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Psicologia em Revista

Print version ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.22 no.1 Belo Horizonte Jan./abr. 2016

http://dx.doi.org/DOI-10.5752/P.1678-9523.2016V22N1P223 


ARTIGOS

DOI - 10.5752/P.1678-9523.2016V22N1P223

 

Produtividade acadêmica e modulações no trabalho do pesquisador em Psicologia

 

Academic productivity and modulations in the work of the researcher in Psychology

 

La productividad académica y las modulaciones en el trabajo del investigador en Psicología

 

 

João Henrique de Sousa Santos*; Luciana Kind**

 

 


Resumo

Este artigo apresenta uma pesquisa que teve como objetivo investigar o cenário de produtividade acadêmica em relação ao pesquisador com bolsa de produtividade em pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A investigação envolveu a produção de dados empíricos por meio da seleção e análise de informações nos currículos de pesquisadores PQ da área da Psicologia disponíveis na Plataforma Lattes. Foram também realizadas entrevistas semidirigidas com sete pesquisadores bolsistas de produtividade de diferentes subáreas. Os resultados estão apresentados e discutidos em três eixos norteadores da problematização do campo investigado: produtividade e avaliação da área; bolsa de produtividade em pesquisa: entre dilemas e benefícios; e produtivismo e modulações de pesquisadores. Os resultados apontam uma cultura da produtividade permeada pela lógica da produção, sobretudo de artigos científicos, e pela intensificação do trabalho, que modula o trabalho do docente-pesquisador.

Palavras-chave: Políticas científicas. Cultura da produtividade. Bolsa de produtividade. Pesquisador. Trabalho docente.


Abstract

This article presents a study aimed at investigating the academic productivity scenario regarding researchers funded by scientific productivity grants from the National Council for Scientific and Technological Development (CNPq). The research involved the production of empiric material through the selection and analysis of information contained in the researcher curricula available in Lattes Platform. We selected curricula of researchers in Psychology with existing grants. We also conducted semistructured interviews with seven researchers of different subareas. The results are presented and discussed in three guiding principles, which help to problematize the investigated scenario: Productivity and assessment of the knowledge field; Productivity grants in research: between dilemmas and benefits; and Productivism and modulations of the researchers. The results show a culture of productivity permeated by the logic of production, especially of scientific articles, and intensification of work, which modulate the work of the professor-worker

Keywords: Scientific policies. Culture of productivity. Productivity grant. Researcher. Professors' work.


Resumen

En este artículo se presenta un estudio cuyo objetivo fue analizar el escenario de la productividad académica en relación al investigador con beca de productividad en investigación del Consejo Nacional de Desarrollo Científico y Tecnológico (CNPq). La investigación consistió en la producción de datos empíricos a través de la selección y análisis de la información contenida en los currículos de los investigadores en la Plataforma Lattes. Fueron realizadas entrevistas semidirigidas con siete investigadores becarios de productividad de distintas subáreas. Los resultados se presentaron y discutieron en tres ejes vertebradores de la problematización del campo investigado: Producción y evaluación del área; La beca de productividad en investigación: entre dilemas y beneficios; y Productivismo y modulaciones de los investigadores. Los resultados muestran una cultura de la productividad permeada por la lógica de la producción, sobre todo de artículos científicos, y por la intensificación del trabajo, lo que modula la labor del docente-investigador.

Palabras clave: Políticas científicas. Cultura de la productividad. Becas de productividad. Investigador. Trabajo docente.


 

 

Introdução

"You need to publish"
They tell us sternly;
As they load us up with teaching hours,
And administrative tasks,
And public relations exercises
(L'Huillier, 2012)1

A pós-graduação no Brasil, balizada por políticas de incentivo à pesquisa e à inovação tecnológica, está em crescente processo expansionista. Seu crescimento é apresentado não apenas pela criação de novos programas e cursos de mestrado (acadêmico e profissional) e doutorado, mas também pelo aumento da produção intelectual. Esse campo é marcado por políticas de gestão e avaliação, nas quais a produção acadêmica surge como indicador de desempenho. Com isso, tem-se um campo no qual a avaliação de produtividade incide diretamente sobre o trabalho do pesquisador. Como afirma Schmidt (2011, p. 327), "o ideário produtivista é indissociável da racionalidade técnica e ambos estão implicados na 'coisificação' do trabalho acadêmico e de seus atores".

Compelidos pelas agências de fomento à pesquisa científica e tecnológica e, consequentemente, pela administração superior e departamentos nas universidades, os pesquisadores estão cada vez mais inseridos em uma arena na qual produzir se torna a palavra de ordem (Trein & Rodrigues, 2011; Vilaça & Palma, 2013). Alguns indicadores como o avanço da produção científica no País, a intensificação do trabalho e a classificação dos programas e dos pesquisadores bolsistas de produtividade, entre outros, fazem emergir uma complexa rede de práticas produtivistas.

Diante dos processos decorrentes do trabalho de gestão e avaliação que as agências de fomento vêm realizando no campo científico, discutemse os modos de condução desse trabalho, que promoveriam uma escala de produção, apresentada no meio acadêmico como "produtivismo", pois adota, principalmente, parâmetros quantitativos de avaliação (Rego, 2014; Vilaça & Palma, 2013; Luz, 2005). O produtivismo emerge diante da necessidade de se publicar, de modo excessivo, em periódicos com indicador de qualidade como um processo de "qualificação" do trabalho acadêmico (Rego, 2014).

Em diálogo com autores que exploram esse tema (Domingues, 2013; Sarmento, 2011), entendemos que o produtivismo insere no campo pesquisado a dimensão ético-moral, com condutas que extrapolam, por vezes, os limites éticos estabelecidos: reprodução de artigos anteriores como se fosse uma nova produção, plágio, extração de mais de um artigo de uma mesma pesquisa, competitividade, antecipação dos resultados e autorias de "fachada". O produtivismo acadêmico, portanto, aparece como elemento que marca o caráter quantitativista de uma cultura da produtividade.

Uma série de efeitos dessa dupla face do cotidiano dos pesquisadores pode ser antecipada. Artigos publicados prematuramente, busca por revistas mais qualificadas e conteúdo que, por vezes, repete-se promovem contradições e embates com impactos no meio científico e sobre os próprios pesquisadores (Vilaça & Palma, 2013).

Pensar a intensificação da produtividade acadêmica corrobora a possibilidade de problematizar a prática do docente pesquisador, inserido em um campo de gestão e avaliação, que faz emergir um conjunto de práticas que produzem modulações em seu trabalho, por vezes precarizado, como assinala Bernardo (2015).

Rego (2014), ao discutir os processos de estímulo à produção e comunicação científica no País, coloca em pauta o que denomina "efeitos colaterais" dessa cultura de produtividade. A discussão aponta que tais efeitos incidem sobre a vida do pesquisador, sobre a qualidade das pesquisas e das publicações, assim como os destinos dos periódicos científicos. A autora chama atenção para o aumento da demanda de artigos submetidos aos periódicos nacionais, com fragilidade na produção, e a migração de autores "qualificados" para publicação em periódicos internacionais, com maior fator de impacto.

Nesse ponto, vale destacar que a diversidade teórica, metodológica e política em que a Psicologia se constitui favorece o arranjo de um cenário de heterogeneidade relativa à produção intelectual da área. Hutz, Rocha, Spink e Menandro (2010) discutem a realidade da pós-graduação em Psicologia no Brasil, valendo-se do perfil, avaliação e metas que compõem esse campo. Os autores levantam a hipótese da existência de diferenças quantitativas entre as subáreas no que tange às publicações e proporções de artigos versus livros. Diferenças quanto ao tempo necessário para se obterem os dados de pesquisa, o acesso ao campo, recursos e processamento da análise são pontos que podem interferir no volume de produção de cada subárea.

Com o objetivo de apresentar e discutir a proposta desenvolvida pela área de Psicologia, diante do ideário produtivista, Yamamoto, Tourinho, Bastos e Menandro (2012), autores com experiência como representantes e coordenadores da área na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), expuseram a "tabela de melhor produção" (TMP), elaborada pela área para a avaliação do triênio 2004-2006. Com a finalidade de estabelecer limites quantitativos para a avaliação da produção dos programas de pós-graduação no cenário de produtividade acadêmica, estabeleceu-se como referência a produção de quatro itens por docente/ano como teto da TPM. Nas palavras de Yamamoto et al. (2012, p. 736), "definido esse limite e aferida a qualidade de todos os itens publicados pelo Programa, consideram-se aqueles mais bem avaliados e apura-se a média de pontos pro docente permanente". Apesar dos variados alertas feitos pelos próprios autores com relação a esse número de referência para o teto da produção mais qualificada a ser computada, corre-se o risco de se produzir uma lógica inversa: o que fora criado para ser teto vira piso e meta. Ressalta-se que a avaliação das produções mais qualificadas ocorre, sobretudo, pelo fator Qualis (fator de impacto), que segue critérios quantitativos de estratificação, ou seja, a base de um modelo que visa a minimizar os efeitos produtivistas ainda engendra critérios numéricos pautados, especialmente, em padrões internacionais.

Na cultura da produtividade, uma figura emerge como agente que, às voltas com a política de gestão e avaliação, vê-se imerso em meio a práticas produtivistas, a saber, o bolsista de produtividade em pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), doravante referidos como bolsistas PQ. Wendt, Lisboa, DeSousa e Koller (2013) analisaram a produção dos 297 bolsistas PQ (à época de seu estudo) e encontraram escores elevados em relação à produção de artigos, uma média de 9,55 artigos/docentes na produção por triênio, sendo que grande parte da produção se concentrava nos pesquisadores nível 1A e 1B. Vale ressaltar que as bolsas são divididas em três categorias: PQ 1 (1A, 1B, 1C, 1D), PQ 2 e pesquisador sênior. Weber et al. (2015), em pesquisa semelhante à realizada por Wendt et al. (2013), também encontraram altos índices de publicação em bolsistas de produtividade. Os autores apontam que há uma predominância da quantidade em detrimento da qualidade das publicações quando acompanhado da categoria bolsa. Tanto Wendt et al. (2013) quanto Weber et al. (2015) tiveram os currículos dos bolsistas PQ na Plataforma Lattes como fonte de material empírico para tecer suas discussões.

Além dos estudos centrados em traçar certo "perfil" de bolsistas PQ, a dimensão do trabalho do docente-pesquisador também é alvo de discussões recentes. A intensificação do trabalho que se cria no contexto de exigências de avaliação faz emergir práticas que se inserem em um espaço de liberdade regulada, como situa Rose (2011). Estudos recentes discutem a precarização do trabalho do docente-pesquisador, acentuando os efeitos de subjetivação daí decorrentes (Bernardo, 2015; Mancebo, 2010, 2013). Entre eles, Mancebo (2010) aponta que os docentes, individualmente ou em grupos, ampliaram a captação de recursos para realização de suas pesquisas e que, em decorrência de baixos salários e pouco investimento, testemunhou-se um aumento da procura por financiamento por meio de bolsas. Como efeito, assinala a autora, tem-se agendas de pesquisas submetidas aos editais, competição entre os pares, hierarquização do espaço universitário, intensificação do trabalho docente (fruto, sobretudo, das inúmeras atividades burocráticas). O acréscimo das funções adquiridas pelo docente pesquisador é acompanhado pelo aumento da jornada de trabalho. E, na condição de bolsistas, tem-se, mesmo que não proporcionalmente, uma complementação salarial.

Em sintonia com o contexto aqui apresentado, este estudo teve por objetivo investigar o cenário de produtividade acadêmica e modos de subjetivação que modulam o trabalho do pesquisador com bolsa de produtividade em pesquisa CNPq na área de Psicologia.

 

Percurso metodológico

O estudo baseou-se em uma investigação qualitativa, de caráter exploratório, não exaustivo, enfatizando as dimensões processuais na produção do trabalho de campo. Foram combinadas estratégias de produção do material bibliográfico e empírico, realizando-se pesquisa bibliográfica, análise documental e entrevistas semidirigidas. A pesquisa bibliográfica pretendia fundamentar "teoricamente o objeto de estudo, contribuindo com elementos que subsidiam a análise futura dos dados obtidos" (Lima & Mioto, 2007, p. 44). O levantamento bibliográfico foi conduzido em bases de dados eletrônicos (entre elas, SciELO, PePSIC e Periodicos Capes, compreendendo o período de 2005 a 2015), além de se efetuar buscas em acervos de bibliotecas universitárias para acesso a material bibliográfico referenciado por textos consultados, mas não captados nos bancos de dados virtuais. Os principais termos de busca foram "produtividade", "produtivismo" e "trabalho docente".

A análise documental envolveu a seleção de currículos de bolsistas PQ declarados na Plataforma Lattes. Tomou-se como base a lista publicada pelo CNPQ, entre abril e maio de 2014, baixando-se os 316 currículos então disponíveis dos pesquisadores com bolsas vigentes. No processo de análise, seguindo-se elementos apontados por Cellard (2010), a etapa de pré-análise dos currículos envolveu a identificação de questões para o aprofundamento da leitura do material. Elementos como periódicos em que as publicações foram submetidas (estrato Qualis) e colaboração com discentes e docentes em autoria contribuíram para melhor compreensão do tema investigado. Das questões que subsidiaram a análise dos currículos ressalta-se a tentativa de compreender alguns processos, a saber, os modos de fabricação do produtivismo no cenário da produtividade acadêmica e os efeitos decorrentes da classificação do pesquisador. Assim como nos estudos de Wendt et al. (2013) e de Weber et al. (2015), acentua-se que não foi verificada a veracidade das informações declaradas pelos pesquisadores em seus currículos que ficam disponíveis para acesso público.

Para a realização das entrevistas, seguiu-se um roteiro semiestruturado que abarcava questões sobre o cotidiano do trabalho do docente pesquisador, prática de produção acadêmica, relação com o programa de pós-graduação e com a bolsa de produtividade em pesquisa. Foram previamente selecionados da lista pública do CNPq, de modo intencional, pesquisadores que, estimavase, trariam contribuições para problematizar o campo de estudo, descartandose, portanto, o critério numérico como alcance de representatividade. De modo semelhante ao desenho metodológico proposto por Bernardo (2015), nosso interesse se situava em localizar participantes para o estudo que fossem "qualitativamente representativos". Dos 15 pesquisadores convidados, 10 responderam positivamente, mas por desencontros variados, apenas 7 efetivamente concederam entrevistas. O quadro 1 dispõe de informações sobre os pesquisadores entrevistados.

 

 

A organização da análise seguiu os passos sugeridos por Bardin (2011): a pré-análise, que consistiu na preparação inicial do material de análise, com uma primeira leitura e aproximação dos objetivos e hipóteses do estudo; a exploração do material, momento em que a categorização foi realizada; e tratamento dos resultados, com inferências, interpretações e articulações com o material teórico coletado no levantamento bibliográfico. Como elementos conceituais que compõem o pano de fundo das discussões, trabalharemos com as noções foucaultianas de relações de poder e modos de subjetivação (Foucault, 1976/1988; 1982/2010; 1984/2010). Ressaltamos, contudo, que a discussão neste artigo privilegiará o diálogo com a revisão temática de literatura que nos permite pautar a cultura da produtividade.

 

Resultados e discussão

A análise das entrevistas está apresentada e discutida em três categorias temáticas centrais, construídas no bojo da análise como eixos norteadores da problematização do campo investigado, a saber: produtividade e avaliação da área; bolsa de produtividade em pesquisa: entre dilemas e benefícios; produtivismo e modulações de pesquisadores. Ao longo da exposição desses eixos, serão trabalhados elementos da análise documental, fragmentos das entrevistas e o diálogo com o material bibliográfico levantado nesta pesquisa.

 

Produtividade e avaliação da área

A diversidade das subáreas da Psicologia reconhecida por alguns autores (Yamamoto et al., 2012; Hutz et al., 2010) relaciona-se com distintas formas de se compreender e praticar "ciência". Alinhados às suas respectivas subáreas de atuação, os entrevistados apontam que os programas com características das ciências duras, com métodos objetivos e quantitativistas, dominam o campo de produção e, ao mesmo tempo em que ganham maior verba para suas pesquisas, assentam critérios e uma modalidade de fazer ciência. Hannah discorre sobre a tendência planificadora quando se pensa a área:

Eu acho que há uma certa racionalidade, que não é só no Brasil, que eu diria que é hegemônica, que traz um certo primado da técnica, da tecnologia, de uma certa ideia do que é ciência e produção de conhecimento. Essa racionalidade dá muita ênfase à técnica. Isso faz com que um número bastante significativo de trabalhos na nossa área, na grande área Psicologia, convirjam pra um certo método, certos procedimentos, os chamados quantitativos, análise estatísticas, enfim, em detrimento de outras possibilidades (Hannah, Psicologia social).

A pesquisadora ainda aponta que o tipo de trabalho que faz nem sempre encontra acolhida nas revistas mais bem avaliadas. Em justificativa, discute que essa modalidade unívoca de fazer ciência, construindo critérios que não abarcam a complexidade da própria Psicologia, tem produzido um campo marcado pela constante fiscalização dos processos que gerenciam os periódicos, pautados nas perguntas: o que aceita? Com qual metodologia? Em qual área?

Tendo em vista as assimetrias das subáreas e temas de pesquisa em Psicologia, Tourinho e Bastos (2010) marcam a importância do aperfeiçoamento do sistema de avaliação de modo a considerar a diversidade que caracteriza a área. Para os autores, "O fracionamento da Psicologia em subáreas e temáticas tão diferentes quanto numerosas repercute diretamente na natureza, perfil e alcance das produções encontradas na área" (Tourinho & Bastos, 2010, p. 41). Os autores assinalam que a comissão avaliadora da área tem buscado lidar com um conjunto amplo de indicadores que não privilegiem um ou outro perfil de desempenho. Contudo, as estratégias adotadas têm caminhado concomitantemente à competitividade entre os programas (e, consequentemente, entre pesquisadores) e ao aumento do número da produtividade. A título de exemplo, tem-se a tabela de melhor produção (TMP), mencionada anteriormente (Yamamoto et al., 2012), uma estratégia para fazer frente ao avanço da produtividade excessiva, mas que tem sido captada por uma lógica produtivista. A fala de Augusto elucida o movimento que a área tem feito diante do produtivismo e o modo como a proposta tem incidido sobre alguns pesquisadores.

Como toda essa denúncia de produtivismo, a área da Psicologia começou a analisar os dados, e perceberam que as pessoas estavam a cada ano produzindo mais, e havia queixas de que estava caindo a qualidade. Então o que elas fizeram? Elas anunciaram as áreas das que elas iriam começar a avaliar somente a melhor produção. Cada área tem um teto de produção de qualidade. Se você bater naquele teto, em termos de quantidade de revista, não adiante você produzir mais. Vai ser melhor se produzir em revistas de melhor qualidade. O problema é que tem pessoas que acham que o teto é um piso e transformaram isso aí [o publicar] em um objetivo de vida (Augusto, Psicologia do trabalho e organizacional).

O cenário de avaliação da área obedece a certos critérios que nem sempre são claros ao pesquisador, mas que regem um modo de produtividade acadêmica. Uma escolha (regulada) frequente na cultura da produtividade refere-se à publicação de artigos científicos em periódicos acadêmicos. O fator publicação não opera desvinculado da decisão sobre onde publicar e coloca, com especial atenção, dois elementos em pauta: fator de impacto e classificação Qualis. René e Augusto introduzem essa discussão, apontando o fator de impacto como determinante da escolha do periódico. Nas palavras do primeiro, o fator de impacto define o destino dos seus manuscritos: "A escolha de periódico funciona em função do seu fator de impacto. Se não tiver fator de impacto, não me interessa publicar na revista" (René, PQ 2, Psicologia do desenvolvimento humano).

A ênfase na produção em formato de artigo é um dos principais alvos de crítica na cultura da produtividade (Bernardo, 2015; Bianchetti & Zuin, 2012; Luz, 2005). O cenário desponta um número excessivo de artigos sendo submetidos aos periódicos, sobrecarga das revistas, poucos pareceristas (qualificados) e a ausência da compreensão de que uma pesquisa não necessariamente resulta em uma produção no formato de artigo, efeito também discutido na literatura internacional sobre a "publish or perish culture" (Dalen & Henkens, 2012). René argumenta sobre a importância do artigo em detrimento de outros produtos, como o livro ou capítulo de livro, por exemplo, e, ao mesmo tempo, abre espaço para se questionar a relevância de produções excessivas.

Neste triênio, eu tenho dois capítulos de livros, mas porque foram amigos que insistiram muito pra fechar o livro, porque dá um trabalhão gigantesco. E objetivamente é só pela satisfação de escrever sobre o tema, uma questão pessoal. Profissionalmente, como pesquisador, não conta em nada. Então, acaba que a exigência do artigo científico, ela é a que todos os dias paira na atividade do pesquisador (René, Psicologia do desenvolvimento humano).

É tácito na fala do pesquisador que o que "conta" (quantitativamente) no exercício profissional é o produto em forma de artigo, malgrado os esforços da área em construir critérios para a avaliação de livros (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior [Capes], 2013). Como consequência, sua atividade caminha junto à exigência de publicação em forma de artigos. Com argumento distinto do de René, mas também enfatizando a produção de artigos versus aquela em livros, Edith defende a opção por privilegiar a publicação no primeiro formato: "Enquanto o livro logo cai no esquecimento, o impacto da revista e sua facilidade de acesso são fatores que promovem o artigo por mais tempo" (Edith, Psicologia do trabalho e organizacional).

Embora os entrevistados não tenham explicitado o argumento da ênfase exagerada na produção em formato de artigo, a avaliação de programas se relaciona intrinsecamente com a "escolha" pelo formato artigo. Em uma rápida consulta à planilha de indicadores da área, referentes à última avaliação, verificase que os seis programas avaliados com notas 7 ou 6 contam com número expressivo de artigos publicados em periódicos nos estratos A1 e A2, quando comparados aos demais programas. Além disso, são programas com linhas de pesquisas que se aproximam das chamadas ciências duras. É importante destacar que essa produção computada para os programas advém de atores que compõem esse cenário: pesquisadores e alunos que são inseridos num processo contínuo de avaliação institucional e avaliação de si mesmos. Hutz et al. (2010) chamam a atenção para o fato de que quase todos os programas com conceito acima de 5 exigem artigos oriundos do trabalho de conclusão dos mestrados e doutorados. Não é de se estranhar, portanto, que um quantitativo significativo de publicações se concentrem nesses programas e que os pesquisadores entrevistados atribuam mais peso à sua produção no formato de artigo.

 

Bolsa de produtividade em pesquisa: entre dilemas e benefícios

Avaliação da pós-graduação e publicação em formato de artigo foram elementos apontados pelos entrevistados como práticas que respondem a uma certa racionalidade e operam em prol da produtividade acadêmica. Já a bolsa de produtividade em pesquisa do CNPq aparece como um componente que reforça e explicita esses elementos nas práticas cotidianas como docentes-pesquisadores. As falas a seguir trazem para a discussão o efeito bolsa PQ como catalizadora de um cenário de intensificação das práticas que regem a conduta profissional.

Eu acho que o fato de ser bolsista gera uma tensão maior e uma exigência maior, que impacta as minhas rotinas. Então, uma preocupação maior com publicação, com a gerência das orientações… Um bolsista ele tem que manter sua equipe funcionando com orientações, mestrado, se possível doutorado… agora cada vez mais doutorado (Hannah, Psicologia social, grifo nosso).

Quando a gente se torna pesquisador 1, especialmente 1A, existe toda uma consideração da comunidade científica, assim… "Ah é pesquisador 1A do CNPq". Tem um reconhecimento. Muita gente trata como se fosse um título honorífico (Sarah, Psicologia do desenvolvimento humano).

A rotina estrategicamente modificada e o prestígio intelectual de que falam Hannah e Sarah são pontos que deixam entrever as tensões e benefícios da condição de bolsista PQ. Júlia acentua a dimensão do trabalho aumentado: "Ser bolsista de produtividade hoje exige cada vez mais do pesquisador [...] E eu estou me sentido cada vez mais exigida" (Júlia, Psicologia social). A intensificação e precarização do trabalho do docente-pesquisador são temas discutidos por Bernardo (2015), que situa a bolsa de produtividade como um dos mecanismos de valorização do docente. A intensificação da produtividade, entre outros aspectos, aparece em suas discussões como um elemento de evitar o rebaixamento na carreira, ameaça sentida por alguns de seus entrevistados.

O redimensionamento do tempo e espaço como uma das consequências da dilatação de metas de produtividade, como analisa Bernardo (2015), também aparece em nossas entrevistas. Nesta pesquisa, a dimensão do trabalho do docente-pesquisador se faz em modo contínuo, proliferado em múltiplas tarefas. A prática passa a ser modulada por fatores que advêm da condição de bolsista, a saber, exigência quanto à produção científica, formação de recursos humanos (docência e orientação), coordenação de projetos de pesquisa e participação em atividades técnico-administrativas. A fala de Júlia chama atenção para um fator que não é estanque: estar na condição de bolsista PQ promove uma exigência contínua.

As bolsas PQ fornecem um subsídio financeiro mensal, para ambos os níveis, e taxas de bancada, para aqueles que são classificados com categoria 1, para cobrir parte dos custos com a pesquisa. Wendt et al. (2013) assinalam que esse auxílio à pesquisa, mediante classificação dos pesquisadores, é elemento que, atrelado a outros fatores, contribui para a produção elevada e competitividade entre os pares. Algumas chamadas para financiamento de projetos são restritas a pesquisadores nível 1, e estes são os únicos que podem ser membros comissões de assessoramento que participam, de modo mais direto, das políticas científicas.

Quando da seleção dos currículos na Plataforma Lattes, a lista de bolsistas PQ contava com 316 pesquisadores na área de Psicologia. No que diz respeito à concentração de bolsistas conforme a categoria e tempo médio de obtenção do título de doutor, como exposto na tabela 1, vê-se que um maior número de pesquisadores se concentra na categoria 2, seguida da categoria 1D. O índice é menor na categoria sênior. Há um equilíbrio nas faixas de 6-10 anos (51) e 21- 30 anos (61) de titulação. Por outro lado, é possível notar uma menor presença de bolsistas na faixa de até 5 anos, com prevalência na categoria 2.

 

 

A análise dos currículos dos quatro bolsistas PQ com tempo de doutoramento até 5 anos aponta uma média de produção de 12 artigos/docente no triênio 2007-2009 e 17 artigos/docente no triênio 2010-2012. Essa média é superior à média geral encontrada por Wendt et al. (2013), de 9,55 artigos/docente.

Luz (2005) discute a presença de doutores recém-formados no cenário da produtividade acadêmica e os efeitos que seu "uso" pode produzir. Segundo a autora, esses pesquisadores apresentam produção bibliográfica crescente, dado o afinco pela ascensão na carreira. A competitividade e o rigor em aplicar as exigências das agências – assinala a autora – são elementos que caracterizam a prática desses atores, que, por vezes, assumem cargos de avaliadores dos comitês de assessoramento das agências e reproduzem para a área como um todo as especificidades de sua prática.

A produção de artigos publicados conforme classificação do pesquisador e natureza dos periódicos, se nacional ou internacional, parece ser outro importante parâmetro para análise da produtividade do bolsista PQ. Observa-se, conforme apontado na tabela 2, que pesquisadores com bolsas de nível mais alto apresentam maior média de produção. Destacam-se as produções de nível internacional nas classificações 1A e 1B, quando comparada com os demais níveis.

 

 

As pressões para se publicar sempre mais e em periódicos mais bem avaliados mostra a relação que os bolsistas PQ estabelecem com o circuito das equipes editoriais. A possibilidade de recusa do artigo, demora no processo de avaliação, pareceres superficiais e a demora entre o prazo de submissão e a efetiva publicação do artigo aparecem como dificuldades no cenário de produção nacional. Anexo à exigência de internacionalização dos programas e periódicos, bolsistas PQ têm direcionado seus trabalhos, cada vez mais, a periódicos internacionais, como Sarah sinaliza:

A gente busca em geral periódicos A ou B1, B2. Aquela qualificação da Capes, [...] preferencialmente aqueles que têm um bom retorno, um processo ágil. Por conta disso, eu tenho procurado mais periódicos internacionais, porque os periódicos brasileiros são uma vergonha. O processo editorial muito lento… Então eu tenho procurado os periódicos internacionais… (Sarah, Psicologia do desenvolvimento humano).

Rego (2014) discute como o produtivismo afeta pesquisadores, universidades e periódicos científicos a partir dos modos de produção e publicações. A internacionalização da produção científica é um processo em franco crescimento, especialmente por se tratar de um espaço consolidado. Diante da política editorial dos periódicos nacionais e maior grau de impacto dos periódicos internacionais, tem-se cada vez mais a migração de artigos para periódicos dessa natureza. Para a autora, "as políticas de avaliação da pesquisa adotadas no Brasil, refletindo os procedimentos internacionais, definem os destinos da maior parte dos pesquisadores atuais, bem como afetam os rumos dos periódicos científicos" (Rego, 2014, p. 337, grifo nosso). Mais do que o envio de artigos para periódicos internacionais, tem-se, na hipótese da autora, uma destinação do próprio pesquisador a essa modalidade de produção.

Os pesquisadores entrevistados também apontam "benefícios" em decorrência da bolsa. Hannah assinala que os bolsistas tendem a ter maior facilidade no financiamento para suas pesquisas, sendo um dos critérios para a distribuição de verba sua condição de bolsista PQ. Em contrapartida, o campo promove uma série de exigências e processos que, por vezes, tornam a prática exaustiva. Vale ressaltar, como Hannah expõe no fragmento apresentado a seguir, que alguns pesquisadores se veem imbricados nessa via, qual seja, usufruir dos "benefícios" em meio às exigências.

Quem está no sistema percebe isso claramente. Quer dizer… em detrimento das exigências produtivistas, há benefícios, tanto do ponto de vista simbólico como gera um certo status entre os pares – não somente entre os pares da área, mas no universo acadêmico, científico. [...] O fato de estar no sistema abre portas pra mim mais facilmente do que pra quem não está. Por exemplo, um dos critérios que desponta quando a gente está distribuindo verba de pesquisa, ou bolsa, é, por exemplo, pós-doutorado júnior, se o orientador ou coordenador do projeto é bolsista, entende? (Hannah, Psicologia social).

A discussão sobre financiamento abarca uma arena minada por relações de poder e competitividade. Destaca-se, na análise realizada por Mancebo (2013) sobre a produção de conhecimento enquanto efeito do trabalho docente, que o tema do financiamento promove uma competição por recursos em meio a uma corrida desenfreada pela produtividade. Hannah e Simone discutem esse ponto quando afirmam que "aqueles que estão no sistema" (leia-se, bolsistas PQ) têm mais facilidade do que os que estão fora. Estes, por outro lado, direcionam suas práticas a atividades que promoveriam sua entrada no sistema. Augusto é direto ao reconhecer que a inserção, em si mesma, tem um valor: "Quem entrou no sistema, faz tudo pra continuar nele. A pessoa já compartilha dos valores do sistema" (Augusto, Psicologia do trabalho e organizacional, grifos nossos).

Simone mostra outra faceta do sistema, qual seja, suas condições limitadas de entrada e saída: "O sistema não… Não há recurso pra todos. Há gente boa fora do sistema. E, às vezes, também os colegas não têm coragem de tirar do sistema quem não devia estar, pra abrir vaga" (Simone, Psicologia do desenvolvimento humano).

Os pesquisadores destacam, sobre o cenário investigado, certas condutas diante das regras do jogo. Entrar no sistema e ser o sistema, ou seja, manter-se e compartilhar dos valores deste, permite compreender os modos de subjetivação que essa prática promove. A fala de Simone evidencia mais ainda a complexa rede na qual se constitui o campo investigado, dado que a saída do sistema passa, também, pela relação com os pares. Para Foucault (1976, 1982), no âmbito das relações de poder, deve-se atentar para os modos de ação de uns sobre os outros.

O exercício do poder implica tanto no ato de conduzir condutas quanto nos modos de existência em determinado campo de possibilidade. Como um jogo, o exercício do poder está em constante elaboração, transformação, organização e comporta um conjunto de técnicas e instrumentos mais ou menos ajustados ao seu uso estratégico. Os fragmentos aqui trabalhados produzem indícios distintos (desejar o sistema, manter-se nele, não ter coragem para tirar quem nele está) que apontam para um jogo que envolve a relação direta entre os seus participantes que não somente entendem as regras, mas as formulam.

 

Produtivismo e modulações de pesquisadores

O trabalho de pesquisadores PQ, como aponta Edith, "não tem hora para começar ou para terminar". E, nesse contexto, novas modalidades da prática docente e de pesquisa parecem compor o campo de investigação. Para Edith, a tecnologia tem cooptado a atividade do pesquisador para além do âmbito institucional, o que caminha junto ao aumento do rendimento e de sua produtividade, como se pode observar:

As tecnologias de fato criaram uma intensificação do trabalho… Porque a gente consegue hoje fazer coisas com a rapidez que a gente não conseguia fazer… O que eu estou chamando de intensificação não é trabalhar mais horas ou menos horas… mas fazer mais atividades… (Edith, Psicologia do trabalho e organizacional).

Observa-se uma informatização do trabalho do pesquisador, que se vê às voltas com a atualização, em ritmo acelerado, do currículo Lattes, do preenchimento adequado de informações na plataforma de dados da Capes, de formulários das agências de fomento à pesquisa, de sistemas de submissão de periódicos eletrônicos e outras interfaces tecnológicas. Nesse bojo, a tecnossociabilidade, pensada como contexto de produção de novos modos de ser, dilui aspectos institucionais básicos, como jornada de trabalho de 40 horas semanais. Mancebo (2010) assinala que a intensificação do trabalho docente redimensiona a relação que o profissional estabelece com o tempo, pois é tênue a linha que separa o tempo no trabalho e o tempo fora do trabalho.

Embora a produtividade e o produtivismo coexistam, eles se diferem sobretudo no modo como configuram o campo e modulam o trabalho do pesquisador. Destaca-se, a seguir, a fala das pesquisadoras entrevistadas e os elementos que apontam para a dimensão produtivista que permeia a dinâmica de publicação.

Eu sou bastante produtiva, mas eu acho que isso é consequência de gostar de fazer pesquisa. E fazer pesquisa e ter uma disciplina, pra mim [...], é você ter sempre trabalhos sendo feitos, pesquisados, trabalhos sendo escrito pra submeter, trabalho submetidos, trabalhos no prelo. Isso tem que ser uma disciplina. Faz parte da nossa carreira (Simone, Psicologia do desenvolvimento humano).

Meu programa, por exemplo, é nota cinco, e aí, a ideia é que, se nós somos cinco, nós temos que lutar pra ser seis. A ideia é essa: você sempre competir para estar em um outro lugar, não é de você estar feliz. "Vamos produzir mais, vamos produzir diferente para a gente ser seis." Então, o lance agora é a gente olhar onde a gente está publicando (Júlia, Psicologia social).

Nas falas apresentadas, pode-se notar certa modulação da prática de produzir, na qual pesquisadores passam a funcionar na lógica vigente. Para Simone, os atributos pessoais compatíveis com essa lógica de produtividade corroboram para uma prática disciplinada. O produzir justificar-se-ia por uma naturalização do gosto pelo exercício profissional, especialmente do ato de pesquisar. A pesquisadora retira de cena a problematização de um campo marcado por dispositivos produtivistas e introduz uma noção de causa-efeito de uma prática "bastante produtiva" como efeito/consequência de um "gostar de fazer pesquisa". Evidentemente, a prática do pesquisador não deve isentar-se de elementos que a configure como um exercício prazeroso, agregando a dimensão do desejo do sujeito em se tornar e ser um pesquisador. Contudo esse elemento não deve suprimir a possibilidade de o profissional problematizar o campo em suas múltiplas faces e criar condições de emergências de um pensar diferentemente do que se pensava. Em contrapartida, Júlia aponta a cilada que o campo produz, descartando o quesito felicidade em detrimento de um jogo do "sempre mais". Aos pesquisadores cabe um constante redimensionamento de sua conduta em busca de um quantitativo que produza efeitos positivos em sua avaliação e na avaliação do Programa em que se insere.

Estudos mostram que as exigências em torno do produtivismo acadêmico, com vias a aumentar a produtividade e o desempenho, são as principais responsáveis por adoecimento e quadros de sofrimento entre os pesquisadores que estão inseridos nesse cenário (Louzada & Silva Filho, 2005; Sguissardi & Silva Junior, 2009).

Se, na cultura da produtividade, o publicar está inserido em um processo de avaliação do programa e do próprio pesquisador, no produtivismo acadêmico, publicar se tornou um jogo, cabendo ao pesquisador localizar suas estratégias e se munir de instrumentos e técnicas que lhe garantam ascensão diante de seus pares. Nesse cenário, muitas vezes, a pressão que incide sobre o pesquisador reverbera, ainda, sobre seus orientandos (doutorandos, mestrandos e bolsistas de iniciação científica), como indica René.

No doutorado [o artigo da tese] tem que ser aceito, um aceito e um enviado. São dois artigos no doutorado que têm que compor o volume da tese. E, no mestrado, tem que ser um artigo enviado, passa pela avaliação de bancas, mas não é necessário o aceite para publicação. Só no doutorado que é necessário, mas isso é até uma das questões que, no próprio regimento do programa... é uma questão que está sendo discutida, [...] pra tentar fazer com que o curso aumente em nota. O curso tem nota 5, [quer] tentar passar pra nota 6, e pra isso tem que melhorar a qualidade [das teses e dissertações]. Um dos fatores que mais conta é da qualidade dos trabalhos ali produzidos, que é boa, muito boa na verdade, mas tem que ser excelente. Então a gente vai ter que, muitas vezes, forçar o aluno. Está se pensando em criar uma regra em que no mestrado seja exigido que o artigo seja aceito e que aí vai bater lá com o tempo. Em 24 meses, se uma revista demora 6 meses pra dar o primeiro parecer, em 24 é possível de ter tudo pronto, isso se a gente considerar que o aluno envie no início. É aquela ideia de que toda incongruência vai explorar em algum lugar, e a gente está explorando nos alunos e nos professores (René, Psicologia do desenvolvimento humano).

Não basta uma boa produção, pois o cenário exige que esta seja excelente. Na fala de René, o excelente parece se associar ao quantitativo, especialmente ao aumento do número de artigos, abarcando, para isso, a produção dos docentes e discentes. Contudo as exigências de produção, expressas por um representante numérico, têm produzido um cenário de competitividade no âmbito da pesquisa científica. A competitividade é unânime, no discurso dos pesquisadores entrevistados, como fator que impulsiona essa lógica de produção acelerada. Há uma dupla posição em relação aos pares, que ora aparecem como concorrentes, na busca por recursos, prestígio e reconhecimento, ora como aqueles que compartilham da mesma experiência diante da produtividade. Entretanto, mediante a avaliação por pares, tem-se um processo no qual o pesquisador se subjetiva e é subjetivado como representante das agências de fomento. Augusto, valendo-se do argumento de que são os próprios pares que regem os processos avaliativos, critica as discussões acerca do produtivismo, indicando que a área tem buscado estratégias para evitar o efeito produtivista. O pesquisador é enfático em dizer que os que criticam frequentemente se ausentam dos fóruns de discussão, pois os processos de avaliação saem desses espaços.

As metas geralmente são definidas pelas áreas de conhecimento. Há muito essa conversa, "ah, a Capes fez isso… o CNPq fez isso…". Quem faz são os nossos pares que estão lá e foram escolhidos por nós, e eles fazem isso lá em função de coisas que nós discutimos. Você está falando com uma pessoa que defende o sistema, eu sou parte e me considero parte responsável por aquilo (Augusto, Psicologia do trabalho e organizacional).

O "eu sou parte" presente no fragmento recortado abre precedentes para se pensar o papel do eu na relação discursiva que o entrevistado estabelece com a temática. O que parece estar em jogo é um "eu" que representa um conjunto de pesquisadores, criticando, sobretudo, os pares que não se reconhecem como tal. Para Foucault (1984), os modos de subjetivação assumem diferentes configurações e abarcam o campo relacional de si para consigo mesmo e de si para com o outro, mediado pelos procedimentos pelos quais o controle é exercido. O sujeito é compelido, em uma dimensão ético-política, a determinado tipo de existência, produzindo formas de vida e organização social distintas. As modulações que se imprimem nesse eu-outros da constituição de si mesmo como parte do sistema de que se tem falado ao longo deste artigo são transversais às experiências compartilhadas pelos entrevistados, ainda que produzam posicionamentos diferentes entre eles.

Não são ocultos os esforços que a área vem fazendo diante do avanço do produtivismo, como se vê em alguns autores já mencionados (Yamamoto et al., 2012; Hutz et al., 2010). Todavia tais esforços parecem ainda incipientes diante da complexa rede que se instaurou, que modula docentes-pesquisadores de diferentes modos entre ser/representar o sistema, repassá-lo na formação de discentes ou criticá-lo, ao pressentir que uma conquista é imediatamente indicadora de nova meta, novos parâmetros a serem seguidos.

 

Considerações finais

A discussão que o cenário investigado faz emergir aponta a necessidade de se criar um espaço capaz de lidar com o mal-estar vivenciado ante as exigências de produtividade, mas também do reconhecimento de que ele é produzido entre pares. Como ponto de partida, pensar a cultura da produtividade permitiu introduzir na discussão elementos que produzem efeitos diretos sobre os pesquisadores e a prática de pesquisa. Em um cenário mais amplo, a cultura da produtividade também compõe um conjunto de práticas necessárias ao desenvolvimento científico e produção de conhecimento no País. Entretanto o modo como essas práticas vão constituindo o exercício do docente pesquisador e os efeitos que elas produzem no campo impõem um modo de produção que foge aos ideais de cientificidade, agregando parâmetros mercadológicos, quantitativistas, produtivistas e, por vezes, distantes de uma postura ética.

Componente dessa arena produtivista, as políticas de avaliação atuam no cenário pesquisado, sobretudo com a disposição de critérios que privilegiam o quantitativo, porém não se furtando do qualitativo. A própria área de Psicologia tem produzido elementos que fazem frente à lógica produtivista, com o intuito de agregar à avaliação critérios que evidenciam a qualidade das produções acadêmicas. Porém, enfrenta-se a diversidade de subáreas e concepções de ciência que coexistem na Psicologia, e as tentativas têm se mostrado insuficientes frente ao efeito produtivista.

No que tange ao trabalho do pesquisador, o atravessamento de múltiplas configurações, moduladas pela tecnologização das relações cotidianas (com alunos e agências de fomento), pressões por inserção acadêmica e, particularmente, a manutenção de alta performance de publicação, tem configurado um campo de relativa precarização. Um trabalho que não tem hora para começar ou terminar e um trabalho que se faz na universidade, em casa e no traslado de uma atividade a outra compõe a prática de pesquisadores, que se veem imersos em um emaranhado de tarefas e com a permanente cobrança para produzir de uma forma bastante específica. No fragmento de poema-artigo que elegemos como epígrafe para este texto, estão ilustradas as múltiplas facetas da cultura da produtividade: não apenas se demanda a produção (para não se perecer), mas outras performances são erigidas, como as tarefas administrativas e de (auto)publicidade acadêmica que se agregam a ela. Cabe estimular uma constante problematização sobre o campo investigado, especialmente os processos de avaliação, a fim de interrogá- los como experiências que se servem a determinados propósitos e produzem modulações variadas na produção de docentes-pesquisadores.

 

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Texto submetido em maio de 2015 e aceito em abril de 2016.

 

 

*Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), professor na Graduação em Psicologia da Faculdade de Estudos Administrativos de Minas Gerais. Endereço: Avenida do Contorno, 11190 - Centro, Belo Horizonte-MG, Brasil. CEP: 30110-078. E-mail: jhsousasantos@gmail.com.
**Doutora em Saúde Coletiva (IMS/UERJ), professora no Programa de Pós-graduação em Psicologia da PUC Minas. Endereço: Avenida Itaú, 525, 1º subsolo - Dom Cabral, Belo Horizonte-MG, Brasil. CEP: 30535-012.E-mail: lukind@gmail.com.
1 "Você precisa publicar", eles nos dizem severamente, enquanto carregam-nos com horas-aula, tarefas administrativas e atividades de relações públicas" (tradução nossa).


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