no pueden prescindir de las otras, tampoco tal discusión puede pasar inadvertida y no problematizada en este medio científico.

Palabras clave: Ninõ. Adolescente. Atención psicosocial. Intersectorialidad. Centro de Atención Psicosocial Infantojuvenil.


 

 

Introdução

Discutir saúde mental infantojuvenil demanda revisitar concepções e práticas que foram histórica, social e culturalmente construídas e reconhecer qual tem sido nosso compromisso ético-político com aquelas crianças e adolescentes que, em condição peculiar de desenvolvimento, já carregam o peso do estigma da anormalidade. O modelo manicomial resiste ao tempo e aos espaços, e concorre com os esforços que confirmam que é possível assistir sem segregar, como defendido pela atual Política Nacional de Saúde Mental no Brasil.

Busca-se a construção de um novo modelo, denominado "atenção psicossocial". Definido como um conjunto de ações nos campos teóricos, técnicos, políticos e sociais, aptos a constituírem um novo paradigma para as práticas em saúde mental, não se trata apenas de uma mudança na assistência, mas um processo de transição paradigmática e, como tal, requer uma transformação estrutural em constante movimento, com a participação de diversos atores sociais. A atenção psicossocial, que deriva do Movimento da Reforma Psiquiátrica, constitui, portanto, um processo social complexo, que demanda que ocorram, a um só tempo e articuladamente, transformações nos campos: técnico-assistencial, teórico-conceitual, político-jurídico e sociocultural (Amarante, 2007; Costa-Rosa, Luzio & Yasui, 2003).

A atenção psicossocial requisita uma compreensão ampla do "sofrimento psíquico", em substituição às denominações de doença mental, distúrbio mental ou transtorno mental. Pressupõe a superação das concepções ontológicas e compartilha da proposta basagliana, buscando uma inversão: colocar a doença entre parênteses para entrar em contato com a existência- sofrimento do sujeito, como lembra Amarante (1996). Colocar entre parênteses supõe desnaturalizar "pré-conceitos", "pré-juízos", verdades estabelecidas da vida cotidiana. Saúde-doença é um processo dinâmico e contraditório, no qual se articulam situações complexas e singulares da existência humana (Dalmolin, 2006). O sofrimento psíquico não é um mero estado interno, mas decorre de práticas sociais que conduzem esse indivíduo a um estado de não adaptação, de perdas de sentido, confusões, descentramentos, sentimento de impotência e vazio. Nessa perspectiva, tal estado produz dificuldades para o sujeito conduzir sua própria vida. Porém, como o usuário é percebido como sujeito implicado em seu sofrimento, entende-se que ele é capaz de lidar com seu mal- estar e produzir transformações. Para tanto, falar em saúde inclui falar da participação ativa do homem, na busca de melhores condições de vida e de melhor atendimento à saúde (Luzio, 2010).

Compreende-se que o ato de cuidado é, do mesmo modo, amplo e complexo, reivindicando serviços diversificados, criativos e entrelaçados em uma rede. Requer, por conseguinte, a ruptura com a clínica psiquiátrica/psicológica tradicional ou das especialidades, calcada no paradigma doença-cura e no tratamento para a supressão dos sintomas e adaptação à realidade. Pretende-se uma clínica integral, territorializada, inter e transdisciplinar, ou seja, a "clínica ampliada".

Preconiza-se a intersetorialidade, entendida como estratégia em que os diferentes setores sociais, com seus saberes e práticas precisam se articular e se integrar com vistas a orientar e garantir a integralidade do cuidado. Entende-se que as ações de cuidado ultrapassam aquelas implantadas pela política de saúde e incluem todas as dispensadas pelas diferentes políticas setoriais, instituições e serviços (educação, assistência social, cultura, esporte e lazer, justiça, etc.) que compõem a rede de relações do sujeito. Como ponderam Couto e Delgado (2010, p. 272), mesmo que sua operacionalização e tradução sejam distintas conforme o setor que a nomeia como prioridade, é

 

[...] consenso apenas o reconhecimento de que práticas intersetoriais são necessárias no enfrentamento de problemas reais e complexos, frente aos quais as respostas calcadas em tradições setoriais ou estritamente especializadas não têm se mostrado satisfatórias.

 

Para reiterar a importância da intersetorialidade como princípio dentro da atenção psicossocial, em junho de 2010, a IV Conferência Nacional de Saúde Mental Intersetorial teve como um dos temas de debate "Direitos humanos e cidadania como desafio ético e intersetorial". Nessa conferência, reafirmou-se que o conceito de saúde mental é amplo demais para ficar como encargo somente da política de saúde (Ministério da Saúde, 2010).

Tais premissas também inspiraram, como veremos adiante, a criação do CAPSi, que, como um dispositivo público estratégico, vem sendo arrolado aos avanços da Política Nacional de Saúde Mental e, para tanto, o CAPSi não pode se resumir a mais um serviço. Destarte, qual lugar ocupa a intersetorialidade nas publicações que se propõem a discutir e pensar o CAPSi? Este artigo nasce com o objetivo de investigar como esse que é concebido como princípio das ações voltadas à saúde mental na infância e adolescência foi divulgado em periódicos científicos no período de 2001 a 2011, apreendendo qual a concepção de saúde mental revela, e questiona se o conhecimento que vem sendo socializado se articula ao que propõe a atenção psicossocial.

Antes de analisarmos o material encontrado na pesquisa, faremos uma breve recuperação teórica sobre parte da história da saúde mental infantojuvenil no Brasil, considerando que esta pode contribuir para que as ações preconizadas pela atual Política Nacional de Saúde Mental não se afastem do ideário que as gerou.

 

Da fragmentação das ações à proposta de construção de um novo modelo de atenção

A defesa da proteção social e do atendimento prioritário às crianças e adolescentes começou a ser escrita no Brasil na aurora do século XX. A instauração da República representou os esforços empreendidos para a consolidação do capitalismo, e uma multiplicidade de fatos (a substituição da mão de obra escrava pelo trabalho livre e assalariado, a imigração europeia, a explosão demográfica, o processo de urbanização e industrialização das cidades, etc.) deflagrava as transformações que ocorriam nas condições econômicas e sociais do País. A despeito do otimismo republicano, o quadro sanitário do País dava sinais de risco eminente, aumentava-se a pobreza, o desemprego e o abandono...

Em outro lugar (Zaniani, 2008), vimos que, diante daquelas contradições, os alicerces de uma sociedade em construção eram demarcados por médicos, juristas e educadores que reconheciam, no descaso com a causa da infância, a esfinge do País que aspirava à civilização. A inserção do Estado na formulação das políticas passava a ser reivindicada porque a infância se tornara objeto de esperança e a desassistência uma ameaça à manutenção da ordem social. Todavia, somente em 1934, iniciou-se o planejamento de uma política nacional de assistência à infância quando Getúlio Vargas criou a Diretoria de Proteção à Maternidade e à Infância, vinculada ao Ministério da Educação e Saúde Pública. Em 1940, inaugurou-se o Departamento Nacional da Criança que, como expressão do fortalecimento progressivo do Estado, orientou programas e projetos durante os 30 anos subsequentes à sua fundação.

Nas primeiras décadas do século XX, as preocupações políticas eram delineadas conforme concepções fragmentadas do público a ser assistido: o deficiente social ou pobre, o deficiente mental e o deficiente moral ou delinquente (Ministério da Saúde, 2005a). Antes de indicar a compreensão da existência de várias infâncias, o que observou foi a ascensão de projetos voltados à institucionalização de todas as que resguardavam o estigma do desvio e da anormalidade. Outrossim, quando nos referimos à saúde mental infantil, é preciso lembrar que as discussões acadêmicas que envolvem o tema surgiram com as primeiras teses em psicologia e psiquiatria quando inaugurado o primeiro hospital psiquiátrico brasileiro, o Hospício Dom Pedro II, em 1852. Nesse período, as crianças consideradas insanas dividiam o mesmo espaço dos adultos, pouco se conhecia sobre as doenças mentais infantis e não existia classificação que as diferenciassem quanto às formas e manifestações adultas (Ribeiro, 2006).

As iniciativas de institucionalização psiquiátrica, já em finais do século XIX, eram acompanhadas por manifestos da imprensa, relatórios oficiais e artigos que denunciavam a precária assistência dada às crianças internadas no Hospício Nacional de Alienados. Com isso, em 1904, criou-se o Pavilhão- Escola Bourneville, cuja intervenção visava ao ajustamento às normas sociais e à aprendizagem de hábitos (leitura, escrita e profissionalização), revelando, segundo Silva (2008), a concepção de criança como um ser sensível às influências externas que poderia ter suas condutas modificadas por meio de atividades ocupacionais.

Igualmente, as primeiras décadas do século XX registram a preocupação dos membros do denominado Movimento Higienista. No século XIX, esse movimento ligava-se à busca por soluções aos problemas sanitários enfrentados pela população brasileira, mas, no século XX, desdobrou-se no Movimento de Higiene Mental, cuja preocupação maior voltava-se às doenças mentais e à sua prevenção (Machado, Loureiro, Luz & Muricy, 1978; Costa, 1989; Boarini, 2003). Mendonça (2006) lembra que, na década de 1930, pela iniciativa desse movimento, foram instaladas, em escolas públicas do Rio de Janeiro e de São Paulo, clínicas de orientação infantil, que se ocupavam de avaliações médicas e psicológicas para determinar o nível de inteligência, habilidades e personalidade da criança, com vistas a diagnosticar e prevenir possíveis desajustes mentais e comportamentais. Embora pudessem sinalizar, à época, alternativas ao modelo hospitalocêntrico, Lobo (2005 como citado em Beltrame, 2010) lembra que os hospícios permanecerão como única instituição especializada no atendimento aos denominados transtornos mentais, fossem esses adultos ou crianças.

 

A saúde mental infantojuvenil na atenção psicossocial

A assistência à saúde mental infantojuvenil será, enfim, problematizada no conjunto dos debates que perpassarão os rumos político, econômico e social, em finais da década de 1970, acompanhando o movimento pela redemocratização do País. Em decorrência das mobilizações sociais da época, tivemos a promulgação da Constituição Federal em 1988, a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) posteriormente, a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente [ECA] (1990). Essa lei discorrerá sobre os direitos fundamentais (vida, saúde, alimentação, educação, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, liberdade e convivência familiar e comunitária) Lei n. 8.069 (1990), e suas medidas protetivas não discriminarão mais nenhum segmento nem tomará uma classe social como exclusiva. A partir de então, crianças e adolescentes passaram a ser reconhecidos em sua condição cidadã, reivindicando-se para elas a prioridade absoluta na elaboração das políticas públicas sociais. Ao concebê-las como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento, a tarefa de garantir condições para que este ocorra de maneira saudável é confiada ao Estado.

O reconhecimento dos direitos fundamentais emaranha-se a outras reivindicações, que, na história da saúde mental brasileira, foram propostas, sobretudo, nas conferências de saúde. Como espaços de construção coletiva e democrática, muitos debates ali nascidos subsidiaram mudanças importantes na construção da atual Política Nacional de Saúde Mental. Trazendo um pequeno recorte desse processo, lembramos que, durante a II Conferência Nacional de Saúde Mental (CNSM), em 1992, os debates apontavam para os efeitos perversos da institucionalização de crianças e jovens. Segundo Luzio e Yasui (2010), um conjunto de deliberações da II CNSM se converteu posteriormente em portarias ministeriais e conquistas de espaços estratégicos que transformaram diretrizes e propostas do Movimento da Reforma Psiquiátrica e da Luta Antimanicomial em uma política pública oficial.

Com a III CNSM, realizada em 2001, determinar-se-ia a urgência de ações político-assistenciais no cuidado e tratamento de crianças e adolescentes. Nesse mesmo ano, a Lei n. 10.216, abordou de maneira geral a proteção e os direitos das pessoas "portadoras de transtorno mental" e redirecionaria o modelo assistencial, com a política passando a ter na esfera pública sua referência (Ministério da Saúde, 2005b). Em 2002, como desdobramento da III CNSM, por meio da Portaria nº 336/02, atualiza-se a Portaria nº 224/1992 que criara o CAPS, ampliando e definindo novas modalidades, sendo CAPS I, CAPS II e CAPS III, CAPS Infantojuvenil CAPSi e CAPS álcool e drogas (CAPSad). Esse dispositivo arrolava consigo o desejo da construção de um novo modelo de assistência cujas ações deveriam se dar no território, produzindo vida e não mais prostração, promovendo cidadania, no lugar da desqualificação social, rompendo com a segregação e favorecendo a inserção social dos usuários (Luzio, 2011, pp. 148-149).

Com o CAPSi, constitui-se, pela primeira vez, uma modalidade de assistência específica para o segmento infantojuvenil. Seu trabalho voltar-se- ia àquelas crianças e adolescentes acometidas por grave sofrimento psíquico (psicóticos, autistas, neuróticos graves, etc.), bem como para o ordenamento da demanda infantojuvenil no seu território de abrangência. Sua função era consolidar-se como unidade de base para o processo de desinstitucionalização, efetivando um novo modelo de atenção. Para tanto, o CAPSi deveria ter suas ações orientadas por alguns princípios (Ministério da Saúde, 2005a), como o de que criança e adolescente "são sujeitos de direitos", responsáveis por sua demanda, sintoma e sofrimento, devendo ser ouvidos e tratados singularmente. Outro princípio é o do "acolhimento universal", em que toda demanda que chega deve ser acolhida, ouvida e respondida. Um terceiro princípio é o de que os encaminhamentos necessários deverão ser "implicados" - quem encaminha precisa se envolver e acompanhar o encaminhado. Outro princípio é que as ações devem primar pela construção permanente de uma "rede de cuidados de base territorial", em que o território não diz respeito ao espaço, mas às relações significativas estabelecidas, compostas por diferentes pessoas e instituições . Por fim, um último e crucial princípio é o da "intersetorialidade", cujas ações de caráter clínico devem se somar às dos vários serviços e recursos disponíveis no território, num processo permanente de diálogo, com vistas à garantia da integralidade dos cuidados.

É nossa intenção sublinhar que esses princípios arrolam outra forma de pensar e intervir junto ao sofrimento psíquico. Sendo o ato de cuidado amplo e complexo, a clínica da atenção psicossocial deve ser clínica integral, territorializada, inter e transdisciplinar, ou seja, deve ser uma "clínica ampliada". Muitos autores, como Onocko-Campos (2001), denominam clínica ampliada ao conjunto de ações de cuidados diversificadas e intensivas oferecidas aos usuários para sustentar o seu cotidiano, inclusive suas relações sociais. Ela é de responsabilidade de toda a equipe, solicita a expansão de seus limites para fora dos serviços de saúde, das salas de atendimentos, a fim de que as ações cotidianas de saúde mental não se restrinjam ao espaço físico do equipamento. Não se configura numa mera transposição das práticas especializadas já consagradas nas profissões "psi", como a medicação e a psicoterapia, para outros lugares do espaço público, mas se constitui como uma clínica voltada para o sujeito e seu contexto sociocultural, centrada na interlocução e no livre trânsito do usuário em seu território, buscando a sua singularização e, consequentemente, a produção e o usufruto de todos os bens da produção social (Luzio, 2011, p. 164).

 

Nesse sentido, a clínica ampliada seria uma derivação do radical Klin,

 

[...] como inclinação, não para baixo, mas para os lados, no sentido de bifurcar, divergir, de buscar novos sentidos. Teríamos assim uma das acepções fundamentais que podem ser dadas às crises, alcançando uma dimensão criativa, oportunidades de transformação de estados e situações insustentáveis. Aqui, também, não se trata mais de uma clínica do olhar, mas da escuta, ou do "olhar" que vê além do sintoma. A clínica como encontro, capaz de produzir senso, sentidos; produção de sentidos, no lugar de reprodução; como lugar onde as identidades dos participantes já não estão predefinidas (Costa-Rosa, et al., 2003, p. 30).

 

Assim, evidencia-se que a atenção psicossocial demanda que as ações em saúde mental não se restrinjam apenas a um grupo de profissionais. A interdependência dos saberes é a base da atenção psicossocial que pode contribuir para superação do "Paradigma psiquiátrico hospitalocêntrico e medicalizador" (Yasui & Costa-Rosa, 2008, p. 31).

 

Metodologia

Para levantar as publicações que tratavam do CAPSi no Brasil entre os anos de 2001 e 2011, recorremos às fontes de busca (Google Scholar), além de consulta às bases de dados (Scielo, PePSIC e Lilacs). Essa busca foi de caráter exploratório e não sistemático, utilizando como descritores as palavras "centro de atenção psicossocial infantojuvenil", "CAPSi", "serviços substitutivos saúde mental". Optamos por consultar bases que divulgam artigos científicos em detrimento daquelas que trabalham com outras modalidades de produção científica (teses, dissertações, livros e resumos em anais de eventos), uma vez que, na atualidade, os artigos indexados têm se constituído dos mais importantes meios de socialização e divulgação científica.

Nesse levantamento, foram localizados 14 artigos que tratavam diretamente do CAPSi, sendo que 6 destes eram relatos de práticas/experiências (Schmid, 2007; Rosa, 2008; Ronchi & Avellar, 2010; Bontempo, 2009a, 2009b; Brandão, 2009), 5 relatavam pesquisas com profissionais do CAPSi e usuários (Mânica & Tessmer, 2007; Falavina & Cerqueira, 2008; Scandolara, Rockenbach, Sgarbossa, Linke & Tonini, 2009; Quaresma, Silva & Quaresma, 2011; Reis et al., 2009) e 3 eram estudos descritivos que traçavam perfis de usuários e do serviço (Hoffmann, Santos & Mota, 2008; Delfini, Dombi- Barbosa, Fonseca, Tavares & Reis, 2009; Dombi-Barbosa, Bertolino, Fonseca & Reis, 2009).

Com vistas à elucidação do lugar ocupado pelo princípio da intersetorialidade e qual concepção de saúde mental trazem subjacente, o material encontrado foi lido separadamente e, posteriormente, selecionados para análise somente aqueles artigos que tinham o CAPSi como foco principal de discussão. Para a análise desse material, recorremos a estudos que apoiam a atual política de saúde mental e se inspiram na lógica da atenção psicossocial (Amarante, 2007; Ministério da Saúde, 2005a; Ministério da Saúde, 2005b; Costa-Rosa et al ., 2003; Luzio, 2010, 2011; Yasui & Costa-Rosa, 2008, entre outros).

A proposta deste trabalho se justifica porque, entre os obstáculos apontados para o processo de construção de um novo modelo de assistência, está a falta de um conhecimento abrangente sobre a utilização dos serviços e o número reduzido de publicações científicas sobre a saúde mental infantojuvenil no Brasil, segundo Hoffmann et al . (2008). Acreditamos que as reflexões aqui engendradas podem contribuir para a produção de novas práticas sociais e de novos sentidos, bem como produção de análises reflexivas sobre as ações que vêm sendo priorizadas no Brasil, que, a nosso ver, as publicações acabam por expressar.

 

Resultados

O que revelam as produções acerca do CAPSi na última década?

Ao nos lançarmos a tarefa de analisar especialmente aqueles artigos que discutem o CAPSi, preocupamo-nos em observar como os discursos acadêmicos estão se apropriando das contribuições alvitradas pela atenção psicossocial no campo da saúde mental infantojuvenil. Entendemos que as ações que estruturam esse campo precisam envolver o movimento e o interjogo dos saberes e dos fazeres. Vimos que, no geral, os artigos foram escritos por pesquisadores, estudantes e professores de cursos de pós-graduação, bem como por profissionais que executam a política, apontando certa preocupação com a construção de uma prática atrelada à formação teórica. Por outro lado, notamos que a quantidade de publicações não ascendeu na última década. Do total de artigos encontrados, 2 datam de 2007, 3 de 2008 e a maioria, ou seja, 7 artigos que totalizam 53,85% datam de 2009, enquanto que, em 2010 e 2011, encontramos apenas um artigo em cada ano.

Estudos como o de Hoffmann et al . (2008) apontaram para o número reduzido de publicações científicas sobre esse tema no Brasil, fato que pode ser articulado à expansão tímida da própria política nos últimos anos. Em 2011, os CAPSi distribuídos em todo Brasil totalizavam 122 unidades (Ministério da Saúde, 2011), porém enquanto a implantação dos CAPS para adultos aumentou 246% entre os anos de 2006 e 2010, a implantação dos CAPSi cresceu apenas 8%. A lenta expansão das ações e serviços constitui-se para muitos um "descaso histórico" evidenciado pela prioridade dada pela Reforma Psiquiátrica ao atendimento voltado ao público adulto, enquanto as conquistas na área da criança e adolescente seriam pouco visíveis (Wandscheer, 2010).

Tanto estudos anteriores à implantação dos CAPSi quanto outros mais recentes afiançam que, além da expansão da rede de serviços, existe a necessidade da adequação e articulação desta (Boarini & Borges, 1998; Couto, Duarte & Delgado, 2008). Essa referida articulação aparece deslocada na maioria dos artigos analisados, pois muitos deles se referem à construção de rede e se reportam à intersetorialidade, porém apresentam relatos de experiência e pesquisas cujos resultados não focam essa perspectiva na análise.

O trabalho de Brandão (2009) inova ao apresentar e discutir a possibilidade de atendimento de uma criança em tenra idade no CAPSi (um bebê com diagnóstico suspeito de autismo), que, encaminhado ao serviço, suscita questionamentos acerca dessa demanda. O autor articula implicitamente o princípio da intersetorialidade ao discutir a recepção e o acolhimento, ressaltando que saúde mental "não é o trabalho de um só", mas da "articulação dos vários profissionais, não só do próprio CAPS, como também da rede" (Brandão, 2009, p. 347). No curso da leitura, observa-se a importância aferida à rede de cuidados e o entendimento de que o CAPSi deva ser regulador e articulador desta. Contudo o que se observa é que o estudo ocupa-se em narrar o trabalho clínico-individual. Em que pese a ênfase dada à rede, o relato não explora como essa articulação dar-se-ia em casos como esse. Nesse mesmo curso de análise, Quaresma et al. (2011) descrevem particularidades do tratamento das crianças com diagnóstico de transtorno autista e do acompanhamento familiar, afirmando ser a metodologia fundamentada em abordagens psicanalíticas a mais adequada, pois explica os transtornos mentais e permite o entendimento da relação mãe-bebê.

Observamos, em outras publicações, a primazia do atendimento clínico e individualizado dentro do CAPSi. O estudo de Schmid (2007) refere- se ao trabalho desenvolvido com um adolescente de 15 anos com longa história de institucionalização e sua trajetória a partir inserção num CAPSi. O texto reitera o quanto a institucionalização fora desnecessária, e a análise da intervenção relatada, construída sob a égide da psicanálise, procura se pautar numa "clínica de percursos" (Schmid, 2007, p. 188). Todavia a discussão do caso realça uma modalidade de intervenção terapêutica voltada ao indivíduo, argumentando a favor dessa clínica como viabilizadora da superação de dificuldades decorrentes do agravamento do quadro, devido ao longo período de segregação social.

A leitura psicanalítica perpassa também estudos que relatam práticas coletivas inovadoras dentro da instituição, como é o caso de Bontempo (2009a). A implantação de assembleias de usuários em um CAPSi é apontada como experiência que possibilita a circulação da palavra e que, embora não tenha objetivo terapêutico, acaba alcançando tal efeito uma vez que se configura como um "espaço de expressão, de fala dos pacientes e que pode provocar mudanças" (Bontempo, 2009a, p. 188). Apreende-se da leitura a incursão das ações coletivas como produtoras de novos processos de subjetivações, sendo possível aferir uma concepção de saúde mental centrada nos aspectos intrínsecos ao indivíduo.

Reafirmamos que a clínica na atenção psicossocial pretende ser integral, territorializada, inter e transdisciplinar, voltada para o sujeito e seu contexto sociocultural (Yasui & Costa-Rosa, 2008; Luzio, 2010). Sob essa lógica, é necessária uma compreensão do processo saúde-doença que articule saberes, supere especialismos e a prática clínica tradicional e normativa, restrita a um espaço psicoterápico, voltado para a interioridade psicológica. Logo, o CAPSi precisa implantar um conjunto de ações de cuidados diversificados e intensivos, e envolver as redes sociais e relacionais desse sujeito. Cunha e Boarini (2011) ressaltam que a política atual preconiza a interdisciplinaridade e o trabalho em equipe. Todavia apreendemos que muitas publicações não coloca em destaque ações que expressem a interdependência dos setores sociais e dos saberes nas ações voltadas ao público infantojuvenil.

Pensar como tem se constituído o diálogo entre o CAPSi e as demais políticas setoriais nos ajuda a compreender se a própria saúde mental seria ainda concebida com base em uma leitura médico-centrada. Tal pontuação foi assinalada no estudo de Ribeiro, Passos, Novaes e Dias (2010) que, por meio do levantamento sobre como a saúde mental infantojuvenil aparece na produção bibliográfica recente, observaram que a maioria dos trabalhos trata do tema sob a perspectiva clínica e apenas uma minoria o faz dentro de uma perspectiva mais ampla, como propõe a Reforma Psiquiátrica e, consequentemente, a atenção psicossocial. Outra conclusão do estudo diz respeito ao volume de textos que relatam pesquisas epidemiológicas, privilegiando a análise dos aspectos quantitativos.

Hoffmann et al . (2008, p. 638) procuraram identificar o perfil epidemiológico da clientela atendida nos CAPSi após um ano de sua implantação, descrevendo características do serviço. Chamam a atenção para os diagnósticos voltados aos denominados "problemas de habilidades escolares" que indica "a necessidade de investimento na articulação e discussão entre profissionais da saúde e da área educacional, com a finalidade de reduzir encaminhamentos [...]". Concluem que os CAPSi investigados funcionaram de maneira semelhante aos serviços ambulatoriais, apontando a necessidade de novos estudos que auxiliem o planejamento da ampliação da rede e contribuam para as articulações intersetoriais, embora não seja foco do artigo aprofundar tal discussão.

O trabalho de Dombi-Barbosa et al . (2009, p. 262) ressalta que as ações do CAPSi devem ocorrer "articulados numa rede de atenção que extrapola o campo da saúde e interage com os recursos do território de determinada comunidade para promover inclusão social [...]" contando "com a corresponsabilização das famílias, escolas e outros setores sociais". Para compreender quais as condutas terapêuticas são ofertadas às famílias de crianças e adolescentes atendidas nos CAPSi do Estado de São Paulo, os autores utilizaram registros dos prontuários, concluindo que a família vem sendo atendida especialmente em grupo e que a figura materna é a mais referida. Acrescido à significativa ausência de registros dos atendimentos nos prontuários, os existentes apontam que as ações "estão centradas no interior dos serviços pesquisados e não revelam práticas extramuros, tais como as visitas domiciliares [...] que são incipientes" (Dombi- Barbosa et al ., 2009, p. 267). A despeito de considerarem importante, o estudo não identificou nos prontuários ações desenvolvidas em rede de cuidados de base territorial, composta por diferentes instituições e pessoas.

Entendemos que independente do objetivo do estudo e metodologia utilizada, as publicações clarificam, em parte, qual é o compromisso dos autores com as premissas da atenção psicossocial. A pesquisa de Reis et al . (2009), que também discute sobre os prontuários, busca revelar o valor desse instrumento atribuído pelos coordenadores de CAPSi tanto para as equipes profissionais quanto para os usuários. Os autores observam que os coordenadores consideram que, para os profissionais os prontuários, são "essenciais para o processo de intervenção clínica e acompanhamento das crianças e adolescentes" (p. 391), enquanto que, para o usuário, de maneira geral, não percebem qual utilidade teria, embora o reconheçam como local de registro da história de vida do sujeito. Problematizam a qual "clínica" se referem os coordenadores na pesquisa, uma vez que o prontuário deveria se constituir ferramenta de diálogo se partisse da perspectiva de que lidam com sujeitos ativos durante o processo.

Encontramos produções que propunham avaliar a qualidade do serviço ouvindo os atores que o executam. É caso de Scandolara et al. (2009),que relatam entrevistas com os profissionais do CAPSi e apresentam uma concepção de saúde mental como "processo, e não como ausência de doença, na perspectiva de produção de qualidade de vida, enfatizando ações integrais e promocionais de saúde" (p. 340). Tal definição coaduna com o destaque dado ao fato de que a atenção integral e a luta pela cidadania "são marcos que devem sustentar o modelo de atenção à saúde mental" (Scandolara et al., 2009, p. 341). As entrevistas apontaram grande dificuldade na comunicação entre as políticas setoriais (saúde, educação, justiça, etc.), certificando que a falta de diálogo entre a rede suscita encaminhamentos inadequados que abarrotam o serviço. Outrossim, concluem, com base no discurso dos próprios entrevistados, que o atendimento prestado pelo CAPSi é de boa qualidade e que este tem buscado a reinserção social. Atentamos para o fato de que a construção da almejada atenção integral, arrolada à intersetorialidade, não é posta em evidência, embora sua falta tenha sido apontada pelos entrevistados durante o estudo.

Ouvir profissionais que executam a política foi igualmente a proposta de Mânica e Tessmer (2007). As autoras apresentam os resultados de um trabalho de conclusão de curso de especialização em Saúde Pública, cujo foco foi investigar a questão do terapeuta de referência sob a ótica de alguns profissionais do CAPSi. Embora citem a intersetorialidade, esta não é explorada com afinco, pois o objetivo maior do estudo foi discutir o significado de ser um terapeuta de referência para tais profissionais.

Para traçar o perfil dos usuários e avaliar a qualidade das ações executadas pelos profissionais do CAPSi, Ronchi e Avellar (2010) analisaram os prontuários e concluíram que existe a falta de capacitação dos profissionais do serviço. As principais causas de encaminhamentos são as "queixas de agressividade, dificuldades escolares, transtornos do comportamento e emocionais e a medicalização", e que estas "necessitam de maior investigação e sugerem a importância de ações intersetoriais, conjugando, por exemplo, aspectos socioculturais, educacionais e na área da saúde" (Ronchi & Avellar, 2010, p. 81).

O diálogo apontado como basilar nem sempre resguarda a característica de troca, de debate, de movimento. O estudo de Delfini et al . (2009), que buscou caracterizar o perfil do usuário por meio da análise dos prontuários de um CAPSi, aponta que, para além da falta de padronização, as falhas nos registros limitam uma análise mais abrangente desse perfil. Questionam as causas mais referidas para os encaminhamentos que, no CAPSi investigado, eram as queixas neuromotoras seguidas pelas escolares. Enquanto as primeiras se explicam pelo fato de o CAPSi absorver pacientes e profissionais de um serviço de reabilitação já extinto, as segundas preocupam porque testemunham o que outros estudos já têm asseverado: a escola como protagonista do processo.

Não se trata, entretanto, de um protagonismo que possa ser proclamado como inclusivo e implicado, em que a escola é tida como instituição fundamental no processo de cuidado da criança ou adolescente (no acolhimento, na elaboração do projeto terapêutico singular, na execução das ações, etc.). Citamos como exemplo o estudo de Falavina e Cerqueira (2008) que, ouvindo relatos dos pais ou responsáveis, evidenciaram queixas sobre a desassistência e o sofrimento decorrente da discriminação dirigida à criança e à sua família nos contextos sociais percorridos até a inserção no CAPSi. A escola aparece como protagonista ou porque é a instituição que encaminha ou porque valida o diagnóstico e, nesse sentido, configura-se como mecanismo auxiliar ou obstáculo para o desenvolvimento da criança e do adolescente. O estudo não discute os encaminhamentos considerados descomprometidos e não explicita a concepção de saúde mental que orienta o trabalho do CAPSi, mas dá indícios de que a saúde mental ainda é percebida como ausência de doença.

Acreditamos que são muitos os fatores que se entrelaçam e desnudam a existência de questões que certamente ultrapassam os limites das discussões aqui empreendidas e adentram outros campos, como o institucional e o social. A pesquisa de Beltrame (2010), por exemplo, constatou que, no afã de solucionar os conflitos produzidos no contexto escolar, tem-se recorrido, com frequência, à medicalização, agora com o respaldo dos diagnósticos formulados por profissionais do CAPSi. Assim, o CAPSi se desvia do seu propósito fundamental, oferecendo atendimento basicamente nos moldes ambulatoriais e assistindo a um público que não seria propriamente seu. Compreendemos que, quando o CAPSi se transforma em mais um mero serviço, pode incorrer e corroborar com práticas há tempos cristalizadas. As constatações do estudo de Beltrame (2010) nos inquieta, pois nos faz retornar a uma discussão que é histórica para a Psicologia: há pelo menos três décadas, critica-se a busca pela explicação e intervenção individual como resposta para o denominado fracasso escolar.

Essas pontuações desnudam que é preciso colocar em debate a questão do acolhimento da demanda, como demonstra o trabalho a seguir. Apresentando a experiência de estágio em serviço social em um CAPSi, Rosa (2008, p. 254) observa que um dos maiores obstáculos ao trabalho é a superação da "ambulatorização da assistência", que decorre da primazia das ações individualizadas como as consultas, em detrimento do trabalho grupal e das ações territoriais. Destaca-se que é preciso olhar criticamente para o acolhimento dos encaminhamentos das redes municipal e estadual de ensino de crianças com dificuldades no processo de escolarização, que é preciso desconstruir a demanda, em vez de acolhê-la indiscriminadamente. É urgente problematizar as ações no campo da saúde mental para infância e adolescência e sua necessária articulação com a política de educação. A falta de integração das ações do CAPSi com as escolas pode estar expressando como vem sendo entendido o princípio que anteriormente destacamos: o do "acolhimento universal". Se o trabalho do CAPSi agencia que toda demanda seja acolhida, ouvida e respondida, perguntamos: caberia a ele atender indiscriminadamente os encaminhamentos da escola?

Acolher e atender não são ações equivalentes. O acolhimento universal não equivale ao tratamento de todos os que procuram ou são referidos ao serviço. Acolher significa promover condições de acesso que viabilizem uma análise mais abrangente da situação de cada usuário. Quando se sublinha a questão do acolhimento universal, uma das possibilidades que se inscreve é justamente a da desconstrução da demanda, caso ela não seja para o CAPSi. Como assinala Elia (2005), o CAPS ou serviço correspondente ao qual a demanda é dirigida precisa desenvolver ações conjuntas também com a escola, a fim de problematizá-la e desconstruí-la, buscando juntos construir práticas que envolvam outros setores da sociedade, se necessário.

Finalizamos este estudo trazendo o exemplo do trabalho de Bontempo (2009b), que, segundo nossa leitura, sinaliza a importância da intersetorialidade nas ações do CAPSi. Nesse estudo, relata-se a experiência de trabalho junto a uma adolescente atendida no projeto intitulado "Circulando pela cidade" implementado em um CAPSi. O projeto se propõe terapêutico porque, transitando pelos espaços da cidade, media a possibilidade de que crianças e adolescentes estabeleçam relações sociais em diferentes contextos. Desse relato de prática apreendemos uma concepção de saúde mental que corrobora aquela preconizada pela Política Nacional de Saúde Mental e pela atenção psicossocial, entendendo que a construção das ações em saúde mental infantojuvenil não podem se encerrar do lado de dentro das paredes do CAPSi.

 

Considerações finais

Quando nos lançamos à tarefa de refletir sobre as produções que tratam do CAPSi, focando a intersetorialidade, buscamos evidenciar que, no campo da saúde mental infantojuvenil, as ações devem ir além dos limites da sua estrutura física e articular-se às esferas que entrecruzam na vida do sujeito, buscando recursos no território. Falar em saúde mental, portanto, ultrapassa falar dos conflitos e mecanismos intrapsíquicos, que podem ser resolvidos por meio de ações isoladas. Contudo, em parte das publicações analisadas, observamos um aparente olhar individual centrado na interioridade psicológica, comum à clínica tradicional ou das especialidades. Mesmo não tomando partido nem criticando qualquer abordagem teórica em específico, entendemos que a clínica pleiteada pela atenção psicossocial é a clínica ampliada, e esta inclui no seu escopo aquilo que a clínica tradicional considerava como extraclínico. Quando uma publicação destaca apenas intervenções centradas no indivíduo, pode dar margem ao entendimento de que a saúde mental é uma categoria ontológica.

O que desejávamos, mais que olhar particularmente para cada produção, era, no bojo da totalidade da análise, compreender como a política de saúde mental vem sendo implantada. Nesse sentido, vimos que alguns estudos referenciam a intersetorialidade como premissa para a integralidade do cuidado na prática do CAPSi. Não obstante, tal princípio permanece nos artigos numa conjuntura secundária, ou seja, não é posto em destaque. Com isso, não intentamos afirmar deliberadamente que todos os dispositivos tomados como objeto nos artigos analisados não privilegiam ações intersetoriais. Essa afirmação implicaria desconsiderar que nos debruçamos sobre um campo marcado por muitos impasses e desafios. Apenas assinalamos que, se as ações do CAPSi não podem prescindir de outras ações intersetoriais, tampouco essa discussão pode passar de modo tão inadvertida e não problematizada nas publicações veiculadas nos meios científicos.

A tarefa não é fácil. No entanto o desafio está posto e nos impulsiona a pensar que, para além da construção de novas redes, temos de cooperar para que a rede existente possa se pôr a dialogar. Como advertem Couto et al . (2008), a intersetorialidade, tão referendada nas bases legais, esbarra na desarticulação dos serviços públicos e não na ausência absoluta de recursos. Assim, advertem os autores, existiria uma rede intersetorial potencial de cuidado, ou seja, que pode tornar-se intersetorial.

Encerramos concluindo que, ao questionar sobre qual lugar ocupa a intersetorialidade nas publicações acerca do CAPSi, partimos do pressuposto de que as produções acadêmicas expressam, a seu modo, como têm se efetivado algumas transformações no campo teórico-conceitual e, ou, ainda técnico-assistencial. Há que se destacar que adentramos um campo em processo permanente de construção, que demanda, para uma efetiva transição paradigmática, transformações também nos campos político-jurídico e sociocultural, para, quiçá, desvelar-se na real transformação das práticas de cuidado como reivindica a atenção psicossocial.

Reconhecemos os limites dessa investigação (por não ter feito um levantamento mais sistemático, seja pela utilização de um número reduzido de palavras-chave ou por não contemplar produções científicas de outra natureza, como dissertações, teses, livros, etc.), o que indica a necessidade de estudos mais abrangentes que ampliem consideravelmente o debate sobre o tema. Para o futuro, seguimos desejando que esses estudos venham a conformar-se em possibilidades teórico-práticas, pois se uma publicação revela concepções que norteiam a construção de uma política, também pode fomentar debates e reflexões que impliquem sobre nossos modos de saber e de fazer saúde mental.

 

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*Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras de Assis; docente na Universidade Estadual de Maringá (UEM), Maringá-PR. Endereço: Departamento de Psicologia, Universidade Estadual de Maringá, Avenida Colombo, 5.790, Maringá-PR, CEP: 87020-900, Brasil. E-mail: edapsi@hotmail.com.
**Professora do Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras de Assis

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