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Psicologia em Revista

versão impressa ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.21 no.1 Belo Horizonte jan. 2015

http://dx.doi.org/DOI-10.5752/P.1678-9523.2015V21N1P15 

ARTIGOS

DOI - 10.5752/P.1678-9523.2015V21N1P15

 

 

O brincar nos primeiros três anos de vida: um estudo em contexto de creche

 

Play in the first three years of life: a study in the context of day care

 

El juego en los tres primeros años de vida: un estudio en el contexto del guardería

 

 

Keilla Rebeka Simões de Oliveira*; Fabíola de Sousa Braz**; Nádia Maria Ribeiro Salomão***; Clara Raíssa Fernandes de Melo****

 

 


Resumo

Este estudo teve como objetivo identificar as modalidades do brincar de crianças em contexto de creche, discutindo sua importância para o desenvolvimento infantil e a participação do adulto nos momentos de brincadeira. Participaram do estudo 9 crianças entre 1 e 3 anos de vida e 13 educadoras de três instituições de educação infantil. As interações videogravadas foram transcritas e analisadas qualitativamente por meio da descrição das interações entre as crianças, com os brinquedos e com as educadoras. Os resultados encontrados indicam que o brincar exploratório foi mais observado no grupo de crianças de 1 ano, enquanto o simbólico foi observado nos grupos de 2 e 3 anos. Verificou-se pouca participação das educadoras nas interações, principalmente com as crianças de 2 e 3 anos. Ressalta-se a necessidade da construção de espaços facilitadores de interações sociais que reconheçam a importância do contexto e da cultura, consideradas favorecedoras de aprendizado e desenvolvimento.

Palavras-chave: Brinquedos e brincadeiras. Desenvolvimento infantil. Educação infantil.


Abstract

This study aimed to identify possible variations in the use of toys and types of play in children in the first three years of life, discussing the importance of toys for the child development and the type of adult participation in interactions with children. Participants were nine children during the age of the first three years of life and thirteen educators from three child education institutions. Data collected from videotaped interactions were transcribed and analyzed qualitatively by describing children interactions with other children, with toys and educators. The results indicated a greater amount of spontaneous use of toys by children and educators in relative absence of interaction situations, especially in the group of children aged two and three years.

Keywords: Toys and play. Child development. Childhood education.


Resumen

Este estudio buscó identificar las modalidades de los juegos de los niños en contexto de guardería, discutiendo su importancia para el desarrollo infantil y la participación del adulto en los momentos de juego. Participaron del estudio nueve niños con edades de entre uno y tres años y trece educadoras de tres instituciones de educación infantil. Las interacciones videograbadas se transcribieron y se analizaron cualitativamente mediante la descripción de las interacciones entre los niños, con los juguetes y con las educadoras. Los resultados encontrados indican que el jugar exploratorio fue más observado en el grupo de niños de un año, mientras el simbólico fue observado en los grupos dedos y tres años. Se constató poca participación de las educadoras en las interacciones, principalmente con los niños de dos y tres años. Se destaca la necesidad de construcción de espacios facilitadores de interacciones sociales que reconozcan la importancia del contexto y de la cultura, consideradas favorecedoras del aprendizaje y del desarrollo.

Palabras clave: Juguetes y juegos. Desarrollo infantil. Educación infantil.


 

 

Este estudo adota a perspectiva sociointeracionista para analisar as modalidades de brincadeira e os usos de brinquedos em crianças nos três primeiros anos de vida, em contexto de creches. Essa perspectiva teórica ressalta o papel da brincadeira no desenvolvimento infantil, tal como abordado por estudiosos do campo do desenvolvimento e da aprendizagem (Brougère, 2001; Elkonin, 2009; Kishimoto, 2001; Lordelo & Carvalho, 2006; Smith & Pellegrini, 2011; Vygotsky 1996, 2000; Wajskop, 2001). Em geral, os estudos nessa área convergem para a ideia de que a brincadeira é a principal atividade da infância, dado que favorece situações nas quais as crianças testam suas habilidades, exercitam suas potencialidades e lidam com interações sociais, elaboram estratégias e resolvem conflitos (Cordazzo & Vieira, 2007; Cordazzo, Westphal, Tagliari, Vieira & Oliveira, 2008).

A brincadeira pode ser definida como uma atividade livre, que gera prazer, e formada por regras implícitas ou explícitas (Cordazzo & Vieira, 2007). Numa leitura sociointeracionista, a brincadeira funciona como uma importante ferramenta que engendra processos de aprendizagem e contribui para a apropriação da cultura por parte da criança (Bomtempo, 1999). Menciona-se que o brincar é caracterizado como uma atividade lúdica não estruturada, e o brinquedo um objeto de suporte que têm como função estimular a brincadeira; este pode ter significados e representações diferentes de acordo com a cultura, o contexto e a época (Cordazzo & Vieira, 2007).

Durante o processo de desenvolvimento infantil, as modalidades do brincar e os usos dos brinquedos vão apresentar diversas configurações. Isso porque, em cada período do desenvolvimento, as crianças estruturam a brincadeira de acordo com o que podem fazer, construindo gradativamente novas formas de brincar (Queiroz, Maciel & Branco, 2006).

De acordo com Mendes e Moura (2004), no primeiro ano de vida, a brincadeira envolve basicamente a exploração sensorial dos objetos. Ao longo do desenvolvimento, por volta do segundo ano de vida, a criança passa a brincar de forma exploratória, funcional e concreta, manifestando um brincar simbólico que é também expressão de sua incorporação e apropriação da cultura. Já as crianças mais velhas demonstram maior complexidade e duração nas interações estabelecidas, compartilhamento de brinquedos, além de realizarem com maior frequência a brincadeira em grupo (Bonome-Pontoglio & Marturano, 2010).

Piaget e Inhelder (2003) defenderam que a criança no período entre 1 ano e meio e 2 anos adquire, por sucessivas construções, a função semiótica a qual corresponde a habilidade da criança para evocar algo por meio de um representante diferenciado, como a linguagem, uma imagem mental, o gesto simbólico e o jogo simbólico. Segundo consideram, o jogo simbólico permite a assimilação do real ao eu por meio de uma linguagem simbólica construída pela própria criança e que pode ser modificada de acordo com a necessidade. O ato de brincar ou jogo simbólico representaria para esses autores uma forma de a criança expressar sua capacidade de representação simbólica derivada de sua relação com o meio físico e social.

Já para Vygotsky (2000) o ato lúdico, que se caracteriza pelo jogo de papéis e pelas brincadeiras de faz de conta, somente se iniciaria aos 3 anos, pois a criança pequena estaria limitada em suas ações pelas restrições do ambiente imediato, e é no brinquedo que ela aprende a agir numa esfera cognitiva, indo além do visual externo.

Considerando que as situações de brincadeira ocorrem em contextos interativos, destaca-se o papel do adulto no sentido de mediar as formas de uso dos brinquedos, desde períodos iniciais do desenvolvimento da criança. Na compreensão de pesquisadores que estudam o desenvolvimento e a educação infantil (Kishimoto, 2001; Mendes & Moura, 2004); Ramos & Salomão, 2012; Rossetti-Ferreira, Amorim & Oliveira, 2009), o ingresso da criança em uma instituição de caráter educativo fará com que ela experiencie situações de interação distintas das que vive com sua família. Essas instituições constituem um espaço que exerce um papel fundamental na vida criança diferente de todos os outros contextos, necessitando que seja pensado, discutido, investigado e construído de forma a promover e favorecer o desenvolvimento infantil (Bolsanello, 2009; Vectore, 2003).

Nesses espaços educativos, a figura do adulto seria indispensável para promover o desempenho das crianças, atuando no que Vygotsky (2000) designou de zona de desenvolvimento proximal (ZDP), inclusive durante as situações de brincadeira. Para esse autor, o brincar cria uma ZDP, pois a criança age além do comportamento habitual de sua idade, como se nessas situações ela fosse maior do que é de fato. Dessa forma, o adulto seria um agente favorecedor de novas aquisições ou aprendizagens, assumindo o papel de auxiliar a criança na apropriação de novos conhecimentos (Solorzano, 2012). Partindo dessa perspectiva, a instrução dos professores afeta a exploração dos brinquedos e a aprendizagem realizada pela criança, já que o professor demonstra a relação causal entre uma ação e o seu efeito resultante e, dessa forma, a criança pode inferir outras ações e efeitos proporcionados pelos objetos (Bonawitz, Shafto, Gweon, Chang, Katz & Schulz, 2009).

Para Sevilla (2010), as interações sociais estabelecidas têm um importante papel para o desenvolvimento infantil, uma vez que afetam, de forma única e diferenciada, a experiência das crianças. A influência do meio sobre a criança pode significar grandes mudanças, pois, além de a criança mudar no processo de desenvolvimento, cada situação mobiliza algumas de suas peculiaridades (Mello, 2010). Assim, alguns aspectos que interferem nas interações estabelecidas devem ser observados para promover tais interações e construir rotinas educativas que potencializem o desenvolvimento e o aprendizado, quais sejam: a disponibilidade de espaços adequados para as atividades, a qualidade da atenção concedida às crianças, a quantidade de alunos nas turmas e a proporção de alunos por educador, o número de funcionários, a formação profissional, entre outros (Bolsanello, 2009).

Ademais se pontua, nessa discussão, a necessidade de se considerar de que forma as interações entre educadores e crianças são influenciadas pela dinâmica e sistemática do contexto de creche, como os arranjos interativos nesse contexto interferem no tipo de responsividade dos educadores para com as crianças e, por outro lado, de que forma esse contexto propicia, ou não, uma maior iniciativa da criança nas interações com o educador e as demais crianças (Meneghini & Campos-de-Carvalho, 2003). Além da importância de se observar qual o lugar que o brincar ocupa dentro das instituições de educação infantil, de forma a atuar de fato como um potencializador do desenvolvimento (Carvalho, Alves & Gomes, 2005).

Em virtude da necessidade da realização de mais pesquisas acerca do brincar no campo da Psicologia Educacional que enfatizem a relação entre a brincadeira e a aprendizagem, e a importância de maiores pesquisas nacionais de cunho empírico que estudem o brincar (Cordazzo, Martins, Macarini & Vieira, 2007), esta pesquisa visa a conhecer as modalidades do brincar e os usos dos brinquedos pelas crianças nos primeiros três anos de vida, pontuando a participação dos educadores nos episódios de brincadeiras, em espaço de creches, tendo como referência o modelo sociocultural de Vygotsky (1996, 2000).

 

Metodologia

Participantes

Participaram da pesquisa 9 crianças, 5 do sexo feminino e 4 do sexo masculino, na faixa etária entre 1 e 3 anos de idade, sendo 3 crianças de cada grupo de idade. Foi realizado um sorteio para a escolha da criança que seria foco em cada observação videogravada, e observadas as interações em torno da criança sorteada. As idades médias de cada grupo de idade foram: 1 ano e 5 meses no grupo de crianças de 1 ano; 2 anos e 5 meses no grupo de crianças de 2 anos; e 3 anos e 5 meses no grupo de crianças de 3 anos. As crianças observadas residem em bairros próximos às instituições, têm os pais como cuidadores primários e frequentam a instituição desde o primeiro/segundo ano de vida. Participaram também as educadoras das turmas selecionadas para as observações, sendo 6 professoras e 7 monitoras. Nas turmas do maternal I (2 anos) e maternal II (3 anos), havia uma professora e uma monitora; e, na turma do berçário (até 2 anos), havia 1 professora e 2 monitoras. A formação das professoras que participaram das observações varia entre ensino médio completo e graduação em Pedagogia. Com relação às monitoras, estas têm como formação o ensino fundamental completo ou o ensino superior incompleto, cursando Pedagogia.

 

Procedimentos para coleta de dados e descrição do contexto de pesquisa

Foi concedida a permissão para a realização do estudo, por meio da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido pela diretora da instituição e pelos pais das crianças das turmas observadas. Para observar e registrar as interações das crianças em situações de brincadeira, foram utilizados câmera de vídeo, lápis e papel.

Foram realizadas 10 observações, das quais 9 foram transcritas e 1 foi utilizada como estudo-piloto. Cada observação teve como foco as interações em torno da criança sorteada, sendo três observações videogravadas para cada grupo de idade. As observações tiveram a duração média de 20 minutos, dos quais foram desconsiderados os 5 primeiros e os 5 últimos minutos e retirados 10 para análise. Durante as observações, a pesquisadora ficou posicionada no ambiente, de modo a privilegiar a livre interação das crianças. A única instrução dada à(o) educador(a) é que "deixasse a criança o mais livre possível, da maneira que costuma brincar habitualmente". Tal instrução considera que, nesse contexto, o trabalho cotidiano das educadoras seria coordenar as atividades das crianças também em torno do uso de brinquedos e das brincadeiras.

As observações foram realizadas na sala de aula em três instituições públicas de educação infantil, estando presentes nas observações todas as crianças da turma. A escolha das turmas observadas nas instituições foi realizada de acordo com a disponibilidade do local e as turmas presentes na instituição (berçário, maternal I e maternal II). Referentes à estrutura e funcionamento das instituições visitadas, duas funcionam de forma integral e uma funciona em meio período. As três instituições têm as seguintes turmas: berçário (até 2 anos), maternal I (2 anos), maternal II (3 anos), pré-escolar I (4 anos) e pré-escolar II (5 anos). De forma geral, as instituições são públicas, atendem filhos de funcionários e moradores dos bairros próximos, sendo a maioria de classe socioeconômica baixa e médiabaixa. Nas três instituições, havia uma variedade de brinquedos de várias texturas, tamanhos e cores, fantoches, jogos de montar/encaixe, massa de modelar, livros infantis, brinquedos construídos com material reciclado, escorrego de plástico.

Percebeu-se certa similaridade no que se refere à organização das salas, as quais eram amplas e compostas de pequenas mesas com formato circular, e estantes com brinquedos e livros infantis. Além disso, vale salientar que as crianças tinham familiaridade com os brinquedos dispostos na sala, já que brincam frequentemente com eles, revelando durante as sessões de observação interesse pelos brinquedos, que estavam espalhados pela sala antes das observações serem iniciadas.

 

Procedimentos para análise dos dados

O estudo consiste em uma pesquisa de campo do tipo observacionaldescritiva, com delineamento transversal. Os dados coletados foram analisados qualitativamente por meio da descrição minuciosa das interações das crianças com as demais, com a educadora e com os brinquedos. Para análise dos dados, as interações observadas foram organizadas em episódios com base em três contextos interativos de análise, com base nos pressupostos de Tomasello (1995, 2003) referentes às relações as crianças nos primeiros anos de vida com pessoas e objetos:

a) contexto diádico: caracterizada pela interação criança-criança, criançaeducador ou ainda criança-objeto (brinquedo).
b) contexto triádico: episódios nos quais a criança interage com outra criança ou com o adulto, e algum outro elemento para o qual ambos dirigem suas ações, no total de três participantes. Ex.: criança-objeto-criança e criançaobjeto- educador.
c) contexto poliádico: a interação entre a criança e outros sujeitos, com ou sem objetos, no total de quatro ou mais participantes. Ex.: criançacriança- objeto-educador, criança-criança-objeto-criança.

A delimitação dos episódios se deu pela mudança de objeto ou da dupla/ grupo interativo, demarcando o início ou término de um novo episódio, no qual a criança sorteada sempre estava presente. Essa delimitação teve como base o estudo de Pedrosa e Carvalho (2005), no qual um episódio caracterizase por uma sequência interativa que envolve um grupo de crianças a partir da organização que formam e, ou, da atividade que desenvolvem.

Esses episódios se concentraram ainda em três aspectos dessas interações:

a) as modalidades de brincadeira que ocorreram nas interações;
b) os tipos de uso dos brinquedos por parte das crianças em cada grupo de idade; e
c) os tipos de participação do adulto/educador durante as interações. As observações realizadas foram transcritas, buscando detalhar, de forma minuciosa, os movimentos da criança, a direção do seu olhar, as falas, com quem ou o que interagia, e de que forma se davam as brincadeiras e o uso dos brinquedos. É importante lembrar que os nomes escolhidos para as crianças nos episódios são fictícios.

Nos três contextos interativos (diádico, triádico e poliádicos), o brincar se configurou de diferentes maneiras, sendo definidas categorias com base na literatura (Sager & Sperb, 1998; Moraes, 2001; Cordazzo, Westphal, Tagliari, Vieira & Oliveira, 2008) e nos dados da presente pesquisa, visando a uma melhor análise e compreensão do brincar, tal como segue abaixo:

a) brincar convencional: a forma esperada de utilização do brinquedo. Ex.: chutar uma bola.
b) brincar exploratório: atividade de explorar/manipular o brinquedo. Ex.: puxar e morder o cabelo de um fantoche.
c) brincar simbólico: envolve uma situação imaginária, podendo ser caracterizado por uma brincadeira de faz de conta. Ex.: montar peças de Lego, afirmar que é um avião e levantá-lo no ar como se estivesse voando.

A distinção entre as categorias brincar simbólico e brincar convencional se deu pelo fato de o brincar simbólico envolver principalmente uma situação imaginária, diferentemente do brincar convencional, que expressa o uso formal do objeto, como colocar um celular de brinquedo no ouvido e dizer "alô", em vez de colocá-lo na boca.

Por entender o educador como um importante agente na mediação sociocultural, considerando que o comportamento de cada sujeito presente no contexto afeta o curso das interações, optou-se pela descrição dos tipos de participação das educadoras presentes nos episódios interativos. Especificamente, verificou-se:

a) se a interação da educadora com a criança variava conforme cada período do desenvolvimento;
b) se a educadora utilizava o brinquedo para interagir com a criança; e
c) se a brincadeira evidenciava aspectos positivos, como trocas faciais, sorrisos e trocas de olhares.

 

Aspectos éticos

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde, protocolo CEP/HULW n° 045/11, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). A pesquisa foi realizada de acordo com as prescrições da Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que regulamenta as pesquisas envolvendo seres humanos.

 

Resultados e discussão

Os resultados descritos a seguir expõem as análises das observações videogravadas, buscando evidenciar os fluxos interativos que emergiram nas interações entre os sujeitos durante o brincar. A figura 1 expõe as configurações dos formatos interativos e suas variações em cada grupo de idade.

 

 

Pela observação da Figura 1, percebe-se que os arranjos interativos diádicos configuraram-se em 10 episódios no grupo de crianças de 1 ano, e em 2 episódios nos grupos de crianças de 2 e 3 anos. Os arranjos interativos triádicos0, foram observados nas crianças de 1 ano, em 15 episódios; nas crianças de 2 anos, em 9 episódios, e nas crianças de 3 anos, em 13 episódios. Já arranjos interativos poliádicos, estiveram presentes em 6 episódios no grupo de 1 ano, 9 episódios no grupo de 2 anos, e 7 episódios no grupo de 3 anos.

Dessa forma, no grupo das crianças de 1 ano, as interações diádicas (criançaobjeto) tiveram uma frequência bem maior (10 episódios) que nos outros grupos, enquanto os outros formatos interativos não mostraram diferenças significativas entre os grupos de idade. Pode-se observar, a seguir, um exemplo de uma interação diádica no grupo de crianças de 1 ano: "Daniel (1;4), em pé, no meio da sala, olha para um fantoche que está jogado no chão. Ele se abaixa, pega o fantoche, fica em pé novamente e vocaliza: 'Bé, bé, bé'".

Com relação à interação triádica, esta foi a mais frequente no grupo de crianças de 1 ano, sendo observados 7 episódios criança-objeto-criança e 8 episódios criança-objeto-educador. No episódio diádico, verifica-se a interação entre Daniel e o fantoche encontrado no chão; posteriormente é iniciado um episódio triádico, e Daniel mostra o fantoche para Bruna. Para Meneghini e Camposde- Carvalho (2003), a criança é ativa em seu processo de desenvolvimento, explorando o ambiente e iniciando ações, escolhendo parceiros, objetos e áreas para suas atividades. A partir desse tipo de exploração e observação do ambiente, da escolha e manipulação de objetos, a criança se apropria de novos conceitos, aprende ações planejadas da sociedade e desenvolve ideias acerca da propriedade dos objetos (Elkonin, 2009).

A interação poliádica foi a menos frequente no grupo de crianças de 1 ano (6 episódios). Estas brincaram mais de forma individual ou em dupla, confirmando o que foi encontrado por pesquisadores do desenvolvimento infantil (Bonome- Pontoglio & Marturano, 2010; Lordelo & Carvalho, 2006; Mendes & Moura, 2004). As interações poliádicas envolveram o grupo de crianças, o objeto/ brinquedo e o educador. A educadora esteve presente em todos os episódios desse formato interativo, e foi ela que sempre iniciou as brincadeiras, sendo frequente o uso de comandos ou instruções direcionadas às crianças, o que pode justificar a presença dos episódios poliádicos nesse grupo.

Nessa análise, deve-se estar atento para o fato de que a estruturação do brincar está em constante relação com as interações desenvolvidas, dependendo dos parceiros de brincadeira (educadoras, outras crianças), bem como da organização do ambiente e dos brinquedos disponíveis (Lordelo & Carvalho, 2006).

No que tange às modalidades do brincar, no grupo de crianças de 1 ano, ocorreu o brincar de forma convencional e exploratória. Nesse grupo, o brincar convencional esteve presente em 13 episódios e apareceu nas formas de brincar com a bola (jogar, segurar ou chutar), bater com o dedo nas teclas de um piano e andar em um triciclo. Um exemplo do brincar convencional pode ser observado no seguinte episódio: "Ana (1;5) está sentada no chão da sala segurando um piano de plástico na sua frente e bate com um dedo nas teclas do piano". Nesse episódio, o brincar convencional é caracterizado pelo uso do brinquedo com a finalidade esperada, tocar as teclas do piano.

Com relação ao brincar exploratório (12 episódios), ele pôde ser observado das seguintes formas: mexer e sacudir um fantoche, puxar o nariz e o cabelo de um fantoche, bater com as mãos num piano de plástico e girá-lo de um lado para o outro, sacudir e girar um sapo de borracha. Para Elkonin (2009), a partir da exploração dos objetos, a criança os conhece e aprende as ações planejadas da sociedade. Porém, para que a criança aprenda a forma convencional de utilização do brinquedo, é fundamental a mediação pelo adulto das suas formas de uso, já que são eles que transmitem para as crianças as formas de execução para que estas possam realizá-la com autonomia (Elkonin, 2009). Dessa forma, entende-se a relevância do uso exploratório do brinquedo e da intervenção do adulto nesse formato do brincar para o desenvolvimento da criança.

Além da importância da intervenção do adulto nesses momentos, deve-se levar em conta também a qualidade dessa interação. Para Bonawitz et al. (2009), embora o uso de instruções diretas pelos educadores ofereça estratégias para a aprendizagem de conceitos, ela limita o uso exploratório do brinquedo pelas crianças, já que estas geralmente exploram os objetos quando não estão sendo explicitamente instruídas e sim quando agem intencionalmente sobre eles.

No que se refere à participação da educadora nas brincadeiras com as crianças, no grupo das crianças de 1 ano, o brincar sempre foi iniciado pelas educadoras e apareceu acompanhado do uso da linguagem verbal. Esta se caracterizou pelo uso de instruções ou comandos. Exemplifica esse tipo de participação, o seguinte episódio: "Daniel (1;4), em pé, segura uma bola de frente para a professora, que está sentada no chão, olhando para ele, e diz 'Ê, joga a bola'. Daniel olha para a professora e joga a bola para ela, que olha para ele, sorri e, em seguida, pega a bola".

Nesse episódio, o brincar foi iniciado pela professora em continuidade ao comportamento da criança (Daniel) de estar segurando uma bola. A brincadeira foi mediada linguisticamente pelo uso de instruções ou comandos ("Ê, joga a bola") e evidenciou trocas de olhares e sorrisos, este último apenas por parte da professora. Ela dirigiu a situação, utilizou entonação de voz positiva, e Daniel participou ativamente da brincadeira. Nesse sentido, percebe-se que a presença da educadora estimulando as interações com a criança é importante para que esta se sinta motivada e engajada na interação e possa desenvolver suas potencialidades (Amorim & Rossetti-Ferreira, 2008).

A interação da criança com o educador teve uma diminuição significativa no grupo de crianças de 2 anos. Nesse grupo, o formato interativo menos frequente foi o diádico (2 episódios), enquanto as interações triádicas tiveram uma frequência de 9 episódios, dos quais 8 foram criança-objeto-criança e apenas 1 episódio criança-objeto-educador. Dessa forma, observam-se, além da diminuição da interação com o educador, a redução da brincadeira individual e o aumento da brincadeira em pequenos grupos.

A interação triádica ocorreu entre duas crianças e o objeto, e caracterizouse por contextos nos quais cada criança tinha o seu brinquedo (Lego, balde de areia ou carro), observava a brincadeira do outro, imitava suas ações e interagia verbalmente acerca do que estava fazendo. Isso pode ser identificado no seguinte trecho, no qual Raquel é a criança foco da observação: "Bruna (2;8) se aproxima de Raquel (2;5), que está sentada enchendo um balde com areia. Ela pega outro balde que está no chão, senta na frente de Raquel, olha para ela e diz: 'Tou fazendo um bolo'. Raquel olha para ela e diz: 'Tou fazendo um bolo'". Nota-se que, nesse episódio, Bruna repete uma ação que já estava sendo realizada por Raquel e, quando diz que está fazendo um bolo, Raquel repete o que foi dito por ela.

Para Rossetti-Ferreira, Amorim e Oliveira (2009), as características das pessoas, seu modo de ser e agir são continuamente negociados e recriados nas interações sociais, de forma que as pessoas se constituem e dão significado para os outros e para o mundo ao redor. Segundo essas autoras, o aprendizado pode ocorrer pela interação com diferentes parceiros na realização de tarefas, por meio da observação, imitação e transmissão social. No episódio anterior, observamos a interação entre Bruna e Raquel, na qual uma observa e imita o comportamento da outra.

Esses comportamentos de observação e imitação também foram observados nos episódios das interações poliádicas. No grupo de crianças de 2 anos, foram observados 9 episódios desse formato, dos quais a educadora esteve presente em 5 episódios. Acerca das interações entre as crianças, de acordo com Mendes e Moura (2004), por volta do segundo ano de vida, a linguagem oral se encontra mais presente, o brincar convencional aumenta, e as crianças se envolvem mais em brincadeiras em grupo/dupla do que em brincadeiras solitárias, aspecto da interação que também foi observado neste estudo.

Em relação às modalidades do brincar nesse grupo, observou-se que o brincar convencional ocorreu em 9 episódios; ou seja, houve uma redução no número de episódios de brincar convencional comparado com o grupo de crianças de 1 ano, no qual foram observados 13 episódios. Porém essa redução pode ser explicada pela frequência com que as crianças de 1 ano mudavam de brinquedo e dupla interativa, já que, nesse período inicial de desenvolvimento, a habilidade de focar a atenção por mais tempo e de concentração numa mesma tarefa é menor, mudando com maior frequência de atividade.

O brincar convencional nesse grupo se configurou como colocar areia dentro de um "baldinho de areia", sentar em um trem de brinquedo, encaixar peças de Lego, olhar para sala através da janela de uma casinha de plástico. No episódio a seguir, tem-se um exemplo do brincar convencional nesse grupo: "Paulo (2;4) olha para Bia (2;5), que está parada e olhando para frente com uma peça de Lego na mão, mostra as peças e ela e diz: 'Me ajuda... que eu não sei colocar, olha, olha, olha, eu quelo (quero) colocar, quelo (quero) colocar a roda'. Bia segura as peças e tenta encaixá-las, mas também não consegue".

Paulo realiza um brincar convencional ao utilizar as peças do brinquedo (Lego) com a sua finalidade específica (tentando montá-las), porém ele não consegue montar as peças e pede ajuda a outra criança que também estava brincando com peças de Lego. Nesse estrato do episódio, o brincar convencional envolveu uma interação com outra criança e um pedido de ajuda para aprender como utilizar o brinquedo, o que poderia interferir e alterar seu modo de uso do brinquedo. Esse tipo de interação demonstra que as crianças se beneficiam das interações sociais que estabelecem com as pessoas de seu entorno e estas podem interferir em suas zonas de desenvolvimento (Vygotsky, 2000).

As interações entre as crianças estiveram presentes em todos os episódios em que foi observado o brincar simbólico nesse grupo. Essa modalidade do brincar esteve presente em 10 episódios, aparecendo primeiramente no grupo de crianças dessa idade. A brincadeira simbólica surge, conforme Queiroz, Maciel e Branco (2006), devido à criança estar em constante desenvolvimento, e, desse modo, novas formas de brincar aparecem. Vale salientar que, como o brincar simbólico envolve o uso cultural do brinquedo, no qual ele é utilizado da forma esperada e de acordo com sua finalidade, o uso do brinquedo nessa modalidade do brincar além de simbólico seria também convencional.

Nesse grupo, o brincar simbólico foi observado nos seguintes formatos: colocar a tampa do balde em cima dele e dizer que vai "construir uma torneira"; colocar areia dentro do balde e dizer que está "fazendo bolo de chocolate"; despejar a areia do balde no chão e dizer que está "construindo uma montanha"; correr de uma das crianças que diz ser o "lobo mau"; colocar uma fralda em volta do pescoço dizendo que está "com o braço quebrado".

Com relação ao brincar exploratório, ele foi observado em ações das crianças, como mexer na massinha de modelar que estava dentro de uma garrafa de plástico, apertar botões de um carro de brinquedo e mexer nas rodas de um carro de brinquedo. Porém se observou que, no grupo de 1 ano, esse formato do brincar apareceu em 7 episódios, enquanto foi observado em apenas 3 episódios no grupo de 2 anos.

Um exemplo do brincar exploratório nessa idade pode ser encontrado no seguinte episódio: "Caio (2;4) arrasta o carro em cima da mesa, o carro vira, ele o traz para perto e mexe nas rodas. Depois o vira novamente, coloca-o em cima da mesa e mexe em uns botões que tinham em cima do carro". Nesse episódio, Caio já conhecia o uso convencional do carro, "arrasta o carro em cima da mesa", e realiza um uso exploratório do brinquedo, "mexe em uns botões que tinham em cima do carro", provavelmente para conhecer suas outras funções. Nesses momentos a intervenção do adulto/educador, é importante no sentido de explorar a situação da brincadeira e apresentar novos elementos à interação.

Com relação à presença das educadoras nesse grupo, elas interagiram menos e, na maioria das vezes, apenas quando solicitadas pela criança. Nessas ocasiões, a educadora interagiu com a criança em uma brincadeira já iniciada: "Raquel (2;5) estava sentada no chão, pegando areia com as mãos e colocando dentro de um balde de plástico que estava no chão em sua frente. Então ela olhou para a monitora e disse: 'Tou fazendo a comida', que olha para ela e responde: 'Ela tá fazendo a comida... qual a comida que você tá fazendo Raquel?'. Raquel responde: 'Bolo'".

Nesse episódio, a educadora encorajou uma atividade já iniciada pela criança e utilizou uma entonação de voz positiva, reformulando o que foi dito por Raquel, "qual a comida que você está fazendo Raquel?", e dando um feedback: "Tá fazendo bolo?". A educadora utilizou-se do que Vectore (2003) denomina expansão, quando tenta ampliar a compreensão da criança acerca de algo que ela já conhecia a partir do incentivo de relatos acerca da brincadeira que estava realizando.

No grupo das crianças de 2 anos, também foi bastante observado na interação das educadoras com as crianças o uso da linguagem oral, a fim de indicar como utilizar o brinquedo, questionar a criança acerca da brincadeira que estava realizando e instruir ou dar comandos sobre o que não podia ser realizado. Dessa forma, pode-se perceber que as interações das educadoras nesse grupo tiveram como ênfase o uso da linguagem oral, possivelmente devido à maior compreensão e utilização dela pelas crianças. Porém se percebe a relativa ausência das educadoras nos episódios de interação com as crianças nas observações desse grupo de idade, presentes apenas quando solicitadas.

A pouca participação das educadoras nos episódios interativos também foi observada no grupo de crianças de 3 anos. Nas observações desse grupo, as interações triádicas foram as mais frequentes (13 episódios), configurandose como criança-objeto-criança em 11 episódios. Nesse formato interativo, os brinquedos (peças de Lego, bonecas) foram compartilhados, e as tarefas divididas entre as crianças (montar as peças do brinquedo em conjunto, entregar a boneca para a outra criança). O formato interativo menos frequente foi o diádico (2 episódios), assim como no grupo de crianças de 2 anos.

As interações poliádicas foram observadas em 7 episódios, envolvendo sempre um grupo de crianças e um objeto. Nesses episódios, as crianças iniciaram as brincadeiras, houve compartilhamento de brinquedos e divisão de tarefas, além de ter sido observado o uso da linguagem: "Letícia (3;7) olhou para Tiago (3;4) e disse: 'Você começa bem rápido' (pegam peças de encaixe do chão e colocam dentro de um hipopótamo de brinquedo)".

Para Solorzano (2012), os jogos coletivos proporcionam a aprendizagem de normas de conduta, normas sociais e apropriação da cultura, permitindo à criança ser parte de um grupo e assumir as normas de condutas sociais. Para essa autora, por meio da convivência em grupo, há a aprendizagem da linguagem, que possibilita a socialização e a transmissão da cultura.

Na brincadeira em grupo, foi observada a presença do brincar convencional e simbólico. O brincar convencional esteve presente em oito episódios e foi encontrado como montar uma torre com peças de Lego, desmontar a torre e montá-la novamente, colocar peças de montar dentro de um brinquedo de encaixe. Nos episódios do brincar convencional, as crianças compartilharam brinquedos e dividiram tarefas.

Com relação ao brincar simbólico, houve um maior número de episódios (14) que envolveram essa modalidade do brincar, sendo encontrada nos seguintes exemplos: vestir a roupa em uma boneca, balançar a boneca nos braços, colocar uma boneca "sentada" nas costas de outra criança, colocar "voando" o objeto que construiu, dizendo que era um avião.

Sobre esse aspecto, Elkonin (2009) afirma que as crianças mais velhas dão significados concretos para os brinquedos durante o jogo, desenvolvem uma ordem lógica e incorporam papéis sociais. Entre os 2 e os 3 anos, essas ações seguem uma ordem de ações ligadas que reflete a ordem das ações realizadas no cotidiano, o que pode ser observado no presente estudo, dado que houve um maior número de brincadeira simbólica no grupo de crianças de 3 anos. As crianças atribuíram significados para os brinquedos durante o jogo (avião, boneca, binóculo), incorporando na brincadeira papéis sociais (mãe/filha) e ações próprias do cotidiano (comer, tomar banho, dormir): "Thais (3;5 meses) colocou uma boneca em cima da mesa e fez movimentos circulares com a mão, como se estivesse lavando a boneca. Depois, ela fez movimentos circulares com a mão, enxugando a boneca, colocou a boneca no colo e a vestiu".

Nesse episódio, há o brincar de "faz de conta", no qual a criança repete uma ação ou modo cultural internalizado quando dá banho em uma boneca. Essa brincadeira segue uma ordem de ações reais, pois a criança representa ações sociais por meio da brincadeira, retratando, no brincar, o comportamento do adulto com base em uma ação aprendida que reflete a internalização de condutas socioculturais.

Quanto a essa questão, para Vygotsky (2000), a criança se apropria da cultura e utiliza nas brincadeiras aquilo que compreendeu, transmitindo, com sua ação, um significado particular e de forma livre, ou seja, utilizando a imaginação. Ainda segundo esse autor, a situação imaginária contém regras de comportamento que tem sua origem na própria situação, apesar de não definidas previamente. Por exemplo, quando a criança imagina-se como mãe e a boneca como criança, ela obedece na brincadeira às regras do comportamento maternal, e sua relação com o objeto se organiza em torno dessas regras. Isso porque as crianças são capazes de perceber todas as informações do ambiente no qual estão inseridas, e esse processo requer a presença dos adultos, já que estes proporcionam situações que favorecem e promovem o desenvolvimento (Solorzano, 2012).

Com relação à participação da educadora nas interações com as crianças dessa idade, ela conversou com as crianças acerca de um brinquedo, ou não respondeu à solicitação da criança. Nesse grupo, assim como no grupo das crianças de 2 anos, na maioria das vezes em que houve a interação adulto-criança, foi a criança que solicitou algo à educadora.

Dessa forma, observa-se que as educadoras interagiram com maior frequência nas observações do grupo das crianças de 1 ano, presentes em 15 episódios. Já no grupo das crianças de 2 anos, interagiram com as crianças em 6 episódios e, no terceiro grupo, essa presença foi reduzida para 5 episódios. Também foi verificado que a presença das educadoras esteve relacionada com o cuidado, o controle e a orientação da conduta das crianças, especialmente no grupo de crianças de 1 ano, o que também foi encontrado por Ramos & Salomão (2012) e Lordelo (1998).

A diferença na presença das educadoras nos grupos de idade pode ser explicada possivelmente pelo entendimento de que as crianças menores precisam de maior cuidado e ajuda da parte delas, por estarem em um estágio inicial de desenvolvimento. De acordo com Lordelo (1998), é nesse período que aumenta a capacidade de locomoção e alimentação independentes da criança, além de perigos de quedas e conflitos por objetos. Nesse sentido, aumentam as tentativas do adulto de manter as crianças em ordem.

A ausência das educadoras em determinados episódios pode estar relacionada com o contexto de brincadeira livre e de suas próprias concepções sobre o seu papel nesse contexto. De acordo com Carvalho, Alves e Gomes (2005), em uma pesquisa realizada com 10 educadores de 5 instituições, os profissionais pareciam entender as situações de brincadeira livre, como o brincar espontâneo da criança que não exige sua participação. Dessa forma, em vez de o brincar ser considerado como um momento de aprendizagem e desenvolvimento, por atuar na ZDP e ser uma atividade extremamente atrativa nesse período, essa atividade aparece nas instituições educativas de forma livre, sugerindo ora uma falta de planejamento, ora um desconhecimento sobre o real papel do brincar no desenvolvimento infantil, aliado ainda à ideia de entretenimento ou liberação de energia.

Contrário a esta última ideia, Vygotsky (2000) enfatizou que as crianças se desenvolvem a partir das interações sociais e das brincadeiras, e que é importante a participação do adulto nesses momentos. Os professores devem estruturar a brincadeira de forma a contribuir para a aprendizagem da criança, proporcionando um ambiente alegre e estimulante para o desenvolvimento, criando, dessa forma, um espaço educativo significativo (Rossetti-Ferreira et al., 2009; Sevilla, 2010; Smith & Pellegrini, 2011).

Ao explorar as implicações pedagógicas das ideias de Vygotsky para a educação de crianças pequenas, Mello (2010) afirma que o meio é fonte do desenvolvimento desde a infância e que a criança tem um papel ativo, sendo rica em possibilidades, capaz de estabelecer relações com o mundo. No que se refere ao contexto de creche e às pessoas que o compõem, Sevilla (2010) defende que um espaço educativo significativo é aquele que promove a aprendizagem e o desenvolvimento humano. Nesse sentido, são as relações estabelecidas nesse ambiente que permitem a construção complexa e dinâmica de um conhecimento estruturado. Para Solorzano (2012), a falta de estímulo do adulto limita a capacidade da criança que, ao não contar com espaço e atenção adequados, não desenvolve todo seu potencial. Dessa forma, ressalta-se a necessidade de construção de espaços que permitam as interações sociais e reconheçam a importância do contexto e da cultura nos quais a criança constrói sua individualidade, estabelece os primeiros vínculos sociais e desenvolve suas competências (Rossetti-Ferreira et al., 2009; Sevilla, 2010).

 

Conclusões

Este estudo analisou as modalidades do brincar e o uso de brinquedos de crianças nos três primeiros anos de vida, em contextos de creches. As análises das interações registradas permitiram identificar que os arranjos interativos diádicos foram mais observados no grupo de crianças de 1 ano, enquanto os triádicos e os poliádicos tiveram pouca variação nos três grupos de idade. Com relação às modalidades do brincar, o exploratório foi mais observado no grupo de crianças de 1 ano, enquanto o brincar simbólico foi observado apenas nos grupos de idade de 2 e 3 anos, sendo mais frequente no grupo das crianças de 3 anos. Os resultados encontrados corroboram o que afirma a literatura da área, acerca da redução da brincadeira individual e do aumento da brincadeira em pequenos grupos no grupo de crianças de 2 e 3 anos (Lordelo & Carvalho, 2006; Mendes & Moura, 2004), o aumento do número de episódios que envolvem o brincar convencional, o surgimento da brincadeira simbólica, além dos significados atribuídos pela criança ao brinquedo durante a brincadeira (Piaget & Inhelder, 2003; Vygotsky, 2000). Além disso, foi observada a ausência das educadoras nas situações de interação, principalmente com as crianças de 2 e 3 anos.

As discussões geradas dos dados empíricos sobre o brincar das crianças estudadas podem trazer contribuições para um diálogo profícuo entre os campos da Psicologia do Desenvolvimento e da educação infantil. O trabalho do psicólogo escolar e educacional no contexto de educação infantil envolveria intervenções psicopedagógicas que mobilizariam os educadores e monitores de sala na perspectiva de promover a ressignificação de práticas que expressariam a noção de que as crianças se desenvolvem a partir das interações sociais e que o uso intencionalmente pedagógico da brincadeira por parte dos educadores seria promotor de aprendizado e desenvolvimento.

Assim, sugere-se que futuros estudos analisem, de forma mais detalhada, os tipos de atuação e a qualidade dos episódios interativos estabelecidos entre educadores e crianças em contextos de creches e pré-escolas, com vistas a subsidiar intervenções psicopedagógicas que potencializem a mediação do educador pela via do brincar. Além disso, a realização de um levantamento mais amplo das modalidades do brincar de crianças nos primeiros anos de vida pode permitir a identificação precoce de prejuízos nas habilidades sociocomunicativas e cognitivas infantis, sobretudo considerando seu impacto no desenvolvimento global infantil.

 

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Texto recebido em junho 2013 e aprovado para publicação em fevereiro de 2014.

 

 

*Mestranda do programa de Pós-graduação em Psicologia Cognitiva da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), graduada em Psicologia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Endereço: Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Departamento de Psicologia. Jardim Universitário, s/nº - Castelo Branco, João Pessoa-PB. CEP: 58051-900. E-mail:keilla.rso@gmail.com.
**Professora adjunta da UFPB e do Programa de Pós-graduação em Psicologia Social (UFPB). Endereço: Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Departamento de Psicologia. Jardim Universitário, s/nº - Castelo Branco, João Pessoa-PB. CEP: 58051-900. E-mail:fabiolabrazaquino@gmail.com.
***Professora adjunta da UFPB. Endereço: Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Departamento de Psicologia. Jardim Universitário, s/nº - Castelo Branco, João Pessoa-PB. CEP: 58051-900. E-mail:nmrs@uol.com.br.
****Mestranda do programa de Pós-graduação em Psicologia Cognitiva da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), graduada em Psicologia pela UFPB. Endereço: Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Departamento de Psicologia. Jardim Universitário, s/nº - Castelo Branco, João Pessoa-PB. CEP: 58051-900. E-mail:clararfm1@hotmail.com.


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