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Psicologia em Revista

versão impressa ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.22 no.1 Belo Horizonte jan./abr. 2016

http://dx.doi.org/DOI-10.5752/P.1678-9523.2016V22N1P90 

ARTIGOS

DOI - 10.5752/P.1678-9523.2016V22N1P90

 

Intoxicação infantil por chumbo: uma questão de saúde e de políticas públicas

 

Childhood lead poisoning: a health issue and public policy

 

Intoxicación infantil por plomo: una cuestión de salud y de políticas públicas

 

 

Denise Dascanio*; Zilda Aparecida Pereira Del Prette**; Olga Maria Piazentin Rolim Rodrigues***; Almir Del Prette****

 

 


Resumo

O reconhecimento de que níveis de plumbemia acima de 10 μg/dL em crianças podem causar alterações neurocomportamentais, tais como déficits no desenvolvimento psicológico, hiperatividade, atrasos no desenvolvimento da linguagem e cognição, aponta a relevância de políticas públicas de saúde junto a populações que foram intoxicadas. Neste texto, apresenta-se um panorama geral sobre a exposição ao chumbo, seus valores de referência, a exposição como fator de risco à saúde e a necessidade de investimentos em políticas públicas de prevenção, bem como a possibilidade de atuação de profissionais da Psicologia em relação a esse fenômeno e seus efeitos. Destaca-se a relevância da participação do psicólogo na equipe de saúde e na pesquisa, desenvolvendo conhecimentos e estratégias de intervenção.

Palavras-chave: Intoxicação infantil. Saúde pública. Psicologia.


Abstract

The blood lead levels above 10μg/dl in children can cause neurobehavioral changes, such as deficits in psychological development, hyperactivity, delays in language development and cognition and suggests policies public health' relevance with intoxicated people. This text presents an overview of lead poisoning, their reference values, risk factor to health and the need for investment in public policies for prevention, as well as the possibility of performance of professional psychology in relation to this phenomenon and its effects. We emphasize the importance of the participation of psychologists in the health team and research, developing acquirements and intervention strategies.

Keywords:Poisoning infantile. Public health. Psychology.


Resumen

El reconocimiento de que los niveles de plomo en sangre por encima de 10μg/ dl en los niños puede causar alteraciones neuroconductuales, tales como los déficits en el desarrollo psicológico, hiperactividad, retraso en el desarrollo del lenguaje y la cognición, señala la importancia de las políticas públicas de salud para las poblaciones que resultaron intoxicadas. Este artículo presenta una visión general de la exposición al plomo, sus valores de referencia, la exposición como un factor de riesgo para la salud y la necesidad de invertir en políticas públicas de prevención, así como la posibilidad de actuación de profesionales de la Psicología en relación con este fenómeno y sus efectos. Destacamos la importancia de la participación del psicólogo en el equipo de salud y en la investigación, desarrollando conocimientos y estrategias de intervención.

Palabras clave: Intoxicación infantil. Salud pública. Psicología.


 

 

Os acidentes ambientais ocasionados por indústrias, situadas na ou próximas à região urbana e com tráfego intenso têm chamado a atenção para a contaminação infantil por chumbo. Lanphear et al. (2005), por exemplo, alertam que o maior problema de saúde pública na Índia é a exposição de crianças ao chumbo. Sterling et al. (2004) enfatizam que isso também ocorre nos Estados Unidos da América (EUA).

Até a década de 1990, os estudos, em sua maioria, focavam a intoxicação profissional por chumbo, uma vez que a ocorrência da contaminação se dá, de forma mais provável, em ambiente ocupacional (Cordeiro, Lima-Filho & Salgado, 1996; Quitério et al., 2006). Nos últimos anos, vem sendo produzido, em nosso País, um corpo consistente de conhecimentos acerca dos prejuízos da plumbemia para a saúde humana, especialmente a infantil (Dascanio & Valle, 2008; Marturano & Elias, 2009; Melchiori et al., 2010; Olympio, Gonçalves, Gunther & Bechara, 2009; Rodrigues & Carnier, 2007).

Neste artigo, pretende-se apresentar um panorama geral sobre a exposição infantil ao chumbo como fator de risco à saúde, seus valores de referência, a necessidade de investimentos em políticas públicas de prevenção, bem como as possibilidades de atuação da Psicologia em relação a esse fenômeno e a seus efeitos, tanto em termos de intervenção como de pesquisas que podem subsidiar intervenções e políticas públicas.

 

Exposição às fontes de contaminação por chumbo

Diferentemente de outros metais, tais como ferro, zinco, cobalto, cromo, manganês e cobre, o chumbo é um elemento absolutamente estranho ao metabolismo humano, em qualquer quantidade. Trata-se de uma neurotoxina cuja presença nos diversos tecidos, a partir de uma concentração limiar1 (maior que 10 μg/dL), interfere em diferentes atividades metabólicas, causando sinais e sintomas da doença conhecida como saturnismo ou intoxicação pelo chumbo (Cordeiro et al., 1996).

O chumbo, em quantidades encontradas in natura, não causa problema aos seres humanos. No entanto, sua utilização em larga escala nos processos industriais e a consequente liberação no meio ambiente o tornam um dos principais poluentes ambientais no planeta. Esse metal passou a ser usado em processos industriais no século XVIII, o que fez com que a contaminação ambiental e a intoxicação no homem alcançassem proporções elevadas, chegando a ser considerada, no fim do século XIX, como epidemia nos países desenvolvidos (Cordeiro et al., 1996).

O reconhecimento dos efeitos tóxicos da exposição ao chumbo resultou na introdução de restrições ao uso de compostos desse metal, objetivando tornar o ambiente mais seguro e saudável. Porém ainda se utiliza o chumbo em grande quantidade na fabricação de manilhas, tintas, cosméticos e acumuladores elétricos (baterias) (Quitério, Silva & Arbilla, 2003). Trivelato (2006) enfatiza que, no Brasil, 80% do chumbo é consumido pelo segmento de fabricação de baterias automotivas, 12% para óxidos e 8% para eletroeletrônicos, na fabricação de ligas, soldas, munições, vidros e cerâmicas.

As pesquisas do Centers for Disease Control e Prevention (CDC, 1992) informam que o chumbo pode ser absorvido por três vias distintas: pele, trato gastrintestinal e sistema respiratório. O fato de não ser eliminado espontaneamente do organismo faz com que o chumbo se acumule nos ossos, sangue e sistema nervoso. Malta, Trigo e Cunha (2000) ressaltam ainda que, uma vez detectada a contaminação, o tratamento ao indivíduo e a eliminação de chumbo no ambiente devem ser providenciados de imediato, visto que a eliminação desse metal é extremamente lenta, demorando até dez anos para se efetivar. A eliminação do chumbo pelo organismo, de acordo com os estudos de Stauber, Florence, Gulson e Dale (1994), ocorre em três fases: uma rápida, correspondendo ao metal que não se fixou no organismo; outra lenta, representando a fração do metal que é facilmente liberada dos componentes corporais (tecidos moles); e uma terceira, muito lenta, geralmente ligada ao tecido ósseo. A excreção do chumbo pode ocorrer por diversas vias, porém as de maior importância são a excreção renal e a gastrintestinal. A renal decorre quase que exclusivamente da filtração glomerular; entretanto, como a maior parte do chumbo está nos eritrócitos, muito pouco é filtrado. Outras vias de eliminação são: suor, leite materno, cabelos, unhas e descamação epitelial (Stauber, Florence, Gulson & Dale, 1994).

Os sistemas nervoso e digestivo são os mais suscetíveis ao chumbo, e o hábito de explorar o ambiente com a boca, comum na infância, pode aumentar as vias de exposição por meio do solo, poeira doméstica e ar (Padula, Abreu, Miyazaki & Tomita, 2006). Para a Agency for Toxic Substances and Deseases Registry (ATSDR, 2009), as crianças podem ingerir 5 μg/dL por dia, sendo 1% proveniente do solo, 7% da água, 75% da poeira e o restante de outras fontes. Os pesquisadores Figueiredo, Capitani e Gitahy (2005) salientam que as brincadeiras típicas dos meninos, que os levam mais às ruas, podem aumentar a via de exposição dessa população, mais do que das meninas.

As estatísticas do Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE, 2002) apontam que aproximadamente 4% de todas as crianças do mundo têm níveis elevados de chumbo no sangue. Essa alta concentração pode estar relacionada aos locais onde tais crianças residem, ou seja, em áreas próximas a grande tráfego de automóveis, nas proximidades de minas, fundições de chumbo e fábricas de acumuladores. São exemplos disso as contaminações do solo em El Paso, no México, em Callao, no Peru, na Suíça e em Santo Amaro, no Brasil (Bahia), Paulínia, Cubatão, Caçapava e Bauru (São Paulo).

A ação do chumbo no organismo, de inibir ou imitar a do cálcio e de interagir com proteínas, faz com que seus mecanismos de toxicidade envolvam processos bioquímicos fundamentais, afetando todos os órgãos e sistemas (Bradman, Eskenazi, Sutton, Athanasoulis & Goldman, 2001; Moreira & Moreira, 2004). O chumbo também altera o metabolismo dos carboidratos, diminuindo a circulação de glicose no cérebro que, juntamente com o oxigênio, é a principal fonte de energia para o neurônio, podendo gerar problemas na área perceptossensoriomotora (Bechara, 2004; Sadao, 2002).

No Brasil, não há uma legislação específica que estabeleça o nível de tolerância à contaminação por chumbo em crianças, limitando-se à regulamentação da contaminação para adultos. Por esse motivo, são usados parâmetros de regulamentação de órgãos internacionais. A Organização Mundial da Saúde (OMS), o Centers for Disease Control e Prevention (CDC) e a American Conference of Governmental Industrial Hygienists (ACGIH) recomendam como aceitável uma concentração de chumbo no sangue das crianças inferior a 10 μg/dL. Isso significa que, segundo esses órgãos, a criança não é considerada intoxicada até níveis menores ou iguais a 9 μg/dL (Centro de Vigilância Epidemiológica [CVE], 2002).

Conforme apresentado pelo CDC (1992), a intoxicação por chumbo com níveis acima de 10 μg/dL no sangue pode causar alterações neurocomportamentais em crianças, tais como déficits no desenvolvimento psicológico, hiperatividade, atraso no desenvolvimento da linguagem e cognição. Também são descritas alterações orgânicas que podem interferir na produção de hemoglobina, resultando em distúrbios gastrintestinais, hematológicos, perda de peso, retardo do crescimento e linha de Burton (ou seja, linha gengival escura nas bordas dentárias, decorrentes da deposição ao sulfeto de chumbo).

A definição do nível mínimo de chumbo aceitável ou tolerável no organismo foi objeto de discussão, tendo sido definida como de 10 μg/dL. Historicamente, conforme Rogan e Ware (2003), ocorreu o decréscimo do nível de chumbo considerado como tóxico, da década de 1950 até os dias atuais, e apenas na década de 1990 houve a delimitação para 10 μg/dL. Discutindo sobre níveis aceitáveis de chumbo, Paoliello e Chasin (2001) afirmam que:

Nos últimos 20 anos, os padrões que definem os níveis aceitáveis de chumbo em crianças mudaram. Em 1975, o CDC, em Atlanta, recomendava uma concentração máxima de chumbo no sangue considerada segura para crianças igual a 30 μg/dL. Dez anos mais tarde, esse nível diminuiu para 25 μg/dL. Em 1991, baseado em evidências que mostravam a ocorrência de alguns efeitos adversos em níveis tão baixos quanto 10 μg/dL, o CID e a Organização Mundial da Saúde adotaram esse valor como nível limite oficial. Na Alemanha, 1996, a Comissão de Monitoramento Biológico também estabeleceu 10 μg/dL como nível aceitável de intoxicação (p. 87-88).

Algumas pesquisas (Canfield et al., 2003; Lanphear et al., 2005) mostram prejuízos intelectuais em crianças com plumbemia abaixo de 10 μg/dL, e o estudo de Chiodo, Jacobson e Jacobson (2004) demonstrou déficits neurocomportamentais em crianças com concentrações de chumbo em torno de 3 μg/dL. Um aspecto importante é que essas pesquisas ressaltam a relação dose-efeito, sendo observado decréscimo cognitivo maior nos níveis mais baixos de plumbemia.

Considerando a ampla gama de efeitos do chumbo no organismo e sua relação com as concentrações sanguíneas, suspeita-se que ainda não se tenha um limite seguro sobre a máxima concentração de chumbo no sangue que pode ser tolerada sem causar problemas nas crianças. Repensar os índices de chumbo considerados aceitáveis na legislação brasileira configura-se uma tarefa árdua para os pesquisadores da área, visto que tais índices foram estabelecidos em estudos realizados em outros países, com condições socioeconômicas, clínicas, nutricionais e ocupacionais diferentes das condições brasileiras, podendo-se questionar sua adequação para essa realidade (Paoliello & Chasin, 2001).

 

Avaliação da contaminação por chumbo e os tratamentos

Entre os vários índices de medida de contaminação por chumbo em crianças (Centers for Disease Control and Prevention [CDC], 1997), o mais comum é o da verificação da concentração de chumbo no sangue (Pb-S). Embora outros índices, tais como quantidade de chumbo nos ossos, cabelos ou dentes, também estejam disponíveis, a concentração de chumbo no sangue reflete principalmente a história da exposição recente, enquanto o chumbo nos ossos representa um efeito cumulativo (Dorsey et al., 2006; Gulson, Mizon, Korsch, Palmer & Donnelly, 2003). Alguns autores apontam que a concentração de chumbo no sangue é um índice que reflete o equilíbrio entre a exposição permanente, a excreção e a circulação nos ossos (Brito, McNeill, Webber & Chettle, 2005).

Encontram-se, entre os exames laboratoriais que auxiliam o diagnóstico e o acompanhamento dos indivíduos intoxicados por chumbo, indicadores de exposição e indicadores de efeitos biológicos. Os primeiros são úteis na busca e acompanhamento de indivíduos expostos ao chumbo e indicam que grau de exposição está ocorrendo. A concentração de chumbo no sangue (Pb-S) é o índice biológico atual mais preciso de exposição ao metal, refletindo o equilíbrio entre a quantidade de chumbo absorvida, distribuída nos tecidos moles e eliminada (Pimenta & Capistrano-Filho, 1988; Sadao, 2002). Assim, uma criança que sempre residiu em uma região contaminada e outra que está exposta à contaminação há menos tempo terão Pb-S semelhantes, embora a que sempre residiu na região provavelmente tenha mais chumbo depositado no tecido ósseo. Já os indicadores de efeito biológico revelam alterações orgânicas resultantes da ação direta ou indireta do chumbo na via metabólica da síntese do heme. Pode exemplificar esse teste com a dosagem da zinco-protoporfirina/ZPP, que começa a aumentar com plumbemia em torno de 17 μg%. Esse fato é de grande importância para os estudos retrospectivos da exposição.

Inúmeros estudos têm fornecido evidências de que a mobilização de chumbo dos ossos para o sangue é intensificada durante os períodos de maior liberação óssea, tais como crescimento rápido na infância, gravidez, lactação, menopausa, durante quadros de infecção, traumas, hiperparatireoidismo, desequilíbrios hormonais, entre outros (Moreira & Moreira, 2004). Com o tempo, o chumbo concentra-se em grandes quantidades na medula óssea, diminuindo muito a mobilidade (Pimenta & Capistrano Filho 1988; Sadao, 2002).

O indivíduo contaminado deve ser submetido ao tratamento de descontaminação para retirar o chumbo do sangue e dos tecidos moles. O método mais utilizado para isso é a terapia por quelação, em que um agente quelante chamado EDTA, do inglês ethylenediamine tetra acetic acid (ácido etilenodiaminotetracético), é utilizado para remover o chumbo do organismo. Todavia, como não há protocolos para o tratamento com quelantes, deve-se considerar a gravidade dos sintomas e das alterações laboratoriais e os benefícios que possam trazer para aquele indivíduo. Geralmente se recomenda a quelação quando a plumbemia ultrapassa 50 μg/dL (Centers for Disease Control and Prevention [CDC], 1992). A terapia quelante, primeiramente, reduz o chumbo no sangue e tecidos moles, tais como fígado e rins, mas, geralmente, não o remove diretamente dos reservatórios presentes nos ossos, o que pode levar ao chamado efeito rebote, fazendo com que haja liberação do chumbo dos ossos para o sangue. Esse seria um dos efeitos colaterais dessa terapia, com a elevação abrupta da plumbemia, podendo causar sintomas encefálicos e piora dos sintomas já existentes, como cólica abdominal. A eficácia do tratamento é avaliada pela remissão dos sintomas e pela dosagem de chumbo excretado na forma quelada durante 24 horas de tratamento (Capitani, 2009).

Além disso, é necessário que a criança contaminada seja submetida a avaliações multiprofissionais que possam identificar prejuízos em seu desenvolvimento, considerando principalmente as funções neuropsicológicas e sociais que possam estar comprometidas em razão da contaminação. É importante salientar a relevância de estudos longitudinais, que acompanhem as crianças ao longo de um período, visto seu potencial para levantar inferências entre a plumbemia e os indicadores de desenvolvimento infantil.

 

Exposição ambiental ao chumbo: saúde pública e prevenção

Os problemas e consequências da intoxicação por chumbo têm sido objeto de políticas de saúde pública em diferentes países. No Brasil, certamente, ainda há muito a ser aperfeiçoado nesse sentido.

A intoxicação aguda por chumbo tem diminuído em consequência de legislações e fiscalizações mais exigentes quanto ao seu manuseio, já que a intoxicação crônica, ainda comum nos países pobres, pode ocorrer pela exposição frequente ao metal presente no ambiente de trabalho ou de habitação (Moreira & Moreira, 2004). Somente na década de 1970, os EUA consideraram um caso de saúde pública o chumbo usado como aditivo de gasolina e como pigmento em tintas. Por meio de órgãos oficiais, lançaram programas de eliminação, fiscalização e controle do seu uso. Em 1978, foi proibido o uso do chumbo na produção de tintas e, em 1985, na gasolina (Lidsky & Schneider, 2006).

Coordenado pelo CDC em conjunto com a Environmental Protection Agency (EPA), agências de saúde públicas estaduais e federais e outras instituições, foi lançado, em 1991, nos EUA, um plano de 20 anos, visando a identificar, prevenir e tratar crianças expostas ao chumbo e remover o metal dos ambientes (CDC, 1992). Essas medidas vêm abaixando os níveis de chumbo no sangue, mas ainda continuam elevados na população minoritária, hispânicas brancas e de baixa renda e residente em casas velhas (Centers for Disease Control and Prevention [CDC], 2003). O programa inclui na rotina médica a investigação da intoxicação por chumbo no diagnóstico diferencial de crianças com alterações do desenvolvimento neuropsicomotor, triagem populacional, vigilância laboratorial dos resultados de exames de chumbo em crianças, em conjunto com dados relativos ao exame médico dos suspeitos, investigação e controle dos contaminantes ambientais e ações de polícia sanitária (CDC, 1992, 1997). Nos EUA, 40 estados e departamentos participam desse programa. Na França, adaptando os critérios de internação de resultados de níveis de chumbo no sangue do Centers for Disease Control and Prevention (CDC, 2003), existe um sistema nacional de vigilância do saturnismo infantil, envolvendo 30 departamentos de saúde (Reseau National de Sante Publique [RNSP], 1998).

Convenções internacionais reconheceram a importância da exposição ao chumbo como um problema de saúde pública fundamental, traçando planos de ação estratégicos, visando a conciliar 32 métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica, tais como a Convenção de Estocolmo. Durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Humano, em julho de 1972, 151 países, inclusive o Brasil, assinaram um tratado com o objetivo de acabar com a fabricação e utilização de 12 produtos tóxicos, os chamados "doze sujos", entre os quais se encontra o chumbo. Desta, resultaram outras ações mundiais visando à proteção do ambiente e da saúde infantil:

a) Convenção dos Direitos da Criança, em 1989;
b) Agenda 21 Global, que culminou com a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), em 1992, no Rio de Janeiro (ECO 92);
c) Declaração sobre o Meio Ambiente e Saúde Infantil, pelos líderes das Oito, em 1997;
d) Declaração de Redução de Risco de Chumbo pela Organização para a Cooperação; e
e) Desenvolvimento Econômico (OECD) (Tong, Schirnding & Prapamontol, 2000).

Ainda que o Brasil não possua um programa oficial de prevenção da exposição ambiental ao chumbo, várias medidas já foram tomadas a fim de proteger a população. Em termos de legislação nacional, desde 1986, é obrigatório o relatório de impacto ambiental para autorização de funcionamento de indústrias potencialmente poluidoras. As indústrias instaladas antes da regulamentação não são obrigadas a seguir tais protocolos, exceto se comprovado algum dano ambiental, quando então podem ser submetidas à ação judicial por crime ao meio ambiente, podendo ser condenadas a corrigir ou ressarcir o dano causado (Cordeiro et al., 1996).

Apesar de detectar focos de contaminação e possíveis prejuízos à população, no Brasil, não há programas específicos de prevenção primária ou prática clínica consolidada de análise de chumbo no sangue nem propostas de triagem, mesmo em crianças com alterações no desenvolvimento neuropsicomotor que residam em área de risco.

De acordo com informações do Centro de Vigilância Sanitária (CVS, 2002) da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES), existem várias pequenas empresas e fundições domiciliares de chumbo que não atentam para os cuidados preventivos de contaminação, colocando em risco não somente a saúde dos trabalhadores como a dos residentes no domicílio. Entre os setores não regulamentados, há uma tendência na indústria de maior porte nacional em seguir os parâmetros estabelecidos nos países mais industrializados. (São Paulo, 2002).

 

Exposição ao chumbo enquanto fator de risco ao desenvolvimento

O conceito de fator de risco esteve por longas décadas associado ao modelo biomédico, sendo frequentemente relacionado ao termo mortalidade (Grünspun, 2003; Haggerty, Sherrod, Gamezy & Rutter, 2000). A partir da década de 1980, esse conceito foi se ampliando e, atualmente, os fatores de risco são definidos como as características ou variáveis que, se presentes em um contexto, tornam pessoas ou grupos mais vulneráveis ao desenvolvimento de desordens psicológicas (Grünspun, 2003; Kazdin & Weiss, 2003). Nesse conjunto de fatores de risco ao desenvolvimento saudável também se situa a exposição ao chumbo.

Conforme Kazdin e Weiss (2003), entre as situações de risco mais frequentemente encontradas na infância e na adolescência, estão: baixo nível socioeconômico, incidentes ambientais, violência familiar, abandono e maus tratos, evasão escolar, uso de drogas, abuso sexual, gestação precoce distúrbios afetivos como depressão e ansiedade. Ainda de acordo com esse autor, em ambientes que apresentam condições precárias de sobrevivência, as crianças e os adolescentes encontram-se em risco psicossocial, ficando predispostos à manifestação de padrões desajustados de comportamento, os quais tendem a generalizar-se para diversas situações e contextos distintos.

Nesse sentido, a Psicologia, pelo seu conhecimento teórico-prático em relação:

a) desenvolvimento humano durante os diversos estágios de vida;
b) as alterações dos comportamentos;
c) a interação do indivíduo com diversos contextos (família, pares, escola, trabalho); e
d) aos fatores de risco e proteção, configura-se como uma área promissora no campo das políticas públicas de saúde ante situações de risco e na produção de tecnologia para produzir e conduzir programas de intervenção, seja de natureza preventiva, de promoção da cidadania ou tratamento, possibilitando condições salutares ao desenvolvimento.

Acrescenta-se ainda que, para se desenvolver programas de prevenção e intervenção, é necessário o estudo dos fatores de risco e de proteção ao desenvolvimento. Cowen (1991) apresenta cinco tipos de ameaças ao bem-estar e quatro dimensões que podem contribuir para sua promoção. As ameaças são:

a) necessidades básicas de crianças não atendidas ao longo de seu desenvolvimento;
b) vivências educacionais que produzem a experiência de fracasso pela criança e que falharam em desenvolver competências e habilidades;
c) eventos e circunstâncias que impedem o bem-estar;
d) contextos sociais específicos que minam o bem-estar; e
e) fatores macrossociais, tais como injustiça e pobreza.

Por outro lado, as dimensões necessárias para a promoção do bem-estar dividem-se entre aquelas que focam características individuais (competência e resiliência) e outras que focam aspectos sociais (fortalecimento e mudança do sistema social). A competência relaciona-se com o que uma pessoa pode ou deve fazer bem. Algumas se relacionam com determinados papéis sociais profissionais e outras são genéricas às relações sociais (relacionamento interpessoal, comunicação, etc.). A resiliência constitui a capacidade de o indivíduo crescer sadio, mesmo diante de muitos fatores de risco. A modificação do sistema social supõe e implica que instituições sociais podem agir positiva ou negativamente sobre as pessoas e, dessa forma, deve haver mudanças naquelas que não permitem o desenvolvimento do bem-estar. O fortalecimento (empowerment) supõe que a inexistência de bem-estar se relaciona com a falta de justiça e igualdade, e implica a promoção de políticas e condições que permitam que os indivíduos controlem a própria vida (Cowen, 1991). Assim, uma criança ou um adolescente será considerado em situação de risco quando o ambiente não oferecer suporte para que seu desenvolvimento ocorra conforme o esperado para sua faixa etária e para os parâmetros de sua cultura (Bandeira, Koller, Hutz & Forster, 1996). Sob essa ótica, a exposição ambiental por chumbo é um fator de risco gravíssimo ao desenvolvimento do indivíduo.

 

Prevenções primária, secundária e terciária em situações de contaminação ambiental por chumbo

A prevenção, como modelo de trabalho, originou-se na saúde pública e foi organizada em três níveis (Goldston, 1980):

a) prevenção primária – ações dirigidas a grupos amplos, realizadas antes de uma doença se estabelecer, com caráter educativo maior que os outros níveis;
b) prevenção secundária – ocorre após a identificação de fatores de risco e busca evitar que o problema se torne crônico, por meio de diagnóstico e intervenção precoces; e
c) prevenção terciária – o mais específico de todos os níveis, busca reabilitar ou minimizar os efeitos de uma doença já instalada.

No tocante à exposição ambiental por chumbo, é importante que a sociedade esteja apta a realizar ações focando os três níveis supracitados, especialmente em relação à prevenção primária. Needleman (1982) já relatava a importância da prevenção primária, pois a contaminação por chumbo pode evidenciar necessidades desse tipo de serviço como forma de atenção ao desenvolvimento das crianças. A prevenção primária, considerando a exposição ambiental ao chumbo, envolveria ações anteriores à intoxicação, tais como promoção da saúde por meio de educação sanitária da população, bom padrão de nutrição, atenção ao desenvolvimento e condições satisfatórias de vida (moradia, condições de trabalho, lazer, planejamento familiar), visando à proteção da população contra riscos ocupacionais, acidentes e substâncias que fazem mal à saúde humana. Tão logo a intoxicação seja detectada, deve-se fazer a prevenção secundária, por meio de diagnóstico precoce, pronto atendimento e tratamento adequado (medidas individuais e coletivas para a descoberta de casos, pesquisa de triagem, exames seletivos a fim de evitar complicações e sequelas). Salienta-se a importância de ações educativas junto a professores e pais como forma de minimizar os prejuízos causados pela plumbemia. A prevenção terciária visa à reabilitação do indivíduo, com a prestação de serviços comunitários, hospitalares, como a quelação, e a inclusão na sociedade quando a criança apresenta danos neurológicos mais graves.

Estudos conduzidos nos EUA (Needleman, 2004; Schwartz, 1994) apontam a importância da prevenção primária no tocante à exposição ambiental por chumbo como forma de reduzir gastos com tratamento médico dessas crianças e em educação especial. Um exemplo interessante de prevenção primária foi o adotado pela cidade de Hartford, Connecticut (EUA), em que o Departamento de Saúde da cidade, a fim de promover a sensibilização da comunidade local para a intoxicação por chumbo, implantou uma campanha multifacetada de saúde pública. A campanha incluía o uso de veículos municipais para disseminar mensagens de prevenção à intoxicação por chumbo: cartazes eram afixados em ônibus, anúncios em jornais, transmissão na tevê e outdoors (McLaughlin, Humphries Júnior, Nguyen, Maljanian & McComark, 2004).

Nesse estudo, a reflexão sobre políticas públicas de prevenção está sendo ressaltada, para que, ao atuar em uma questão factual como a contaminação por chumbo, as autoridades competentes atenham-se à necessidade de uma discussão de caráter político e econômico. O descaso com o manejo de dejetos industriais não é algo recente na história da humanidade e, normalmente, é sobre a população menos favorecida que recaem tais irresponsabilidades. No Brasil, já ocorreram vários problemas ambientais relacionados à contaminação por chumbo, evidenciando a vulnerabilidade da fiscalização brasileira com segmentos industriais. Silvany-Neto et al. (1996) constataram níveis médios de 65 µg/dL de chumbo em crianças em Santo Amaro (Bahia). A Cetesb (CVE, 2002) relata que, em Cubatão (São Paulo), os níveis médios de chumbo na população infantil eram de 17,8 µg/dL e, em Caçapava (São Paulo), as crianças apresentavam nível médio de chumbo no sangue de 40 µg/dL. Em Paulínia (São Paulo), crianças contaminadas pela Shell apresentavam, entre os efeitos da contaminação, peso e altura abaixo da média e baixo desempenho escolar (Greenpeace, 2001). Em Bauru (São Paulo), Freitas e Simonetti (2004) identificaram, em 2002, 316 crianças com níveis de pumblemia acima de 10 µg/dL, contaminadas por uma fábrica de baterias. É importante apontar que a contaminação ambiental por chumbo ocorrida no Município de Bauru foi sem precedentes quanto ao número de crianças atingidas. Medidas corretivas foram rapidamente implantadas na tentativa de minimizar os problemas causados à população, como raspagem de camada superficial das vias públicas, aspiração de poeira do interior das residências e a lavagem e vedação das caixas d'água. Por outro lado, fatos como esse tendem a ser negligenciados com o decorrer do tempo pela população afetada e pelas autoridades envolvidas. Por exemplo, quase uma década após a descoberta da contaminação, a população afetada continua vivendo nas mesmas condições. As ações políticas na região envolvendo a descontaminação, como asfalto, não foram finalizadas, indenizações às famílias rurais que dependiam do cultivo e criação na região nunca ocorreram, e a desvalorização imobiliária da região não foi reparada. Esses incidentes ambientais apontam a necessidade da atuação dos profissionais da saúde em geral e podem ser pertinentes também à atuação do psicólogo, tanto na pesquisa como nas intervenções multidisciplinares.

 

Pesquisa e prática psicológica sobre plumbemia

Dadas as implicações psicológicas sobre os indivíduos contaminados por chumbo, a atuação da Psicologia nesse caso pode ser essencial tanto na produção de conhecimentos que subsidiem as políticas públicas e intervenções mais abrangentes (prevenção primária) como na elaboração de alternativas de atendimento e intervenção que minimizem ou atenuem o impacto da contaminação, impedindo ou reduzindo sequelas (prevenção secundária) e, mesmo, na reabilitação dos indivíduos contaminados e na sua reinserção social (prevenção terciária). O caso de Bauru ilustra alguns desses aspectos e permite aventar outros.

Na cidade de Bauru (São Paulo), uma fábrica de baterias provocou a contaminação de uma grande área ambiental, resultando na contaminação dos moradores. Inicialmente, crianças e gestantes foram encaminhadas para avaliação da intoxicação. Foram identificadas 316 crianças de 0 a 12 anos de idade com nível de chumbo no sangue entre 10 e 90 µg/dL. As autoridades sanitárias, atuando nos três níveis de prevenção, organizaram uma equipe multiprofissional para avaliar os efeitos dessa contaminação na população infantil. Fez parte da equipe a Faculdade de Medicina de Botucatu (Unesp), que realizava os atendimentos pediátricos e neurológicos e, em casos de alta contaminação (maior que 50 µg/ dL), realizava a terapia de quelação, atuando na prevenção terciária. A Faculdade de Odontologia e Fonoaudiologia, juntamente com o Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC) da USP, campus de Bauru, que efetuavam as radiografias de mãos e dentes, além da avaliação da acuidade auditiva e de linguagem, juntamente com o Departamento de Psicologia e o Centro de Psicologia Aplicada, da Faculdade de Ciências, da Unesp de Bauru, realizaram as avaliações de desenvolvimento psicológico, intelectual e desempenho acadêmico, promovendo a prevenção secundária e terciária. No Departamento de Psicologia, foi, então, implantado o projeto "Atendimento emergencial a crianças de 0 a 12 anos contaminadas por chumbo: avaliação psicológica e acompanhamento", cujos objetivos foram:

a) avaliar o desenvolvimento geral de crianças de 1 a 6 anos;
b) avaliar o desempenho intelectual de crianças de 6 a 10 anos contaminadas por chumbo; e
c) qual a concepção que os genitores e as crianças tinham sobre a contaminação por chumbo (Rodrigues, 2002).

Para atender a esses objetivos, foi elaborado um "protocolo de avaliação psicológica das crianças expostas ao chumbo", do qual os instrumentos de avaliação, com exceção da anamnese, foram definidos de acordo com o encontrado na literatura internacional e de acordo com a aplicabilidade de diferentes instrumentos de avaliação psicológica por faixas etárias: de 0 a 4 anos incompletos, de 4 a 5 anos incompletos, de 5 a 6 anos incompletos, de 6 a 7 anos incompletos e de 7 a 12 anos. Os instrumentos utilizados foram:

a) o Inventário Portage de Desenvolvimento Infantil (IPO), com o objetivo de avaliar o desenvolvimento da criança em cognitivo, socialização, linguagem, desenvolvimento motor e autocuidado;
b) a Escala de Inteligência Wechsler para Pré-Escolares Revisada (WPPSI- -R) e a Escala de Inteligência Wechsler para Crianças (WISC-III), para avaliar o desenvolvimento intelectual;
c) o Instrumento de Avaliação de Repertório (IAR), para avaliar a prontidão para a alfabetização;
d) o Teste de Desempenho Escolar (TDE), para avaliar o desempenho acadêmico; e
e) o DFH (Desenho da Figura Humana, de acordo com Koppitz), para avaliar indicadores de comprometimento emocional.

Esse projeto atuava tanto na orientação de crianças, pais e professores, promovendo a prevenção primária, como na adoção de medidas que minimizassem o impacto da plumbemia (prevenção secundária). Quando necessário, a criança também era encaminhada para atendimento psicológico (prevenção terciária).

No campo da Psicologia, esse acompanhamento do desenvolvimento da população infantil contaminada por chumbo constituiu-se os primeiros trabalhos conhecidos no Brasil. Esses adquirem maior relevância, considerandose o caráter multiprofissional e interinstitucional, congregando esforços de vários pesquisadores de diferentes universidades (Padula et al., 2006). Desde a contaminação da região, vários projetos de pesquisa e intervenção vêm sendo realizados, visando a contribuir para a promoção da saúde e o desenvolvimento do bem-estar social da população atingida pela contaminação2 (Dascanio & Valle, 2008; Melchiori et al., 2010; Rodrigues & Carnier, 2007).

Como consequência da repercussão do caso de Bauru, em termos de prevenção primária, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA) iniciou, em 2002, uma campanha de fiscalização nacional em fábricas de baterias (São Paulo, 2002). Esse despertar quanto aos riscos gerados pela produção de baterias pode ser um dos desdobramentos positivos desse caso, sendo premente repensar os conceitos de cidadania e responsabilidade ambiental e social cultivados nos últimos tempos, para evitar a insensibilidade às calamidades públicas.

 

Conclusão

Diante da complexidade e multiplicidade dos efeitos e fontes de exposição ambiental ao chumbo, a produção de conhecimento como suporte e as atividades preventivas como intervenções possíveis deveriam:

a) abordar as várias facetas que envolvem o problema;
b) conjugar esforços de várias instituições envolvidas na questão ambiental e de saúde pública;
c) buscar desenvolver alternativas factíveis e efetivas de prevenção e atendimento. Nesse sentido, são necessários estudos que forneçam as informações indispensáveis para melhor conhecimento da nossa realidade e, desse modo, subsidiar os órgãos de saúde pública e meio ambiente nas ações de controle. Fatos como esses apontam a importância das decisões políticas e econômicas na degradação ambiental, na contaminação dos recursos naturais, no manejo do lixo e a deposição de dejetos industriais.

A repercussão de incidentes ambientais, como a intoxicação por chumbo, deve motivar a tomada de providências no âmbito da pesquisa e intervenção. Partindo do pressuposto de que a contaminação por chumbo, em sua gravidade e impacto, é uma retratação da degradação ambiental resultante do processo industrial, propostas de saúde e políticas públicas são importantes para que a sociedade reflita sobre quais seriam as estratégias de controle desses problemas na comunidade em questão, que tem seus alicerces (trabalho, moradia, escola) construídos em uma região de risco.

Por tudo o que foi apresentado até o momento, não há dúvidas da relevância de uma revisão das políticas de saúde pública relacionadas a estratégias de prevenção e intervenção junto a populações residentes em área de risco, com destaque para a atuação do psicólogo na equipe de saúde, como o caso de Bauru, em que a equipe de pesquisadores psicólogos desenvolveu um trabalho pioneiro na área da saúde pública no Brasil.

 

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Texto submetido em janeiro de 2013 e aceito em março de 2015.

 

 

* Doutora em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), docente da Universidade Paulista UNIP/Bauru, membro do grupo de pesquisa Relacionamento Interpessoal e Habilidades Sociais (www.rihs.ufscar.br). E-mail:denisedascanio@ yahoo.com.br.
** Pós-doutora em Habilidades Sociais, doutora em Psicologia, professora titular, vinculada ao Departamento de Psicologia e ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFSCar, bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq (Pq-1A), coordenadora do Grupo Relações Interpessoais e Habilidades Sociais (http://ww.rihs.ufscar.br), publicou, em coautoria com Almir Del Prette, artigos, livros e inventários de avaliação em habilidades sociais. E-mail: zdeprette@ufscar.br.
*** Especialista em Psicologia Clínica Infantil, psicóloga, professora adjunto livre-docente em Psicologia do Desenvolvimento, no Departamento de Psicologia da Faculdade de Ciências, campus de Bauru da Unesp, docente e orientadora do Programa de Pós- Graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem da Faculdade de Ciências no campus Bauru da UNESP, bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq (nível 2). E-mail: olgarolim@uol.com.br.
**** Doutor em Psicologia Experimental pela USP (Universidade de São Paulo), professor titular aposentado pela UFSCar, estando atualmente vinculado ao Departamento de Psicologia e ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFSCar, na condição de professor aposentado colaborador. Bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq e vice-coordenador do Grupo Relações Interpessoais e Habilidades Sociais. Publicou, em coautoria com Zilda A. P. Del Prette, livros e inventários de avaliação em habilidades sociais. E-mail: adprette@ufscar.br.
1 De acordo com órgãos de regulamentação internacional, o nível máximo de plumbemia aceitável é 10 μg/dL.
2 No decorrer desses anos, várias ações de entidades envolvidas com o caso foram reconhecidas por seus méritos na atuação junto à população. O Departamento de Saúde Coletiva da Secretaria Municipal de Saúde foi premiado pela atuação no acompanhamento das crianças afetadas pelo chumbo (TV TEM - portal da afiliada da Rede Globo - 25/09/03 e Jornal da Cidade, idem). A 3ª Expoepi (Mostra Nacional de Experiências Bem-Sucedidas em Epidemiologia, Prevenção e Controle de Doenças), promovida pelo Ministério da Saúde, concedeu o primeiro lugar ao trabalho multi-institucional realizado na cidade, na prevenção, descontaminação e atendimento médico casa a casa.


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