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Psicologia em Revista

versão impressa ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.24 no.2 Belo Horizonte maio/ago. 2018

http://dx.doi.org/10.5752/P.1678-9563.2018v24n2p424-441 

ARTIGOS

DOI - 10.5752/P.1678-9563.2018v24n2p424-441

 

Geração, família e juventude na era virtual

 

Generation, family and youth in the virtual age

 

Generación, familia y juventud en la era virtual

 

 

Márcia Stengel*; Simone Pereira da Costa Dourado**; Vanina Costa Dias***; Samara Sousa Diniz Soares***; Marilza de Lima Friche****; Jéssica Buthers Lima Ferraz Fraga*****; Renata Sartori Locatelli******; Luis Filipe Santos*******

 

 


Resumo

As tecnologias de informação e comunicação (TIC) desencadearam mudanças nas relações pessoais e familiares. Nesse contexto digital, podemos dividir seus participantes em nativos e imigrantes digitais. O objetivo deste artigo é discutir a influência da virtualidade no relacionamento entre pais e filhos jovens, considerando os aspectos geracionais dessa relação, com base em revisão da literatura sobre geração, adolescência/juventude e virtualidade, e fragmentos de entrevistas realizadas com jovens entre 15 e 24 anos e seus pais. Diversos impasses e desafios são percebidos na relação parento-filial. Há muito a ser percorrido pelos membros dos dois grupos para que os canais de sociabilidade, com a mediação das TIC entre eles, não fiquem fragilizados. A percepção de que a presença das TIC no cotidiano das famílias pode gerar dissociação e não sociabilidade parece ser o maior desafio a ser superado, particularmente para os pais.

Palavras-chave: Geração. Família. Juventude. Virtualidade.


Abstract

Information and communication technologies (ICT) triggered changes in personal and family relationships. In this digital context, we can divide participants into digital natives and immigrants. The objective of this article is to discuss influence of virtuality in the relationship between parents and young children, considering the generational aspects of this relationship, based on a review of literature on generation, adolescence/youth and virtuality and parts of interviews carried out with young between aged from 15 to 24 years old and their parents. Various conflicts and challenges are perceived in parent-child relationship. There is much to be done by members of the two groups so that the channels of sociability, with mediation of ICT between them, are not weakened. The perception that the presence of ICT in daily life of families can generate dissociation and not sociability seems to be the greatest challenge to be overwhelmed, particularly for parents.

Keywords: Generation. Family. Youth. Virtuality.


Resumen

Las tecnologías de la información y la comunicación (TIC) desencadenaron una serie de cambios en las relaciones personales y familiares. En este contexto digital, podemos dividir sus participantes en nativos e inmigrantes digitales. El objetivo de este artículo es discutir la influencia de virtualidad en la relación entre padres e hijos jóvenes, considerando los aspectos generacionales de esta relación, a partir de revisión de literatura sobre generación, adolescencia/ juventud y virtualidad y fragmentos de entrevistas realizadas con jóvenes de 15 a 24 años y sus padres. Varios obstáculos y desafíos se perciben en la relación parento-filial. Hay mucho que hacer por los miembros de los dos grupos para que los canales de sociabilidad, con mediación de las TIC entre ellos, no se debiliten. La percepción de que la presencia de las TIC en la vida cotidiana de las familias puede generar disociación y no sociabilidad parece ser el mayor reto a superar, especialmente para los padres.

Palabras clave: Generación. Familia. Juventud. Virtualidad.

1 INTRODUÇÃO

O advento das tecnologias de informação e comunicação (TIC), especialmente a internet, nas últimas décadas, desencadeou uma série de mudanças em quase todos os aspectos de nossa vida, inclusive nas relações pessoais e familiares, sendo determinantes as transformações desencadeadas em nossas formas de pensar. Tapias (2006, p. 49) chama atenção para o fato de que, por estarmos mergulhados nesses processos de mudança, eles “nos capturam de tal modo que, imersos na cotidianidade e apesar dos sinais que percebemos, não chegamos a acautelar-nos por inteiro no que se refere à envergadura de seus efeitos”. Em outros termos, podemos dizer que, em razão desse mergulho, não temos a dimensão precisa de quão afetados estamos sendo em nossa vida com a/ pela presença das TIC.1

Nesse contexto digital, podemos dividir seus participantes em nativos e imigrantes digitais (Prensky, 2001). Estes são as pessoas nascidas antes do advento das TIC, que se viram obrigadas a utilizá-las, geralmente, no campo laboral, e mantêm comportamentos e atitudes que revelam sua relação artificial com as tecnologias. Já os nativos digitais, por terem crescido rodeados pelas TIC, estabelecem uma relação de intimidade e gerenciam naturalmente as ferramentas digitais. Além disso, não processam sequencialmente, pensam em paralelo, atendem a várias coisas de uma só vez e rapidamente, além de esperarem receber respostas instantâneas (Fernández & González, 2017).

Cassany e Ayala (2008) chamam a atenção para dois pontos importantes. O primeiro se refere ao fato de que a divisão entre nativos e imigrantes digitais não foi um acontecimento repentino, mas gradual ao longo dos anos. O segundo ponto, reiterado por Teruel e Bello (2016), é a dificuldade em estabelecer uma distinção absoluta entre os dois públicos, pois

Es obvio que las TIC e Internet todavía hoy […] no han llegado a muchos lugares (pueblos, barrios, casas) y que algunos bebés siguen siendo inmigrantes hoy en día. Lo que marca la frontera es el grado de penetración de las TIC en cada comunidad y eso, como sabemos, varía a lo largo del planeta (Cassany & Ayala, 2008, p. 62).10 1

Nesse sentido, vale salientar que a distinção entre nativos e imigrantes digitais não pode ser feita exclusivamente pela data de nascimento, mas há de se considerar a relação que estabelecem com as TIC, ou seja, se passaram ou não pela adaptação digital, mantendo uma familiaridade com elas.

Apesar dessas ponderações, há de atentarmos para os desafios da convivência cotidiana entre nativos e imigrantes digitais, especialmente se considerarmos que os primeiros são educados pelos segundos. O fosso digital provocado pela idade tem um impacto sobre o campo da família, porque pais se sentem perdidos no novo mundo digital, no qual os adolescentes têm uma grande vantagem. Assim, o objetivo desse artigo é discutir a influência da virtualidade no relacionamento entre pais e filhos jovens, considerando os aspectos geracionais dessa relação, a partir de uma breve revisão da literatura sobre geração, adolescência/juventude e virtualidade, e de fragmentos de entrevistas realizadas com jovens entre 15 e 24 anos e seus pais.2

2 ADOLESCÊNCIA, JUVENTUDE E VIRTUALIDADE

O conceito de adolescência se afirmou no meio acadêmico no início do século XX (considerado, por excelência, o século da adolescência), no campo da Psicologia, sob o pioneirismo do psicólogo norte-americano Stanley Hall, ao publicar seu tratado sobre o tema em 1904, inaugurando, assim, seu estudo (León, 2009). Já o termo juventude não é uma invenção recente e é criação das Ciências Sociais. Desde o século XVI, já havia uma periodização das idades da vida registradas em textos da Antiguidade, entretanto, em estudo realizado por Dias (2015), nota-se que foi no século XIX que se identificou o nascimento da juventude moderna tal qual é vista e estudada hoje.

Quando se pretende estudar momentos do ciclo vital humano, é comum a delimitação dessas fases em relação a faixas etárias. Contudo, ao absorver tais delimitações, vale rememorar e sempre considerar o que Debert (2000) afirmou: a categorização da vida não é algo natural, estável e universal, mas construções sociais que buscam responder a questões sociais específicas. Além disso, em tais classificações, não é levado em consideração o aspecto particular do sujeito, e essa institucionalização da vida é regida pelo Estado, que teve seu domínio ampliado para o campo privado.

Embora existam inúmeras possibilidades de leitura e interpretação sobre o fenômeno da adolescência que apresentam, inclusive, contradições e discordâncias, o fio comum entre as correntes psicológicas, especialmente em suas primeiras versões, é o caráter marcadamente desenvolvimentista, “como uma etapa de vida na qual todos passariam obrigatória e similarmente, iniciada na puberdade e se encerrando na fase adulta” (Dias, 2015, p. 68). Entretanto, em seu percurso teórico-metodológico ao longo do tempo, a Psicologia tem se esforçado para produzir conceitos que buscam definir a adolescência não somente em relação ao desenvolvimento físico, sexual e psíquico, mas levando em consideração também o contexto histórico-social e cultural no qual ela é produzida. Nesse esforço em sair da visão estritamente particularizada do sujeito adolescente, a Psicologia encontra nas Ciências Sociais um suporte teórico imenso, visto que essa ciência aborda, de forma mais grupal, o conceito de juventude (que tem estreita ligação com o de adolescência), encarando-o não como uma fase de desenvolvimento marcado por etapas, mas como uma vivência plural e diversa (Dias, 2015).

Entendendo adolescência como um momento, acima de tudo, de reorganização simbólica e afetiva, vivido num movimento progressivo de amadurecimento que culminará na constituição de si pela emancipação da célula familiar, Le Breton (2017) detalha:

A adolescência é o tempo necessário à domesticação de um corpo que muda, um pensamento renovado sobre o mundo, uma abertura ao outro, uma aprendizagem dos dados essenciais pelo fato de ser um homem ou uma mulher, uma crescente autonomia de movimento, uma descoberta da sexualidade. Esse período vai das transformações da puberdade à entrada na vida, ele traduz uma lenta transformação do sentimento de identidade através das experimentações (p. 87).

Le Breton (2017) também pontua que as dificuldades encontradas nessa jornada turbulenta e marcada pela experimentação, procura de limites de sentido e de confronto com os outros “não se reduzem a uma ‘simples’ crise da adolescência, são mais profundamente uma crise do sentido da vida, e, portanto, uma crise da juventude na sua tentativa de ter acesso à idade adulta” (Le Breton, 2017, p. 85, grifo do autor).

Nessa mesma direção de pensamento, tanto León (2009) quanto Pais (2003) compreendem a juventude como uma etapa da vida que tem suas próprias oportunidades e limitações, entendendo-a não apenas como um período de moratória e preparação para a vida adulta, a fim de desempenhar papéis predeterminados. Encarar esse momento simplesmente como um processo de transição de um estado de dependência (infância) para um estado de emancipação (adultícia) acarreta um duplo problema. O primeiro deles seria o perigo de assumir um conceito pejorativo sobre os jovens, encarando-os como sujeitos incompletos, o que acarretaria a negação de suas particularidades no tempo presente. E o segundo seria assumir que esse sujeito é incompleto porque ainda não chegou a completar-se, o que torna inevitável a pergunta acerca do que é ser adulto. Assim, a adolescência e a juventude não seriam somente uma simples represa entre duas épocas, mas tempos plenos da existência (Le Breton, 2017).

Tomando como referencial a leitura de tais autores e entendendo esses conceitos e momentos do ciclo vital como construções sociais que nasceram sob determinadas condições históricas, sociais, temporais e geográficas e que continuam mudando ao longo do tempo conforme as transformações vão ocorrendo, nasce inevitavelmente questionamentos acerca dos adolescentes e jovens digitais contemporâneos, imersos na “sociedade em rede” (Castells, 2006), cujo fio condutor e suporte material para o desenvolvimento de mudanças é a internet e todos os seus recursos de sociabilidade, lazer e informação que ela disponibiliza.

Assim como a origem das categorias abordadas neste trabalho foram geradas em um contexto social, histórico e cultural que, de alguma maneira, solicitou tal criação e deu suporte material e imaterial para que elas florescessem, o mesmo aconteceu com a internet e as inúmeras possibilidades de conexão advindas dela. Castells (2003) afirma que a internet é uma rede de comunicação global, mas seu uso e sua realidade em evolução são produto da ação humana sob condições específicas da história. E, por isso mesmo, ela se constitui como "a expressão de nós mesmos através de um código de comunicação específico" (Castells, 2003, p. 11), que, para ser entendida, considerando toda sua complexidade e suas inúmeras vicissitudes cotidianas em todos os âmbitos da vida humana, precisa ser estudada com esmero.

Nesse sentido, diante do contexto hodierno altamente marcado pelo avanço das tecnologias de informação e comunicação, torna-se essencial pensar e estudar como a apropriação das novas tecnologias pelos adolescentes e jovens contemporâneos para uso cotidiano e contínuo tem impactado e mudado suas formas de ser no processo de constituição subjetiva e de estabelecer relações sociais com o outro, inclusive com os pais, que, na maioria das vezes, pertencem a outra geração: a analógica.

3 GERAÇÃO E FAMÍLIA: BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO

Há uma pluralidade de definições nas Ciências Humanas e Sociais para os conceitos de geração e família. Essa pluralidade sinaliza para as muitas formas de se tratar a adolescência e a juventude e os relacionamentos dos jovens com as famílias, particularmente com os pais, membros da família com quem os jovens estabelecem forte relação de alteridade, ao ponto de definirem, em grande medida, suas identidades de jovens com base nesse laço. As etapas da vida são relacionais e, atualmente, vemos um processo em que as fronteiras entre elas têm se dissolvido ou, nos termos de Debert (2010), há um embaçamento das fronteiras entre as idades. Se à Modernidade correspondeu uma cronologização da vida, a Pós-Modernidade produz uma desconstrução dos ciclos da vida em prol de um estilo unietário.

O amplo debate sobre geração pode ser sintetizado na disputa entre as definições produzidas por Augusto Comte, no século XIX, entre 1830 e 1842, e a contestação feita por Mannheim (1961), já no século XX, no fim dos anos de 1920 (Bortolazzo, 2016). O conceito de geração na forma como é empregado por Mannheim (1961) minimiza os efeitos dos aspectos biológico e natural e valoriza o compartilhamento da mesma experiência histórica, que possibilitaria aos membros de determinado grupo etário a adoção de um mesmo estilo de pensamento ou de ação.

Desde que Mannheim afirmou, em 1928, a possibilidade de existir um "vínculo geracional", fruto de experiências vividas na Contemporaneidade e que permitem a diferentes grupos etários vivenciar tempos interiores distintos em um mesmo período cronológico, pesquisadores tentam apreender qualitativamente o sentido dessa observação (Weller, 2010). Os estudos sobre geração, juventude e envelhecimento têm confirmado uma indicação de Mannheim (1961), o que justifica inclusive o uso de suas reflexões na atualidade: há uma espécie de não Contemporaneidade dos contemporâneos. Ou seja, o fato de diferentes grupos geracionais dividirem um mesmo contexto histórico, político e social não implica em uma vivência partilhada de valores e comportamentos. No que se refere ao uso das TIC, a perspectiva de Mannheim é útil porque nos lembra de que, diante de um fenômeno contemporâneo aos jovens filhos e seus pais, o uso das redes sociais e da internet, as vivências se dão apenas cronologicamente em um mesmo período, mas são muito diversas para um e outro grupo.

Ao relembrar a contribuição de Mannheim, Abramo (1994, p. 47) afirma que "diferentes grupos etários, vivendo uma mesma situação histórica, cada um em um momento diferente do seu ciclo vital, experimentam os mesmos acontecimentos de forma diferenciada". Se, à primeira vista, podemos ter a ideia de haver uma homogeneidade entre os indivíduos de uma mesma geração, Mannheim (1961) salienta que a similaridade é apenas potencial, pois os indivíduos podem ter distintas maneiras de reagir intelectual e socialmente a um estímulo histórico, produzindo, então, diferentes unidades (as unidades de geração). Estas, apesar de poderem ser até mesmo antagônicas, estão sempre referidas às mesmas questões históricas e orientadas umas às outras (Abramo, 1994). É o que temos assistido relativamente aos nativos e imigrantes digitais.

As relações intergeracionais têm sido afetadas pela rapidez na implantação de novas tecnologias, transformações relacionadas à informatização e na obsolescência das técnicas produtivas e administrativas, o que provoca mudanças nas relações familiares e na configuração das unidades domésticas. A família é um espaço privilegiado para a observação das relações intergeracionais, especialmente durante a adolescência dos filhos, pois, nesse momento, os jovens têm seu status modificado pelos processos de individuação e autonomização, que redefinem relações intra e intergeracionais.

A forma como Mannheim (1961) define e usa o termo geração colabora também para a reflexão sobre as mudanças e permanências nas atitudes e nos valores dos indivíduos no que se refere a um significativo número de fenômenos sociais, inclusive o que informa sobre a relação que os jovens criam com seus pais. Apesar de jovens e pais dividirem uma mesma Contemporaneidade, um mesmo contexto histórico, político e social, eles ocupam papéis sociais diferentes. O mundo virtual interpela as relações familiares entre jovens e pais de maneira muito expressiva, instituindo novos problemas analíticos ao debate conceitual e histórico do uso dos conceitos geração e família. Maria nos revela essa interpelação e os impasses trazidos por ela: "A gama de informações que eles têm de todos os lados, de todos os jeitos. E a gente não tem, pela própria idade. Então, o jeito de pensar meu é totalmente diferente do deles. Pensar que eu tenho que respeitar eles, e eles têm que me respeitar também".

Um marco do debate sobre juventude foi compreender que as gerações não se sucedem, elas coexistem em uma mesma temporalidade histórica, social e política. Como lembram Feixa e Leccardi (2010), ao aproximar o sociólogo inglês Philip Abrams de Mannheim, ao menos a partir dos anos de 1980, gerações passou a ser "o lugar em que dois tempos diferentes – o do curso da vida, e o da experiência histórica – são sincronizados. O tempo biográfico e o tempo histórico fundem-se e transformam-se criando desse modo uma geração social" (Feixa & Leccardi, 2010, p. 191).

Vale salientar que, em uma mesma geração, há diferenças entre os membros que a compõem. Assim, como dissemos anteriormente, os nativos e os imigrantes digitais não se definem apenas por um marco temporal, mas também pela relação que estabelecem com as TIC. Frederico, ao expor sobre como lida com as tecnologias, sinaliza para as diferenças intrageracionais:

No celular eu só tenho Facebook, que eu não entro muito, o WhatsApp, que é pra comunicar mesmo. […] Eu não respondo ninguém [no WhatsApp]. Não dou muita conversa, eu não gosto. É só pra marcar, tipo assim, eu tinha que marcar uma viagem, entro no grupo, marco a viagem, porque eu tô longe, eles estão aqui. […] Sobre as redes sociais, eu creio que… Assim, eles não têm mais nada pra inventar, né? A não ser melhorar essas coisas, mas isso prende muito as pessoas. […] Aí, eu creio que, quanto mais coisa você se ocupa, menos tempo tem pra internet. É mais construtivo, né? […] Então, internet são dois lados de uma mesma moeda. Um ajuda muito, estreitou o mundo, né, não existe mais barreira para trabalho, ações, para quem quiser desenvolver alguma coisa, distância entre os países. Por outro lado, uma geração muito alienada, né? Eu tenho muitos amigos que eles pararam de estudar e de trabalhar para ficar jogando. Pararam mesmo, entendeu? […] É por isso que eu tenho meio repúdio de internet.

No que tange às relações parento-filiais contemporâneas, Giberti (2005) revela que temos assistindo a uma modificação ou um deslizamento dos eixos do pacto geracional pelos jovens e seus pais, ocorrendo uma passagem do pacto ao contrato intergeracional. Esse é regido pela reciprocidade e equivalência de pais e jovens, com o reconhecimento de suas diferenças, mas não exclusivamente pela verticalidade posta na dinâmica geracional, que afirma que os jovens devem obedecer aos mais velhos. A transformação do pacto em contrato abarca a ideia de equidade. Se a ideia de pacto compreendia que os jovens eram obrigados a privilegiar a obediência, no contrato, há a presença de duas pessoas equiparáveis.

Parece que uma grande questão em jogo é o estabelecimento e o formato das relações entre pais e filhos jovens. Por um lado, há o desejo de relações mais igualitárias e pautadas por um modelo da amizade e, por outro, uma valorização da família tradicional e a necessidade de se manter o papel de pai/mãe, papel marcado pela autoridade e pela diferença (Stengel, 2011). Essa tensão entre ser amigo e manter uma relação paterno-filial toma dimensões diferenciadas de acordo com a situação vivida, havendo variações não apenas entre as famílias, mas também no interior de uma única família.

Ainda nessa perspectiva, para minimizar os possíveis conflitos, os pais se eximem de sua posição de autoridade, furtando-se da imposição de limites e apostando nos valores e práticas nos quais educaram seus filhos (Stengel, 2011). Isso pode ser observado na fala de Pedro: "A internet é perigosa, mas meus meninos são responsáveis, nós os criamos bem. Então eles sabem que não devem fazer certas coisas que podem ser perigosas".

O trabalho de observação das atitudes e valores expressos por jovens e pais diante das novas tecnologias da informação e comunicação evidencia a importância dessa abordagem para pensar as diferenças entre pais e filhos, que podem ser considerados como integrantes de grupos geracionais distintos (imigrantes e nativos digitais, respectivamente), para avaliar as proximidades e as distâncias de suas escolhas e dos valores que eles atribuem a essas ferramentas virtuais.

É importante considerar que o acesso diferenciado de pais e filhos aos recursos digitais parece provocar um abalo nas hierarquias entre os grupos, pois, nesse terreno das TIC, quem conhece mais, quem tem mais experiência e domínio são os filhos jovens e não os pais adultos. Um exemplo dessa realidade é Fernando, um jovem de 17 anos, que ensina ao pai, de 40 anos, atividades que, para ele, são aparentemente muito simples:

Mais meu pai [que ensino], porque passamos mais tempo juntos, mas ensino coisas simples, tipo colocar e tirar fotos do celular, mandar um WhatsApp, postar alguma foto no Face, mas assim, ele nunca aprende, aí tenho que ficar ensinando toda hora, às vezes fico sem paciência real (Fernando).

Assim como Fernando, Flávia e Felipe também afirmam que ajudam os pais quando eles pedem: "A minha mãe sim, porque ela pergunta. Eu falo: 'Você tem que entrar nisso, nisso e nisso'". Felipe acrescenta:

Assim, eu não costumo assim falar: "olha, hoje eu vou ensinar vocês como fazer tal coisa", mas, por exemplo, quando aparece alguma dúvida, como fazer alguma coisa, aí eu vou ensinar pra eles, eu tento falar: "é assim, desse jeito que faz, você faz desse jeito, aí agora você faz isso". Aí eu tento ensinar pra eles, mas quando eles me pedem alguma coisa, eu ensino, mas eu não ensino assim por minha von… minha iniciativa, assim, de ensinar eles (Felipe).

Fabíola também menciona que, apesar de não ter muita paciência, por vezes, ajuda aos pais, quando eles pedem:

Às vezes, eles, pra assistir alguma série, aí eles não conseguem ou alguma [atividade] sempre relacionada à Facebook. Meu pai sempre quer postar uma foto, aí ele sempre fala: "Minha filha, me ajuda aqui, porque eu não consigo postar essa foto, não sei como faz ela aparecer". Aí eu tenho que ir lá e explicar (Fabíola).

Por essas falas dos jovens, podemos inferir que eles se imbuem de uma autoridade para ensinar os pais sobre o uso das TIC e, a partir dessa posição, decidem o quê, como e quando ensinar, retendo propositadamente algumas informações.

Em meio a esse abismo entre gerações e conhecimentos, o impasse inevitável que se configura é a questão da educação diante do uso das tecnologias. Os pais como os responsáveis pela educação se veem impactados diante de tantas novidades, bem como em dificuldades ou até mesmo inabilitados para tal tarefa, deixando os filhos livres ou ainda mesmo como responsáveis por iniciá-los e ensinálos a utilizar as novas tecnologias, provocando uma inversão de papéis, já que os adolescentes passam a ocupar o lugar de tutores dos pais no uso das tecnologias. Le Breton (2017), ao abordar algumas transformações enfrentadas pela família contemporânea, fala de uma adultização precoce, cujas bases estão afixadas e, ou, potencializadas pelo consumismo e o excesso de autonomia concedida aos filhos mediante o recuo dos pais em assumir seu lugar de autoridade, trabalhando mais em uma lógica de paridade ou até mesmo disparidade, quando o filho assume o lugar de "mestre".

4 RELAÇÕES FAMILIARES E VIRTUALIDADE

Desde década de 1990, o acesso à internet tem sido ampliado e, na Contemporaneidade, esse acesso ocorre de diferentes aparelhos e lugares, sendo possível estar conectado a todo o momento e não mais apenas de um lugar ou computador específico, especialmente com o advento do smartphone.

Apesar desse cenário, como sinalizam Maidel e Vieira (2015), e Almeida, Alves, Delicado e Carvalho (2013), em geral, a casa dos pais ainda é o lugar mais comum para o uso de tais tecnologias por parte dos filhos. Dado que levanta mais expressivamente a questão de como o uso das TIC tem impactado a relação entre pais e filhos.

A entrada massiva de equipamento tecnológico em casa veio reavivar na família um estatuto de lugar de produção e transmissão de saberes entre gerações – digitais, neste caso. Ao lado da escola […] a família contemporânea é hoje um lugar ativo de produção, troca, reciclagem e atualização informais de conhecimento técnico sobre inovação tecnológica em todas as suas vertentes educativas, comunicacionais, informativas e lúdicas (Almeida, Alves, Delicado & Carvalho, 2013, p. 354).

Teruel e Bello (2016) também afirmam sobre o importante papel que a família tem na produção de uma determinada cultura diante da Era Digital, mas ressaltam que, depois, a própria família não sabe como regulá-la. Ou seja, são os pais quem, muitas vezes, introduzem seus filhos na cultura digital, mas acabam perdendo o controle sobre tal situação. Isso se deve pela menor familiaridade que apresentam com as TIC, além de aspectos socioeconômicos, como famílias em que ambos os pais trabalham ou pela falta de tempo de tutorarem seus filhos, deixando a cargo dos jovens aprenderem e regularem suas atividades digitais.

Os jovens lideram na apropriação e utilização das TIC, demonstrando intensidades de uso e níveis de competência superiores aos adultos e exibindo capacidades evidentes de navegação e comunicação no ciberespaço (Almeida et al., 2013). Eles têm grande capacidade de estar em comunidade, comunicar e criar on-line, bem como demonstram curiosidade, criatividade e capacidades incomuns de investigação.

Os adolescentes de hoje cresceram na trivialidade do uso das redes sociais e dos dispositivos móveis. Essas tecnologias modelam as suas identidades e a sua relação com o mundo. A realidade virtual é para os jovens uma maneira de experimentar, de explorar mundos pouco conhecidos por meio de nicknames, avatares ou de discussões intermináveis com os pares em redes sociais. Para os jovens, o real e o virtual encontram-se (Le Breton, 2017, p. 15).

Almeida et al. (2013) ainda mencionam que os jovens nasceram em um ambiente tecnológico e, por isso, hoje eles são autoridades em matéria de leitura e culturas digitais, ou seja, são eles os agentes de uma revolução de mentalidades que abrange toda a sociedade. Em contrapartida, os autores salientam que os pais são conservadores, inflexíveis, rígidos e centralizadores, revelando-se impossibilitados de acompanhar o processo de inovação. Os pais sentem que seu poder é limitado e colocado em dúvida, vivenciando, assim, uma profunda angústia diante de uma realidade que lhes parece estranha.

Desse modo, o conflito geracional, que regularmente ocorre nas famílias, principalmente quando os filhos atingem a adolescência e começam a contestar seus pais, ganha um novo elemento com os aparatos tecnológicos. Nesse cenário, os filhos seriam sempre vencedores no confronto geracional frente às tecnologias, a menos que os pais se formem adequadamente no uso das ferramentas tecnológicas. "Solo así, este diálogo de sordos cotidiano se puede traducir en una interlocución productiva que permita crear un criterio adecuado de uso para niños y adolescentes frente a las oportunidades y riesgos que las TIC pueden arrastrar" (Teruel & Bello, 2016, p. 191).3

Somente assim, este diálogo cotidiano de surdos se pode traduzir em uma interlocução produtiva que permita criar um critério adequado de uso para crianças e adolescentes frente às oportunidades e riscos que as TIC podem acarretar.

Para tanto, Teruel e Bello (2016) destacam que o trabalho de pais e mães passa primeiro por reforçar seus conhecimentos sobre os dispositivos digitais, concomitantemente à disposição de criarem um clima de confiança com seus filhos, no qual a segurança seja uma tarefa em equipe. Mas pesquisas como as de Ponte (2011) e Almeida et al. (2013) sinalizam que a mediação realizada pelos pais no uso das tecnologias pelos filhos é atravessada por alguns fatores, como a escolarização dos pais. Quanto mais escolarizados os pais são, mais estes são os que ensinam, utilizam e mediam o uso das TIC por parte dos filhos. Por outro lado, quanto menor a escolaridade, o contrário parece ocorrer. Os filhos se tornam os responsáveis por ensinarem aos pais como devem utilizar as tecnologias, assim como, neste último caso, o uso de mediação dos pais sobre os filhos é menor; provavelmente pelo fato de os pais não estarem tão familiarizados com as TIC.

As discussões dos autores anteriores podem ser percebidas quando Flávia, ao ser indagada se os pais controlam o que ela faz na internet e de que maneira, se eles conversam sobre questões relacionadas à privacidade e segurança na internet, a moça responde enfaticamente: "Não". Seus pais fazem pouco uso da internet, como relatado por sua mãe:

Para te falar a verdade, eu não acesso a internet, mas devido eu não ter tempo, assim eu uso o WhatsApp, essas coisas assim para conversa, mas nem Facebook eu não tenho, e eu nem, eu não, às vezes os meninos pega, acessa e quer me mostrar alguma coisa de internet, mas eu mesmo nunca acessei. Já fiz cursinho, já fiz curso, mas nunca tive assim aquela coisa de ficar em computador, ficar em celular acessando internet não (Mônica).

Vale ressaltar que, no grupo de pais menos escolarizados, o número de mães que utilizam as TIC é relativamente inferior à quantidade de pais, fato constatado em ambas as pesquisas citadas anteriormente. Tais dados levam a pensar na questão da detenção do poder tecnológico, que ainda parece pertencer àqueles que têm maiores níveis socioeconômico e de escolaridade. Além disso, suscita a questão relativa a diferenças de gênero, sendo que a figura feminina ainda parece refletir o menor espaço de conhecimento e habilidade com as TIC, especialmente quando a escolaridade é menor. Essa situação é ilustrada por Frederico quando relata sobre os usos que os pais fazem na internet:

Meu pai usa a internet só pra WhatsApp […]. Minha mãe não faz nada na internet não. Ela não usa WhatsApp, ela nem atende telefone. O que ela faz também é junto com o papai. Que é assistir um filme junto com ele, ou então pegar uma receita, ou então pegar uma música para ela por pra tocar na célula. Mas é questão de cinco minutos, uma musiquinha, entendeu? Ela realmente não gosta muito de computador.

Ainda em relação a diferenças de gênero, de acordo com Cabello, Claro e Hutt (2016), a análise da pesquisa "TIC Kids Online Brasil 2015" possibilitou identificar algumas características importantes na população participante do estudo. Assim, diferenças de gênero foram notadas por meio do seguinte dado: as meninas percebem que recebem mais mediação por parte de seus pais que os meninos. Fernando relata claramente a diferença de tratamento recebido por parte dos pais quando comparado à prima: "Não percebo nada. Eles só falam para tomar cuidado com nudez, essas coisas. Com minha prima são mais chatos, acho que eles têm medo, porque ela é mulher e sempre tem notícia que vazou fotos e tal, mas comigo é de boa".

Os riscos a que os filhos podem estar sujeitos no ambiente digital é um dos grandes receios dos pais. Estes temem sobre o conteúdo acessado por seus filhos, por desconhecerem, na maioria das vezes, os sites por eles navegados e, especialmente, pelos interlocutores que podem encontrar durante as suas atividades on-line. Maria e Paulo desabafam:

É, eles pegaram uma transição e eles eram muito novos, e aí eu ficava pensando assim: "que dados eles estão informando?". A gente ia trabalhar, e os quatro ficavam aqui sozinhos, apesar de que eles já tinham 15, 14 anos, mas são adolescentes… Aí: "será que tá informando que está sozinho?". Entendeu? "Será que tá informando a idade, será que tá informando aonde vai, o que tá vendo, se é algum site pornográfico…" Porque adolescente, eles querem ver as coisas e não têm muita noção do perigo. Então, a gente ficava em cima por causa disso. […] A gente sempre preocupa, né, a internet é terra de ninguém, não sabe quem é que está do outro lado, né.

Melissa e Margarida ilustram bem as principais preocupações dos pais entrevistados quanto ao que os filhos fazem na rede:

Mais assim, acesso a sites impróprios, né, com esses sites pornográficos que a gente sabe que tem e muito e que tem assim, superacessível na internet, coisa que vicia e às vezes você não percebe. Meu medo assim é de eles terem algo assim e a gente não perceber. Ou então contato com pessoas que a gente não sabe quem são. Então, assim, a gente sempre fica muito assim: "ó, não dá endereço pra ninguém, não fala seu nome, não dá… não passa dado nenhum", pra se prevenir contra essas coisas (Melissa).

A gente tem certa preocupação sim, nesse sentido do acesso, né, de coisas inadequadas pra idade e de colegas mandarem vídeos, né, porque eles circulam entre eles os vídeos pornográficos, vídeo de pedofilia. Então meu medo antes, no início, quando ela pegou, começou a usar o WhatsApp e usar… Eu ainda falava isso pra ela, né: "ó, se colega de escola mandar vídeo pornográfico procê, mandar vídeo de pedofilia, cê deleta isso, tá?!" (Margarida).

De um lado, estão as preocupações dos pais em relação às atividades e contatos feitos na internet pelos filhos; e, de outro, os filhos que, muitas vezes, não comentam os riscos que correm por receio ou para evitar possíveis sanções. Fernando menciona um episódio vivido por ele e um primo que deliberadamente omitiu dos pais:

Uma vez, eu e meu primo estávamos olhando para comprar um Playstation na [nome da loja virtual] o cara, quando estávamos conversando, tava com uns papos estranhos, pedindo senha de cartão e dados dos meus pais e nossos. Claro que não falei nada para os meus pais. Eles iam me encher o saco, além de proibir acesso à internet (Fernando).

Uma prática comum entre os jovens é discutir seus problemas ou dificuldades com os pares e não com os pais. Isso não é diferente no que tange ao uso das TIC, como pode ser percebido quando Flávia diz que, quando vê algo constrangedor na rede, não diz aos pais, mas ressalta que comenta com primos e amigos: "Não. Comento mais com meus amigos, primos, mas com meus pais não" (Flávia).

Pela dificuldade que os pais apresentam no processo de mediação de seus filhos quanto ao uso das TIC, observamos que, diversas vezes, este é realizado pela restrição do tempo. Os pais se incomodam com o tempo que os jovens dispendem no acesso às redes sociais (Facebook e Instagram, por exemplo), aos aplicativos de comunicação (WhatsApp) ou aos jogos digitais. Por isso, acreditam que, se os filhos tiverem esse tempo restringido, não correrão tantos riscos ou estarão menos vulneráveis aos perigos presentes na internet. Fernando corrobora essa realidade, ao dizer: "Não muito, eles não sabem mexer muito, então não controlam tanto. Só ficam enchendo o saco se eu dormir tarde por causa do celular".

Todavia é importante que o adulto se implique na aprendizagem e na convivência das ferramentas digitais em família, educando os filhos na responsabilidade e não na restrição. Com isso, poderá favorecer um clima de confiança que permita aos filhos buscarem seus pais, em caso de alguma incidência. Mas, para tanto, é fundamental que o lugar se converta em um espaço digital democratizado (Teruel & Bello, 2016). Ao exigir direitos iguais, Fernando ratifica a importância de um espaço digital democratizado:

Na verdade, usavam de ameaça quando comecei o ensino médio, porque minhas notas eram baixas, aí falavam que se eu não melhorasse ficaria sem celular. Nossa, na época ficava puto. Uma vez eles tiraram, fiquei um dia sem, mas acho que ficaram com dó e me devolveram na noite. Fiquei puto, porque se eles me mandam mensagens e eu não respondo, eles enchem o saco. Agora, quando eu mando, eles também têm que responder logo, uai. Direitos iguais.

Maria pondera sobre a necessidade do respeito recíproco para que a democracia seja algo real e o fosso geracional seja amenizado: "Então, o jeito de pensar meu é totalmente diferente do deles. Pensar que eu tenho que respeitar eles e eles têm que me respeitar também".

Mas o exercício do respeito mútuo não é fácil. Os pais, muitas vezes por não saberem como agir diante dessa nova situação, podem cruzar uma linha tênue entre o respeito e a invasão de privacidade de seus filhos, como podemos observar no depoimento de Maria. Ela admite abertamente que usa as redes sociais basicamente para controlar os filhos: "Praticamente nada [uso das redes sociais]. Só para vigiar eles (risos)". Esse é um dos motivos pelos quais os filhos acabam criando novas contas em redes sociais para que os pais não saibam o que eles fazem ou com quem conversam. É o que nos apresenta Fernando quando contava sobre comentários postados pela mãe que ele acha inadequados: "Ah, não comento nada, só excluo o comentário. Mas, por exemplo, eles nem sabem que eu tenho Instagram, vai que eles fazem também e começam a fazer esse tipo de comentário, fode comigo, né".

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos observar que, na Contemporaneidade, as TIC são um importante elemento de mediação nas relações entre pais e filhos. Superada a fase de conflitos e demonização do uso que os filhos (nativos digitais) fazem das TIC, os pais (imigrantes digitais) elaboram uma percepção, com algum custo e muitas disputas, de que a reversão aos padrões de relação entre pais e filhos no interior das famílias sem a presença das TIC é algo que não acontecerá.

A nova condição de sociabilidade entre pais e filhos no interior das famílias e dentro dos grupos geracionais por eles integrados precisa considerar a mediação das TIC. Uma mediação que é cotidiana, que passa, portanto, a compor e recompor os padrões de interação desses grupos.

Há muito a ser percorrido pelos membros dos dois grupos para que os canais de sociabilidade entre eles não fiquem fragilizados, pois, como indicam nossos entrevistados, o elementar da relação face a face, que é a existência de sujeito que fala para outros que escutam, é ressignificado com a mediação das TIC. Observe-se o relato de uma mãe:

Olha, tira um pouco o relacionamento da gente. Porque antes você falava claramente. Eu sentava com ele [o filho] e conversava. Hoje, às vezes, ele senta conversa e dá aquela focada no celular e tatatá com o dedinho. Aí eu tô falando e não sei se ele tá prestando atenção ou se ele tá com o dedinho fazendo o WhatsApp dele lá. Então, eu acho que isso afasta um pouco as pessoas (Maria).

A percepção de que a presença das TIC no cotidiano das famílias pode gerar dissociação e não sociabilidade parece ser o maior desafio a ser superado, particularmente para os pais. Portanto o trabalho de pais e mães passa primeiro por reforçar seus conhecimentos sobre dispositivos digitais ao mesmo tempo em que devem dispor-se a criar um clima de confiança com seus filhos.

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Texto recebido em 5 de fevereiro de 2017 e aprovado para publicação em 10 de dezembro de 2017.

Pesquisa financiada pelo Edital Demanda Universal 01/2016, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig).

 

 

*Doutora em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), professora adjunta da Faculdade de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação de Psicologia da PUC Minas.E-mail: marciastengel@gmail.com.
**Doutora em Ciências Sociais pela UERJ, professora associada da Universidade Estadual de Maringá (UEM), no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Mestrado Profissional em Políticas Públicas.E-mail: simone.dourado890@gmail.com.
***Doutora em Psicologia (PUC Minas). Professora e Coordenadora de Psicologia da Faculdade Ciências da Vida – Sete Lagoas- MG.E-mail: vaninadias@gmail.com.
****Mestra em Psicologia pela PUC Minas, psicóloga e instrutora em curso profissionalizante.E-mail: samarasousadiniz@gmail. com.
*****Mestra em Psicologia pela PUC Minas, psicóloga clínica.E-mail: liufriche@gmail.com.
******Mestranda em Psicologia pela PUC Minas, bolsista BAT/Fapemig, psicóloga.E-mail: jessicabuthers@hotmail.com.
*******Mestranda em Psicologia (PUC Minas), psicóloga clínica e psicopedagoga clínica.E-mail: resartori09@gmail.com.
********Graduando em Psicologia pela PUC Minas, bolsista de iniciação científica Probic/Fapemig.E-mail: luisfilipe.puc@gmail. com.
1 É óbvio que as TIC e a Internet, ainda hoje, não chegaram a muitos lugares (povoados, bairros, casas) e que alguns bebês seguem sendo imigrantes hoje em dia. O que marca a fronteira entre o grau de penetração das TIC em cada comunidade, e isso, como sabemos, varia pelo planeta.
2 Os jovens serão nomeados com a letra F e os pais com as letras M e P para facilitar a leitura. Todos os nomes são fictícios.
3 Somente assim, este diálogo cotidiano de surdos pode ser traduzido numa interlocução produtiva que permita criar um critério adequado de uso para crianças e adolescentes diante das oportunidades e riscos que as TIC podem acarretar.

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