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Psicologia em Revista

Print version ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.24 no.3 Belo Horizonte Sept./Dec. 2018

http://dx.doi.org/10.5752/P.1678-9563.2018v24n3p855-874 

ARTIGOS

DOI - 10.5752/P.1678-9563.2018v24n3p855-874

 

Identidade, universidade e integração na américa latina: um estudo de psicologia

 

Identity, university and integration in latin america: a psychology study

 

Identidad, universidad e integración en américa latina: un estudio de psicología

 

 

Cândida Beatriz Alves*; Regina Lúcia Sucupira Pedroza**

 

 


Resumo

A América Latina surgiu como espaço simbólico muito tempo após a conquista territorial. O processo de colonização significou o encontro entre diferentes povos e culturas, com desigualdades de poder. A relação entre os países latino-americanos caracterizou-se historicamente por aproximações e tensões, haja vista semelhanças e diferenças histórico-culturais, mas também escolhas políticas e econômicas. Nosso objetivo foi investigar possível vinculação identitária à América Latina expressa por estudantes de diferentes países latino-americanos. Foram entrevistados 16 estudantes de graduação de sete nacionalidades. Utilizou-se o método de análise de conteúdo e chegou-se às seguintes unidades de significação: diferenças e semelhanças na América Latina; identidade e alteridade na relação entre América Latina, Estados Unidos e Europa; relação entre Brasil e países hispano-americanos; identidade latino-americana; integração e universidade na América Latina. Percebeu-se a necessidade de ressignificar a identidade latino-americana, valorizando sua diversidade e criando vínculos de solidariedade no continente.

Palavras-chave: América Latina. Integração. Identidade. Universidade.


Abstract

Only long after its territorial conquest, Latin America became a symbolic space. The colonization process implied the meeting between different peoples and cultures, with power inequalities. Relations between the Latin American countries were historically marked by attachment and tensions in view of historical-cultural similarities and differences as well as political and economic choices. Our general aim was to investigate a possible Latin American identity linkage of Latin-American university students. Sixteen semi-structured interviews have been made with undergraduate students of seven nationalities. Interviews were analyzed based on the methods of content analysis, generating signification unities, those being: differences and similarities in Latin America; identity and alterity in relations between Latin America, United States and Europe; relations between Brazil e Hispano- American countries; Latin American identity; integration and university in Latin America. It is remarkable the necessity to give new meanings to Latin American identity valorizing its diversity and creating solidarity bounds in the continent.

Keywords: Latin America. Integration. Identity. University.


Resumen

América Latina surgió como espacio simbólico mucho después de la conquista territorial. El proceso de colonización significó el encuentro entre pueblos y culturas, con desigualdades de poder. La relación entre los países de América Latina se caracterizó históricamente por aproximaciones y tensiones, en vista de similitudes y diferencias histórico-culturales, pero también de opciones políticas y económicas. Nuestro objetivo fue investigar la posible vinculación identitaria a América Latina expresada por estudiantes de diferentes países latinoamericanos. Entrevistamos a 16 estudiantes de graduación de la Universidad de Brasilia de siete nacionalidades. Se utilizó el método de análisis de contenido y se llegó a las siguientes unidades de significación: diferencias y similitudes en América Latina; identidad y alteridad en la relación entre América Latina, Estados Unidos y Europa; relación entre Brasil y los países hispanoamericanos; identidad latinoamericana; integración y universidad en América Latina. Se percibió la necesidad de resignificar la identidad latinoamericana, valorizando su diversidad y creando vínculos de solidaridad en el continente

Palabras clave: América Latina. Integración. Identidad. Universidad.

1 INTRODUÇÃO

Surgida como apêndice da economia europeia, no contexto da expansão marítima ibérica, a América Latina constituiu-se a partir do olhar estrangeiro ao longo dos séculos de colonização. Aqui se encontraram espanhóis, portugueses, africanos, indígenas e outros, existindo, entre estes, nítidas relações de poder que conformaram a organização social e ditaram rumos culturais e históricos. A própria ideia de uma América caracterizada como Latina é expressão do domínio colonial sobre as terras do Novo Mundo, em detrimento dos povos nativos ou daqueles trazidos como escravos (Mignolo, 2005).

Tendo em vista a pluralidade de interações aqui estabelecidas e seus desdobramentos em trajetórias singulares, surgem questionamentos acerca da existência de qualquer unidade diante de um grupo de dimensões continentais. A construção do sentimento de pertença às novas terras deu-se na interação complexa entre vínculos históricos, tradições compartilhadas e relações tecidas com o Novo Mundo. Contudo se observou um distanciamento dos países latinoamericanos entre si (sobretudo entre o Brasil e os países de tradição hispânica), o que pode ter dificultado a constituição de um sentimento de pertença à América Latina, ou seja, de uma identidade latino-americana (Donghi, 1975). Com base nessas ideias, este trabalho se debruça sobre a constituição da identidade latinoamericana, com foco no contexto da universidade.

2 AMÉRICA LATINA: PROBLEMATIZANDO O NOME E A IDEIA

Como registro formal, o termo América Latina tem seu primeiro uso em 1856, no poema Las Dos Américas, do escritor colombiano José Maria Torres Caicedo, no qual o autor contrapõe a América Latina à América de colonização inglesa (Feres Junior, 2005). O termo América Latina deve ser entendido em relação dialética com sua contraparte, a América Saxã, ainda que esta última não tenha, por razões históricas, se disseminado da mesma forma que a primeira (Ardao, 1980).

Vários questionamentos e críticas são feitos à ideia de unidade implícita no uso de um único termo para traduzir realidades sócio-histórico-culturais tão distintas. Entendemos que não seja trivial uma região tão diversificada continuar sendo conhecida por América Latina, interna e externamente ao continente. Todavia a persistência no uso de América Latina (no senso comum e no ambiente acadêmico) indica que esse nome segue denotando algo, um enigma compartilhado intersubjetivamente (Tavolaro, 2009). Esse enigma pode ser compreendido quando consideramos o peso da Modernidade na concepção de América Latina.

A unificação em torno desse nome, apesar de tamanha diversidade, veio a partir de sua oposição à Europa e aos Estados Unidos da América (EUA), estes tidos como legítimos representantes da Modernidade. Observa-se, assim, que o agrupamento dos países latino-americanos no discurso histórico vem sempre acompanhado dos distintivos de sua antimodernidade: o subdesenvolvimento visto como atraso moral, cultural, intelectual e, consequentemente, político e econômico (Tavolaro, 2009; Escobar, 2007).

Por outro lado, defendemos que ideias sobre a América Latina serão sempre construídas na interação dialética entre experiências singulares e únicas e conteúdos compartilhados na cultura, que influem na representação que se tem sobre o que é a região e como o sujeito se sente em relação a ela. Assim, a vinculação ou falta de vinculação à América Latina como objeto simbólico ligase à vivência pessoal e afetiva, construída na relação com outros.

3 ENCONTROS E DESENCONTROS DA TRAJETÓRIA LATINOAMERICANA

Para falarmos sobre integração e identidade latino-americana, é essencial uma incursão na história da América Latina e da relação desses países entre si. Entretanto é preciso considerar a interação das nações de colonização hispânica entre si e o caso do Brasil, por sua matriz lusitana. Se, por um lado, importantes diferenças se fazem notar de um ponto de vista histórico, cultural, linguístico e político, não é menos verdade, por outro, que semelhanças significativas unem o Brasil ao restante da América Latina, principalmente quanto ao modelo similar de colonização.

Tomando em perspectiva as diferenças, devemos encará-las como construções históricas e políticas que, em parte, responderam pelo afastamento do Brasil do restante da América Latina e por dificuldades na integração. Após a independência da maioria dos países latino-americanos, o Brasil se orgulhava por ser a única monarquia no subcontinente e valorizava seus vínculos com a Europa (Fausto, 2008).

No início do século XIX, a ideia de laços comuns entre países da América Latina se encontrava presente no imaginário de personagens importantes, como Bolívar e San Martín (Rossato, 2004). Defendia-se uma unidade latino-americana tanto apoiada no que havia em comum entre esses países quanto como forma de oposição a forças de dominação vindas do exterior. Contudo o Brasil, à época, estava pouco interessado em seus vizinhos (Bueno & Cervo, 2008).

Por outro lado, a ideia de uma América Latina que traduzisse unidade entre os povos aqui estabelecidos seria provavelmente estranha a estes (Donghi, 1975). De fato, no âmbito da América Latina, o tema do compartilhamento, por seus povos, de um sentimento de pertença denota grande complexidade. No contexto sobretudo dos países hispano-americanos, a temática de uma identidade latinoamericana surgiu com grande força no período das independências nacionais, enfatizada por descendentes europeus nascidos no Novo Mundo (criollos) que queriam afirmar seu domínio sobre os territórios, em oposição ao domínio europeu.

Ao longo do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, intelectuais latino-americanos se ocuparam com a tarefa simultânea de investigar e criar identidades nacionais. Na afirmação do nacional, a diferenciação dos países vizinhos era elemento essencial. O outro europeu se transformou em interlocutor constante (mesmo quando desinteressado) no processo de formação cultural de suas antigas colônias (Madeira & Veloso, 1999).

Nas décadas de 1950 e 1960, a identidade comum latino-americana voltou a tornar-se relevante, agora na relação com os EUA. É no período do pós-Segunda Guerra Mundial que o termo América Latina de fato se consagrou (Bruit, 2000). Em pesquisa sobre a identidade latino-americana no discurso dos intelectuais da época, Reichel (2007) trata da submissão cultural, política e econômica aos EUA. Da mesma forma, durante o período de ditaduras militares, nota-se uma aproximação entre intelectuais de toda a região, frequentemente no exílio (Bueno & Cervo, 2008).

Em relação ao Brasil, percebemos que a trajetória latino-americana é marcada por convergências e divergências. Além disso, ela não envolve apenas a relação entre nações, mas a maneira como esta influenciava relações intersubjetivas e como estas influenciavam as primeiras, em uma interação dialética entre social e subjetivo.

Nas últimas três décadas, a temática da integração latino-americana tem sido bastante abordada, sobretudo com a aproximação entre Brasil e Argentina ao longo da década de 1980, período de redemocratização em ambos os países, que culminou com a criação do Mercosul, em 1991 (Santos, 2005). O processo de formação de blocos regionais, nesse período, baseou-se fundamentalmente na integração econômica.

O início dos anos 2000 marcou uma virada na relação dos países da América Latina com atores internacionais que até então ditavam diretrizes políticas e econômicas. A integração política, cultural e social passou a receber grande atenção de alguns estadistas, que defendiam a necessidade de voltar o olhar para dentro do continente (não a fim de se isolar, mas para se fortalecer e obter maior projeção no cenário internacional) (Galvão, 2009).

4 UNIVERSIDADES NA AMÉRICA LATINA: LÓCUS DE INTEGRAÇÃO

Nesta pesquisa, defendemos a universidade como um espaço de integração latino-americana para além do âmbito político e econômico, com ressonância interpopulacional e subjetiva. Ao se encontrarem nesse ambiente forjado para a produção e transmissão de conhecimento, jovens têm oportunidade de trocar experiências, gostos e interesses. Ao fazê-lo, novas realidades sociais e subjetivas são construídas.

Escolas coloniais mostraram-se importantes na formação de identificações entre jovens de diferentes origens etnolinguísticas. Nesses espaços, vínculos surgiam entre pessoas das mais diferentes culturas. A emergência de um senso de comunidade nem sempre se dava dentro dos limites de uma unidade administrativa, e sim em uma região. O bilinguismo

Não é um instrumento de exclusão: em princípio, qualquer um pode aprender qualquer língua. A única interrogação que resta […] é se o sistema administrativo e, sobretudo, o sistema educacional podem gerar uma difusão do bilinguismo politicamente suficiente (Anderson, 2008, p. 190).

No contexto da América Latina, muitas iniciativas de aproximação já foram tomadas partindo da visão de que as universidades são motor de integração (Morosini, 1998). No entanto a cooperação internacional científico-tecnológica no âmbito das universidades tende a manter relações estabelecidas no período de colonização e dependência econômica de potências do Norte (Senhoras, 2006). Agentes universitários internalizam essa submissão ao tomarem como referência apenas autores de países hegemônicos e destes esperar reconhecimento. As universidades latino-americanas não devem nem adotar uma postura ingênua e aberta, entregue a interesses alheios, nem tampouco chauvinista e xenófoba, fechada ao estrangeiro. Elas devem se voltar para a realidade e problemas nacionais/regionais, buscando interlocução igualitária com atores internacionais (Ribeiro, 1982).

5 IDENTIDADE E O CONTEXTO LATINO-AMERICANO

Neste trabalho, fundamentamo-nos na Psicologia histórico-cultural de Vygotsky para pensarmos nosso objeto de estudo (a identidade latino-americana). Diante de tal objeto, esse arcabouço teórico nos mostra um sujeito que se constitui subjetivamente e desenvolve identificações em constante interação dialética com a realidade social, cultural, política e econômica que o circunda. Além disso, tal sujeito, ao mesmo tempo, constrói e compartilha conteúdos simbólicos e afetivos com base na realidade material e concreta em que está imerso (Vygotsky, 1984).

Assim, entendemos a identidade como uma configuração psíquica que tem uma dimensão individual e social, estas que se articulam dialeticamente, sendo tal divisão possível apenas em termos teóricos. É assim que um indivíduo se sente pertencente a um grupo, por compartilhar com este uma noção de "nós", mas, por outro lado, define-se individualmente enquanto um "eu" particular (Ciampa, 1983; González-Rey, 2003).

Definimos, portanto, a identidade como o posicionamento subjetivo do ser humano diante de uma realidade histórica e social que o leva a sentir que compartilha conteúdos simbólico-afetivos com outros indivíduos, compondo, assim, um grupo ao qual há um sentimento de pertença. O termo posicionamento em nossa concepção pretende frisar dois aspectos: que há necessariamente uma postura ativa do sujeito e que se trata de uma configuração subjetiva dinâmica, pois depende de fatores situacionais para emergir como identidade.

Por conteúdos simbólico-afetivos, entendemos elementos culturais que são construídos e carregados de valores e afetos significados socialmente. Esses conteúdos são necessariamente idiossincráticos, em interação dialética com o contexto cultural e histórico. A percepção de compartilhamento depende de um entendimento subjetivo de que tais conteúdos têm afinidade. Destacamos que o sentimento de pertencer a um grupo não exclui o pertencimento a outros, desde que tais pertencimentos não sejam vistos como incompatíveis entre si.

Por fim, as identificações que o sujeito realiza são perpassadas por relações de poder. Os significados atribuídos, na cultura, aos grupos e seus símbolos são sobremaneira relevantes para o sujeito que constrói seu estar no mundo e realiza escolhas identitárias (Díaz-Genis, 2004). Sentir-se vinculado, simbólica e afetivamente, a um grupo significa também embrenhar-se na teia simbólica de valores atribuídos a esse grupo.

O mais intrigante na pergunta acerca da identidade latino-americana não é a busca pela resposta, mas a recorrência com que é feita ao longo dos séculos e o número de pessoas que se envolve em respondê-la. Apesar de condenada por alguns, a expressão identidade latino-americana continua se consagrando em estudos e livros (Díaz-Genis, 2004; Canclini, 2008b). Desde pelo menos o século XVIII, encontram-se escritos sobre aquilo que antes era interrogado como o ser latino-americano e que, nos séculos XIX e XX, adquiriu "a roupagem moderna do termo identidade" (Canclini, 2008b, p. 67).

O sujeito latino-americano, com base no ideal de ser ocidental, procurou forjar um "si-mesmo" como uma réplica que se revelava sempre imperfeita. Historicamente, uma identidade latino-americana esteve impregnada de conotações negativas e, portanto, a compreensão de como esta se configura hoje passa pelo entendimento da inferioridade associada a esse sujeito ao longo da história (Zea, 1976).

A identidade latino-americana é formada por distintas alteridades que se unem em uma construção histórica (Díaz-Genis, 2004). Esses outros seriam, principalmente, o branco europeu, o indígena e o negro, que constituem dialeticamente a cultura latino-americana como cultura híbrida, nos termos de Canclini (2008a). Por outro lado, falar em identidade latino-americana significará sempre falar em uma pluralidade de apreensões desta, pensandoas não como posicionamentos rígidos, mas como o compartilhamento de um sentimento de pertença a uma ideia de América Latina que será sempre diversa para cada habitante (Miranda, 2007).

Nesse sentido, a construção de uma identidade latino-americana envolve também uma reconstrução desta (Rosales, 2002). A construção e reconstrução dessa identidade não deve conduzir a que se negue a importância do componente ocidental, mas sim que ele entre em uma síntese igualitária com outras alteridades, sobretudo indígenas e negras, tradicionalmente desvalorizadas (Díaz-Genis, 2004).

Nesse contexto, este trabalho teve como objeto de estudo a identidade latinoamericana expressada por estudantes universitários. Nosso objetivo foi investigar se há uma vinculação identitária à América Latina expressada por estudantes de diferentes países latino-americanos no âmbito da universidade.

6 MÉTODO

A pesquisa foi desenvolvida em uma universidade federal e foram entrevistados, com base em um roteiro semiestruturado, 16 graduandos, assim divididos: 5 alunos brasileiros e 11 alunos intercambistas de 6 países latino-americanos (Equador, Chile, Argentina, Colômbia, Uruguai e Peru). Para a análise das entrevistas, utilizamos o método de Análise de Conteúdo de Bardin (2009), com contribuições do método de indicadores empíricos apresentado por González-Rey (2005).

As falas dos participantes foram agregadas nas unidades de significação estabelecidas pela pesquisadora: diferenças e semelhanças na América Latina; identidade e alteridade na relação entre América Latina, Estados Unidos e Europa; relação entre Brasil e países hispano-americanos; identidade latinoamericana; integração e universidade na América Latina.

7 RESULTADOS E DISCUSSÃO

As entrevistas semiestruturadas geraram conversas e reflexões para além das perguntas previamente elaboradas. É importante mencionar, porém, que muitos entrevistados tiveram dificuldades em se expressar a respeito da América Latina. Além disso, esse tema não pareceu fazer parte do cotidiano da maioria dos entrevistados, exigindo destes a elaboração de pensamentos e sentimentos ao longo da entrevista. Os participantes viram-se engajados na tarefa de refletir sobre si mesmos, em um esforço por constituir-se subjetivamente naquele espaço de interlocução subjetivo, social e histórico. Ao longo das entrevistas, aos poucos, eles se sentiram mais à vontade para expressarem-se sobre o assunto.

7.1 Diferenças e semelhanças na América Latina

Nas respostas dos entrevistados, as dimensões diferenças e semelhanças mostraram-se articuladas. Foi recorrente a percepção de uma grande diversidade no continente, mas nenhum entrevistado entendeu essa diversidade como oposição ou impedimento à existência de pontos convergentes. A fala do peruano José1 reflete precisamente a percepção de que diversidade e convergência podem coexistir, relacionando-se dialeticamente em diferentes níveis de análise (Miranda, 2007): "Comparado com o resto do mundo, eu acho que os países da América Latina têm mais em comum. Mas de uma forma mais detalhada, são bem diferentes". Os entrevistados estrangeiros foram mais incisivos que os brasileiros ao ressaltar a diversidade no continente. Nas entrevistas, foi possível perceber que identidades nacionais são importantes no continente latinoamericano, tanto como autorreferenciação quanto como modo de se dirigir ao outro.

Vários entrevistados atribuíram ao passado de colonização os aspectos comuns compartilhados pelos diferentes países na América Latina. Tal aspecto histórico seria responsável por similaridades, mas também por problemas. Notamos o reconhecimento, por parte dos entrevistados, da importância do fato da colonização (visto de uma forma generalizante) para que se pudesse começar a falar de um território simbólico-geográfico chamado América Latina (Ardao, 1980).

No que diz respeito às semelhanças entre os países latino-americanos, chamou-nos a atenção a recorrência da ideia de que a América Latina se une em seu subdesenvolvimento, em seus problemas sociais, políticos e econômicos. Ao falar do que os países tinham em comum, vários entrevistados mencionaram carências, incapacidades e problemas sociais, políticos e econômicos. Em suma, a América Latina como signo da falta perpassou a fala de quase todos os nossos entrevistados. Essa parece ser uma ideia central, que estrutura a representação de América Latina para nossos entrevistados. Conforme defende Tavolaro (2009), é apenas no lugar da falta que podemos entender o continente, lugar onde ele foi historicamente colocado.

7.2 Identidade e alteridade na relação entre América Latina, Estados Unidos e Europa

Dimensão bastante recorrente nas respostas dos entrevistados foi a oposição entre América Latina, de um lado, e Estados Unidos e Europa, de outro, como aspecto que aproxima os países da região, corroborando o argumento de que tal relação de alteridade é pertinente e parece dar sentido à ideia de América Latina como unidade (Feres Junior, 2005).

Diante da dificuldade em falar de similaridades entre os países latinoamericanos, o brasileiro Pablo resolve-a ao expressar como estes se unem quando são contrapostos aos Estados Unidos e à Europa: "Eu acho que os países da América Latina são mais próximos entre si do que, sei lá, Estados Unidos, Europa, esses países".

A chilena María, ao falar de seu intercâmbio, admite ser estrangeira no Brasil, porém, diz ela, não o é na mesma medida que outros intercambistas da Europa, oriundos de países europeus de matriz latina. Dessa forma, está claro que, quando em relação apenas aos brasileiros, ela é estrangeira (entrando aí o importante componente das identidades nacionais); entretanto, em outro plano de análise, ela volta a se juntar aos brasileiros, contrapondo-se agora aos europeus. Isso corrobora nosso entendimento de que identidades não podem ser entendidas como oposições rígidas, mas sim como posicionamentos que emergem em situação e que estão estreitamente dependentes daquele do qual se diferenciam (Santos, 2003).

Em uma fala do brasileiro Cris, este assume o lugar de "a gente", entendido como os brasileiros, dirigindo-se aos demais latino-americanos como "vocês" e opõe-se a pessoas dos Estados Unidos e da Europa como 'eles". O entrevistado denota uma espécie de impedimento, enfrentado pelos brasileiros, quanto a identificar-se ou não como latino-americanos.

7.3 A relação entre o Brasil e os países hispano-americanos na América Latina

A brasileira Cíntia, no início de sua entrevista, relata a dificuldade em falar sobre a América Latina e, repetidamente, alude à região como um lugar onde nunca esteve: "É uma vergonha muito grande que eu tenho de nunca ter viajado pra América Latina. Eu já fiz três intercâmbios, […] nunca fui pra nenhum país da América Latina". Em sua manifestação, Cíntia, de forma alguma, percebe que sua fala exclui o Brasil da América Latina. A não identificação do Brasil como um país latino-americano mostra uma falta de vínculos, de compartilhamento de conteúdos simbólico-afetivos com o continente. Surpreende ainda mais o fato de que Cíntia é estudante de Relações Internacionais.

Já Bianca, outra brasileira, destaca que a relação que cada pessoa terá com a América Latina está ligada a vivências pessoais e sociais articuladas a esta região como espaço simbólico-geográfico. O contato com pessoas da região é defendido por ela como um fator que influencia na conformação de um vínculo identitário (Anderson, 2008).

A maioria dos entrevistados estrangeiros mencionou a imagem positiva que tinham do Brasil em seus países, associada à amabilidade das pessoas, à alegria, às festas, etc. Outro motivo citado frequentemente para essa admiração está relacionado a seu tamanho e expressão econômica. Para a argentina Carmela, "quando você fala de Brasil, fala que é uma potência". A argentina Rosana declara: "Eu acho que a admiração do argentino pelo brasileiro é maior que a do brasileiro pelo argentino".

Vários entrevistados trataram desse distanciamento do Brasil em relação aos demais países da América Latina. A equatoriana Nina procura explicações para o desinteresse dos brasileiros por outros países do continente, dizendo que talvez seja porque eles não são desenvolvidos. A introjeção desse discurso aparece como uma espécie de internalização de que não são tão bons porque não são desenvolvidos, não merecendo a atenção de países, superiores por serem mais desenvolvidos, de acordo com uma lógica historicamente construída a respeito do que seja modernidade e desenvolvimento (Escobar, 2007).

Prolifera-se, entre os entrevistados estrangeiros, a ideia de que o Brasil é uma espécie de ilha isolada na América Latina. Tal isolamento não se dá pela falta de interesse dos outros países pelo Brasil, mas antes o contrário. Alguns entrevistados, ao sentir que o Brasil se isola, buscam justificativas, exemplificada na seguinte fala do colombiano Roberto: "Bem, é porque vocês são muitos, não? Se você pensa um pouquinho, o Brasil tem mais gente que toda a América Latina. É muito grande! Então não precisam da gente".

Para os brasileiros, esse isolamento do Brasil também existe. No entanto estes se referiram constantemente aos EUA e à Europa como regiões de referência cultural, o que aponta para a ideia de que o Brasil não é autossuficiente, como procuraram sugerir os entrevistados acima, mas sim que não há interesse do país pela região. Estar de costas para a América Latina e de frente para os Estados Unidos e Europa não é uma postura natural, mas algo que foi construído historicamente. Queremos ressaltar, neste trabalho, que ditas diferenças ou semelhanças devem ser entendidas como produções simbólicas que ocorrem em um contexto composto por dimensões históricas, culturais, políticas, econômicas e afetivas que se articulam de maneira dialética (González-Rey, 2003).

A temática da língua foi bastante abordada por nossos entrevistados e de diferentes formas, ora enxergando-a como barreira, ora como simples distinção. Analisamos a importância dos diferentes idiomas na constituição subjetiva dos nossos entrevistados sob a ótica de que compartilhar vínculos identitários não significa que não haja distinções entre as pessoas, mas que essas não sejam entendidas como diferenças radicais (Miranda, 2007). Além disso, os diferentes idiomas não são entidades independentes, dissociadas de aspectos históricos, culturais e políticos.

Vários entrevistados estrangeiros viram o espanhol tanto como elemento comum quanto diferenciador no continente latino-americano. Diferentes formas de falar o espanhol podem ser um distintivo entre nacionais de diferentes países na América espanhola, ou de diferentes regiões. Porém esses países voltam a se unir para se contrapor ao Brasil, que fala outro idioma, que não deixa de ser reconhecido como bastante semelhante ao espanhol. Tal dinâmica nos mostra que o vínculo se modifica a partir da perspectiva adotada pelo sujeito (Ciampa, 1983), pois a vivência pessoal da realidade da cultura é maleável.

O fato da diferença na língua não pode ser ignorado, contudo há formas diversas de se posicionar diante de tal realidade. A chilena María não entende a diferença de idiomas como obstáculo intransponível, ao dizer que, quando não se sabe falar bem a outra língua, "Você, mesmo assim, arranja uma maneira de se comunicar". Pondera que não se trata de "uma barreira muito forte a questão da língua. São línguas muito similares, então, eu acho que, se agora eu falo espanhol devagar, você vai entender, se você fala português devagar, eu vou entender". Tal manifestação revela a viabilidade da comunicação desde que os interlocutores demonstrem disposição a fazer-se entender.

Alguns estrangeiros mencionaram que o sotaque, por exemplo, e os esforços por se comunicar em outra língua acabam gerando interesse e sendo motivo de divertidos diálogos, que despertam a atenção para a outra cultura trazida por aquela pessoa e cuja porta de entrada naquele momento é a língua. Tendo em vista a proximidade entre o espanhol e o português, esta certamente não é uma barreira para a integração entre pessoas com uma dessas duas línguas como idioma materno, desde que haja um ambiente propício para a aprendizagem.

O brasileiro Cris expressa sua opinião de que a língua não pode ser a única responsável pelo afastamento do Brasil do restante da América Latina: "Acho que uma coisa é a língua. Mas acho que é 50-50. Uma parte é culpa nossa mesmo, e a outra parte é culpa da língua. Culpa nossa de talvez não dar atenção pro próprio continente do qual você faz parte".

Defendemos que atribuir ao idioma toda a culpa pelo afastamento do Brasil dos países hispano-falantes do continente é um argumento no mínimo ingênuo. A língua, assim como qualquer outro elemento cultural, não pode ser considerada como diferença fixa, inelutável, dada a priori. Relações apenas podem ser entendidas como diferenças dentro de um quadro histórico, social, cultural, político e econômico (Siepierski, 2003). Como já vimos, o afastamento se deu em um contexto em que havia o desejo do Brasil de se diferenciar simbolicamente da América Latina, pois esta sempre esteve associada ao lugar da falta e do primitivismo (Madeira & Veloso, 1999; Tavolaro, 2009).

7.4 Identidade latino-americana

Investigar a identidade latino-americana era o objetivo desta pesquisa, portanto a atenção ao que poderia configurar uma tal identidade esteve presente ao longo de todas as entrevistas. Da mesma forma, esse aspecto foi observado em todas as categorias escolhidas para análise dos resultados. Estas refletem dimensões que devem ser levadas em consideração na discussão sobre o que chamamos de uma possível identidade latino-americana.

A chilena María defende que o sentimento identitário deve ser fortalecido na América Latina, uma vez que há vários elementos similares no continente (o que não apaga sua heterogeneidade). A ênfase na diversidade do continente salienta o fato de que se definir e identificar como latino-americano não deve levar à construção de uma identidade única, pois isso significaria engessar uma realidade e um sentimento que se mostram diversos. Criticamos, portanto, uma unificação que pressuponha a homogeneização e não uma aproximação entre as pessoas com base na valorização da diversidade.

Nina, ao falar do significado de ser latino-americana, ressalta a importância de entender-se miscigenada e se identificar com isso. Em seguida, critica a forma negativa como tal miscigenação é vista no Equador. Percebemos que a constituição de uma identidade latino-americana passa necessariamente pelo reconhecimento e valorização das diversas matrizes culturais que compõem dialeticamente o latino-americano (Díaz-Genis, 2004).

Para Diego, "Se a mãe fala pra você: 'esse país é muito ruim, gostaria de morar na Europa', aí a criança nunca vai querer ser do Equador". O entrevistado retoma o lugar da Europa como referente constante, que implica, ao mesmo tempo, uma negação da América Latina. Em sua declaração, podemos entender a mãe de quem fala como uma metáfora para uma rede de significados estabelecidos na cultura. Se esta comunica ao sujeito que o seu país é "muito ruim" e que a Europa é muito melhor, tal aspecto é subjetivamente vivido pela pessoa, que introjeta essa relação de poder. Claro está que isso é experienciado de forma particular por cada um, pois se relaciona com uma complexidade de vivências simbólicas e afetivas.

O argentino Guido, quando perguntado acerca do que, para ele, significa ser latino-americano, responde: "Essa pergunta já faz parte […] é o primeiro elemento da identidade latino-americana: perguntar o que é essa identidade". A fala de Guido nos remete a Díaz-Genis (2004) e Canclini (2008b), para quem a pergunta pelo ser latino-americano foi talvez a característica mais frequente e, portanto, conformadora do que seria essa identidade.

Notamos, nas falas de vários dos nossos entrevistados, o entendimento de que a constituição de uma identidade latino-americana se projeta para um futuro, pois está ainda por ser construída e constrói-se justamente nesse processo.

María se refere a essa identidade como um "sentimento" e um "sentido de pertencimento" a um lugar simbólico. Fala do pertencimento ao Chile, mas deste inserido em um espaço simbólico maior: América Latina. Articula, assim, sua identidade nacional com uma identidade latino-americana, colocando-as para conviver sem que uma represente a anulação da outra, conforme defende Miranda (2007). A fala de Diego retrata algo semelhante. Quando perguntado se ele se sente latino-americano, responde: "Me sinto bem com isso. […] É como quando se torce por um time, é como torcer por um sentimento, entende? […] Quando falam de América Latina, se falam algo errado, defender. E mais ainda se falam do Equador!".

A associação da identidade a um sentimento esteve presente em várias falas, o que nos revela a importância que tem a dimensão afetiva no desenvolvimento de vínculos simbólicos (Vygotsky, 1984; González-Rey, 2003). Para a brasileira Cíntia, existe entre os brasileiros um sentimento latino-americano, que ela não consegue definir: "Não sei o que é, o que me faz sentir latino-americana, fora eu ter nascido aqui. Mas eu não acho que é algo vazio, também não acho que é só o fato de ter nascido aqui". A brasileira Bianca, quando perguntada se se sente latino-americana, responde que sim e acrescenta: "Ah, não sei, eu me sinto feliz, tenho um pouco de orgulho até". Vemos como a participante busca entender um sentimento que vivencia no momento da entrevista e que até mesmo a surpreende. Parecia não esperar por isso e empenha-se em subjetivar sua própria fala.

O termo "orgulho", que apareceu na fala de Bianca e de outros entrevistados, como Nina e Guido, é notável, sobretudo quando confrontado com a conotação frequentemente negativa associada à América Latina e ao latino-americano. Percebemos a ressignificação pela qual passa a ideia e o sentimento de uma identidade latino-americana. Difícil de colocar em palavras, tal transformação simbólica implica a apropriação do sujeito de sua história e seu contexto cultural.

Para alguns de nossos entrevistados, tal tema não mostrou ter relevância, não se configurando, portanto, como vinculação identitária para estes. Por exemplo, quando perguntado sobre o que significava ser latino-americano, o colombiano Javier disse que não sabia e depois completou: "Não, não acho que tem relevância para mim". Assim não há como falar em um sentimento generalizado de vinculação identitária à América Latina. Percebe-se que tal sentido de identificação é significado de maneira diversa por cada entrevistado, a partir de conteúdos simbólicos e afetivos que dialogam com uma realidade cultural, histórica e pessoal na qual está inserido (Vygotsky, 1931).

7.6 Integração na América Latina

Ao longo das entrevistas, muitos participantes mencionaram a percepção de que os países na América Latina estavam se aproximando entre si nos últimos anos. Por exemplo, o argentino Guido emite sua opinião de que "Parece que, na América Latina, cresce um pouco essa consciência dessa unidade, de seu desenvolvimento, tem muita gente que tá olhando […]". Também a argentina Carmela relata a percepção de que há uma mudança em um nível intersubjetivo, ao dizer: "Existe uma ideia de região, de se aproximar, que não é de hoje […] Faz 10, 15 anos que os jovens vão fazer mochilão pra Bolívia, Chile, Peru, Colômbia, pra conhecer outra região. E antes isso não acontecia".

Já o brasileiro Cris diz haver uma crescente vontade de afirmação que se reflete em mudanças nas concepções, por exemplo, sobre desenvolvimento. Em sua opinião, "Agora a gente tá aumentando a autoestima mesmo, afirmandose, e acho que a gente pode talvez mudar algumas ideias que se tem sobre desenvolvimento". Após uma pausa, em que parece refletir sobre o assunto, Cris afirma: "Teve durante muito tempo alguém falando o que é certo e o que é errado, o que é desenvolvimento e o que não é […] A América Latina precisa começar agora a 'Não, peraí, nós somos diferentes e existe um outro meio de fazer as coisas'".

7.7 A universidade como lócus de integração

Neste trabalho, foi possível perceber como a experiência do intercâmbio possibilita encontros e vivências que atuam no sentido de promover o conhecimento mútuo e a criação de vínculos entre estudantes de diferentes procedências. As manifestações que trazemos abaixo corroboram a importância do contato interpessoal para pensar a viabilidade de uma integração que se mostre como autêntica (Ricobom, 2010). Percebemos como o contato possibilita a emergência de um novo tipo de vínculo com aquele antes visto de forma abstrata como um estrangeiro. Cris dá vários exemplos dessa aproximação ao relatar sua amizade com intercambistas de diferentes países da América Latina, na universidade.

Rosana enfatiza a importância do convívio, para combater preconceitos, estereótipos e desconhecimentos mútuos. Ela ressalta que, pelo fato de mais brasileiros estarem indo para a Argentina, os nacionais daquele país ficam mais abertos e receptivos, o que influencia também no posicionamento dos brasileiros. Percebemos assim como tais relações estão imbricadas e se conformam mutuamente.

Abordando primeiramente as falas de participantes estrangeiros, observamos que vários sujeitos alegaram ter uma imagem bastante positiva do Brasil, como já dito. No entanto, muitas vezes, essa imagem, anterior à vinda para o país, mostrava-se eivada de estereótipos os quais eles mesmos admitiram haver reformulado quando chegaram. Alguns falaram que a imagem disseminada do brasileiro no exterior coincidia, nas palavras de Guido, "com a imagem do carioca". Também o peruano José se expressa nesse sentido, ao dizer que, após vir para o Brasil, "Formei uma outra imagem, porque eu não conhecia o Brasil antes. Mas eu tô gostando sim".

Carmela, ao falar do contato entre brasileiros e intercambistas, defende que as diferenças não são significativas, pois todos interagem e se divertem juntos. Contudo a participante ressalta que isso é algo que o âmbito da universidade permite, pois coloca em contato pessoas que estão em uma situação semelhante. Para ela, talvez o estudante universitário "Não seja parecido com alguém que mora no interior, que tem outras ideias".

O brasileiro Pablo levanta o papel da mídia na formação de imagens e concepções (Barbosa, 2007). Já que a mídia brasileira torna invisíveis os outros países da América Latina, é o convívio que permite a quebra de preconceitos e estereótipos, o estabelecimento de vínculos em bases concretas (Ricobom, 2010). Nesse sentido, Pablo relata mudanças de interesse despertadas por sua experiência de amizade com a colega peruana.

O brasileiro Cris refere-se a esse potencial da universidade de modo semelhante, mas em uma perspectiva crítica: "Eu acho que isso ainda é muito pontual […] A gente também fica muito na universidade, um espaço mais cultural, onde isso tá se afirmando mais". Tal declaração ressalta, por um lado, a universidade como um espaço privilegiado para a integração, mas, por outro, reclama da falta de iniciativas semelhantes também em outros ambientes. Percebemos também que ele critica o caráter muitas vezes isolado da universidade em relação ao contexto no qual se encontra. Observamos, portanto, que a universidade deve estar engajada com a transformação da realidade social na qual está inserida: não basta propor a transformação de uma realidade interna se não encontra vias de dialogar com o contexto cultural, social e político (Ribeiro, 1982).

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, baseamo-nos na definição de identidade como o posicionamento subjetivo do ser humano diante de uma realidade histórica e social que o leva a sentir que compartilha conteúdos simbólico-afetivos com outros indivíduos, compondo, assim, um grupo ao qual há um sentimento de pertença. Assim, podemos dizer que vários entrevistados se sentiram identitariamente vinculados à América Latina, uma vez que demonstravam e relatavam estar simbólica e afetivamente ligados a esta e sentiam-se pertencentes a esse território simbólicogeográfico.

No entanto claro está que não podemos generalizar a existência de uma identidade latino-americana, uma vez que alguns de nossos entrevistados declararam que tal sentimento de vinculação não fazia sentido para eles. Dessa forma, não é possível afirmar uma existência generalizada de um vínculo identitário. Percebemos, portanto, que a vinculação identitária mostra-se como um fenômeno pessoal, mas que se encontra articulado com o ambiente histórico, social, cultural, político e econômico no qual está inserido o sujeito. Nesse sentido, cada sujeito mostra um posicionamento subjetivo próprio, que tampouco é fixo e perene.

Diante desse quadro, esperamos ter contribuído para pensar a integração na América Latina e a necessidade de ressignificar a identidade latino-americana. Acreditamos que refletir sobre o fenômeno de um vínculo identitário à América Latina a partir da Psicologia representou uma inovação tanto para a área de estudos latino-americanos quanto para a própria Psicologia, que pouco se dedica ao tema. Ressaltamos, assim, a necessidade de um olhar sobre a região a partir não só de aspectos sociais, políticos e econômicos, mas também subjetivos, entendendo estes dialeticamente relacionados àqueles.

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Texto recebido em 22 de setembro de 2015 e aprovado para publicação em 15 de setembro de 2016. Apoio: CNPq.

 

 

* Doutora em Psicologia, professora no Instituto Federal de Brasília (IFB).E-mail: candida.alves@gmail.com.
**Doutora em Psicologia, professora adjunta no Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB).E-mail: rpedroza@unb. br.
1 Os nomes dos entrevistados são fictícios para preservar sua identificação.

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