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Psicologia em Revista

versão impressa ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.22 no.2 Belo Horizonte maio/ago. 2016

http://dx.doi.org/DOI-10.5752/P.1678-9523.2016V22N2P258 

ARTIGOS

DOI - 10.5752/P.1678-9523.2016V22N2P258

 

ENCONTROS E DESENCONTROS NAS PERSPECTIVAS EXISTENCIAIS EM PSICOLOGIA

 

HITS AND MISSES OF EXISTENTIAL PERSPECTIVES IN PSYCHOLOGY

 

ENCUENTROS Y DESENCUENTROS EN LAS PERSPECTIVAS EXISTENCIALES EN PSICOLOGÍA

 

 

Ana Maria Lopez Calvo de Feijoo*; Cristine Monteiro Mattar **

 

 


Resumo

Muito se tem confundido, nos meios leigos e acadêmicos, a Psicologia humanista com a Psicologia fenomenológico-existencial. Estudantes, autores e profissionais da área de Psicologia, bem como aqueles que procuram ajuda clínica, acreditam tratar-se de idênticas perspectivas, com variações apenas na titulação. Neste artigo, pretendemos colocar em análise essa forma de compreensão, apresentando suas origens histórico-filosóficas, influências e, consequentemente, suas diferenças e singularidades. Embora ambas possam ser chamadas de perspectivas existenciais, diferenciando-se das perspectivas comportamentais e psicodinâmicas, em razão de romperem com qualquer determinismo, guardam diversidades e discordâncias importantes que precisam ser lembradas e resguardadas a fim de que se amplie o conhecimento em Psicologia com maior rigor. Por fim, marcando a diferença essencial entre as perspectivas humanista-existenciais e as fenomenológico-existenciais, retomaremos a afirmativa de Heidegger de que todo o humanismo recai em uma metafísica.

Palavras-chave: Psicologia. Perspectivas existenciais. Humanismo. Fenomenologia existencial.


Abstract

Humanistic psychology has been largely confused with phenomenological existential psychology in both the lay and the academic milieux. Students, authors and professionals in the area of psychology, as well as those who seek clinical help, believe these perspectives to be identical, with variations only in denomination. In this article, we intend to put this way of understanding into perspective through analysis, presenting its historical and philosophical origins and, consequently, its differences and singularities. Although both may also be called existential perspectives, straying away from behavioral and psychodynamic perspectives as they severe the bonds with any determinism, they show important divergences and discords, which must be remembered and guarded so that knowledge about psychology may be enhanced with greater rigor. Finally, pointing out the essential difference between the existential-humanist and phenomenological-existential perspectives, we will resume the affirmative of Heidegger that all humanism lies in a metaphysics.

Keywords: Psychology. Existential perspectives. Humanism. Existential. phenomenology.


Resumen

Se ha confundido mucho, en los medios legos y en los académicos, la psicología humanista con la psicología fenomenológica existencial. Estudiantes, escritores y profesionales en el campo de la psicología, así como aquellos que buscan ayuda clínica, creen que son idénticas perspectivas, con variaciones solamente en el modo de nombrarlas. En este artículo pretendemos hacer un análisis sobre esta forma de comprensión, presentando sus orígenes históricos y filosóficos, influencias y, en consecuencia, sus diferencias y singularidades. Aunque ambas puedan llamarse existenciales, y sean distintas de las perspectivas comportamentales y psicodinámicas, pues rompen con todo determinismo, mantienen importantes diversidades y discordancias que deben ser recordadas y enfatizadas para ampliar los conocimientos en Psicología con mayor precisión. Por último, destacando la diferencia esencial entre las perspectivas humanistas-existenciales y las fenomenológicas existenciales, recuperaremos la afirmación de Heidegger de que todo humanismo recae en una metafísica.

Palabras clave: Psicología. Perspectivas existenciales. Humanismo. Fenomenología existencial.


 

 

1. A PERSPECTIVA HUMANISTA EM PSICOLOGIA

Se voltarmos algumas décadas no tempo, verificaremos que, em 1969, o psicólogo americano Rollo May cunha o termo Psicologia Existencial- Humanista para definir as Psicologias que, em suas elaborações, eram influenciadas pelo movimento humanista e pela Filosofia da existência (Feijoo & Mattar, 2009). Assim, na América do Norte, tal perspectiva passou a ser a mais corrente para se referir à que era chamada de terceira força em Psicologia, identificando e definindo, de modo abrangente e absoluto, todas as perspectivas (fossem existenciais ou humanistas) em Psicologia. Essa fusão ganhou uma dimensão maior quando Greening (1975, p. 26) afirmou que "a Psicologia Humanista foi amplamente enriquecida com a perspectiva Fenomenológica e Existencial a ponto de, por vezes, ser denominada de Psicologia Existencial- Humanista".

Observamos, em nossa experiência docente nos cursos de graduação em Psicologia de faculdades situadas no Rio de Janeiro, que há dificuldades no estabelecimento das diferenças entre as perspectivas existencial-humanista e fenomenológico-existencial por parte dos profissionais de Psicologia (sejam docentes ou pesquisadores) e dos alunos. Muitos tomam as denominações Psicologia fenomenológico-existencial, mais recente (Feijoo, 2000) na área da Psicologia, embora remeta à Filosofia europeia dos séculos XIX e XX, e existencial-humanista (May, 1977; May, Angel & Ellenberger, 1958/1977), situada nas décadas de 1940, 50 e 60, nos Estados Unidos, e que se fundamenta nos princípios do humanismo greco-romano e no humanismo renascentista, como sinônimos. No entanto, Sá (2007) nos chama a atenção para o equívoco que vem se estabelecendo entre essas duas propostas em Psicologia, da seguinte forma:

Embora seja compreensível aproximação entre a Fenomenologia Existencial e o Humanismo, como muitas vezes se pode verificar pela fusão dos termos na expressão "Psicologia Existencial Humanista", é preciso analisar com maior cuidado tal associação. Trata-se de uma aproximação muito mais negativa, isto é, contra um opositor comum do que por uma identidade profunda de perspectivas (Sá, 2007, p. 336).

O opositor comum diante do qual se posicionam a fenomenologia existencial e o humanismo seria formado justamente pelas perspectivas deterministas e causalistas, que aqui denominamos comportamentais e psicodinâmicas. Embora a importância e a necessidade dessa oposição tenham sido bem marcadas entre as décadas de 1940 e 1970, quando se falava em forças em Psicologia, hoje ela ainda não se mostra dispensável. Mesmo após a consolidação das críticas a determinados modelos em Psicologia que foram iniciadas na década de 1980, como aponta Ferreira-Neto (2004), ainda vemos nas formações em Psicologia e nas práticas dos profissionais práticas psicologizantes, disciplinadoras, promotoras do horizonte histórico no qual nos encontramos. Aliado a essas práticas, acompanhamos o crescimento das práticas médico-psiliterárias, como as da psiquiatria, da neuropsiquiatria, da neuropsicologia e de toda uma literatura de autoajuda, instâncias essas que medicam, prescrevem, orientam, aconselham, com a meta de produzir seres humanos ajustados, realizados e felizes. Outras forças se anunciam no contemporâneo, deixando para trás o período, até saudoso, em que o combate se dava apenas entre três delas no campo da Psicologia, bem demarcadas e identificadas. Mesmo que hoje não utilizemos essa nomenclatura, ainda estamos diante de campos distintos das práticas psicológicas, e a Psicologia humanista, ainda que anunciasse algum refrigério frente às outras duas forças, ainda mantinha e mantém, em seus fundamentos, ideias deterministas.

É o que mostra Feijoo (2011), quando se refere à determinação psíquica que a Psicologia humanista pretendia superar, mas, que, de algum modo, mantendo a ideia de um potencial ao crescimento, acaba por não combater. Assim:

Sem dúvida, a perspectiva Existencial-Humanista consistiu em um primeiro e grande esforço no sentido de pensar uma Psicologia e, consequentemente, uma prática com outras bases que não fossem as científicas nem as teóricas; no entanto, ainda carecia de fundamentos que lhe possibilitassem tal superação (p. 414).

Essa superação da ideia de interioridade psíquica ou de tendências inatas mais autênticas que necessitariam ser atualizadas será justamente o mote que embasará a perspectiva fenomenológico-existencial, marcando, assim, uma diferença de fundamentos relevante para diferenciar as duas perspectivas.

Cabe então a seguinte questão: o que aconteceu para que se difundissem em meio à Psicologia tantas dúvidas, equívocos e indefinições? Conforme trouxermos à discussão os equívocos que se estabeleceram, pretendemos esclarecer as diferenças entre essas duas ênfases em Psicologia, sendo a perspectiva fenomenológicoexistencial assim denominada no intuito de demarcar essas diferenças.

 

2. O SURGIMENTO DA PSICOLOGIA EXISTENCIAL-HUMANISTA

Um dos aspectos que podem ter promovido a mistura de fronteiras entre as perspectivas existencial e humanista seria a proximidade entre movimentos filosóficos europeus e psicólogos norte-americanos interessados em uma reflexão existencial. Esse teria sido o caso de Rollo May, que chegou a morar na Grécia e a estudar em Viena com Alfred Adler, este último já afastado de Freud. Ao voltar aos Estados Unidos, May será influenciado pelo filósofo e teólogo alemão Paul Tillich, que lhe apresentará o pensamento do dinamarquês Soren Kierkegaard. Já em 1950, Rollo May publica O significado de ansiedade, no qual a influência de Kiekegaard é bem clara, em que apresenta diferentes concepções acerca da ansiedade. Embora a marca do pensamento kierkegaardiano apareça, nota-se que May vai mesclando considerações de outros autores da psicanálise, como Rank, Adler, Jung, Horney, e da Psicologia humanista, como From (May, 1977). O próprio título da obra fala em integração e desintegração da personalidade, expressões próprias de uma Psicologia moderna que são colocadas em cheque na perspectiva fenomenológico-existencial.

Em 1958, May publica Existence: a new dimension in psychiatry and psychology. Tal publicação introduz na América escritos clássicos de fenomenólogos e Daseinsanalistas, tais como Ludwing Binswanger, Erwin Strauss, Eugene Minkowski, Viktor Von Gebsattel e Roland Kuhn, estabelecendo, assim, uma marcante posição das vertentes existenciais europeias em um título americano. Em 1967, esse livro é traduzido para a língua espanhola. Possivelmente tais publicações de Rollo May, na década de 1950, bem como as traduções de publicações dos chamados filósofos da existência, que chegam em 1962 à América do Norte, somadas à proliferação de revistas e livros da abordagem humanista, repletos de jargões heideggerianos, sartreanos e merleau-pontyanos, contribuem para construir os modelos teóricos em psicoterapia que mesclam o humanismo à Filosofia da existência.

A denominação Psicologia existencial-humanista aparece em 1969, no prefácio à segunda edição de Psicologia existencial, em que Rollo May nos diz que a maioria daqueles que atuam nessa perspectiva referem-se à expressão composta existencial-humanística (May, 1974). Nessa mesma década, Greening (1975) publica Psicologia Existencial-Humanista, que reúne psicólogos humanistas e existenciais (entre outros, Charlotte Buhler e James Bugental). Na década de 60 do século XX, chegam, ainda na América do Norte, as primeiras traduções para o inglês dos escritos de filósofos da existência, tais como Ser e Tempo, de Heidegger (1988), Fenomenologia da percepção, de Merleau-Ponty, e, ainda, do psiquiatra suíço, Medard Boss, seu Psicoanalisis e Analitica Existencial em espanhol. Nessa mesma época, Abraham Maslow (1968) defende em suas publicações uma terceira força em Psicologia, dissidente da psicanálise e do behaviorismo. Em 1959, surge a tradução do psiquiatra austríaco, Viktor Frankl, Man's search for meaning. Em 1962, chegam traduções inglesas dos livros de Heidegger, Merleau- Ponty e Boss.

Acreditamos que essa coincidência de acontecimentos foi um solo propício para a crença de que ambas tratavam das mesmas questões e de que as suas denominações eram sinônimas, levando Rollo May a criar um nome composto que englobava tanto os fundamentos humanistas quanto os existenciais. Ou também se pode pensar que seriam uma tentativa de constituir outra Psicologia, na tentativa de desvencilhar-se dos cânones até então predominantes, o que, certamente, deve ter ocasionado muitas dificuldades.

Até hoje está em construção o que se quer propor com uma Psicologia fenomenológico-existencial, não sendo simples essa aproximação com a Filosofia de pensadores como Kierkegaard, Husserl, Heidegger e Sartre, quando se pretende tratar da Psicologia neles inspirada. Ainda assim, acreditamos ser não apenas possível, mas necessário, empreender esse esforço de construir uma Psicologia em outras bases, sem recair no humanismo em Psicologia, como acabou acontecendo com Rollo May.

Mesmo na atualidade, embora possa parecer que as distinções entre a Psicologia humanista e a Psicologia fenomenológico-existencial estão bem estabelecidas, ainda encontramos trabalhos de destaque, como o livro de Moreira (2009), que se intitula Clínica humanista-fenomenológica, denominação que, a nosso ver, ainda mantém a fusão que aqui queremos questionar. Esse título levanta, de antemão, uma série de pontos que é preciso repensar: não há como falar em clínica fenomenológica se fenomenológico estiver se referindo à fenomenologia de Husserl, uma vez que o objetivo do filósofo era chegar a uma fenomenologia transcendental, não empírica; se estivermos em Heidegger, é necessário marcar a total incompatibilidade entre o seu pensamento e o humanismo moderno ou a Psicologia humanista, uma vez que o filósofo destruiu filosoficamente a ética humanista em Sobre o humanismo (Heidegger, 1995), mostrando justamente o equívoco sartreano na ideia de a existência preceder a essência, ideia essa muito presente na Psicologia humanista. Heidegger procurou desobscurecer o que seria próprio do humano originariamente, ou seja, sua relação com o Ser, relação essa que nos torna humanos. Portanto, amalgamar ideias tão distintas acaba levando à necessidade de elucidação, como pretende este texto.

Até agora falamos que há diferenças importantes nos pressupostos das Psicologias existencial e humanista, e, para mostrá-las mais claramente ao leitor, vamos discorrer sobre os fundamentos de uma e outra, como segue.

 

3. A PSICOLOGIA HUMANISTA COMO UMA TERCEIRA FORÇA EM PSICOLOGIA

Maslow, Murphy e Rogers tiveram publicadas, em 1971, um ano após a morte de Maslow, suas entrevistas na obra Psicologia humanista, um marco na definição dos pressupostos dessa Psicologia organizado por Willard Frick (1975). O livro utiliza a expressão terceira força e nela os três psicólogos norte-americanos apresentam os temas fundamentais e as teorias da personalidade que embasam a abordagem.

Considerando a Psicologia humanista como uma alternativa viável para resolver o impasse entre a Psicologia behaviorista e a psicanálise freudiana, Maslow afirmava, em suas apresentações, que ele não era um antibehaviorista ou antipsicanalista, mas se identificava muito mais com um antidoutrinário (Maslow, 1968). Para situar a sua posição humanista em Psicologia, ele se refere a duas teorias hegemônicas na Psicologia de sua época: o behaviorismo e a psicanálise.

Maslow resolve promover um grande encontro com a finalidade de criar uma terceira força que abrigaria todas as perspectivas dissidentes. Os representantes dessas posições minoritárias em Psicologia, a partir da década de 1950, começaram a se unir, considerando que, entre elas haveria um elemento em comum, uma terceira forma de pensar a natureza humana constituindo-se na terceira força em Psicologia, proposta, então por Maslow (1968), que, assim, cria uma classificação das Psicologias: a primeira força, na qual situa a psicanálise; a segunda força, na qual insere o behaviorismo; e a terceira força, destinada ao humanismo. As duas primeiras forças em Psicologia haviam surgido na primeira década do século XX, em oposição à Psicologia acadêmica, com suas concepções de consciência e introspecção. A psicanálise tenta libertar totalmente o psiquismo de uma base biológica, estabelecendo uma autonomia do psíquico; o comportamentalismo quer dar ênfase unicamente ao comportamento observável.

Em 1961, surgiu a primeira revista da terceira força, intitulada Revista de Psicologia Humanista; em 1963, foi criada a Associação Americana de Psicologia Humanista e, em 1964, por fim, o humanismo consolidou-se como movimento, com a adesão de figuras renomadas em Psicologia, como Carl Rogers, que acabou por se tornar mais conhecido em razão de suas obras e de sua divulgação das sessões terapêuticas. Até hoje, quando se fala em Psicologia humanista, se tem em conta o trabalho de Rogers com sua Psicologia centrada na pessoa, havendo inúmeros centros de formação no Brasil dedicados ao seu pensamento. A terceira força, então, foi denominada por Maslow de Psicologia humanista, que se constituiu como um movimento contestador dos outros modos de se fazer Psicologia. Não se pode esquecer o momento que vivia os EUA, de prosperidade econômica no Pós-Guerra e de muito otimismo. Os movimentos hippie, da contracultura e do potencial humano na Califórnia, bem como as experiências com LSD nas universidades e o interesse ocidental pelas filosofias e práticas orientais serviram de inspiração na época, mantendo o clima de contestação, de libertação da tecnocracia em prol de uma vida mais orgânica, voltada para a natureza, a paz e o amor. A autoridade do psicólogo e do psicanalista começou ser questionada em prol da libertação criativa do homem, que saberia, ele mesmo, naturalmente, o que era melhor para o seu crescimento.

O movimento humanista em Psicologia acabou por reunir diferentes perspectivas teóricas. Essa união ocorreu, em primeiro lugar, pelas divergências e críticas às duas primeiras forças e, em segundo, pelo desenvolvimento de temáticas em comum, tais como self, saúde psicológica, bem-estar, potencial humano de crescimento, autorrealização, capacidades e potencialidades exclusivas do ser humano, criatividade, amor, sentimentos, identidade, vontade, coragem, liberdade, responsabilidade, valores superiores, transcendência do ego, significados, intencionalidade, experiência subjetiva, encontro genuíno, entre outros (Boainain, 1998). A terceira força, assim, agregou a abordagem centrada na pessoa, de Carl Rogers, a Gestalt-terapia dos psiquiatras Fritz e Laura Perls, o psicodrama de Jacob L. Moreno, as psicoterapias corporais de Alexander Lowen e a Psicologia existencial de Rollo May.

Os dois filósofos que influenciaram essa Psicologia, Thoreau1 e Emerson,2 defendiam um estilo de vida nesses moldes. Thoureau, inspirado pelo transcendentalismo3 de Emerson, chegou a mudar-se para uma cabana à beira do lago Walden, onde cultivava a própria comida, para viver com o mínimo possível, livre do consumo de bens materiais e das exigências da sociedade industrial. Aliás, como os poetas românticos, Thoreau morreu de tuberculose aos 44 anos.

Cabe agora retomar a questão que gera tantos equívocos entre as perspectivas existencial-humanista e fenomenológico-existencial em Psicologia. Serão essas vertentes psicológicas a mesma coisa? Trata-se de diferentes denominações para os mesmos fundamentos? Antes, porém, de qualquer resposta, vamos esclarecer o que é o pensamento fenomenológico-existencial e suas relações com a Psicologia.

 

4. A PSICOLOGIA COM FUNDAMENTOS FENOMENOLÓGICOS E EXISTENCIAIS

A denominação de Psicologia fenomenológico-existencial acontece pela influência da fenomenologia de Husserl, principalmente sobre o trabalho de seu discípulo, Heidegger, que lhe acrescenta a hermenêutica e a utiliza como método em seu projeto de investigação sobre o sentido do Ser e em sua analítica existencial; da Filosofia da existência de Kierkegaard, que se opõe à Filosofia como sistema na primeira metade do século XIX e pressupõe a indeterminação existencial como situação mais originária; do existencialismo de Sartre, que emerge no Pós-Guerra europeu, na década de 1940, com sua ênfase sobre liberdade, angústia, desamparo e responsabilidade.

A fenomenologia de Husserl (1859-1938) luta, incessantemente, contra o logicismo de teorias tais como o idealismo moderno, o empirismo e o positivismo. Na Psicologia, essas vertentes vão ser encontradas, respectivamente, na psicanálise e no behaviorismo. A primeira elabora uma complexa teoria acerca do psiquismo humano e opera com hipóstases, conforme procura dar conta das relações do homem com o exterior com base em uma descrição do modo de funcionamento das estruturas da interioridade. Já as Psicologias científicas acabam por reduzir o homem a uma máquina orgânica, sem nenhuma dimensão transcendente.

Husserl (1970), em seu texto A Filosofia como ciência rigorosa, analisa os equívocos da Psicologia tradicional, acusando a Psicologia moderna de ter desconsiderado completamente a natureza dos fenômenos psíquicos em suas investigações e formulações. Ele afirma que a Psicologia tradicional procurou trabalhar com o conceito de alma, suas disposições e seus afetos, e acabou por desconsiderar totalmente a natureza intencional dos fenômenos psíquicos. A Psicologia moderna, por outro lado, mantém-se, segundo ele, nessa mesma posição, apenas substituindo a denominação alma por conceitos tais como subjetividade, atividade subjetiva, eu, self, personalidade, entre outros (Husserl, 1970).

Sartre (2005) captou bem a implosão da subjetividade encapsulada em Husserl, em seu texto Uma ideia fundamental da fenomenologia de Husserl: a intencionalidade, de 1939. Nele, Sartre compara a consciência intencional da fenomenologia a uma explosão.

Contra a filosofia digestiva do empiriocriticismo, do neokantismo, contra todo o "psicologismo", Husserl não se cansa de afirmar que não se pode dissolver as coisas na consciência. Veem esta árvore, seja. Mas estão a vê-la no próprio lugar em que está: à beira do caminho, no meio do pó, só e retorcida pelo calor, a vinte léguas da costa mediterrânea. Não poderia entrar na vossa consciência, porque não é da mesma natureza que ela. […] Mas Husserl não é realista: essa árvore colocada num pedaço de terra gretada não constitui um absoluto que entraria mais tarde em comunicação conosco. A consciência e o mundo surgem simultaneamente: exterior por essência, o mundo é por essência relativo a ela. É que Husserl considera a consciência um fato irredutível que nenhuma imagem física pode representar. Exceto, talvez, a imagem rápida e obscura do estouro. Conhecer é "estourar para", arrancar-se da úmida intimidade gástrica para prosseguir, por aí fora, para além de si, para o que se não é, por aí fora, perto da árvore e todavia fora dela, pois escapa-se e repeleme e eu não posso perder-me nela mais do que ela diluir-se em mim: fora dela, fora de mim (Sartre, 2005, p. 105-106).

Portanto as ideias comportamentalistas, de uma psicodinâmica ou de uma tendência inata à autorrealização de um eu mais autêntico, não encontram lugar em uma perspectiva que rompe com idealismo e realismo ao dar um passo atrás e mostrar a condição de possibilidade para que haja idealismo e realismo, que é o próprio fenômeno, a relação originária consciência-mundo.

Heidegger (1889-1976) irá além do seu mestre Husserl, ao dar mais um passo atrás e mostrar que é a própria existência que é intencional, e ainda ao afirmar que "a questão que se coloca em Ser e tempo não é colocada em Husserl nem em Kant, aliás nunca foi colocada antes na Filosofia" (Heidegger, 2001b, p. 142). Em Ser e tempo, é dito que o Dasein se ocupa essencialmente desse seu próprio Dasein,4 o qual é determinado como um "ser com os outros" original. Por isso, o Dasein se ocupa sempre também dos outros. A Analítica do Dasein não tem, portanto, nada a ver com um solipsismo ou subjetivismo. O projeto abrangente do ser-homem como Dasein no sentido ek-stático é ontológico, pelo qual a representação do ser-homem como "subjetividade da consciência" é superada. "Este projeto torna visível a compreensão do ser como constituição fundamental do Dasein" (Heidegger, 2001b, p. 142).

Postula Heidegger (2001b), no primeiro seminário de Zollikon, que abandonaria propositalmente as expressões pessoa, sujeito, psiquismo, interioridade e passaria a usar o termo alemão Dasein. O filósofo alemão justifica essa escolha porque o existir humano, em seu fundamento essencial, nunca é apenas um objeto simplesmente presente num lugar qualquer, e não é um objeto encerrado em si, mas consiste de meras possibilidades de apreensão que apontam ao que lhe fala e o encontra, e não podem ser apreendidas pela visão ou pelo tato.

As representações encapsuladas objetivantes de uma psique, um sujeito, uma pessoa, um eu, uma consciência, usadas até hoje na Psicologia e na Psicopatologia devem, ao ver de Heidegger, desaparecer na visão Daseinsanalítica, dando lugar a uma compreensão diferente.

A constituição fundamental do existir humano em Heidegger é Dasein ou "ser no mundo". Este Da não é um lugar no espaço próximo do observador. Existir como Dasein significa manter aberto um âmbito de poder apreender as significações daquilo que aparece e que se lhe fala a partir de sua clareira. O Dasein humano, como âmbito de poder apreender nunca é um objeto simplesmente presente; ele não é algo passível de objetivação, em nenhuma circunstância. Portanto não pode ser definido como comportamento, inconsciente ou tendência atualizadora. A contribuição para uma Psicologia que saia da esteira da Filosofia da subjetividade é clara.

Além disso, importa ressaltar que Heidegger (2001b) leva a efeito por dez anos os Seminários de Zollikon, durante os quais discute claramente os pressupostos da psicanálise e da medicina com profissionais formados no olhar científiconatural. Ao falar sobre o fator decisivo em sua analítica do Dasein, afirma que esta não significa retroceder, como fazia Freud, os sintomas aos elementos, em uma clara referência à psicanálise freudiana. E completa, mostrando ainda uma vez sua distância de Husserl:

Antes, pergunta-se por aquelas determinações que caracterizam o ser do Dasein com referência à sua relação com o ser de modo geral. A diferença de Husserl e sua fenomenologia não consiste justamente em que são elaboradas somente estruturas de ser do Dasein. Consiste em colocar expressamente o ser-homem de modo geral como Dasein, diferentemente das determinações do homem como subjetividade e como consciência do eu transcendental (Heidegger, 2001b, p. 146).

Heidegger (2001b) chega a apresentar uma situação clínica ao longo do quinto seminário em Zollikon, por meio do relato de um jovem diagnosticado como esquizofrênico, apresentando outra interpretação para o mesmo, diversa daquela de um psiquiatra da época. Além dessas referências, que mostram claramente a preocupação do filósofo em trabalhar com profissionais clínicos e temas de interesse da Psicologia e da psiquiatria, desobscurecendo os fenômenos que haviam sido dominados pelas perspectivas subjetivistas, a fim de que eles aparecessem em sua originariedade, Heidegger (1995) faz duras críticas ao humanismo em Sobre o humanismo, carta dirigida aos franceses, especialmente a Sartre, que o haviam interpretado de maneira equivocada ao lerem Ser e tempo, de 1927. A destruição contundente operada por Heidegger da ética raciocentrista e ôntico-metafísica do humanismo, a fim de deixar aparecer a ética originária, que vigorava entre os pré-socráticos, não deixa dúvida: não é possível nenhuma conciliação entre Heidegger e sua definição de ec-sistência e a Psicologia humanista com o seu self e sua definição de existência. "Chamo ec-sistência do homem o estar na clareira do Ser. Esse modo de ser só é próprio do homem" (Heidegger, 1995, p. 41). A ecsistência não é apenas o fundamento de possibilidade da razão. É também onde a essência do homem conserva a proveniência de sua determinação. Somente se pode dizer ec-sistência da essência do homem, do modo humano de ser, pois somente o homem foi introduzido no destino da ec-sistência. A existência não pode ser pensada como uma espécie particular entre outras espécies de seres vivos (como na tradição humanista), pois "foi destinado ao homem pensar a Essência de seu ser e não, apenas, fazer relatórios sobre a natureza e a história de sua constituição e de suas atividades"(Heidegger, 1995, p. 41).

Mas, e quanto à aproximação entre o humanismo e a Filosofia da existência de Kierkegaard, como postulado por Rollo May, seria viável realizá-la sem equivocar-se?

O próprio Kierkegaard permite uma aproximação entre Filosofia e Psicologia, por meio de sua estratégia autoral que comporta obras consideradas psicológicas, tais como Ponto de vista explicativo da minha obra de escritor, de 1848, na qual sugere um método de aproximação e ajuda daquele que se encontra sob ilusão; O conceito de angústia, de 1844, na qual Vigilius Haufiniensis sugere que o tema da angústia é de interesse da Psicologia e descreve posições psicológicas de não liberdade; e O desespero humano, de 1849, em que Anti-Climacus descreve o eu e as formas do desespero, uma doença que atinge a existência humana no mundo cristão. As temáticas do desespero, da angústia, da repetição, do eu aparecem, portanto, com frequência em obras do filósofo, algumas com subtítulos incluindo o termo Psicologia que, na época, era considerada uma filosofia do espírito subjetivo (não do sujeito).

Kierkegaard (1813-1855) foi considerado, por muitos estudiosos do tema, o pioneiro em considerar o caráter de indeterminação da existência, ou seja, da ausência de uma essência subjetiva definida a priori, bem como aquele filósofo da época moderna que retomou a temática da existência nas suas considerações filosóficas quando predominava a filosofia sistemática. Kierkegaard defendeu a tese de que a existência é tensão do início ao fim, vulnerável e sempre em devir. O personagem-autor Anti-Climacus afirmou que o eu é desespero, uma vez que acontece em uma dialética de finito e infinito, necessários e possíveis, eterno e temporal, sempre em jogo, sem jamais alcançar uma síntese (Kierkegaard, 1849/1961). E ainda: o eu (não se constituiu com qualquer determinação a priori, tem como caráter do seu existir a angústia, apontando para o mais original como o nada que, ao mesmo tempo, nos lança para o abismo dos possíveis) constitui-se nesse caráter de nada, indeterminação e desamparo. Anti- Climacus define o eu como uma síntese dos paradoxos da existência, ou melhor, uma relação que se estabelece consigo própria, sempre em devir, portanto, sem nenhuma substancialidade ou tendência inata direcionada ao crescimento. À pergunta feita acima, sobre se seria possível fundir a filosofia de Kierkegaard com a Psicologia de Rollo May, podemos responder que não: tal fusão, a um olhar mais rigoroso, não pode ser efetuada por ignorar diferenças importantes entre o pensamento de Kierkegaard e a Psicologia moderna e humanista de May.

Jean-Paul Sartre (1905-1980) tratará das mesmas temáticas discutidas por Kierkegaard, acrescentando a elas o método fenomenológico e maior ênfase à angústia, como situação em que o homem se apresenta diante de sua liberdade e consequente responsabilidade, discutindo a má-fé como negação da situação de liberdade e minimização da angústia. Em sua ontologia, o filósofo francês cria frases que se tornaram ícones da perspectiva fenomenológico-existencial. Com relação ao fato inalienável e intransferível da existência, diz Sartre:

Estou condenado a existir para sempre para-além de minha essência, para além de meus móbeis e motivos de meus atos: estou condenado a ser livre. Significa que não poderia encontrar outros limites à minha liberdade além da própria liberdade, ou, se preferirmos, que não somos livres para deixar de ser livres (Sartre, 2001, p. 543-544).

Com relação à responsabilidade ao ter de cuidar de si como a tarefa intransponível da existência, afirma:

A ideia que eu jamais deixei de desenvolver é que, ao fim das contas, cada um é sempre responsável por aquilo que foi feito dele - mesmo se ele não puder fazer mais que assumir essa responsabilidade. Eu acho que um homem pode sempre fazer alguma coisa daquilo que fizeram dele (Sartre, 1975, p. 101).

A Psicologia fenomenológico-existencial vai, então, ter mais relevância na Europa do que nas Américas. Além disso, ela vai ganhar muito mais a adesão de psiquiatras do que propriamente de psicólogos. Karl Jaspers, proeminente psiquiatra, interessa-se pela filosofia de Kierkegaard, estabelecendo uma descrição detalhada da psicopatologia em seu famoso livro Psicopatologia Geral. Binswanger, Minkovsk, Boss, Von Gebsatell, entre outros, revolucionam as suas práticas clínicas pelos influxos da ontologia hermenêutica de Martin Heidegger. Ainda sob a inspiração sartreana, temos Cooper e Laing, que, inclusive, precedem o movimento antimanicomial.

Como pudemos acompanhar, a perspectiva fenomenológico-existencial em Psicologia se estruturou em meio às temáticas existenciais e ao método fenomenológico. Caracteriza-se, assim, pelo total abandono da noção encapsulada do eu, dado o seu caráter de indeterminação, que faz com que possa assumir diversas possibilidades de ser disponíveis no mundo; por caracterizar a existência como desespero, angústia e liberdade; e pelo sentido fático e lançado em que a existência sempre se encontra. A perspectiva fenomenológico-existencial elabora uma proposta em Psicologia que não se estabelece a partir das pressuposições de uma subjetividade determinada espaço-temporalmente e, portanto, substancializada. Ao mesmo tempo, busca escapar também da pressuposição de um psiquismo dicotomizado em ser e aparência, interioridade e exterioridade, normalidade e anormalidade, etc. Nesse ponto, a Filosofia existencial de Kierkegaard, a fenomenologia de Husserl e seus desdobramentos em Heidegger e em Sartre nos são de grande auxílio, porque encontramos nesses projetos uma crítica principal a tais pressuposições mencionadas acima.

Por outro lado, muitas são as indagações acerca do que é a Psicologia fenomenológico-existencial. Muitos acreditam que, por se tratar de algo relacionado à Filosofia, seria inviável qualquer atuação que tenha como pano de fundo tal perspectiva. Alegam muitas vezes que, pelo fato de não haver um objeto definido, toda e qualquer atuação ficaria perdida na abstração. Outros apontam uma contradição, por acreditarem que a atuação do psicólogo é regida pela razão técnica. Logo, a crítica de Heidegger (2001a) à técnica moderna tornaria esse modo de procedimento contraditório em si mesmo. Vale, então, ressaltar que essa perspectiva busca na fenomenologia e na Filosofia da existência elementos que permitam prescindir de qualquer ideia de interioridade psíquica, subjetividade, poder racional ou emotivo, mostrando que todos esses conceitos só são possíveis porque originariamente o que se tem é uma abertura compreensiva e disposta, no sentido da compreensibilidade originária do existir humano e das disposições afetivas descritas por Heidegger como tonalidades afetivas originárias na relação do Dasein com o Ser. Ou seja, se não há neutralidade nessa relação, todavia, ela não é derivada como um atributo de um sujeito emocional, mas sim o modo como, desde sempre, acontece o existir humano a partir do qual é possível pensar em um sujeito e suas emoções. Faz-se mister, portanto, tentar escapar de toda e qualquer aproximação com as Psicologias modernas, sejam elas científicas, psicodinâmicas ou humanistas. Essas se desenvolveram a partir de pressupostos intrínsecos à subjetividade, tais como a assunção da verdade como representação e a retenção da dicotomia sujeito-objeto como estrutura originária da realidade. Uma vez encontrando-nos a par do modo como cada uma dessas perspectivas, humanista (ou existencial-humanista) e fenomenológicoexistencial, constituíram-se, considerando seus fundamentos, fica mais fácil traçar os aspectos em que elas divergem.

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS: ENCONTROS E DESENCONTROS NAS PERSPECTIVAS EXISTENCIAIS EM PSICOLOGIA

Neste artigo, tentamos mostrar as diferenças radicais entre as perspectivas conhecidas como existenciais em Psicologia. Se, por um lado, temos uma Psicologia científica, que empiricamente confirma suas verdades, mas que se configura a partir de uma absoluta redução e coisificação da existência; por outro, vimos que esse modo de constituição do homem recebe severas críticas da perspectiva humanista. No entanto, esta, por sua vez, ao tratar de trazer dignidade ao homem, acaba tomando-o por meio de outra determinação moderna, como pessoa que deve autorrealizar-se.

A partir das elaborações dessa Psicologia existencial-humanista, duas problematizações se fizeram pertinentes. Parece que essa Psicologia realmente tentou resolver a questão da funcionalidade psíquica e sua fragmentação. Por outro lado, manteve a ideia de uma interioridade mais autêntica que se contrapõe ao mundo. Assim, sustenta, ainda, alguns dos pressupostos metafísicos: a interioridade psíquica, o potencial e a premissa de que a saúde psíquica pode ser conquistada. Assim, acreditamos que, com a perspectiva fenomenológicoexistencial e com o radical abandono da metafísica, inaugura-se outro modo, totalmente adverso a toda e qualquer Psicologia que aponta para uma positividade do eu, defendendo, ao contrário, sua negatividade. Terminamos, assim, com outra questão que deverá ser pensada, diante das considerações acima descritas: poderíamos incluir a Psicologia fenomenológico-existencial no rol das Psicologias humanistas?

Maslow (1968) considera que a denominação de terceira-força cabe àquelas perspectivas em Psicologia que têm em comum a divergência e a crítica às duas primeiras forças e às que tomaram as práticas em Psicologia que visam ao total desenvolvimento das potencialidades humanas. A Psicologia fenomenológicoexistencial tem como pretensão marcar uma diferença epistemológica com relação à Psicologia que mantém qualquer ideia de dicotomização, interioridade e fragmentação, podendo, por esse motivo, estar incluída entre as que se já se designaram como terceira força. Quanto à noção de potencialidade humana, essa fica totalmente descartada nas Filosofias da existência, dado o fato de que a existência sempre se encontra na abertura, na ausência de essência ou tendências a priori, enfatizando possibilidades em vez de potencialidades já presentes.

Heidegger (1995), em Sobre o humanismo, afirma:

Todo humanismo ou se funda numa metafísica ou se converte a si mesmo em fundamento de uma metafísica. Toda determinação da Essência do homem, que já pressupõe, em si mesma, uma interpretação do ente sem investigar – quer o saiba quer não – a questão sobre a Verdade do Ser, é metafísica (p. 37).

A pretensão do filósofo alemão era deslocar-se totalmente de uma proposta metafísica. Concluímos, então, que uma Psicologia que dialogue com a ontologia heideggeriana e mesmo com os chamados filósofos da existência – Kierkegaard e Sartre – deverá deslocar-se de qualquer pretensão de manter a ideia de uma interioridade e de potencialidade.

Nesses aspectos, encontramos um radical desencontro da Psicologia fenomenológico-existencial com a existencial-humanista, que impede definitivamente que ambas sejam consideradas o mesmo com diferentes denominações.

 

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Texto recebido em abril de 2013 e aprovado para publicação em agosto de 2014.

 

 

* Pós-doutora em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), doutora em Psicologia pela UFRJ (2000) e mestra em Psicologia pela FGV/Isope; professora adjunta do Instituto de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); sócia-fundadora do Instituto de Psicologia Fenomenológico- Existencial do Rio de Janeiro (IFEN); presidente da Asociación Latino-Americana de Psicoterapia Existencial (ALPE), no Brasil; membro honorário da Sociedad Peruana de Psicología Fenomenológico Existencial (SPPFE); membro do Honorary Scientific Committee the International Journal of Psychoterapy; vice-presidente da Associação de Psicologia Fenomenológica. Endereço: Rua Barão de Pirassununga, 62 - Tijuca, Rio de Janeiro-RJ, Brasil. CEP: 20521-170. E-mail: ana.maria.feijoo@gmail.com.
** Doutora em Psicologia Social pela UERJ; mestra em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF); especialista em Psicologia Clínica pelo IFEN; psicóloga; professora adjunta da UFF, do Departamento de Psicologia, Setor de Clínica; supervisora clínica do SPA/UFF de Niterói; pesquisadora e autora de artigos na área de Psicologia Fenomenológico-Existencial. Endereço: Campus do Gragoatá, Bloco O - São Domingos, Niterói-RJ, Brasil. CEP: 24220-121. E-mail: cristinemattar.cm@gmail.com.
1Henry David Thoreau (1817-1862)
2Ralph Waldo Emerson (1803-1882): escritor, filósofo e poeta, desenvolveu a filosofia transcendentalista, um esforço de introspecção metódica para se chegar além do "eu" superficial ao "eu" profundo, o espírito universal comum a toda a espécie humana
3Acreditava em um estado espiritual ideal, que transcendia o empírico e o prático.
4Ser-aí.

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