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Psicologia em Revista

Print version ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.20 no.1 Belo Horizonte  2014

http://dx.doi.org/10.5752/P.1678-9523.2014v20n1p138 

ARTIGOS

DOI - 10.5752/P.1678-9523.2014v20n1p138

 

 

Insatisfação corporal e comportamento alimentar: comparações entre jovens atletas de diferentes esportes

 

Body dissatisfaction and eating habits: comparison between young athletes from different sports

 

Insatisfacción corporal y comportamiento alimentario: comparaciones entre jóvenes atletas de diferentes deportes

 

 

Leonardo de Sousa Fortes*; Maria Elisa Caputo Ferreira**;Maria Fernanda Laus***; Sebastião Sousa Almeida****

 

 


Resumo

O objetivo deste estudo foi comparar a insatisfação corporal e o comportamento alimentar inadequado entre atletas adolescentes de diversas modalidades esportivas e diferentes níveis competitivos. Participaram 580 atletas de ambos os sexos. Para avaliar o comportamento alimentar, foi aplicado o Eating Attitudes Test (EAT-26). Utilizou-se o Body Shape Questionnaire para mensurar a insatisfação corporal. Aplicou-se um questionário para avaliar: idade, sexo, tipo de esporte, nível competitivo e horas de treino/dia. Aplicaram-se os testes Kolmogorov Smirnov, Shapiro Wilk, t de student, Mann-Whitney e Kruskall Wallis. Realizou-se tratamento dos dados no SPSS 17.0, com nível de significância de 5%. Atletas masculinos de esportes de equipe com bola e de classe de peso tinham mais riscos para síndromes psicológicas, pois esportistas de basquetebol e judô apresentaram-se mais insatisfeitos com o corpo, enquanto basquetebolistas e futebolistas demonstraram maior inadequação alimentar. Esses achados não se reproduziram entre as meninas.

Palavras-chave: Imagem corporal. Transtornos alimentares. Atletas.


Abstract

The aim of this study was to compare the feeding habits and body dissatisfaction among adolescent athletes inadequate in many sports and different competitive levels. 580 athletes participated from the both sexes. To evaluate the food we administered the Eating Attitudes Test (EAT-26). We used the Body Shape Questionnaire to measure body dissatisfaction. We applied a questionnaire to assess age, sex, type of sport, competitive level and hours of training / day. We applied the Kolmogorov Smirnov test, Shapiro Wilk, Student t, Mann-Whitney and Kruskal Wallis. We carried out data processing in SPSS 17.0 with a significance level of 5%. Male athletes in team sports and ball weight class had higher risks for psychological syndromes, for basketball and judo athletes were more dissatisfied with their body, while basketball and football proved most inadequate food. These findings were not confirmed in girls.

Keywords: Body Image. Eating disorders. Athletes.


Resumen

El objetivo de este estudio fue comparar la insatisfacción corporal y el comportamiento alimentario inadecuado entre atletas adolescentes de diversas modalidades deportivas y diferentes niveles competitivos. Participaron 580 atletas de los dos sexos. Para evaluar el comportamiento alimentar se aplicó el Eating Attitudes Test (EAT-26). Se utilizó el Body Shape Questionnaire para medir la insatisfacción corporal. Se aplicó un cuestionario para evaluar la edad, sexo, tipo de deporte, nivel competitivo y horas de entrenamiento / día. Se aplicaron los tests Kolmogorov Smirnov, Shapiro Wilk, t de student, Mann-Whitney y Kruskal Wallis. Se llevó a cabo el procesamiento de datos en el SPSS 17.0, con un nivel de significación del 5%. Los atletas masculinos de deportes de equipo con balón y de clase de peso tenían mayor riesgo de síndromes psicológicos, pues los deportistas de baloncesto y de judo estaban más insatisfechos con el cuerpo, mientras que jugadores de baloncesto y de fútbol demostraron más inadecuación alimentaria. Estos hallazgos no fueron confirmados en las niñas.

Palabras clave: Imagen corporal. Trastornos de la alimentación. Atletas.


 

 

Introdução

Os transtornos alimentares (TA) são foco cada vez mais frequente de profissionais da área da saúde devido aos altos índices de morbimortalidade a eles relacionados. Sua etiologia é multifatorial e sabe-se que alguns grupos são mais suscetíveis a seu desenvolvimento, incluindo indivíduos do sexo feminino, jovens e atletas de determinadas modalidades esportivas. Evidências científicas mostram que a prevalência dessas doenças gira em torno de 1% a 5% na população geral (Carneiro, 2004) e entre 10% e 50% em atletas (Sundgot-Borgen & Torstveit, 2004). Nesse sentido, sugere-se que ambientes atléticos têm diversos fatores peculiares que parecem potencializar o risco do surgimento dos TA, incluindo pressão de treinadores e pais no anseio por melhores resultados, vestimentas que salientam a forma corporal, ênfase dada à magreza e à perda de peso corporal (Baum, 2006).

Além disso, modalidades que exigem do atleta leveza de movimentos, baixa percentagem de gordura corporal e baixo peso corporal, ou aquelas que são divididas por categorias de peso, ou ainda as que dependem de avaliações externas feitas por juízes são consideradas de risco para o desencadeamento dessas doenças (Denoma, Scaringi, Gordon, Van Orden & Joiner, 2009). São elas: ginástica artística, ginástica rítmica, triatlo, nado sincronizado, saltos ornamentais, judô, tae kwon do, esgrima, caratê, remo, patinação artística, entre outras.

Um dos principais sintomas no desencadeamento dos TA é a insatisfação com a própria aparência (Bonci et al., 2008). A insatisfação corporal faz parte de um subcomponente da dimensão atitudinal da imagem corporal e diz respeito à depreciação que o sujeito tem com sua aparência física (Lepage & Crowther, 2010) e, especialmente entre os adolescentes, é influenciada por diversos fatores: família, amigos, mídia (Scherer, Martins, Pelegrini, Matheus & Petroski, 2010), composição corporal (Martins, Pelegrini, Matheus & Petroski, 2010) e prática de atividade física (Lepage & Crowther, 2010).

Atletas têm, em seu cotidiano, rotinas de treinamento sistematizado visando ao aperfeiçoamento de parâmetros fisiológicos, psicológicos e biomecânicos, com o propósito de melhorar sua performance esportiva (Vieira, Amorim, Vieira, Amorim & Rocha, 2009), porém esse âmbito esportivo pode provocar uma competitividade exacerbada em relação à estética corporal, deixando atletas mais insatisfeitos com o corpo (Perini et al., 2009) e, ou, mais suscetíveis para os TA (Baum, 2006). O nível competitivo também tem uma forte associação com o aparecimento de alimentação transtornada. Baum (2006) e Denoma et al. (2009) argumentam que atletas de alto nível competitivo podem apresentar maiores riscos para TA. Apesar dessas suposições, os estudos já realizados não têm sido totalmente conclusivos quanto aos seus resultados, deixando ainda uma lacuna do conhecimento se, de fato, atletas de modalidades consideradas de “alto risco” são mais insatisfeitos e se estes apresentam maiores índices de comportamentos alimentares inadequados que atletas de esportes ditos de “baixo risco” para tais desfechos. Além disso, não foi encontrado na literatura estudo que tenha comparado essas variáveis entre mais de quatro modalidades esportivas e entre diferentes níveis competitivos.

Diante dessas reflexões, o objetivo deste estudo foi comparar a insatisfação corporal e o comportamento alimentar de risco para TA entre atletas adolescentes de diversas modalidades esportivas e diferentes níveis competitivos.

 

Método

Aspectos éticos

O estudo obteve aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da Universidade Federal de Juiz de Fora com o parecer número 232/2010, de acordo com a resolução 196/96. O termo de consentimento livre e esclarecido foi assinado pelos pais dos atletas explicando todos os procedimentos da pesquisa, além de garantir anonimato aos participantes e total sigilo no tratamento dos dados.

População e amostra

A população do estudo foi constituída por atletas adolescentes competitivos com idades de 10 a 19 anos, residentes em cidades dos Estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais, no Brasil. Para seleção da amostra, foi adotado o critério de amostragem casual simples (Perini et al., 2009). Os atletas provinham de clubes das cidades de Juiz de Fora-MG, Barbacena-MG, Três Rios-RJ e Rio de Janeiro-RJ, que disputavam os campeonatos nacionais, estaduais e regionais das modalidades avaliadas. Inicialmente, foram incluídos no estudo 620 atletas de ambos os sexos, porém 40 desses sujeitos foram excluídos da amostra por não responderem aos questionários em sua totalidade, chegando a uma amostra final de 580 atletas de diversas modalidades (atletismo, basquete, esgrima, futebol, ginástica artística, handebol, judô, nado sincronizado, natação, polo aquático, saltos ornamentais, tae kwon do, triatlo e voleibol). O tamanho amostral por modalidade e sexo está elucidado na tabela 1. Para inclusão de sujeitos na pesquisa, foram adotados os seguintes critérios:

 

a) apresentar o termo de consentimento livre e esclarecido assinado pelo responsável;
b) estar em processo de treinamento físico sistematizado com frequência mínima de três dias semanais e duração mínima de 1h/treino; c) ter participação mínima de uma competição de dimensão regional no ano de 2011;
d) ter disponibilidade para responder a questionários.

 

As modalidades esportivas foram agrupadas em “modalidades de risco” e “modalidades sem risco”, seguindo recomendações de Krentz e Warschburger (2011), incluindo-se, na primeira categoria: esgrima, ginástica artística, judô, nado sincronizado, saltos ornamentais, tae kwon do e triatlo.

Instrumentos

Para avaliar o comportamento alimentar de risco para TA, foi aplicado o Eating Attitudes Test (EAT-26). Este é um questionário que avalia recusa patológica alimentar, preocupação exacerbada com aparência física, comportamentos purgativos, influência do ambiente na ingestão alimentar e autocontrole sobre os alimentos. A versão utilizada para o sexo feminino foi validada por Bighetti, Santos, Santos e Ribeiro (2004), apresentando uma consistência interna de 0,82. Em adolescentes brasileiros do sexo masculino, a versão aplicada foi a de Fortes, Amaral, Conti, Cordás e Ferreira [19- ], que apresentou um alfa cronbach de 0,87, sem diferença entre os escores do teste-reteste. O instrumento tem 26 questões com 6 opções de resposta que variam de 0 a 3 pontos (sempre = 3, muitas vezes = 2, frequentemente = 1, poucas vezes = 0, quase nunca = 0 e nunca =0). A única questão que apresenta pontuação em ordem invertida é a 25. A pontuação é feita pela soma dos itens, e escore igual ou maior que 21 representa comportamento alimentar de risco para TA.

Para avaliar a insatisfação corporal, foi aplicado o Body Shape Questionnaire (BSQ). Trata-se de um teste de autopreenchimento com 34 perguntas que procuram avaliar a preocupação que o sujeito apresenta com seu peso e com sua aparência física. A versão utilizada foi validada para adolescentes brasileiros (Conti, Cordás & Latorre, 2009), e sua análise de consistência interna revelou um α de 0,96 para ambos os sexos e um coeficiente de correlação entre os escores do teste- reteste significativo, variando de 0,89 a 0,91 para meninas e meninos, respectivamente. O escore é dado pela soma dos itens, que classifica níveis de insatisfação a respeito do corpo, sendo: <80 pontos livre de insatisfação corporal; entre 80 e 110, leve insatisfação; entre 110 e 140, insatisfação moderada; e pontuações acima de 140, grave insatisfação corporal, ou seja, quanto maior o escore, maior a insatisfação com o corpo.

Aplicou-se ainda um questionário para avaliar dados demográficos, como idade, sexo, tipo de esporte, nível competitivo e horas de treino/ dia.

Procedimentos

Os atletas foram abordados em seus locais de treinamento mediante autorização dos treinadores responsáveis pelas equipes. Foi explicado, de forma sucinta, o tema e o propósito do estudo, bem como todo procedimento necessário para integrá-los na amostra da pesquisa. Após esse primeiro momento, os sujeitos levaram para seus responsáveis o termo de consentimento livre esclarecido, sendo orientados a devolverem- no devidamente assinado, entregando-o nas mãos de seu treinador na semana subsequente.

Foi realizado apenas um encontro com todos os atletas de cada equipe. Era destinado à aplicação dos questionários EAT-26 e BSQ. Todos os clubes que fizeram parte deste estudo cederam uma sala adequada para aplicação desses instrumentos. Os questionários e uma orientação escrita sobre os procedimentos adequados foram entregues aos atletas, que receberam então a mesma orientação verbal. As eventuais dúvidas foram esclarecidas pelos responsáveis pela aplicação dos questionários. Os sujeitos do estudo não se comunicavam entre si. A distribuição dos instrumentos foi efetuada no momento em que os atletas adentravam no ambiente (sala), sendo seu preenchimento de caráter voluntário. Não houve limite de tempo para preenchê-los.

Análise dos dados

Utilizou-se da estatística descritiva (média, desvio padrão) para as variáveis comportamento alimentar de risco para TA (EAT-26) e insatisfação corporal (BSQ). O teste de normalidade aplicado foi o Kolmogorov Smirnov para modalidades com n ≥ 50, para os grupos de sexo (masculino, feminino), para os grupos “modalidades de risco” e “modalidades sem risco” e nos grupos de níveis competitivos (regional, estadual e brasileiro), já o teste Shapiro Wilk foi procedido com esportes com n<50 para verificar se os dados eram paramétricos ou não. Como a normalidade foi violada em algumas modalidades, grupos de níveis competitivos e entre os grupos de sexo, o risco de TA e a insatisfação corporal foram comparados entre as modalidades esportivas e os grupos de níveis competitivos por intermédio do teste Kruskall Wallis com post hoc de Bonferroni para identificar diferenças, e essas mesmas variáveis foram comparadas entre os sexos por meio do teste Mann Whitney. A avaliação da existência de diferença dessas variáveis entre os grupos “modalidades de risco” e “modalidades sem risco” foi realizada por meio do teste t de student, pois esses dados apresentaram distribuição normal. Todos os dados foram analisados no software SPSS 17.0 considerando-se o nível de significância de 5%.

 

Resultados

As frequências absolutas e relativas do tamanho amostral de cada modalidade dividida por sexo, dos grupos “modalidades de risco” e “modalidades sem risco”, e dos grupos de níveis competitivos estão ilustradas na tabela 1. A maioria da amostra era do sexo masculino (80%), pertencente ao grupo “modalidades sem risco” (84,65%) e competindo em nível regional (45,86%).

As comparações da insatisfação corporal e do comportamento alimentar de risco para desenvolvimento de TA entre modalidades esportivas divididas por sexo estão apresentadas na tabela 2. No sexo masculino, as pontuações do BSQ diferiram na modalidade de handebol sobre basquetebol e judô apenas. Já para o EAT-26, houve diferença entre muitos esportes (p<0,05), com basquetebol e futebol apresentando as maiores pontuações. Não foram encontradas diferenças de insatisfação corporal nem de comportamento alimentar de risco para TA entre as modalidades esportivas do sexo feminino.

A tabela 3 apresenta a comparação das variáveis por sexo, grupos “modalidades de risco” e “modalidades sem risco” e nível competitivo. As pontuações do BSQ não foram estatisticamente diferentes entre os grupos de modalidade e o nível competitivo, mas as atletas do sexo feminino apresentaram escores superiores quando comparadas aos meninos (p<0,05).

Em relação ao comportamento alimentar de risco para TA, encontrou-se uma diferença significativa entre os sexos (p<0,05), os grupos de modalidade (p<0,05) e o nível competitivo (p<0,05) (tabela 3). As atletas do sexo feminino, os adolescentes do grupo “modalidade sem risco” e aqueles que competem em nível regional apresentaram pontuações no EAT-26 superiores em relação aos seus pares.

 

Discussão

Este estudo buscou comparar a insatisfação corporal e a frequência de comportamento alimentar de risco para TA entre atletas de modalidades esportivas com características e exigências diferentes, além de averiguar se existe diferença dessas variáveis de acordo com o nível competitivo, por meio da comparação de pontuações dos questionários BSQ e EAT-26. Atualmente é comum encontrarmos pesquisas apontando modalidades esportivas que têm características que podem desencadear síndromes psicológicas, como os TA, nos atletas (Torstveit & Sundgot-Borgen, 2005; Krentz & Warchsburger, 2011; Filaire, Rouveix, Pannafieux & Ferrand, 2007; Perini et al., 2009). Por isso autores aconselham avaliar fatores considerados precursores de psicopatologias para averiguar riscos no contexto esportivo (Vieira, Vieira, Amorim & Rocha, 2009; Sundgot-Borgen & Torstveit, 2004). No entanto, os resultados de pesquisas não têm sido totalmente conclusivos. Estudos mostram que praticantes de esportes que enfatizam a magreza têm maiores riscos de desenvolver TA (De Bruin, Oudejans & Bakker, 2007; Sundgot- Borgen & Torstveit, 2004; Perini et al., 2009; Krentz & Warchsburger, 2011). Em contrapartida, outros autores têm identificado resultados controversos (Gomes & Silva, 2010; Schaal et al., 2011). De fato, esses riscos avaliados são influenciados por diversos fatores intervenientes. Alguns deles são família, personalidade do treinador, subcultura de equipe, clube, patrocinadores, composição corporal, entre outros. Portanto, pretende-se discutir os resultados deste estudo com base nas características dos atletas aqui avaliados.

No sexo masculino, identificou-se que atletas de judô e basquetebol eram mais insatisfeitos com o corpo, enquanto os handebolistas apresentaram menor insatisfação corporal. Já era esperado que judocas fossem mais preocupados com o peso corporal por causa da divisão por classe de peso que a própria modalidade exige, porém encontrar atletas de basquetebol com altos escores no BSQ foi uma surpresa. Esses achados podem ser reflexos da subcultura de equipe. Ambientes que têm altas cobranças de treinadores e patrocinadores geralmente predispõem atletas a maiores sentimentos negativos a respeito de seus corpos (Baum, 2006; Denoma et al., 2009). Cabe ressaltar que os atletas com maior percentual de gordura costumam demonstrar maior insatisfação corporal (Fortes, Neves, Filgueiras & Ferreira, 2013). Nesse sentido, presume- se que os basquetebolistas poderiam ter maior percentual de gordura do que os atletas das demais modalidades esportivas. No entanto essa variável não foi avaliada neste estudo, o que, de certo modo, pode ter influenciado os achados da investigação.

Entre modalidades esportivas femininas, não se encontraram diferenças de insatisfação corporal. Parece que a preocupação com o peso e a aparência física foi semelhante nos esportes aqui avaliados. Logo, as atletas são insatisfeitas com o corpo, independentemente do esporte que praticam.

Comparando-se a insatisfação corporal entre os sexos, os resultados deste estudo evidenciaram que meninas eram mais insatisfeitas com o corpo comparadas a seus pares do sexo masculino (tabela 3), corroborando achados de âmbito nacional (Conti, Frutuoso & Gambardella, 2005; Martins et al., 2010) e internacional (De Bruin et al., 2007; Hausenblas & Downs, 2001). Isso parece ser uma tendência que pode ser explicada por inúmeras questões. Uma delas é a gordura corporal, depreciada na cultura ocidental. A mídia veicula como ideal de corpo uma estética magra para as meninas e musculosa para os meninos. Entretanto meninas apresentam maior percentual lipídico em relação aos meninos (Fortes et al.,[19- ]), fazendo com que estas se sintam mais insatisfeitas com seu corpo. Além disso, grande parte da amostra feminina deste estudo era praticante de modalidades de cunho estético ou de esportes que têm divisão por classe de peso (36,2%), enquanto somente 10% dos meninos eram provenientes de esportes com essas características, o que também pode explicar tais diferenças de insatisfação corporal encontradas entre os sexos.

Em relação à comparação de insatisfação corporal entre os grupos modalidades de risco e sem risco, esperava-se achar diferenças. Entretanto estas não foram encontradas. Esses resultados não corroboram achados de outras investigações científicas (De Bruin et al., 2007; Fortes & Ferreira, 2011; Torstveit & Sundgot-Borgen, 2005). A literatura científica tem indicado maior insatisfação corporal entre atletas que praticam modalidades esportivas, as quais exigem baixo peso corporal para um bom desempenho (Filaire et al., 2007; Krentz & Warchsburger, 2013). Isso quer dizer que os atletas dos esportes estéticos, com divisão por classe de peso ou das modalidades que preconizam o baixo percentual de gordura podem gerar maior magnitude de sentimentos depreciativos com o peso e aparência física quando comparados aos atletas de outros esportes.

Autores sugerem que o alto nível competitivo pode modular negativamente a preocupação que o atleta tem com seu corpo (Denoma et al,., 2009; De Bruin et al.,2007). Ao contrário do que pesquisadores afirmam, não foram encontradas diferenças de pontuação do BSQ entre os diferentes níveis de competitividade. Talvez o nível competitivo não seja um fator predisponente para aumentar a insatisfação corporal em atletas brasileiros. Dessa forma, independentemente do nível que os atletas compitam, estes poderão apresentar níveis semelhantes de insatisfação corporal. Outro estudo corrobora essa hipótese (Fortes & Ferreira, 2011). Segundo Fortes e Ferreira (2011), os aspectos socioculturais (por exemplo, mídia e colegas de equipe) influenciam mais a insatisfação corporal em atletas do que o nível competitivo. Além disso, pode ser que a morfologia corporal fosse diferente entre os atletas de níveis competitivos distintos. Esportistas de nível inferior provavelmente apresentavam maiores índices de gordura corporal, o que, de certa forma, compensou o nível de cobrança que atletas de alto nível sofriam

Com relação ao comportamento alimentar, este estudo evidencia resultados interessantes. No sexo masculino, basquetebolistas e atletas de futebol apresentaram as maiores pontuações no EAT-26, havendo diferenças significativas sobre alguns esportes. O esperado era que esportistas de modalidades que exigem gordura relativa reduzida (triatlo, saltos ornamentais), ou que exigem divisão por classe de peso (judô, tae kwon do, esgrima), apresentassem maiores índices de comportamento alimentar inadequado. Talvez o ambiente atlético dos jogadores de basquete e futebol fosse mais carregado de cobranças por parte de treinadores. Por outro lado, apesar de identificar-se nessas modalidades as maiores pontuações no EAT-26, poucos atletas apresentaram riscos para os TA (escore ≥ 20).

Entre as meninas, os resultados não evidenciaram diferenças estatisticamente significativas para as modalidades esportivas. Apesar disso, destaca-se maior tendência de comportamento alimentar transtornado em atletas de tae kwon do e nado sincronizado, corroborando outros autores (Krentz & Warchsburger, 2011; De Bruin et al., 2007). Nessa amostra, o tipo de esporte pareceu não exacerbar comportamentos alimentares inadequados. Portanto esses comportamentos parecem ser semelhantes no sexo feminino.

Na comparação de comportamento alimentar inadequado entre os sexos, identificou-se que as meninas apresentaram maior frequência de comportamentos alimentares não saudáveis em relação aos atletas masculinos. Esses achados corroboram resultados de outros estudos (Sundgot-Borgen & Torstveit, 2004; Schaal et al., 2011). Parece que meninas, independentemente de serem atletas ou não, sentem-se mais pressionadas por meios de comunicação em massa em atingirem estética semelhante a que é disseminada em revistas e propagandas (Lepage & Crowther, 2010; Bonci et al., 2008). Estas exibem, como ideal corporal, corpos esbeltos, magros e definidos, que, na maioria das vezes, foge à realidade. Com o anseio de alterar a morfologia corporal, essas meninas podem adquirir comportamentos não saudáveis como métodos compensatórios, visando ao emagrecimento (Perini et al., 2009). Isso é preocupante, pois esses métodos podem transformar-se em comportamentos patogênicos, levando essas adolescentes a desenvolverem síndromes psicológicas (Schaal et al. 2011).

Sundgot-Borgen e Torstveit (2004), Perini et al., (2009) e Schaal et al., (2011) afirmam que atletas praticantes de modalidades com exigências de baixo peso e gordura corporal tendem a apresentar maiores frequências de comportamentos alimentares inadequados. Entretanto os achados deste estudo são controversos. Apesar de os resultados evidenciarem maior pontuação do EAT-26 no grupo modalidades sem risco, não foi identificada diferença estatística para modalidades com risco. Esperava-se encontrar maior alimentação transtornada em atletas de esportes considerados de risco. No entanto parece que a subcultura esportiva de magreza esteve presente, de forma semelhante, entre os esportes.

Em relação ao nível competitivo, identificaram-se diferenças significativas de comportamento alimentar inadequado de atletas que competiam em âmbito regional comparados a esportistas de nível estadual e nacional. A hipótese era encontrar maiores pontuações do EAT-26 em atletas de nível de competitividade nacional, pois autores sugerem que o alto nível competitivo pode ser precursor no aumento de riscos dos TA (Denoma et al., 2009; Filaire et al., 2007). Entretanto pesquisas que averiguaram a influência do nível competitivo sobre variáveis afetivas e comportamentais apresentaram diferentes indicadores para tal avaliação, o que dificulta comparações. Ainda não existe indicador padrão de nível competitivo. Estudos utilizaram categorias esportivas, participação competitiva ou horas de treino semanal como tais indicadores. Talvez por isso, os resultados desta pesquisa sejam divergentes sobre o que a literatura expõe até o momento. Portanto se faz necessária a padronização de um indicador de nível de competitividade para que possa haver comparações de estudos, além de melhor compreensão da influência desse fenômeno sobre o comportamento alimentar.

Este estudo apresentou algumas limitações. A primeira delas foi utilizar questionários autoaplicáveis como instrumentos de pesquisa. Alguns autores afirmam que sujeitos podem não responder com fidedignidade a instrumentos autorreportados (Torstveit & Sundgot-Borgen, 2005; Schaal et al., 2011), especialmente em se tratando de atletas, pois estes temem perder espaço na equipe principal por conta das respostas assinaladas nesses questionários. Outra limitação se refere à ausência de aferição do índice de massa corporal e gordura relativa. Essas variáveis podem ter influenciado, de alguma forma, as pontuações do BSQ e EAT-26. Além disso, esta pesquisa apresentou tamanho amostral baixo para algumas modalidades. No entanto se ressalta a dificuldade de tais avaliações no âmbito competitivo. Poucos treinadores dão credibilidade e respaldo para esse tipo de estudo. De qualquer forma, evidenciaram-se resultados interessantes nesta pesquisa, trazendo pontos importantes para serem discutidos na literatura.

Ambiente atlético, âmbito competitivo e modalidades esportivas ainda permanecem como importantes tópicos de estudo de risco para TA em atletas, pois os resultados de pesquisas ainda não têm sido totalmente conclusivos, além de divergirem em vários aspectos. Por fim, são sugeridos futuros estudos que englobem mais modalidades esportivas e comparem variáveis comportamentais e afetivas entre atletas de diferentes Estados nacionais e culturas distintas. Além disso, recomenda-se que haja padronização no uso de instrumentos de rastreamento de TA em diversas populações, para favorecer tais comparações

 

Conclusões

Os resultados deste estudo permitem concluir que os basquetebolistas e judocas eram mais insatisfeitos com o corpo do que os handebolistas. Os atletas de outros esportes demonstraram similaridades de insatisfação corporal. Os judocas, por outro lado, demonstraram maiores frequências de comportamentos alimentares de risco para os TA quando comparados aos demais atletas do sexo masculino. Já no sexo feminino, não foram encontradas diferenças nem de insatisfação corporal nem de comportamentos alimentares de risco para os TA entre atletas de diferentes modalidades esportivas. Ademais, esportistas de nível competitivo regional apresentaram maiores frequências de comportamentos alimentares de risco para os TA, fato que não foi evidenciado para a insatisfação corporal.

 

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*Mestre em Educação Física (UFJF); Núcleo de Educação Física e Ciências do Esporte – Centro Acadêmico de Vitória(UFPE). E-mail:leodesousafortes@hotmail.com.
**Doutora em Educação pela USP; Laboratório de Estudos do Corpo, Faculdade de Educação Física e Desportos (UFF).
***Doutora em Psicobiologia pela USP; Laboratório de Nutrição e Comportamento. Departamento de Psicologia - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (USP).
****Doutor em Farmacologia (USP); Laboratório de Nutrição e Comportamento. Departamento de Psicologia - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (USP)

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