SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.21 número1Ciberespaço: uma nova configuração do ser no mundo índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Psicologia em Revista

versão impressa ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.21 no.1 Belo Horizonte jan. 2015

http://dx.doi.org/DOI-10.5752/P.1678-9523.2015V21N1P197 

ARTIGOS

DOI - 10.5752/P.1678-9523.2015V21N1P197

 

 

Artigo traduzido

 

Técnicas socioclínicas para a análise institucional das práticas sociais 1

 

 

Gilles Monceau*

 

 

A análise institucional das práticas sociais como uma das modalidades da socioclínica institucional supõe o manejo de técnicas operatórias experimentais sobre diferentes domínios.

Tenho, essencialmente, desenvolvido minhas pesquisas a partir de encomendas feitas pelas equipes de estabelecimentos ou de organizações.2 Trabalho, ainda, no contexto de encomendas, de pesquisas feitas por grandes organizações privadas e estatais. Do meu ponto de vista, não há cisão entre essas diferentes modalidades de encomendas, ambas são pesquisas que tratam da atualidade das questões institucionais, em matéria educativa, de saúde ou social. Elas estão envolvidas tanto com as preocupações dos responsáveis, dos que decidem, quanto dos profissionais do campo. Ao trabalhar a partir das solicitações e das encomendas que as acompanham, é preciso reconhecer sua complexidade e os processos institucionais que as induzem. Cada um desses processos segue uma lógica de institucionalização que comporta tensões internas. A negatividade dos processos informa ao pesquisador a sua positividade. A distinção entre esses dois polos não é imediatamente perceptível; ela é produzida pelo trabalho analítico no qual os sujeitos envolvidos estão necessariamente associados.

 

Implicação e prática profissionais

A implicação profissional é o conjunto das relações que o sujeito estabelece com a profissão (pensada como instituição com sua dinâmica própria) à qual ele pertence, e com as outras instituições nas quais, ou em ligação às quais, ele exerce sua profissão. Essa implicação pode diminuir de acordo com a profissão, o estabelecimento, a organização Educação Nacional, ou mesmo as instituições escolares.3 E isso conforme as dimensões libidinal, organizacional e ideológica. Quanto à prática profissional, ela é constituída do conjunto de atualizações das implicações profissionais de um sujeito, principalmente das falas, dos escritos e dos atos. A prática profissional é, mais amplamente, toda prática social, incluindo maneiras de se relacionar com os outros membros da profissão (e, ou, com outras instituições envolvidas na profissão), de pensar essas relações e de lhes atribuir sentidos e valores. É assim que os profissionais se reconhecem entre eles, pelos elementos implícitos, compartilhando os elementos comuns de subjetividade.

As implicações profissionais se atualizam e se potencializam segundo situações múltiplas; elas não são, portanto, distribuídas de maneira aleatória, uma vez que elas têm a sua própria coerência.

Para avançar nessa perspectiva de análise socioclínica, importa que o clínico não seja prisioneiro de um campo ou de um objeto. É necessário passar da profissão de docente para as profissões da saúde ou do trabalho social, para se evitar atribuir a uma profissão os traços que são, de fato, gerados por um processo institucional transversal a diferentes profissões.4 Dessa forma, as resistências docentes ao processo de profissionalização ganham ao serem remetidas às profissões que suscitam o mesmo processo nos trabalhos das áreas de saúde e sociais. As diferenças, portanto, são grandes entre as implicações de ensino nas escolas públicas francesas, brasileiras ou mexicanas. Mesmo a ideia da existência de uma instituição escolar é comumente de difícil compreensão aos meus interlocutores latino-americanos, uma vez que suas histórias de diálogos entre escola e Estado são muito diferentes da história escolar francesa. Em compensação, tudo isso nos permite desnaturalizar a escolarização à francesa. No domínio do trabalho social e da saúde, as diferenças são ainda maiores. O trabalho social, assim como pensado na Europa, é praticamente inexistente na América Latina, onde os "trabalhadores da saúde" exercem comumente o papel de animadores sociais.5 Dessa forma, processos institucionais similares atravessam essas realidades organizacionais tão diferentes. A responsabilização e a autonomização crescentes dessas profissões tornam-se bons exemplos disso. Eu pude trabalhar esses processos durante os encontros e seminários que, partindo de questões bem técnicas (educativas ou sanitárias), possibilitaram-me acesso a essas singularidades institucionais.

 

Staff rotativo e heterogêneo

Por ocasião de uma intervenção socioanalítica (Monceau, 1997), as atividades rotineiras do estabelecimento envolvido cessam durante o trabalho analítico, o que dura, geralmente, alguns dias.6 A intervenção toma assim o lugar do funcionamento ordinário. Essa modalidade de intervenção é mais rara hoje em dia, porém ela constituiu a prática corrente nos anos 1970. As intervenções socioanalíticas, como outras modalidades de trabalho socioclínico, desenvolvem-se atualmente, com mais frequência, com uma duração que pode se estender por alguns anos. De fato, desde o final dos anos 1980, as intervenções socioanalíticas de curta duração tornaram-se raras, e o nome de socioanálise é mais frequentemente utilizado. Contudo a intervenção socioanalítica não foi abandonada e passou a designar um trabalho que se realiza sob a forma de sessões espaçadas ao longo tempo. A palavra intervenção, que qualificava originalmente a brevidade da ação e seu vigor (como acontece em uma ação militar ou policial), é mais utilizada hoje para significar o fato de "estar entre" e de adentrar, dessa maneira, na densidade social de uma situação. Fazendo assim, os praticantes da análise institucional seguem o mesmo procedimento que os sociólogos da intervenção.

Durante uma intervenção de curta duração (quando se suspende toda atividade no estabelecimento), a equipe de intervenção (o staff) é fixa. Por outro lado, em uma intervenção de longa duração, o staff pode evoluir em sua composição. Laura Catini e eu chamamos "staff rotativo" (Catini & Monceau, 2000) a essa técnica de intervenção. Trata-se mais de uma rotação do que de uma renovação. Os diferentes membros do staff não participam de todos os encontros, mas retornam regularmente ao estabelecimento. Existe, então, ao mesmo tempo, uma continuidade e uma descontinuidade. Essa modalidade de trabalho já era praticada bem antes de nós, por Gérard Mendel e sua equipe no cenário da sociopsicanálise (Mendel & Dosse, 1999).7 Ao espaçar sua presença no tempo da intervenção, os interventores se colocam em uma situação que os aproxima de numerosas práticas etnográficas nas quais as observações, espaçadas, vão se repetir em um longo período, podendo durar vários anos.

O etnógrafo passa a ter acesso à dinâmica social do estabelecimento e não mais somente aos fatos momentâneos. Essas semelhanças de procedimentos metodológicos permite dialogar mais facilmente com os colegas que praticam esse tipo de trabalho. É também o que me permitiu desenvolver, sem ruptura significativa, uma modalidade de pesquisa-participante8 que eu designo como pesquisa socioanalítica.

Nos primeiros anos de experimentação da intervenção socioanalítica, durante os anos 1960, a influência da autogestão era predominante. Assim, os staffs (equipes de intervenção) que se constituíram no final dos anos 1960 e no início dos anos 1970 apresentam uma igualdade formal entre os membros, apesar de uma grande heterogeneidade de suas experiências. Geralmente esse é o caso de Lapassade (nesses anos, mais usual do que Lourau), quando agrega certos estudantes para intervirem com ele, ou, então, quando os estudantes constituem entre eles staffs para responderem às encomendas.

A partir de 1998, ano de minha admissão em Paris VIII, eu esperava que meu trabalho fosse acolhido pela universidade, a fim de inscrevê-lo dentro do funcionamento da nossa equipe de pesquisa. Isso supunha a criação de uma base financeira e organizacional. Um efeito dessa institucionalização foi tornar manifestas as diferenças de status universitários entre os membros dos staffs. A heterogeneidade não era somente ligada à experiência de uns e de outros, mas também à diversidade de suas implicações universitárias (docentes, estudantes, antigos alunos). Por outro lado, a atividade socioanalítica gerava confiança da mesma forma que outros contratos de pesquisa. Ela foi, então, por sua vez, reconhecida e difundida. É dentro dessa mudança de enquadre institucional que é necessário situar minha reflexão sobre a evolução da técnica do "staff rotativo".

O interesse da técnica reside, essencialmente, no fato de ela permitir uma renovação das interpretações do staff, ao limitar os efeitos de familiarização entre clientes e interventores. Um incômodo é produzido (Gilon & Ville, 1990) no funcionamento do dispositivo analítico que perturba, ele mesmo, o funcionamento habitual do estabelecimento.

Quando as intervenções são conduzidas em encontros espaçados no tempo, elas são frequentemente limitadas a duas ou três horas. Um staff rotativo produz um tipo de incômodo diferente daquele produzido pela interrupção das atividades do estabelecimento. Ao perturbar a relação entre interventores e clientes, a técnica gera resistências. Num instituto médico-educativo no qual intervi com uma equipe, certos participantes desejavam que eu estivesse presente em cada sessão, e os psicólogos, implicados no trabalho, censuraram o staff de negligenciar a transferência. Eu era o único membro do staff a ter um status universitário, o que causava efeitos que nós devíamos ter previsto. Os efeitos de nossos "pesos institucionais" desiguais vinham desestabilizar o staff em sua cultura autogestionária. Uma vez essa heterogeneidade, sendo reconhecida, gerava, por sua vez, certo retraimento nos outros membros do staff.

Essa intervenção foi seguida por outra, no curso da qual o mesmo fenômeno apareceu. Após um encontro difícil, no qual os dois interventores tinham tido grandes dificuldades para manter o dispositivo, nós tivemos de romper com um "imaginário coletivo" (Giust-Desprairies, 1989) igualitário. Foi-nos necessário distinguir igualdade e desigualdade em direito (no seio da estrutura associativa), em competência (no momento da intervenção) e em reconhecimento social (status diferentes). Nossa prática tinha, então, adotado um modo mais usual, assegurando a cada encontro a presença de um interventor mais experiente, a fim de limitar a colocação de dificuldade àqueles que tinham menos experiência. No entanto limitar esse risco não fez com que ele desaparecesse, uma vez que ele era constitutivo da heterogeneidade do staff.

A competência coletiva que nós desenvolvemos, então, elaborava-se, por sua vez, pela prática in situ e pela reflexão hors sol9 gerida pelas estratégias aplicadas para fazer avançar a análise. Se a rotação dos interventores perturba o grupocliente, ela permite, por outro lado, que a análise do dispositivo socioanalítico permaneça viva, ela perturba igualmente o grupo-interventor. No caso de um staff estável, em uma intervenção de longa duração, é frequente uma diminuição progressiva dos momentos de "caixa preta" (reunião longe dos clientes). Tudo se passa então como se o vivido em comum produzisse uma análise em comum (Sada, 1994). Assim, a heterogeneidade do staff é reduzida, e a análise das implicações dos interventores no trabalho perde em intensidade. Inversamente, a rotação obriga o staff a um trabalho analítico coletivo com maior sustentação. A instabilidade fragiliza igualmente a equipe interventora, ao expô-la mais nitidamente à análise do grupo cliente (o grupo com e pelo qual é conduzida a análise). Por exemplo, este último pode, ele mesmo, classificar os interventores em "profissionais" e os "amadores".10 É o efeito do "analista-analisado", hoje bem identificado em todos os tipos de pesquisa em ciências sociais que promovem um encontro entre pesquisador e pesquisados. É o caso dos trabalhos de Ruth Canter Kohn (1991, 1998) em Ciências da Educação. Caso queira ou não, o pesquisador (observador ou interventor) se encontra implicado na relação de observação, inseridos nos dois polos da pesquisa.

Foi assim, aliás, principalmente levando-se em conta esse fenômeno e integrando o dispositivo, que a equipe de Jacques Van Bockstaele construiu seu próprio método de intervenção (Van Bockstaele, Van Bockstaele & Schein, 1994, jullet). Analisar a maneira pela qual os clientes percebem o staff e as perturbações em interior informa sobre a dinâmica institucional do grupo cliente. Esse trabalho de contratransferência, no entanto, não é sempre contido, e Laurence Gavarini mostrou de que modo, em uma intervenção socioanalítica, os clientes podem fragilizar o staff interventor até a "absorção" dos socioanalistas no funcionamento habitual dos clientes (Gavarini, 1986).

Hoje a heterogeneidade das equipes socioclínicas que eu dirijo é assegurada pelo convite a nelas participarem estudantes de mestrado e doutorado ou colegas estrangeiros em estadia de pesquisa. Isso não se faz necessariamente durante todo o tempo, mesmo de maneira pontual, mas essas presenças nos permitem reavivar a análise do dispositivo de trabalho e as interpretações produzidas com e pelos sujeitos/clientes. Raramente tive a oportunidade de trabalhar no campo com os colegas professores-pesquisadores, isso pelas razões que retornam às nossas próprias implicações profissionais, à conjuntura institucional atual.

 

Cronômetros (planejamento, calendário, emprego do tempo)

O trabalho socioclínico supõe compreender melhor a temporalidade na qual se inscrevem os sujeitos, que têm, por vezes, somente uma percepção confusa ou falsa da realidade na qual se inserem. Essa pesquisa de técnicas visa a objetivar o tempo nas práticas sociais que não é aquele próprio às abordagens clínicas. As técnicas de ocupação do tempo, elaboradas pelos sociólogos para o estudo do funcionamento familiar aporta esta reflexão.

Um artigo publicado em 1965 por uma equipe de sociólogos do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS),11 propôs, ainda, interessantes questões metodológicas sobre o assunto (Guilbert, Lowit & Creusen, 1965). Esses pesquisadores iniciaram, em fevereiro de 1963, um estudo embasado na comparação da ocupação do tempo de homens e mulheres exercendo atividades profissionais em diferentes meios sociais. Esse estudo foi uma extensão de dois outros, um publicado em 1948, por Jean Stoetzel, e outro publicado em 1958, por Alain Gérard.

Em seu artigo metodológico de 1965, Guilbert, Lowit e Creusen (1965) mostram uma preocupação particular ao que eles chamam "o problema do acúmulo de ocupações". Trata-se, a princípio, de uma dificuldade ligada à coleta de dados. Os homens e mulheres que participaram da pesquisa deviam preencher uma grade na qual eles indicariam suas ocupações durante determinados períodos. O fato que muitas atividades poderiam se sobrepor na realidade poderia conduzir o sujeito a escolher entre uma ou outra de suas ocupações para responder à enquete (Eu escuto o rádio ou, melhor, eu tricoto?). O artigo atesta a vontade de reduzir ao máximo o efeito da subjetividade individual. Uma grade que permitisse mencionar a existência de várias atividades simultâneas é proposta aos pesquisados. A anotação do acúmulo deveria então permitir abandonar um elemento de subjetividade particularmente importante no caso de um questionário "linear".

Essa grade apresentou que o acúmulo de funções é extremamente frequente, já que apenas 53 questionários dos 696 não o mencionaram. Os pesquisadores estimam, então, que essa complexidade dos dados se aproxima da "complexidade real", fazendo aparecer as "constelações de ocupações". Contudo, mesmo com essa complexidade crescente, a subjetividade permanece, para esses sociólogos, um problema que se faz necessário ainda reduzir: "[...] torna-se evidente que este método elimina elementos importantes de subjetividade na anotação das respostas. Isso significa, porém, que toda a forma de subjetividade teria desaparecido?".

Para avançar na interpretação dessa complexidade inerente à subjetividade dos indivíduos, os pesquisadores levantaram a hipótese de que as "reações inconscientes" intervêm nas diferenças observadas entre categorias sociais e entre sexos nas classificações de acúmulo de tarefas.12 Lembramos que a expressão dessas diferenças tem sido permitida pela liberdade deixada aos entrevistados, de classificar as ocupações simultâneas na ausência dos pesquisadores.

Se os entrevistados declaram os tempos e os acúmulos de atividades variáveis, por exemplo, pelo cuidado com as crianças, isso é para os sociólogos uma questão de "percepção". Em seguida, são consideradas as dimensões cultural e material: não é somente porque as mulheres executivas são mais preocupadas pela educação das suas crianças que elas lhes disponibilizam mais tempo, é também porque elas dispõem de mais tempo para isso. As operárias dispõem de menos tempo, elas tendem a dar menos importância a essa ocupação, chegando mesmo a acumular essa ocupação com outras.

No que se refere às diferenças entre os sexos, percebe-se que, dentro de um mesmo casal que escuta rádio durante as refeições, os maridos declaram mais tempo acumulado escutando o rádio do que as mulheres. "Ora o rádio funciona durante a refeição para o conjunto da família e durante o mesmo tempo. Parece evidente que, solicitadas para outras ocupações [. . .], as mulheres têm concedido menos importância a escutar o rádio."

 

A conclusão do artigo mostra o deslocamento operado pelos pesquisadores, uma vez que eles tentaram canalizar "o problema da subjetividade". Assim eles consideram que uma pesquisa de ocupação do tempo revela as condições de todas as formas que se desenvolve a vida de um indivíduo em relação aos hábitos, constrangimentos, prejulgamentos e tradições da sociedade na qual ele vive. "Este estudo pode trazer ao mesmo tempo elementos de informação sobre a maneira como é percebido, como é sentido este desenvolvimento da vida cotidiana. Assim, o instrumento da objetivação revela a subjetividade!"

 

Este antigo artigo sociológico me parece particularmente interessante, pela conduta que ele revela. A objetivação aí aparece nitidamente como uma tensão entre técnicas de mensuração e a percepção subjetiva do que é mensurado. É pela tentativa de objetivar os comportamentos humanos que o percebido e o sentido se manifestam.

Na prática socioclínica, o uso do que se chamam os "cronômetros" é, igualmente, o meio de trazer à tona essa tensão. Para a coleta (frequentemente complicada), a produção (no quadro do trabalho socioclínico) ou a análise coletiva (sempre delicada), os empregos do tempo, dos planejamentos, calendários ou a distribuição do tempo, a maneira pela qual o tempo tratado em uma entidade social pode ser trabalhado.

Em um artigo técnico publicado em 2002, eu salientei que a literatura em análise institucional levava insuficientemente em conta a evolução das encomendas. As primeiras intervenções socioanalíticas se desdobraram sob a forma de "estágios" ou de "encontros" nos períodos deixados livres para outras atividades mais centrais. Os clientes realizavam com frequência uma adesão voluntária ao trabalho. Essa modalidade de inscrição dos sujeitos na socioanálise tinha consequências importantes sobre sua dinâmica. Passar da forma de estágio de formação à forma intervenção não é evidente. Georges Lapassade escrevia assim, em 1973, a propósito de seus clientes dirigentes da Mutuelle Nationale des Étudiants de France (MNEF): "Eles não querem ver que, de fato, a reunião de Royaumont I não era uma estágio de formação; ela era uma intervenção sobre as organizações estudantis" (Lapassade, 1973).13

Lourau aponta um limite desse mesmo tipo a propósito de uma intervenção realizada em um curso universitário: "O Departamento de Sociologia de l' U.C.L. (Université Catholique de Louvain) funciona em autogestão. "Em maio de 1968 passei por lá... Mas, em 1971, essa autogestão consistia apenas em gerir algumas migalhas do programa, em escolher livremente certos centros de interesse e certos professores" (Lourau, 1973). O seminário de análise institucional que ele dirigiu com Antoine Savoye é, então, "opcional" e se desenvolve no final de semana.

Passando de um público (relativamente) voluntário a um público (mais) cativo,14 a questão do pagamento do trabalho (o analisador dinheiro) permanece pertinente, mas tende a assumir novas formas. É, por exemplo, a escolha a fazer entre o financiamento de um trabalho coletivo (como uma pesquisa-ação ou um dispositivo de análise das práticas) e uma série de formações individuais que pode criar debates dentro de um estabelecimento.

Enfim, o tempo passa para cada um no trabalho socioclínico (da aceitação de uma entrevista a uma participação árdua de dezenas de horas) e pode vir em dedução ou em suplemento do trabalho habitual, pode ser reconhecido como importante para o estabelecimento ou para a organização, só ser considerado com indulgência ou ser somente tolerado... O tempo é, então, um dispositivo em si mesmo, um analisador particularmente interessante das implicações profissionais.

Eu darei aqui um exemplo tanto da relação estreita entre tempo e dinheiro quanto do efeito analisador da repartição do tempo. Tratava-se de uma intervenção de longa duração conduzida em um estabelecimento médico-educativo. Eu retomarei aqui à maneira de uma vinheta clínica, um extrato de um artigo já publicado:

Nós trabalhávamos com diferentes categorias de pessoal socioeducativo e médicopsicológico. As diferenças entre eles eram omitidas pelos participantes, em particular as relações hierárquicas entre educadores especializados e auxiliares médico educativo. Nós propusemos, então, introduzir na análise a questão dos salários, realizando reagrupamentos em função destes.

Fortes resistências foram expressas. Os profissionais pareciam chocados diante de nossa proposta. Entre os 30 participantes, somente uma educadora apoiou imediatamente nossa proposta. Para os outros, não havia relação entre o salário recebido e a prática, o argumento principal era que "não se trabalha pelo dinheiro". Esse efeito analisador da nossa proposição despertou, então, rapidamente um questionamento radical a respeito das implicações profissionais de uns e de outros. De fato, é difícil para o profissional sustentar, ao mesmo tempo, a ideia de que ele não trabalha para ganhar dinheiro (uma vez que ele obteria de seu trabalho outras gratificações) e que ele é um "verdadeiro" profissional, cujos motivos não são nem caritativos nem psicológicos. Essa contradição remete à própria institucionalização do trabalho social. Os discursos de profissionalização atualmente dominantes somente fazem atiçar estas contradições.

Uma interrogação emergiu em seguida sobre a noção de salário. Se tivéssemos de nos repartir em função dos nossos salários, quais ganhos levaríamos em conta? Uma diferença nítida se manifestava então entre o caso daqueles que trabalhavam somente neste estabelecimento e aqueles que trabalhavam também em outro local. A distinção era complicada pelo fato de que alguns somente trabalhavam em tempo parcial. A diferença que se impôs, finalmente, foi entre assalariados do estabelecimento e os substitutos, mesmo no caso de alguns interventores médico-psicológicos apresentarem questionamentos. De fato, aqueles que ocupavam ao mesmo tempo um cargo no estabelecimento (em tempo parcial) e trabalhavam em outros estabelecimentos ou em um emprego liberal. O fato apareceu bastante rápido, já que aqueles que passavam menos tempo no estabelecimento tinham tendência a ter os salários mais elevados. Inversamente, aqueles que passavam mais tempo, como é o caso dos auxiliares médico-psicológicos, tinham os salários mais baixos. Enfim, a variável de tempo de serviço se juntava a essa dificuldade.

Embora nossa proposta de formar grupos de trabalho conforme os salários encontrava ainda (durante dois encontros) resistências muito analíticas, os assalariados começaram a se informar sobre os conteúdos exatos de seus respectivos contracheques. Alguns até telefonaram para o serviço de contabilidade do estabelecimento, durante o tempo dos encontros socioanalíticos, a fim de buscar informação sobre sua situação. Enfim, o índice salarial foi escolhido como critério de divisão nos três grupos de trabalho que nós, por fim, formamos. Esses índices não levaram em conta se um profissional trabalha em tempo parcial ou em tempo integral, mas, pelo contrário, seu salário colocaram em evidência sua posição hierárquica e seu tempo de serviço, por meio do salário "virtual" que ele receberia se ele trabalhasse em tempo integral no estabelecimento.

As interferências entre dinheiro e tempo são aqui numerosas. É importante ressaltar que a relação entre o dinheiro recebido e o tempo de trabalho dedicado não é proporcional. Assim, neste estabelecimento, um assalariado ganha ainda mais dinheiro em uma hora ao passar menos tempo em seu local de trabalho. Essa constatação já era em si um progresso na análise da negação das diferenças entre assalariados. É preciso estender esse resultado, destacando que os que são mais presentes no estabelecimento estão junto das crianças acolhidas e que são eles que têm mais contato com os pais.

Para concluir esse ponto, torna-se necessário acrescentar que esse fenômeno de proporcionalidade inversa atinge igualmente assalariados que atuam em tempo integral no estabelecimento, pois, devido a sua função em postos superiores, estão frequentemente fora do estabelecimento (diretor, chefes de serviços, assistentes sociais), durante a jornada de trabalho. O conteúdo desse trabalho fora do estabelecimento constitui verdadeiramente um não saber para os que permanecem sempre no interior. Nós tivemos a oportunidade de trabalhar essa questão com nossos clientes. Uma assistente social não conseguia compreender o desconhecimento do conteúdo do seu trabalho pelos educadores e pelos assistentes médico-educativos. Ela tinha o sentimento de "nada esconder". É fato que o emprego do tempo de um assalariado é cada vez menos rígido conforme o cargo dele vai subindo (Monceau, 2002, p. 107-108).

Como o dinheiro, o tempo é contado. Ele dá lugar a negociações e a compartilhamentos. Contudo, diferente do dinheiro, o tempo dedicado ao trabalho não pode ser resgatado, apesar de poder ser remunerado. Na atividade profissional, são as quantidades de tempo (de trabalho) a ser executado que são objetos de negociações difíceis. Porém o tempo não é somente um dado objetivo, como já indicavam os sociólogos que trabalham no emprego do tempo.

Integrar instrumentos que contam e repartem o tempo em um trabalho socioclínico é, ao mesmo tempo, reconduzir os participantes aos elementos que eles consideram frequentemente como objetivos e abrir, assim, a exploração da percepção subjetiva que eles têm desses dados objetivos. Somente após ter pedido aos trabalhadores sociais de um lado e a uma equipe de revezamento de outro para estabelecer sua programação de tempo semanal, que, nos dois estabelecimentos, eles tomaram consciência do tempo empregado em regulações informais. Essas faixas de horários aparecem sem propósito nas programações de tempos que eles haviam levantado.

Mas trabalhar a dimensão temporal é também trabalhar a programação do campo de pesquisa socioclínico em si. A maior ou menor dificuldade que aí encontramos ao programar datas ou ao manter os prazos deve ser tratada com atenção, mas nenhuma interpretação automática pode ser deduzida. De fato, esses elementos podem tanto remeter a relação com o tempo instituído no estabelecimento, organização ou repartição como com as implicações de uns e de outros no trabalho em curso. Somente restituindo essas relações ao coletivo de trabalho que as análises podem ser construídas.

 

Fazer escrever (relatório, monografia)

Com o diário institucional, Remi Hess trouxe para a análise institucional uma ferramenta de análise interna que pode ser utilizada secundariamente como suporte de pesquisa (Hess, 1989). Esse dispositivo de escrita exigente, no qual o profissional deve anotar, a cada dia, um acontecimento significativo concernente à sua vida profissional permite também, por sua difusão, gerar um processo de análise mais coletivo no seio do estabelecimento. Eu utilizei esse dispositivo e medi, ao mesmo tempo, a sua eficácia e os seus limites. A difusão da escrita produz reações que revelam elementos, até então imperceptíveis, porém o fato de o dispositivo permanecer interno à entidade social em questão limita consideravelmente as possibilidades de expandir a análise e tende a exacerbar as tensões à custa do escritor.

Em seguida, experimentei dispositivos de escrita no contexto da análise institucional das práticas. Tratava-se, principalmente, durante os encontros coletivos, de reservar um tempo para a escrita individual sobre a prática profissional de cada um. Nesse trabalho, conduzido por um período (1995- 1996), no qual os formadores do Institut Universitaire de Formation de Maître (IUFM),15 estavam envolvidos na formação universitária, a questão da escrita era particularmente sensível.

Por ocasião de uma intervenção precedente em uma escola de ensino fundamental, em 1994 e 1995, a escrita se revelava igualmente como tendo um efeito socioanalítico. Eu trabalhava, então, com uma turma de 5éme,16 sob a modalidade de encontros espaçados no tempo. Relatórios eram redigidos e deviam ficar em posse dos participantes. Entretanto o fato de um professor que não participava do trabalho ter apreendido um relatório possibilitou a abertura da intervenção para uma análise do lugar de nosso dispositivo no estabelecimento. O caráter ilusório da confidencialidade aparecia tanto quanto a ambivalência dos professores curiosos, porém temerosos diante de nossas atividades realizadas com os alunos fora dos contextos das aulas normais. Em consequência, introduzi uma prática de escrita no trabalho socioclínico cada vez que isso me parecia possível e interessante.

Uma técnica particularmente produtiva é a do relatório-rotativo. Cada grupo profissional redige, por sua vez, um relatório do encontro coletivo. As singularidades das implicações profissionais na escrita podem, então, aparecer. Assim, em um estabelecimento médico-educativo, o único grupo profissional que não foi capaz de produzir um relatório no tempo limite foi o dos psicólogos. Isso não deixou de abrir espaço para uma reflexão sobre o peso institucional dos escritos dos psicólogos e sobre a importância que eles deram às decisões tomadas pelas crianças. A escassez e o poder das escritas dos psicólogos no estabelecimento foram pontuados, e eles mesmos puderam, nessa ocasião, expressar sua dificuldade diante dos problemas que estavam pesando em sua escrita. O dispositivo analítico tinha provocado a reprodução de um elemento do funcionamento cotidiano. Era possível analisar coletivamente, no aqui e no agora da intervenção.

Em outro estabelecimento, tínhamos realizado um trabalho regular com grupos profissionais no contexto de uma pesquisa-ação. Aqui era o grupo do pessoal do serviço que tinha as maiores dificuldades de produzir os relatórios. Ao contrário do exemplo precedente, o fato de que não somente seus escritos, mas também suas palavras tinham pouco reconhecimento explicava, segundo eles, essa desvalorização. A reflexão sobre esse ponto levou igualmente os membros do grupo a constatar que os escritos aos quais eles tinham de se reportar no estabelecimento eram principalmente "papéis" destinados a lhes dar instruções de trabalho. A cozinheira recebia os menus; o agente de serviços, a lista de trabalhos a fazer; o motorista, a programação do transporte de crianças... Para esse grupo, o escrito era, antes de tudo, sinônimo de uma relação de poder entre os quadros de trabalho e eles. Por outro lado, era frequente que esses "papéis" lhes fossem transmitidos sem uma comunicação oral, sendo simplesmente colocados nos escaninhos individuais, o que criava uma distância suplementar.

Recentemente para uma pesquisa-ação, monografias foram redigidas pelos militantes de uma associação de educação popular com a qual eu trabalho. Essas monografias prestam contas da execução e do funcionamento de dispositivos de apoio à parentalidade. O plano dessas monografias era acabar coletivamente com a fase na qual cada um podia expressar oralmente sua experiência. Esse é o modelo da pedagogia institucional (que mantém certa ligação com os domínios da educação popular) que me inspirou essa maneira de prestar contas da prática em um enquadre coletivo. A monografia tem um duplo efeito de retorno reflexivo sobre a prática e de estruturação coletiva pela construção de um corpus comum.

A descoberta da prática da monografia no movimento "leplaysiano"17 convenceu-me do fato de que ela pode se constituir em uma técnica sociológica, em particular porque ela necessita de uma reflexão principalmente no que concerne aos elementos retidos como significativos; a ordem da apresentação, o lugar da interpretação, permitindo uma exploração em curso (Monceau, 2001). A produção de monografia é um suporte particularmente interessante no avanço da análise coletiva, uma vez que, como os "cronômetros", ela supõe um trabalho de objetivação que abre a percepção das dimensões subjetivas.

Existem hoje inúmeros trabalhos que tomam por objeto a relação entre a prática profissional e a escrita. Depois de todas as pesquisas realizadas a respeito da redação dos memoriais profissionais em formação, é hoje a problemática de colocar por escrito a experiência nos dispositivos de Validação das Aquisições de Experiência (VAE)18 que mobilizam a atenção da pesquisa (Cifali & André, 2007). Essa problemática se encontra fortemente presente nos trabalhos socioclínicos, independentemente da modalidade.

 

Jogos de dramatização

A prática da dramatização tem para mim uma dupla origem. Ela se enraíza principalmente em uma iniciação ao psicodrama e ao teatro de arena (Boal, 1996), durante meus anos de formação inicial de professor primário na Escola Normal, depois com o movimento Freinet.19 Eu reatei com a prática teatral em um enquadre associativo, em 2001, e tenho, dessa maneira, participado de numerosas apresentações públicas em diversos contextos. Além das aprendizagens técnicas, são os sucessivos investimentos em papéis muito diferentes que mais me acrescentaram. Essas experiências me capacitaram no uso da dramatização como reflexão coletiva (em atos), sobre a maneira pela qual os papéis são mantidos na instituição.20

O fato de esse grupo responder às encomendas e inserir sua atividade na atualidade social e cultural de um território me faz encontrar novamente, de outro modo, certos aspectos de minha prática socioclínica de análise institucional. Os encontros de formação e as colaborações com diretores de teatro e atores profissionais fazem também dessa atividade um espaço que, embora secundário em relação à minha atividade profissional, traz outra dimensão à minha maneira de conceber tempo e espaço da "dramaturgia socioclínica".

Eu tinha observado, na primeira intervenção socioanalítica conduzida com René Lourau, os efeitos aceleradores da dramatização no desenrolar do trabalho analítico. Enquanto nossos interlocutores, um grupo de diretores de estabelecimentos pertencentes a uma associação do setor da infância com necessidades especiais, trocavam informações já há certo tempo sobre dificuldades encontradas por um deles, o representante sindical do seu estabelecimento, Lourau parou a discussão e colocou em prática uma dramatização, retomando a situação em questão. Os mesmos diretores que até esse momento só se identificavam com o seu colega por uma solidariedade automática, experimentaram o papel do sindicalista. Por ocasião da retomada da reflexão coletiva, a natureza das reflexões mudou. Não se tratava mais de mostrar a sua compreensão sobre um colega em dificuldade, mas de analisar a complexidade de uma situação na qual os antagonistas se confrontavam. A interferência entre instituições (sindicato e associação) pôde, enfim, ser trabalhada.

Eu retomei esse tipo de técnica com grupos mais importantes por ocasião das intervenções socioanalíticas e dos trabalhos de análise institucional das práticas, e também na formação na universidade, para sensibilizar os estudantes na dinâmica de um procedimento de intervenção. Sua eficácia está na sua inserção em um dispositivo socioclínico e no momento escolhido para colocá-la em prática. Ela depende igualmente do domínio do ritmo de trabalho e da precisão do contexto. Quanto mais esses elementos são mantidos pelo animador, mais os participantes se envolvem com a dramatização. A caricatura e o humor dão um aspecto mais lúdico a esse trabalho. Depois da dramatização, é a situação que acaba de ser encenada que será discutida e não mais as situações reais lembradas pelos participantes. Esse feito libera a palavra. O dispositivo produz assim um distanciamento rápido, porém certamente provisório.

Enfim, o tempo de análise coletiva que segue à dramatização tem uma importância determinante. Nesse momento, a sustentação do dispositivo é essencial. Trata-se, ao mesmo tempo, de permitir aos participantes a expressão do que eles perceberam (encenando ou assistindo) e de utilizar a dramatização que acaba de ser feita como sustentáculo comum de reflexão. Tomarei dois exemplos que testemunham o fato de que esses sentimentos individuais fornecem elementos para a análise da implicação.

O primeiro exemplo diz respeito a um trabalho realizado no contexto da pesquisa-ação com classes para apoio de alunos com dificuldades.21 A situação dramatizada coloca em cena um professor, um ajudante de educador (monitor) e alguns alunos durante uma sequência de aprendizagem. Os participantes nessa dramatização são exclusivamente ajudantes que encenam então diferentes personagens. Três cenas são dramatizadas em seguida por "atores" diferentes. As três situações mostram as dificuldades do professor diante dos alunos "bagunceiros" e o papel mediador do ajudante na presença do professor. As primeiras impressões dos ajudantes que tinham encenado os papéis dos professores convergem: a proteção dada pelo ajudante é muito difícil de ser reconhecida pelo professor, uma vez que ela vem negar a autoridade nele investida. Dessa maneira, em vez de se continuar no campo da psicologização cruzada,22 nós entramos em uma leitura mais institucional da situação, a começar pela maneira pela qual uns e outros têm de manter (ou acreditam ter de manter) seu lugar na instituição.

O segundo exemplo diz respeito a uma intervenção socioanalítica num instituto médico educativo. Nós dividimos os 25 participantes em dois grupos: de um lado o pessoal da educação e de outro lado o pessoal médico-psicológico, administrativo e da assistência social. Cada grupo dramatiza os papéis da outra parte nas cenas típicas do dia a dia do estabelecimento. Em alguns instantes, o desconhecimento recíproco do conteúdo da atividade do outro grupo aparece (particularmente dos psicólogos e dos assistentes sociais). Assim, o efeito é imediato na dinâmica da análise, uma vez que não se trata mais de acusar essa ou aquela pessoa, mas de interrogar as divisões instituídas entre os serviços que, apesar dos encontros cotidianos, tornam a atividade de alguns obscura aos olhos dos outros.

Enfim é igualmente importante que os animadores da dramatização sejam sensíveis a que seus interlocutores se expressem a respeito do próprio dispositivo. O dispositivo da dramatização pode, por si só, ativar resistências, mesmo que nenhum dos participantes seja obrigado a representar um papel. Essas resistências ao dispositivo ou ao modo de animação devem servir igualmente de objeto de análise coletiva. O fato de o staff ser múltiplo permite colocar mais livremente a discussão da prática dos animadores.

 

Restituir, ampliar

Ao apresentar a construção de minha própria postura de pesquisa socioclínica, no final da segunda parte dessa nota, indiquei o lugar que ocupa o princípio da restituição. Este não diz respeito somente a uma restituição ao final de pesquisa, como uma prestação de contas entre o pesquisador e os seus interlocutores. A restituição é um elemento metodológico a considerar em toda duração do trabalho socioclínico. Ela permite "testar" interpretações, mas também e, sobretudo, de se assegurar que o pacto de trabalho permaneça ativo entre todos os participantes. Na maioria dos casos, o contrato escrito, de fato, apenas associa o sujeito que encomenda a pesquisa ao pesquisador.

Essa prática da restituição se tornou, para mim, indissociável daquela da ampliação. Esta última está presente desde o início da socioanálise, no princípio de "cooptação" trabalhado por J. e M. Van Bockstaele. A ampliação consiste em fazer a inserção no trabalho socioanalítico de pessoas que estão interessadas ("pertinentes", escrevem J. e M. Van Bockstaele neste trabalho), mas que não tinham sido incluídas de início.

De minha parte, organizo encontros de restituição intermediários ou quase finais (jamais verdadeiramente finais), ao convidar pessoas que não participaram diretamente no trabalho, mas que estão implicadas nele.

Assim, a pesquisa-ação com os CEMEA (um movimento de educação popular), os responsáveis políticos e administrativos da associação (que encomenda a pesquisa), mas também os parceiros políticos (municipalidades e conselhogeral) financiadores das ações de apoio à parentalidade foram convidados a uma restituição intermediária e, depois, a uma quase final. O encontro, preparado com o grupo de trabalho da pesquisa-ação,23 permitiu explorar o que estes consideravam como sendo as questões mais importantes e as mais sensíveis.

Essa técnica produz, portanto, uma análise dentro da análise socioclínica (tradução nossa),24 assegurando não somente a contextualização organizacional, mas também econômica e ideológica das ações efetuadas em campo. É então possível aproximar-se do sentido que tomam essas ações de apoio à parentalidade, em cada uma das entidades institucionais implicadas. Em um encontro desse tipo, permite-se melhor identificar a maneira pela qual as diferentes partes desenvolvem suas próprias lógicas institucionais. O organismo de educação popular encontra aí um novo terreno para o seu trabalho militante de educação cidadã, "para o povo e pelo povo".25 Os eleitos locais (incluindo os de ideologia diferente) encontram aí uma matéria que dá consistência à sua política em favor das famílias. Para estes últimos, a competência técnica dos animadores e o seu conhecimento do campo podem ter mais importância do que a cumplicidade ideológica.

Esse modo de restituição que privilegia o questionamento sobre os resultados definitivos permite a essa socioclínica institucional atingir certa "profundidade de campo na socioanálise" (Lourau, 1996). Aqui, ainda, a construção do dispositivo de trabalho "executa" uma parte do trabalho.

Uma maneira complementar de atingir essa profundidade de campo, que permite aproximar a dimensão institucional das implicações e das práticas, é igualmente visível (legível) nos produtos escritos que são derivados do trabalho. Por experiência, eu me atento hoje que os contratos firmados com os sujeitos que encomendam intervenções prevejam explicitamente dois tipos de escritas. O primeiro pode ser identificado na forma de "relatório", eventualmente escrito em parceria e, no mínimo, discutido pelos sujeitos que participaram do trabalho.26 O relatório leva diretamente em conta a encomenda e as demandas, mesmo que ele não as responda diretamente, já que um primeiro efeito do trabalho é sempre deslocar a problemática inicial.27 Esse relatório, no qual um dos primeiros constrangimentos é que ele "fala" aos sujeitos, não é consensual. Pelo contrário, sua utilidade para o organismo que encomenda a intervenção é que ele lhe permite identificar os pontos de tensão e as questões mais delicadas.

A segunda categoria de produtos escritos consiste nas publicações que o pesquisador realizará de maneira diferente, em particular inscrevendo o campo de trabalho num conjunto mais ampliado. As reações suscitadas pelo "relatório" são elas mesmas integradas aos materiais úteis à análise que são objeto das publicações científicas. Observemos que é difícil interessarem aos nossos parceiros "de campo" essas publicações secundárias, salvo aquelas que se ligam a um trabalho de pesquisa do tipo universitário.

 

Conclusão

Num texto publicado em 1949, referente ao método clínico em Psicologia, Daniel Lagache avançava ao dizer que o fato de o clínico ser capaz de prever a dinâmica do sujeito com o qual/sobre o qual ele trabalha é um dos critérios das "relações entre interpretações e fatos". Lagache escrevia então: "Uma interpretação é verificada pela constatação de fatos que ela permitiu prever" (Lagache, 1949, p. 174). Esse critério participa de um conjunto de princípios e de critérios enunciados neste texto e destinados a avaliar a pertinência de um método clínico no estabelecimento de um diagnóstico.

Essa relação "objetiva" para a previsão vem, sem dúvida, separar o método clínico tal qual ele foi apresentado em Medicina e em Psicologia, da perspectiva analítica da psicanálise ou das socioanálises. Efetivamente, para estas últimas, o fato de uma previsão se realizar quase não pode assegurar a validade da interpretação que a sustentou, pois outras casualidades podem ter contribuído para tal, como o efeito de sugestão que o clínico pode ter sobre o sujeito.

Em vez desse critério de previsão enunciado por Lagache em 1949, eu tive, até o momento, tendência a considerar essa capacidade para prever como um critério prejudicial ao trabalho analítico. Essa opção teve efeitos muito concretos, uma vez que eu renunciei, em 2000, negociar o prosseguimento de campos de trabalho bem engajados, nos quais esse fenômeno se reproduzia cada vez mais regularmente. Eu também finalizei outro campo de trabalho de longa duração, porque o conhecimento construído pela nossa equipe a respeito da dinâmica institucional das classes para apoio de alunos com dificuldades não nos oferecia mais surpresas suficientes em situação socioclínica.

É talvez também uma singularidade da prática do clínico, quando ele também é pesquisador (mais preocupado, portanto, por uma maior produção de conhecimento do que por um campo em particular), temer que certa "rotina especializada" não venha prejudicar sua capacidade de se surpreender.

Formalizar as técnicas que acabam de ser apresentadas é uma tarefa delicada, uma vez que é grande o risco de solidificar uma evolução que se deseja deixar aberta, de transformar em verdadeiras recomendações, em instruções, informações de elementos que emanam de uma prática que continua seu próprio movimento. Mas esse esforço obriga também a sair do subentendido e do implícito e expõe a crítica prestando contas dos procedimentos pelos quais se constroem as interpretações.

A palavra "instituição" reaparece há alguns anos no vocabulário das Ciências Sociais para refletir sobre as problemáticas contemporâneas. Ao mesmo tempo, as instituições são descritas como em declínio. A instituição seria, pois, uma entidade ao mesmo tempo frágil28 e portadora de soluções.29 Importa então, nessa tensão e nesse movimento, produzir noções e instrumentos técnicos adaptados às questões atuais e, ao mesmo tempo, aproveitando as experiências mais antigas.

 

Referências

Boal, A. (1996). Jeux pour acteurs et non acteurs. Paris: La Découverte.         [ Links ]

Catini, L. & Monceau, G. (2000). Le staff tournant. Les Cahiers de l'implication, 3, 145-151.         [ Links ]

Cifali, M. & André, A. (2007). Ecrire l'expérience: vers la reconnaissance des pratiques professionnelles. Paris: PUF.         [ Links ]

Gavarini, L. (1986). L'intervention assommoir. In J. Feldman (Org.), Le sujet et l'objet: implications (pp. 289-309). Paris: Ed. du C.N.R.S.         [ Links ]

Gérard, A. (1958, octobre-novembre). Le budget-temps de la femme mariée dans les agglomérations urbaines. Population, 13(4), 591-618.         [ Links ]

Gilon, C. & Ville, P. (1990). Socianalystes à EDF. Paris: Laboratoire de Recherches en Analyse Institutionnelle, Université Paris 8.         [ Links ]

Giust-Desprairies, F. (1989). L'enfant rêvé: significations imaginaires d'une école nouvelle. Paris: Armand Colin.         [ Links ]

Guilbert, M., Lowit, N. & Creusen, Joseph (1965). Problèmes de méthode pour une enquête de budgets-temps: les cumuls d'occupations. Revue de sociologie française, 6(3), 325-335.         [ Links ]

Hess, R. (1989). Le lycée au jour le jour. Paris: Méridiens Klincksieck.         [ Links ]

Kohn, C. R. (1998). Les enjeux de l'observation. Paris: Anthropos. (Trabalho original publicado em 1982)        [ Links ]

Kohn, C. R. & Nègre, P. (1991). Les voies de l'observation. Paris: Nathan.         [ Links ]

Lagache, D. (1949). Psychologie clinique et méthode clinique. Op. cit., p. 174.30        [ Links ]

Lapassade, G. (1973). La rencontre institutionnelle. L'Homme et la société, 29- 30, 292-297.         [ Links ]

Lourau, R. (1973). Monographie d'une intervention socianalytique: déplacements à Louvain. L'Homme et la société, 29-30, 219-238.         [ Links ]

Lourau, R. (1996). Profondeur de champ dans la socianalyse. Pratiques de formation/ Analyses, 32, 19-24.         [ Links ]

Mendel, G. & Dosse, R. (1999). Le vouloir de la création: entretiens avec Roger Dosse. Paris: Ed. de l’Aube.

Monceau, G. (1997). L'intervention socianalytique. Pratiques de formation/ Analyses, 32, 25-38.         [ Links ]

Monceau, G. (2001). Enquête sur les monographies d'interventions socianalytiques (1962-1999). Les Etudes Sociales, 133, 101-119.         [ Links ]

Monceau, G. (2002). De l'analyseur argent à l'analyseur temps. Les Cahiers de l'Implication, 5, 105-114.         [ Links ]

Sada, D. (1994). Evaluation socianalytique et piège groupiste. POUR, 144, 163- 169.         [ Links ]

Stoetzel, J. (1948, janvier-mars). Une étude du budget-temps de la femme dans les agglomérations urbaines. Population, 3(1), 47-62.         [ Links ]

Van Bockstaele, M., Van Bockstaele, J. & Schein, P. (1994, jullet). Problématique de la socianalyse: réquisits de la relation d'observation. XIII Congrès mondial de l'Association internationale de sociologie, Japon.         [ Links ]

 

 

Texto recebido em agosto 2014 e aprovado para publicação em dezembro de 2014.

 

 

*Professor de Ciências da Educação, membro do laboratório de EMA (École Mutations Apprentissages) da Universidade de Cergy-Pontoise/Paris, e membro do CIRCEFT (Centre Interdisciplinaire de Recherche, Culture, Éducation, Formation, Travail) da Universidade Paris 8, Saint-Denis, França, coordenador da Rede de Pesquisa Socio-clínica Institucional. E-mail:gilles.monceau@u-cergy.fr.
1Este texto foi traduzido por Roberta Carvalho Romagnoli, Lívia Eliana Machado de Castro Britto e Cecília Silva Salomão. Foi originalmente publicado em: Monceau, G. (2012). Techiques socio-cliniques pour l'analyse institutionnelle des pratiques. In: Monceau, G. (Org.). L'analyse institutionnelle des pratiques: une socio-clinique des tourments institutionnels (pp. 15-35). Paris: L'Harmattan. Roberta Carvalho Romagnoli. E-mail: robertacr@gmail.com. Cecília Silva Salomão. E-mail: ceciliasalomao@terra.com.br. Lívia Eliana Machado de Castro Brito: doutoranda em Psicologia, com área de concentração em Processos Psicossociais, pela PUC Minas; mestra em Psicologia, com área de concentração em Teoria e Estudos Psicanalíticos, pela Fafich/UFMG; especialista em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro da Seplag/MG; especialista em Psicopedagogia pela PUC Minas; psicóloga pela PUC-Minas. Endereço: Rua Ceará, 1431, sala 1104 - Bairro Funcionários, Belo Horizonte-MG. CEP: 30150-311. E-mail: liviaeliana@gmail.com.
2Nota das tradutoras: o institucionalismo faz uma distinção entre instituição, organização e estabelecimento. As instituições seriam de ordem mais abstrata, com o intuito de regular as atividades humanas, com base em uma função oficial, que justifica e legitima a existência de um determinado sistema social. Para operar concretamente sua função oficial, as instituições materializam-se sob formas sociais de organizações e estabelecimentos. As organizações materializam, em conjuntos de forma materiais, o que a instituições enunciam. Os estabelecimentos, por outro lado, são unidades menores que integram as organizações, podendo ser de vários tipos e ter características muito diversas. São exemplos de estabelecimentos: uma escola, um clube, uma fábrica, entre outros.
3N.T.: a Educação Nacional Francesa é um ministério que regula a formação profissional nesse país, no ensino secundário. Essa sólida organização intervém ainda na formação contínua dos adultos por intermédio de estabelecimentos escolares públicos. Sendo o autor professor e pesquisador na área das Ciências da Educação, realiza com frequência estudos e intervenções nesse domínio.
4N.T.: o institucionalismo privilegia a dimensão da transversalidade, conceito cunhado por Félix Guattari que articula diversas áreas do conhecimento humano, por meio de redes e conexões, problematiza a ideia de especialidade, insistindo na complexidade.
5N.T.: na França, os "animateurs sociaux" são profissionais que dirigem e organizam atividades culturais e sociais nas regiões nas quais trabalham, atuando com grupos. Seria algo como animador de grupo, um facilitador desse tipo de trabalho, no Brasil.
6N.T.: a socioanálise se refere ao método da análise institucional em situação de intervenção desenvolvido por René Lourau.
7 N.T.: a sociopsicanálise é considerada, junto com a socioanálise e a esquizoanálise, uma corrente do Institucionalismo. Efetuando uma junção da psicanálise com o materialismo dialético, tem como objeto de estudo as regressões institucionais do político para o psíquico.
8A qual eu encontrei a gênese nos trabalhos de Antoine Savoye.
9 N.T.: a tradução mais aproximada talvez seja "fora do chão", suspensa.
10 Como aconteceu em um dos locais de trabalho.
11N.T.: organização pública de pesquisa francesa, fundada em 1939, que realiza estudos em diversas áreas do conhecimento humano.
12Especialmente para as acumulações possíveis, como ouvir o rádio, executar as atividades domésticas e dispensar os devidos cuidados às crianças.
13N.T.: foi criado em 1948, como um sistema de segurança social para o aluno. A criação de um regime de segurança social do estudante é obtida pela União Nacional dos Estudantes da França (UNEF), visando a garantir ao aluno o bem-estar social físico, intelectual e moral. Essa associação foi extinta no ano 2000, como parte de um grande escândalo político e financeiro, sendo substituída pela La Mutuelle des Étudiants (LMDE), vigente até os dias de hoje.
14Os trabalhos socioclínicos atuais acontecem, geralmente, em resposta às ordens dos dirigentes, mesmo quando as demandas maiores lhes preexistem.
15N.T.: corresponde a estabelecimentos de formação de professores públicos para lecionar nos ensinos fundamental e médio. Desde 2013, esses institutos se transformaram em École Supérieure du Professorat et de l'Education – ESP2.
16No sistema de ensino brasileiro, corresponde ao sétimo ano.
17Pierre Guillaume-Frédéric Le Play (1806-1886) foi um economista francês que influenciou a Sociologia, com suas propostas metodológicas para o estudo dos fenômenos sociais.
18 N.T.: procedimento de avaliação das instituições francesas de educação que permite sua ascensão com base em sua experiência de trabalho.
19Célestin Freinet (1896-1966) era pedagogo e foi referência na educação da sua época, e ainda hoje suas ideias encontram ressonância na educação francesa, com suas propostas anticonservadoras de escolas democráticas. Para ele, além das técnicas pedagógicas, o aspecto político e social ao redor da escola não deve ser ignorado pelo educador. O trabalho de um educador deverá transcender a sala de aula e se mesclar com a vida em comunidade, por meio da criação de associações, de conselhos, de eleições e de outras formas de participação e colaboração passíveis de auxiliarem na formação do aluno.
20Quais determinações institucionais pesam sobre eles e como eles são endossados (sendo também, ao mesmo tempo, negados) pelos sujeitos.
21As classes para alunos com dificuldades (classes relais) são um dispositivo que acolhe os estudantes que estão prestes a serem reprovados ou que têm grandes dificuldades de desempenho nas escolas.
22Do tipo: "Os professores são autoritários, e eles nos consideram como incapazes e imaturos, enquanto que nós lhes facilitamos o trabalho".
23Ou seja, os militantes engajados nos dispositivos de campo.
24N.T.: mis en abîme, expressão francesa usada para referenciar uma coisa dentro de outra da mesma natureza. Refere-se ao que é feito nas intervenções quando a equipe consegue reproduzir os jogos cotidianos da vida institucional no dispositivo de intervenção.
25 Como declara o responsável nacional do organismo presente no encontro.
26O "relatório" não é geralmente esperado quando se trata de intervenção socioanalítica ou análise institucional das práticas. Ele é de praxe nos casos de pesquisa-ação e de pesquisa-participativa.
27Por exemplo, passando da violência dos alunos à violência do conflito entre adultos.
28Em particular as instituições ditas "tradicionais" que correspondem aos grandes serviços públicos ou a práticas sociais instituídas como o casamento.
29Em particular para as empresas privadas nas quais a realização de um lucro não parece ser suficiente para dar sentido ao investimento individual.
30N.E.: como citado no original.


Creative Commons License