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Psicologia em Revista

versão impressa ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.23 no.1 Belo Horizonte jan./abr. 2017

http://dx.doi.org/10.5752/P.1678-9563.2017v23n1p237-255 

ARTIGOS

 

 

O AGENTE DE SEGURANÇA SOCIOEDUCATIVO: REFLEXÕES SOBRE A RELAÇÃO ADULTO E ADOLESCENTE NO CONTEXTO SOCIOEDUCATIVO

 

THE SOCIOEDUCATIONAL SECURITY AGENT: REFLECTIONS ON THE RELATION BETWEEN AN ADULT AND AN ADOLESCENT IN THE SOCIOEDUCATIONAL CONTEXT

 

EL AGENTE DE SEGURIDAD SOCIOEDUCATIVO: REFLEXIONES SOBRE LA RELACIÓN ENTRE EL ADULTO Y EL ADOLESCENTE EN EL CONTEXTO SOCIOEDUCATIVO

 

 

Bruna Simões de Albuquerque*

 

 


Resumo

Este artigo aborda um dos pontos centrais do cumprimento das medidas socioeducativas: o encontro entre adulto e adolescente. O adulto em questão refere-se tanto ao agente de segurança socioeducativo, figura fundamental na execução das medidas de internação e semiliberdade em Minas Gerais, quanto ao educador, no caso do contexto socioeducativo francês. A relação entre adulto e adolescente será compreendida à luz dos conceitos de identificação e autoridade, tendo como pano de fundo o percurso de consolidação da função do agente de segurança socioeducativo alinhada ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Com base em vinhetas da prática, busca-se interrogar os diferentes modos de fala presentes nessa relação e seus efeitos na questão institucional da distinção de lugares. A análise da posição do adulto que pode oscilar entre a "guerra" e o "nada" diante do jovem contribui para uma compreensão da questão da diferença e da tomada de responsabilidade nas instituições.

Palavras-chave: Medida socioeducativa. Agente de segurança socioeducativo. Distinção de lugar. Autoridade. Identificação.


Abstract

The present article analyzes the central issue concerning the accomplishment of socio-educational measures: the encounter between an adult and an adolescent. The adult in this case means either the socio-educational security agent, who plays an essential role in the execution of detention and semi-liberty measures in the state of Minas Gerais, or the educator in the socio-educational French context. The relation between adult and adolescent will be understood in the light of the concepts of identification and authority. Looking to practical experiences we aim to investigate different speaking modes presented in this relationship and its effects on the institutional matter of the distinction of places. The analysis of the role of the adult, which may oscillate between "war" and "nothing" in relation to the young person contributes to the comprehension of the difference and their accountability in institutions.

Keywords: Socio-educational measure. Socio-educational security agent. Distinction of role. Authority. Identification.


Resumen

Este artículo aborda uno de los puntos centrales del cumplimiento de las medidas socioeducativas: el encuentro entre adulto y adolescente. El adulto en cuestión se refiere tanto al agente de seguridad socioeducativo, figura fundamental en la ejecución de las medidas de internamiento y semilibertad en el estado de Minas Gerais, como al educador en el caso del contexto socioeducativo francés. La relación entre el adulto y el adolescente será comprendida a la luz de los conceptos de identificación y autoridad, teniendo como telón de fondo el recorrido de la consolidación de la función del agente de seguridad socioeducativo en línea con el Estatuto del Niño y del Adolescente. Con base en viñetas de la práctica, se busca interrogar los diferentes modos de habla presentes en esa relación y sus efectos en la cuestión institucional de distinción de lugares . El análisis de la posición del adulto que puede oscilar entre la "guerra" y la "nada" delante del joven contribuye a la comprensión de la cuestión de la diferencia y de la toma de responsabilidad en las instituciones.

Palabras clave: Medida socioeducativa. Agente de seguridad socioeducativo. Distinción de lugares. Autoridad. Identificación.


 

 

1. INTRODUÇÃO

Em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (Lei n.º 8.069, 1990) marca no Brasil um ponto de ruptura no que concerne a questão da infância e da adolescência, a partir do qual toda a execução da política dirigida a esse público deverá se reorganizar.

As medidas socioeducativas são previstas pelo ECA para responsabilizar o adolescente pelo cometimento de um ato infracional. A construção de um terreno favorável à tomada de responsabilidade e ao exercício da cidadania é um desafio que se impõe a essa política pública e que engendra diversas questões. Como ponto de partida deste artigo, elege-se uma das dimensões fundamentais presente em todas as medidas socioeducativas: a relação com o adulto. De acordo com o ECA, em seu artigo 2º, adolescente é a pessoa entre 12 e 18 anos de idade. Consideraremos adulto neste trabalho a pessoa entre 18 e 60 anos, encarregada de exercer uma função educativa junto ao adolescente. Se o cumprimento da medida passa pelos efeitos de um encontro entre adulto e adolescente, então esse pode ser um recorte interessante para uma leitura ampliada da própria política.

Mais especificamente, no caso das medidas mais gravosas (internação e semiliberdade) em Minas Gerais, o adulto em questão neste trabalho pode ser encarnado pelo "agente de segurança socioeducativo". Entende-se que a relação entre o agente e o adolescente pode contribuir para compreensão do encontro entre adulto e adolescente, além de lançar luz à direção que toma a orientação metodológica da política pública. A primeira questão que deve ser colocada a respeito da figura do agente é: que nome é esse ou que função é essa?

Garantir direitos e restringir a liberdade como reprovação à conduta infracional inscreve uma tensão entre controle e socioeducação que tem no agente de segurança socioeducativo um paradigma. A função do agente pode ser tomada como esse paradigma da necessidade de articulação entre uma dimensão de segurança e uma outra dita socioeducação. A partir do ECA, o adjetivo "socioeducativo" condensa então a exigência de controlar e educar ao mesmo tempo e impõe uma reflexão sobre os efeitos daí decorrentes.

A dissertação de mestrado que dá origem a este artigo partiu de vinhetas institucionais do contexto socioeducativo, tanto brasileiro quanto francês, para tocar questões e impasses inerentes à prática e à ordem simbólica que organizam algumas dessas instituições. As experiências trabalhadas referem-se, no caso brasileiro, aos centros socioeducativos para cumprimento de medida de internação, sob gestão da Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas (Suase) da Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS) de Minas Gerais. E, no caso francês, ao Centro Educativo Reforçado (CER), cuja proposta baseia-se num período de ruptura do jovem com seu contexto familiar e social. No CER, não há agentes de segurança socioeducativos, e sim educadores, cuja função foi o ponto de enriquecimento e contraponto da discussão. Uma das questões apontadas e respondida pelos adolescentes franceses foi justamente: "C'est quoi un bon éduc?". Ou seja, "O que é um bom educador?" é um dos questionamentos maiores que atravessa este trabalho.

Ao estabelecer uma conversa entre as falas das equipes dos dois países, a dissertação interrogou a função do adulto ao mesmo tempo em que se tomou a instituição como objeto de estudo, com o objetivo último de construir a apreensão fundamental acerca das articulações possíveis entre o campo da subjetividade e o campo da política. Estar em contato com uma equipe de outro país livra-nos de um olhar totalmente "habituado".

O ponto inicial desta produção refere-se aos modos de fala dos adultos e dos adolescentes e seus efeitos na prática institucional. Ao escutar um diálogo cotidiano entre agente de segurança socioeducativo (ou educador) e adolescente nos espaços das instituições, sem que estejam no campo de visão, pode-se perguntar: quem fala? Adulto ou jovem? Dada a dimensão de igualdade e de não distinção, ou seja, a presença de um modo de falar "igualitário", do uso de uma fala que pode ser considerada empobrecida (gritos, palavrões, jargões) por ambas as partes.

Nas instituições das medidas restritivas de liberdade, circula um tipo de fala dito "de cadeia", que não parece diferir da fala "do mundão" que é utilizada pelos adolescentes em seu contexto. A constatação de uma fala semelhante utilizada tanto pelo adulto (agente ou educador) quanto pelo jovem aponta para alguns elementos, tais como: os processos de identificação envolvidos (decifrados, por exemplo, com base em um contexto socioeconômico e cultural semelhante), a questão da autoridade, da diferença de gerações, da distinção de lugares, entre outros.

2. NO COMEÇO ERA O PESO E A ALTURA1

Os elementos para compreender a constituição da função de agente e seu lugar no contexto institucional estão em jogo desde o processo seletivo. O percurso de modificação da maneira de selecionar os agentes coincide com as transformações operadas no sistema como um todo para enfatizar o lado "socioeducativo" da medida e alinhar a execução ao ECA. Foi surpreendente constatar que, em determinado momento, os dois critérios iniciais para escolha dos currículos eram o peso e a altura do candidato. Dito de outro modo, apesar de o ECA já estar em vigor, procuravam-se profissionais que pudessem sobretudo conter fisicamente os adolescentes e fechar as grades dos alojamentos, ou seja, "carcereiros". Utilizamos aqui a denominação "carcereiro" apenas de maneira ilustrativa para demonstrar a posição daqueles profissionais que se ocupavam somente de fechar e abrir as grades dos alojamentos e de realizar contenções, com pouca ou nenhuma implicação no processo educativo dos adolescentes. Selecionar "carcereiros" era sinal de que a política prestava pouca atenção a um dos atores principais do sistema socioeducativo, personagem de quem se passou a cobrar o uso da palavra, mas a quem não se dava ouvidos. Trata-se de alguém que deve ver tudo, mas não é visto e que pode boicotar todo o funcionamento da instituição.

Para reformular o processo seletivo, foi preciso, antes de tudo, instaurar questionamentos cruciais. Primeiramente, o que se espera de um agente de segurança socioeducativo? Qual sua função? O que a orientação da política quer dessa função? Parecia evidente que esses pontos ainda não haviam sido elaborados de forma consistente. A partir de então, iniciou-se a reflexão sobre o perfil e a construção da análise do cargo para a redefinição dos critérios de seleção. A nova análise do cargo que passou a descrever a função do agente foi construída tendo em vista a introdução das mudanças trazidas pela legislação, sobretudo o que deduzimos ser a utilização prioritária da palavra sobre os meios coercitivos. A construção das atribuições precisou traçar o perfil de um profissional capaz de sustentar uma segurança realmente socioeducativa. Por outro lado, outra questão fundamental insistia: o que os candidatos a futuros agentes buscam no sistema socioeducativo?

A proposta de reformulação que foi colocada em prática pretendeu criar um espaço de escuta dos candidatos que pudesse revelar algo acerca do desejo de tornar-se agente. Foi importante passar a escutar alguma coisa da história de cada agente em potencial, escutar o que ele pôde fazer com seus encontros, suas dificuldades, enfim, com sua vida. Entende-se que compreender as motivações variadas subjacentes à vontade de ser agente pode esclarecer algo a respeito de sua prática futura e de sua posição diante do adolescente. Os motivos próprios de cada um teriam uma influência sobre o exercício da função mais tarde. Uma pergunta sobre a entrada pode lançar luz sobre a permanência.

A partir da construção dos novos critérios e da reformulação da seleção, foi possível escutar diferentes posições dos candidatos ao cargo:

a) candidatos que, não tendo conseguido tornar-se policiais, postulavam qualquer trabalho ligado à área de segurança. Frequentemente estava presente em seu discurso algo de uma herança familiar "Meu pai era policial" ou ainda "Meu tio era bombeiro";
b) candidatos com experiência em educação de crianças e adolescentes, mas para os quais o aspecto da segurança presente no cargo era insuportável;
c) outros ainda testemunhavam o gozo que lhes traria o confronto com situações de conflito ou de emergência da violência na instituição.

Independentemente do perfil do candidato, poucos tinham uma ideia precisa daquilo em que consiste o trabalho com os adolescentes privados ou restritos de liberdade.

3. COMO TRANSFORMAR "CARCEREIROS" EM AGENTES DE SEGURANÇA SOCIOEDUCATIVOS?

Como pano de fundo de toda dinâmica do movimento institucional e dos impasses presentes na execução de uma política pública que pretende ter um efeito responsabilizante, parece estar a seguinte questão: qual ordem simbólica organiza esse trabalho? Como a política vai poder se posicionar para respeitar a ordem simbólica? É possível pensar os agentes como porta-vozes, junto aos adolescentes dessa ordem que, para ser simbólica, deve estar referenciada a direitos e deveres e, ao mesmo tempo, ir além da regra. Para ser porta-voz de uma ordem simbólica, é preciso que o adulto construa a possibilidade de encarnar o Outro social para o adolescente. Advertidos de que, como nos lembra Lebrun (2008), a essa problemática acrescenta-se o modo de organização da sociedade contemporânea e o desmantelamento do simbólico que a caracteriza.

Isso exposto, depara-se com a questão de base deste trabalho: como transformar "carcereiros" em agentes de segurança socioeducativos ou, dito de outra forma, em educadores responsáveis pelo exercício de uma segurança socioeducativa? O trabalho de um "carcereiro ou guarda de prisão" nos reenvia à ruptura do pacto simbólico quando está ancorado no exercício de um poder sem limites. Enquanto que o trabalho de um educador, ainda que responsável por uma dimensão de segurança, coloca-nos a questão: como passar ao exercício de uma autoridade referenciada simbolicamente?

Ao falar de transformação, sabemos que não se trata de uma repentina metamorfose "kafkiana", como aquela à qual foi submetido Gregor Samsa, que acordou transformado em um monstruoso inseto (Kafka, 1912/2008). Evidentemente não se pode dormir "guarda de prisão" e acordar educador. Trata-se de um longo processo que atravessa avanços e recuos, e que reflete a modificação da própria execução das medidas socioeducativas. A metáfora da metamorfose pretende apenas destacar a necessidade de diferenciar a posição de "carcereiro" da posição de agente de segurança socioeducativo e o desafio de cuidar das questões surgidas na passagem de uma posição à outra.

Assim, com base nessa pergunta, despontam da prática dos agentes dois aspectos fundamentais de questionamento, sem dúvida articulados entre si e que indicam parâmetros para as hipóteses formuladas por este trabalho.

4. DISTINÇÃO DE LUGAR

O primeiro aspecto constitui-se da constatação de que frequentemente os agentes e os adolescentes falam da mesma maneira, utilizam as mesmas palavras e expressões e, às vezes, torna-se difícil distinguir aquele que fala: jovem ou adulto.

Além disso, nas instituições de cumprimento de medida, depara-se com uma maneira bruta de se servir da linguagem. O fato de que os agentes, que, de acordo com sua função, não deveriam falar como os adolescentes, sirvamse de um modo bruto ou de uma forma igual àquela dos jovens revela uma das questões fundamentais deste trabalho: a problemática da distinção de lugar. Esta que somente pode estar embasada pela construção da diferença. Perguntase então: uma fala dita empobrecida, sem fineza, permeada de gritos e palavrões favorece uma indistinção de lugar?

5. O LUGAR DO AGENTE

O segundo aspecto pode ser exemplificado precisamente pela seguinte frase pronunciada por um diretor de segurança sobre o trabalho dos agentes: "Os agentes não têm proposição socioeducativa, ou eles partem pro pau ou não fazem nada". Não era raro ver que a posição tomada pelo agente oscilava entre esses dois extremos. Essa gangorra entre a "guerra" e o "nada" interroga sobre o lugar do agente e, para além disso, sobre o lugar da fala que é esperada ser utilizada por ele junto ao adolescente. Qual seria então a justa distância, o parâmetro que permitiria localizar o lugar do agente? Qual posição para os agentes na relação com os jovens: estão numa posição de espelho, como agentes do poder, ou numa posição de terceiro que reenvia a um registro assimétrico, ou seja, educativo e submetido à lei?

O recorte de um momento de oficina com os adolescentes no CER ilustra algo do que está em jogo quanto a esse lugar do agente. Ao mostrarmos fotos e vídeos das medidas socioeducativas em Minas Gerais, o tema que tomou a cena foi "O que é um bom educador?". Os adolescentes explicaram que existem os educadores "duas caras": na frente da direção do Centro, agem de determinada maneira, mas, em outros momentos, não. Os jovens disseram que um bom educador é aquele que é justo, aquele que respeita a lei, a lei francesa, as leis do CER, designando com precisão o lugar do educador: tem a ver com respeitar a lei e reconhecer sua função. Posteriormente, foi interessante ouvir a fala de um educador quanto a isso: "Não é fácil ser justo".

6. AUTORIDADE: QUAL FALA PARA OS AGENTES?

Tanto a distinção de lugar quanto o lugar da fala do agente encontram-se fortemente imbricados e tornam incontornável um conceito que se constitui com base na questão da distinção: a autoridade.

A partir da aplicação do ECA, demanda-se dos agentes o uso prioritário da fala. A questão que se coloca é: que fala é essa que o agente deve utilizar? Pedese que ele se sirva dos mecanismos de negociação, persuasão e argumentação para convencer o adolescente, explicar, pela razão, o bom senso e as regras estabelecidas, aquilo que pode ou não ser feito. Além disso, o agente deve fazer uso da contenção física e das intervenções mais coercitivas em último caso. Entretanto, em Arendt (2005), verifica-se que a autoridade é incompatível tanto com a persuasão quanto com a utilização de meios coercitivos. Para essa autora, desde que são utilizados argumentos numa lógica igualitária de persuasão, aí não há mais autoridade. Parece que uma relação de autoridade engendra uma hierarquia estabelecida e o reconhecimento, por parte de cada um, de seu próprio lugar e do lugar do outro. Ou seja, antes de ser uma questão de persuasão pela fala, trata-se de uma questão de distinção de lugar. Seja do ponto de vista de uma política, seja na relação do adolescente com o adulto na prática, a questão da diferença de lugares é ponto central nas instituições.

A palavra investida de autoridade é uma palavra não simétrica, que faz diferença, que funda nossa humanidade. Ou seja, uma palavra que faz autoridade não é aquela de um igual, mas a de alguém que colocamos num lugar de endereçamento. De acordo com Herfray (2006), a palavra de autoridade sustenta ao mesmo tempo em que dá um basta; ela ensina que há algumas coisas que nós, como seres humanos, não temos o direito de fazer.

Pode-se dizer que a distinção de lugar e a consequente possibilidade de localização do lugar de cada um no contexto institucional se fazem fundamentalmente por meio da maneira de se servir da palavra. De acordo com Lebrun (2008), tem autoridade aquele a quem se reconhece que aquilo que ele diz a partir do lugar por ele ocupado não tem o mesmo valor daquilo que dizem aqueles que não ocupam esse mesmo lugar. Assim, existe uma fineza no modo de fazer uso da palavra que remete ao lugar que cada um ocupa e à responsabilidade atrelada à função.

Dufour (2007) acrescenta que a autoridade seria o termo terceiro entre a igualdade e a coerção. Esse autor enfatiza que é por meio do exercício de uma autoridade que uma geração pode transmitir o dom da palavra à geração seguinte. Ou seja, ser adulto diante de um adolescente tem a ver com o modo de se responsabilizar por aquilo que diz, do lugar de sua geração, para ensinar à geração seguinte algo sobre um uso adulto da palavra.

A noção de autoridade vem, então, enlaçar esse uso da palavra a uma responsabilidade pelas suas próprias contradições, um engajamento na palavra que caracteriza uma posição de adulto com relação à lei. O adulto, ao contrário da criança, assina aquilo que ele diz (Lacan, 1953-1954/1998). Onde não há um terreno propício para o surgimento de uma relação de autoridade, quer dizer, um reconhecimento da diferença entre os diversos lugares, a tomada de responsabilidade é colocada em apuros. A posição de adulto é, antes de qualquer coisa, ancorada na construção da diferença. Tal diferença permite a distinção de gerações e instala a responsabilidade de uma geração à outra. Finalmente é a palavra que determina o lugar de cada um na sociedade: o lugar a partir do qual se fala e a quem se endereça.

O tema da autoridade nos traz a um encontro imprescindível com a questão da responsabilidade. Levinas (2008) aponta que a responsabilidade é o que há de mais fundamental na subjetividade humana e que pode sustentar nosso laço com o outro. Estamos ligados ao outro pela responsabilidade, somos responsáveis por ele, sem esperar a recíproca. Aqui, a subjetividade é entendida em termos éticos, ética que o autor entende como responsabilidade.

Na prática do agente, a fala encontra-se numa verdadeira encruzilhada. De acordo com sua função, o agente deve negociar, argumentar, persuadir, mesmo se isso não fornece necessariamente as ferramentas para o exercício de uma autoridade. Com relação ao exercício de sua função como porta-voz de uma ordem simbólica, será importante levar em conta aquilo que cada agente pode fazer com sua própria herança simbólica.

7. O AGENTE E O COTIDIANO DO TRABALHO

A denominação "de segurança socioeducativo" expõe a dura função de conciliar as dimensões de segurança e de educação. O desafio da função aparece manifestadamente no nome do cargo.

O agente é o ator dessa política que está em contato direto com os adolescentes, encarregado de acompanhá-los para os atendimentos e oficinas (quando estão restritos), realizar revistas, assegurar os espaços da unidade, entre outros. Durante sua jornada de trabalho, pode estar exposto a ameaças, tentativas de agressão e provocações, pode ser alvo do lançamento de objetos e deve frequentemente suportar um nível sonoro elevado. Definitivamente o "corpo a corpo" com os jovens nesse contexto exige atuação sofisticada: é preciso intervir pela fala ao mesmo tempo em que se é o responsável pela contenção física. Atuar pela fala demanda ainda apreender a maneira conveniente para intervir com cada um: os modos de fala têm incidências diferentes sobre cada adolescente.

8. A LÓGICA DO ECO OU "OLHO POR OLHO, DENTE POR DENTE"

Muitas vezes, os agentes encontram-se desmunidos diante da agressividade e dos insultos dos adolescentes no cotidiano e respondem a isso de uma maneira "espelhada", num jogo interminável de espelho. Como se depreende na fala de um agente com relação a um adolescente: "Ele me deu um chute, eu dei um chute de volta na bunda dele". Ou ainda, na fala de um diretor de segurança sobre o trabalho de sua equipe: "O mais importante é que os agentes não querem fazer o trabalho deles; é totalmente igual, o adolescente diz "desgraçado!", e o agente responde "é você"!".

É a isso que chamamos "jogo de espelho": o que é colocado pelo adolescente lhe é reenviado exatamente da mesma forma, como um duplo, um eco. Na lógica do eco, quando se fala, aquilo que volta é a mesma coisa, como se não houvesse alguém a quem se endereçar. Não é muito diferente de falar sozinho, a fala retorna ao idêntico. Quando o agente responde como um igual, o adolescente não tem diante de si alguém que encarna o grande Outro, mas sim um duplo de si mesmo. Na mitologia, tanto a ninfa Eco quanto seu amado Narciso parecem ter perdido seu estatuto de sujeito devido ao "encantamento de espelho", efeito de uma prisão no duplo. É a mesma posição que encontramos em alguns momentos no CER na relação dos educadores e jovens: "Se você quer fazer papel de favelado (jeune de quartier), então vamos, eu não me contenho". Como veremos a seguir, ao tratarmos da identificação, este "eco" entre adulto e adolescente reenvia a um processo marcado pelo registro imaginário e toda a dimensão de alienação e agressividade que lhe é própria. Nesse registro, tornase difícil distinguir lugares, posto que é um reconhecimento imaginário que está em andamento. Esse reconhecimento convoca o pequeno outro e instaura uma relação de dependência que impede a tomada de responsabilidade (Lebrun, 2008).

Ao receber um chute do agente, o adolescente não encontra nada que difere da lógica à qual ele está normalmente habituado nas ruas, nas comunidades, nos "quartiers". "Olho por olho, dente por dente" é o modo de funcionamento das gangues, lógica que se opõe ao processo educativo e civilizatório marcado pela perda inerente ao pacto simbólico.

9. A LÓGICA DOS IRMÃOS

Não é raro que os agentes se comparem aos adolescentes. Há tipos de falas que se repetem, quase como "jargões" nos espaços institucionais e nos momentos de formação: "Eu não conheci pão, esses meninos comem queijo importado"; "Nós fazemos mais por eles do que para os nossos filhos"; "Se eu contar minha infância para a psicóloga, ela chora"; "Vocês vieram aqui e só fizeram coisas para os meninos".

No CER francês, no momento de uma discussão acerca dos materiais de trabalho, a fala do educador não deixa dúvida quanto à comparação: "Os adolescentes são mais equipados que a gente", e sugere pegar o computador disponível para os jovens e colocar à disposição na sala dos educadores.

Nos exemplos, os adultos falam quase como "irmãos" dos adolescentes, trata-se de uma fala ciumenta semelhante àquela fala queixosa dirigida ao pai diante dos benefícios que um irmão teria recebido. Parece estar em jogo um funcionamento que aponta para uma "fratria", uma relação de rivalidade do poder. O problema é que uma fratria pode funcionar de um modo infantil em busca de uma lei exterior severa, ou seja, procura-se a presença de um pai autoritário para que a lógica funcione de modo semelhante ao exército, na vertente oposta de um processo educativo.

Estamos diante de uma pane da questão da diferença. Para Lesourd (2006), todo laço social se constitui da organização das diferenças e da localização dos limites propostos pelos discursos sociais. Ou seja, o Outro social deve propor referenciais de diferenciação que permitam a cada um construir-se subjetivamente. Os discursos organizadores do laço social ordenam a questão da diferença e distinguem lugares. A ausência de delimitação observada pode impedir a distinção necessária para um trabalho educativo.

10. SOBRE A IDENTIFICAÇÃO

Para interrogar o lugar do agente, foi fundamental recorrer ao conceito de identificação baseado no campo da psicanálise. A identificação proporcionou o encontro com outros conceitos também essenciais: traço unário, ideal do eu, o grande Outro, o estágio do espelho, entre outros.

Uma das questões fundamentais que a Psicanálise nos coloca é como cada um pode se constituir a partir do outro, entendido aqui tanto como o grande Outro quanto aqueles outros semelhantes. Para que a subjetividade possa se constituir, há a necessidade desse détour pelo outro. O modo como vão se organizar, para cada um, as relações aos pequenos outros e ao grande Outro pode indicar algumas pistas para a compreensão dos impasses presentes na relação educativa.

Em psicanálise, a identificação é um conceito bastante amplo que compõe os processos de constituição do eu (instância imaginária) e do sujeito (instância simbólica). A identificação pode ser tomada como estruturante para a subjetividade humana, ou seja, como base da constituição das instâncias psíquicas e da constituição da subjetividade ela mesma. A dialética própria ao sujeito pode ser compreendida como uma dialética de identificação (Lacan, 1961-1962/2009).

Freud (1921/1996) apresenta o conceito de identificação sistematizado em três categorias bem definidas: a primeira como a forma mais remota de um laço emocional com outra pessoa; a segunda, que funciona por via regressiva, na qual se verifica a introjeção do objeto no ego pelo empréstimo de um só traço à pessoa-objeto; a terceira, na qual a identificação é fundada na possibilidade ou desejo de colocar-se numa situação idêntica, da qual apreende-se, como exemplo, o laço recíproco entre os indivíduos de um grupo.

É o segundo tipo de identificação e sua relação à questão do significante que parecem ter conduzido Lacan (1961-1962) durante suas investigações a respeito desse processo. A justificativa dessa escolha pode ser encontrada de maneira explícita no seminário 11, no qual Lacan (1964/1973) afirma ter colocado em destaque a segunda forma de identificação para dela poder extrair o traço unário, o fundamento do ideal do eu. É a identificação simbólica, como origem do sujeito, que está em jogo aqui, e o traço unário como a forma mais simples para ilustrar a essência do significante. O traço unário pode ser tido como diferença pura, uma vez que é o significante que introduz a diferença no real. O sujeito não surge do idêntico, mas da diferença, da distinção. Esse tipo de identificação é, ao mesmo tempo, constituição e divisão do sujeito na relação com o grande Outro.

A identificação do segundo tipo, situada do lado simbólico, se passa na relação do outro ao grande Outro e não é, portanto, do registro do semelhante. Ela nos obriga a concluir que o sujeito apenas pode surgir de uma passagem pelo grande Outro, conforme este é marcado pelo significante. O sujeito depende do significante, e este lhe é dado pelo campo do grande Outro (Lacan, 1964). A constituição do ideal do eu, como instância psíquica, pode ser considerada exemplo capital da inserção no laço via grande Outro. Desse modo, concluímos pela impossibilidade de se pensarem os processos de identificação sem introduzir a questão do grande Outro como tesouro dos significantes para o sujeito.

A natureza da terceira identificação, que se dá à maneira do sintoma, testemunha um lugar de coincidência entre dois egos que deve ser mantido reprimido. Esse tipo de identificação explicita um sentimento de comunidade partilhado com alguém que não é objeto de instinto sexual. A identificação imaginária que se passa do eu à imagem do pequeno outro pode ser compreendida com base nesse terceiro tipo. Freud (1921) explica o laço que se estabelece entre os indivíduos de um grupo com base nessa identificação e afirma que a qualidade emocional comum que a sustenta residiria na natureza do laço com o líder. Desse modo, Freud (1921) fornece a fórmula para a constituição libidinal dos grupos que têm um líder:

Um grupo primário desse tipo é um certo número de indivíduos que colocaram um só e mesmo objeto no lugar de seu ideal do ego e, consequentemente, se identificaram uns com os outros em seu ego. Esta condição admite uma representação gráfica (Freud, 1921, p. 126).

A vinheta institucional que se segue pretende articular as elaborações teóricas sobre a identificação expostas com uma situação da prática.

11. "VER O CIRCO PEGAR FOGO"

Num centro socioeducativo que acabara de ser inaugurado, as dificuldades para organizar o trabalho eram inúmeras. Uma novidade era a presença de câmeras de vigilância na unidade, sinal da nova maneira de se garantir a segurança. Com as novas tecnologias, tem-se a impressão de tudo poder saber, ver, gravar, para melhor controlar os indivíduos. Por meio dessas câmeras, acabamos por presenciar um pouco do que estava em jogo entre os agentes e os adolescentes.

Assistimos a um vídeo que mostrava alguns agentes e adolescentes na quadra de esporte. Os adolescentes começam calmamente a destruir o jardim ao lado da quadra e as traves de futebol. Os agentes permanecem braços cruzados, olham, mas não fazem nada. Para quem vê o vídeo, a cena é surpreendente, os agentes completamente imóveis, braços cruzados, enquanto os adolescentes destroem o jardim e as traves da quadra. Os agentes permanecem parados, espectadores do "circo".

Os agentes, entre eles, utilizam a expressão "braço cruzado, pé na parede" para designar aquele tipo de agente que permanece como um vigia, que olha, mas que não faz mais do que sujar as paredes com a planta do pé.

O que poderia explicar essa aparente ausência de engajamento? Indiferença, medo?

Essa situação na qual os agentes permanecem paralisados remete-nos a uma frase frequentemente utilizada no sistema para designar alguns profissionais que não fazem mais do que "ver o circo pegar fogo". A expressão parece propícia e pode nos servir de fio condutor para compreender a posição dos agentes nesse momento.

Sabemos que circo era o local no qual se assistia a corridas e espetáculos na Roma antiga. Significa também tenda ou arena circular na qual se assiste a diversos números: cenas cômicas, números de acrobacias, de magia, apresentações com figuras bizarras, como a mulher barbada, números perigosos com facas, etc. Na linguagem familiar, circo pode servir ainda para designar atividade desordenada, agitação e desordem.

O circo nos reenvia a um registro principalmente imaginário. Um registro da fantasia no qual nos deparamos com personagens bizarros e com homens com capacidades irreais. Estão aí os palhaços, animais ferozes, mágicos, homens muito fortes, trapezistas, anões, etc. O desafio e a contestação do limite estão presentes o tempo inteiro. Desafia-se a morte, o tempo, a altura, o medo e frequentemente estamos na dimensão da relação de força. O circo é um outro mundo, um mundo à parte, à margem do nosso mundo. Neste mundo preferencialmente imaginário, sonha-se poder fazer e ter tudo o que se quer, e é talvez isso que nos fascina tanto no mundo circense. Junta-se ao circo o elemento fogo, tão fascinante para o ser humano desde o início de sua existência. Permanecemos paralisados, identificados a esse circo pegando fogo, fascinados pelas atitudes dos jovens que parecem negar a existência do limite.

Efetivamente, quando os agentes estão ali para "ver o circo pegar fogo", estamos do lado do registro imaginário no qual prevalece a relação à imagem do semelhante. O registro imaginário é fundamental para a constituição da subjetividade humana, mas tal como os outros registros, ele não pode funcionar sozinho. Quando o imaginário toma a cena, deparamo-nos com um certo efeito de "encantamento de espelho". Um exemplo nos seria dado se pudéssemos conceber a cena do estádio do espelho sem a presença da mãe. Quer dizer que, sem a encarnação do grande Outro que vem autentificar a imagem e introduzirnos ao registro simbólico, permanecemos alienados no nível da instância imaginária que é o eu e não acessamos a dimensão significante do sujeito. O signo que a criança procura no adulto no estádio do espelho é o protótipo de seu ideal do eu, instância simbólica, representativa da identificação ao traço unário, responsável por regular as identificações imaginárias aos outros semelhantes. O sujeito não surgirá jamais do idêntico, do mesmo, desse funcionamento em modo espelho, o sujeito pressupõe justamente a diferença. O sujeito depende do significante, signo da diferença, que nos é dado pelo campo do grande Outro. Vemos que a função do traço unário, núcleo do ideal do eu, nos é dada com base no campo do grande Outro e que esse movimento instaura a identificação simbólica responsável pelo surgimento do sujeito do inconsciente.

Se permanecemos no nível imaginário, como no exemplo do circo, ficamos numa relação dual, alienada à imagem do outro semelhante, tomados pela dimensão narcísica que, em geral, não nos leva muito além da relação de força. O acesso à dimensão simbólica que permite o laço está barrado. A questão que está colocada é a impossibilidade de se ver a partir de um ponto de ideal que transcende e sustenta a relação dual. Esse ponto é o ideal do eu. Pode-se definir ideal do eu como uma instância simbólica, representativa da função do traço unário. Para Lacan (1964), o ponto do ideal do eu é aquele a partir do qual o sujeito se vê como visto pelo outro.

Ora, toda a problemática trazida pela situação em causa entre agentes e adolescentes parece surgir de um excesso, de uma desregulação no campo das identificações imaginárias. Diante disso, uma questão que pode ser colocada é a necessidade de um trabalho que toca a questão do ideal do eu, justamente essa instância responsável por regular as identificações imaginárias, por retirar o sujeito da circularidade alienante do circo imaginário. Fala-se da necessidade de entrada do grande Outro, da existência de pessoas que podem encarnar o Outro social, instalando um caminho simbólico de troca, sem reciprocidade, quer dizer, marcado pela diferença própria do significante e pela falta.

Então, para sair do campo do narcisismo e tocar a lógica do significante, campo do sujeito, é preciso se haver com a questão da dimensão da falta. Pode-se estar no registro simbólico exatamente porque tem coisas que não se inscrevem, que estão justamente fora da lógica significante. Por isso talvez tanta fascinação pelo circo, onde aparentemente não é preciso lidar com a falta e pode-se chegar às últimas consequências. Num espetáculo de circo, é a isso que o apresentador quer fazer acreditar, que é possível desafiar o limite e a morte. O que torna o espetáculo fascinante é o fato de poder crer por alguns momentos que podemos tudo: voar, fazer desaparecer uma mulher, colocar a cabeça na boca do leão, ser atirado de um canhão, engolir fogo, dentre outros.

Na situação gravada pelas câmeras, tem-se a impressão de ver os agentes hipnotizados pela atitude dos jovens. Parecem tomados numa dimensão imaginária, prisioneiros do espelho, fascinados por uma imagem à qual eles podem se identificar: "Eu o vejo fazendo aquilo que eu gostaria de fazer no seu lugar".

Promover um trabalho de interiorização dos interditos da lei simbólica é a tarefa das leis familiares e sociais. Se a lei funciona como exterior, frequentemente se instaura o abuso do poder. Esse funcionamento já é bem conhecido pelos adolescentes em conflito com a lei. O ponto fundamental do trabalho educativo parece estar ancorado sobre esse trabalho de integração das regras institucionais que exigirá algumas renúncias pulsionais. Esse processo terá efeitos e estará em jogo tanto do lado do jovem quanto dos adultos. Abre-se uma pergunta sobre a questão da integração da lei no próprio adulto. É importante que o jovem possa reconhecer essa marca do interdito no adulto. Com Kammerer (2000), concluímos que aquele que faz função de adulto para um adolescente transmite para o outro que a realização de seu desejo, exatamente da maneira como ele gostaria, é proibido pela lei.

Um agente de segurança socioeducativo é um garantidor das regras da instituição, ele conhece, ou deveria conhecer, as regras e seu valor para que o trabalho possa acontecer. Para garantir regras, é preciso passar pela maneira pela qual a lei nos atravessa como seres humanos. Nas instituições, somos garantidores de uma lei que nos transcende, que está para além de nós mesmos, é preciso transmitir aos jovens que estamos submetidos a uma lei, seja a lei brasileira que rege o trabalho, seja a lei simbólica, nossa herança simbólica, que nos permite viver em sociedade. Aqui poderíamos acrescentar o nome "socioeducativo" como sinônimo de submetido à lei. Para ser um agente socioeducativo, será necessário trabalhar com as regras, conhecê-las, aplicá-las, porque é por meio delas que alguma coisa do limite poderá se colocar. Mas, ponto fundamental, é preciso não tratar as regras como absolutas, há sempre o que permanece fora delas, visto que não são suficientes para sustentar nosso lugar de outro para alguém. O agente, e talvez a própria política pública que objetiva responsabilizar um adolescente, tem a difícil tarefa de, estando submetido à lei, não se alienar totalmente à regra. Uma lei que é de ferro não faz função de adulto.

12. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para ser educador no lugar de agente do poder é preciso suportar a diferença. A posição de adulto é, antes de tudo, ancorada na construção dessa diferença que permite a distinção entre as gerações e instala a responsabilidade de uma a outra, por meio da fala.

Parece importante que as instituições possam se organizar de forma a prestar atenção aos modos de fala que aparecem em seus espaços e verificar quais seus efeitos nas relações entre equipe e adolescentes. Algumas intervenções institucionais poderiam incidir sobre esse modo de se servir da palavra, contribuindo, assim, para a distinção de lugares no interior da instituição e para o consequente exercício de uma autoridade. Destaca-se, então, a importância de privilegiar espaços nos quais seja possível esse reconhecimento dos diferentes lugares e a tomada da responsabilidade que é própria a cada lugar.

O reconhecimento imaginário que se repete em alguns momentos na relação entre adulto e adolescente convoca uma lógica de espelho que impede a tomada de responsabilidade de ambas as partes. A falta de recuo que aparece explicitamente nas vinhetas impede a localização da posição do adolescente com relação à instituição e da própria posição do profissional diante disso, o que atrapalha o processo ético decisório quanto aos rumos do atendimento de cada jovem.

Diante do exposto, constata-se que é preciso suportar não permanecer colado ao seu semelhante e tampouco a si mesmo. Para tanto, o exercício da fala exige suportar a separação e o vazio que ela pressupõe (Legendre, 2000). A colagem consigo mesmo é a loucura, e a falta de separação com o semelhante é a guerra.

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Texto recebido em 13 de fevereiro de 2014 e aprovado para publicação em 19 de setembro de 2014.

 

 

* Mestra em Psicologia - Psicopatologia e Estudos Psicanalíticos, pela Université de Strasbourg, França. Endereço: Rua Galba Veloso, 364, apto 402 - Bairro Santa Teresa, Belo Horizonte-MG, Brasil. CEP: 31015-080.E-mail: bruquerque@gmail.com.
1 A autora deste artigo coordenou o Núcleo de Seleção da Suase (na época SAME) e o processo de construção do perfil do cargo do agente de segurança socioeducativo nos anos 2005 e 2006. Em 2007, respondeu pela Diretoria de Orientação Socioeducativa. Atualmente é diretora de Gestão da Medida Socioeducativa de Semiliberdade.


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