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Psicologia em Revista

Print version ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.25 no.2 Belo Horizonte May/Aug. 2019

 

EDITORIAL

 

 

Psicologia sócio-histórica e o contexto brasileiro de desigualdade: perspectivas críticas sobre a conjuntura das desigualdades: a dimensão psicossocial

Este dossiê é derivado do III Colóquio Psicologia Sócio-histórica e o Contexto Brasileiro de Desigualdade, promovido pelo GT Psicologia Sócio-Histórica e Contexto Brasileiro de Desigualdade, da Associação Nacional de Pesquisa e Pós- Graduação em Psicologia (ANPEPP), realizado na PUC São Paulo, em maio de 2019. O dossiê é composto por 16 artigos que intencionam divulgar as pesquisas sobre a desigualdade na perspectiva da Psicologia sócio-histórica.

Durante o III Colóquio, houve, por iniciativa da Prof.ª Bader B. Sawaia, uma sessão de homenagem à Prof.ª Sílvia Tatiana Maurer Lane (1933-2006), referência de fundamental importância na Psicologia social brasileira. Nessa ocasião, foi lançado o livro organizado por Bader B. Sawaia e Gláucia Tais Purin, Sílvia Lane: uma obra em movimento, pela Editora Educ. O Prof. Marcos Vieira Silva, da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), ex-orientando de doutorado da Prof.ª Sílvia Lane, foi convidado a integrar, com a Prof.ª Bader e a doutoranda Gláucia, a mesa-redonda de homenagem à Prof.ª Sílvia. Marcos Vieira destacou a produção teórico-metodológica da Prof.ª Sílvia Lane sobre o movimento dialético dos processos grupais e apresentou sua trajetória de pesquisa e intervenção psicossocial no artigo A potência do processo grupal, que integra este dossiê.

O artigo Psicologia social e o estudo da desigualdade: reflexões para o debate, proposto por Bader Burihan Sawaia e Eugenia Bridget Gadelha Figueiredo, apresenta uma abordagem da desigualdade social, no corpo teórico e nas pesquisas em Psicologia social, como um objeto de estudo, baseados na Filosofia monista de Espinosa e de pressupostos da dialética marxista.

Os jovens e a desigualdade no campo da educação são discutidos em A pesquisaintervenção como forma de inserção social em contextos de desigualdade: arte e imaginação na escola. Vera Lucia Trevisan de Souza reflete sobre a inserção social da pós-graduação em Psicologia em contextos de desigualdade e a escolarização como promotora do desenvolvimento humano e de superação das condições materiais precárias de vida de adolescentes. Esse contexto escolar é também discutido em Fronteiras, mobilidades e desigualdades: uma reflexão sobre a escola de/na fronteira. Ana Maria de Vasconcelos Silva e Luciane Pinho de Almeida discutem as implicações entre diferenças e territórios identitários vivenciados por estudantes estrangeiros.

Por sua vez, a violência na escola e as estratégias utilizadas por professores para abordar essa temática no ambiente escolar são discutidas no artigo Violência nas escolas em debate: reflexões docentes em um contexto ultraconservador, de Amana Rocha Mattos et al. As autoras apresentam uma discussão sobre como os professores trabalham a violência, o preconceito e as desigualdades sociais, fazendo uma análise com o contexto político ultraconservador da atualidade, que tem dificultado a promoção de debates sobre as diversidades no ambiente da escola.

Os estudos no campo da educação são também enfatizados por Lucélia Maria Lima da Silva Gomes e Adélia Augusta Souto de Oliveira. Elas discutem o papel da Psicologia na assistência estudantil do ensino superior. No artigo Psicologia e a desigualdade social na educação superior: as artimanhas de (re) produções sócio-históricas, as autoras apresentam resultados de pesquisa que demarcam a assistência estudantil constituída por práticas tradicionais da Psicologia direcionadas à saúde e à área da Psicologia escolar, focando em problemas e dificuldades, com atendimentos prioritariamente individuais, ao buscar redução da evasão do acadêmico. As autoras argumentam sobre a recomendação legal de que a assistência estudantil deve priorizar o estudante oriundo da rede pública e com renda familiar per capita de até um salário mínimo e discutem sobre o perfil do estudante universitário na atualidade, destacando que, em sua maioria, as instituições de ensino não realizam um recorte de prioridade de renda, atendem à demanda de estudantes com atividades pontuais e emergenciais.

Este dossiê apresenta ainda as preocupações do grupo de pesquisadores, a temática da desigualdade no campo de atuação dos psicólogos. Em A problemática da pobreza nos acolhimentos realizados nos serviços de acolhimento institucional para crianças e adolescentes e os desafios para a atuação do psicólogo, Renato Ramos e Antônio Euzébios Filho refletem sobre o acolhimento institucional de crianças e adolescentes e os motivos que o determinam, fazendo uma análise crítica comparativa de duas pesquisas publicadas sobre essa temática e a relação que esses estudos estabelecem com a pobreza. Os autores identificaram que as pesquisas apresentam compreensão oposta da relação entre pobreza e motivos para o acolhimento institucional. Enquanto um estudo compreende que a pobreza contribui para a necessidade de acolhimento institucional de crianças e adolescentes, o outro não faz qualquer referência à pobreza e responsabiliza exclusivamente as famílias atenuando a função do Estado.

Ana Flávia de Sales Costa e Michele de Castro Caldeira, no artigo Desigualdade social e subjetividade revolucionária: os desafios do trabalho da Psicologia no CRAS, refletem sobre o trabalho da Psicologia nos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e o enfrentamento das desigualdades. As autoras argumentam sobre a importância de uma atuação que considere a subjetividade revolucionária, conceito elaborado por Bader Sawaia, como lócus específico para o enfrentamento da desigualdade social. Em sua análise, as autoras argumentam que a subjetividade revolucionária como foco de intervenção da Psicologia é a potência para a transformação da desigualdade social, sendo imprescindível à ação do psicólogo, da psicóloga no CRAS.

A relação dos jovens e das famílias com o aparato de Estado em contexto de desigualdades sociais é também tema de interesse do grupo de pesquisadores que publicam neste dossiê. Os jovens em contextos relacionais com a Lei são problematizados em Reflexões sobre a conflitiva com a lei na adolescência: contextos excludentes, famílias "invisíveis". Renata Petry Brondani e Dorian Mônica Arpini consideram os contextos de invisibilidade a que muitas famílias estão expostas e problematizam algumas especificidades do público atendido por uma instituição de cumprimento da medida socioeducativa de internação no Rio Grande do Sul.

O papel desempenhado pela família de classe popular nos litígios que envolvem crianças é discutido por de Sonia M. Gomes Sousa e Jordana Pinheiro, em Famílias de classes populares, desigualdade social e litígios que envolvem crianças: garantia ou violação de direitos? As autoras apresentam resultado de uma pesquisa desenvolvida com profissionais do Direito que justificam a intervenção judicial na vida das crianças e a potencial formação de traumas no "fracasso" da família. As autoras discutem sobre a considerável distância entre o que a criança tem como direito assegurado e o que existe de concretização efetiva de políticas públicas garantidoras desses direitos, assinalando que a distância é ainda maior para as crianças atingidas pela desigualdade social.

A atuação da polícia militar no contexto brasileiro de desigualdade social é abordada por Divino de Jesus da Silva Rodrigues e Ana Paula Soares da Silva, no artigo "Proteção e segurança para a população, mas não ao todo": sentidos e significados da Polícia Militar e suas atribuições para estudantes de Psicologia. Os autores apresentam resultados de pesquisa desenvolvida com estudantes universitários, que assinalam contradição nos significados da atuação da Polícia Militar, uma vez que ela é compreendida como protetiva e garantidora de segurança, mas, ao mesmo tempo, violenta e coercitiva. Os autores trazem sentidos e significados produzidos pelos estudantes que refletem uma atuação da Polícia Militar discriminadora e desigual, argumentando sobre a desigualdade social e o papel das instituições como defensoras das elites ou daqueles que detêm o poder político.

A migração de grupos da Amazônia para espaços urbanos e o sofrimento decorrente dela são abordados por Renan Albuquerque e Flávia R. Busarello, em Sofrimento ético-político de indígenas Sateré-Maué e Hixcariana que migram de suas aldeias. É um estudo etnográfico, cujos resultados assinalam o sofrimento vivido por esses povos que migram e demarcam um sofrimento ético-político decorrente de desigualdades vivenciadas no contexto urbano.

Os jovens e o campo da saúde recebem atenção em Práticas grupais com jovens promovendo bons encontros e saúde ético-política. Larissa Franco Severino, Eliane Regina Pereira e Andréa Vieira Zanella analisam as possibilidades da prática grupal como potencializadora da força de existir de jovens e na promoção da saúde ético-política. O campo da saúde está presente ainda em Subjetivação política e aumento da potência de ação: quem são os usuários dos CRAS?. Kátia Maheirie, Marcela de Andrade Gomes, Felipe Tonial, Tatiana Minchoni, Andressa Dias Arndt e Bruna Corrêa nos brindam com os discursos sobre as práticas de trabalho das equipes nos CRAS em diferentes municípios do Brasil.

Em Experiência e (des)identificação no enfrentamento de desigualdades e preconceitos na percepção dos agentes comunitários de saúde, Frederico Viana Machado, Luciana Barcellos Teixeira e Lisiane Böer Possa discutem tematizações sobre o preconceito no discurso de trabalhadores da saúde que cursaram o Projeto Caminhos do Cuidado em 27 Unidades Federativas do Brasil. Destacam a importância do agente comunitário de saúde como o profissional estratégico para o trabalho com a temática do preconceito nos territórios.

Os idosos são abordados em Políticas públicas e direitos humanos por idosos em serviço de convivência. Fátima Fernandes Catão e Kátia Karolina Rodrigues Rocha refletem sobre os significados dos direitos humanos e políticas públicas para essa população.

A desigualdade sociossexual é abordada por Edna Maria Severino Peters Kahhale e Jeferson Renato Montreozol, em Práxis clínica: a psicoterapia como movimento dialético ante a desigualdade sociossexual. Os autores apresentam uma discussão sobre a psicoterapia como práxis dialética para o rompimento com a naturalização das desigualdades sociossexuais. O artigo aborda criticamente as funções e processos da consciência que possibilitam o autoconhecimento e a ação para a transformação, e a constituição dialética do inconsciente como elemento essencialmente cultural que paradoxalmente impossibilita a práxis. Para os autores, a práxis psicoterápica proporciona a mudança a partir do movimento da inconsciência da realidade para a consciência social-sexual, que potencializará o pensamento e a ação dos sujeitos.

Enfim, este dossiê, que é fruto de uma densa reflexão e discussões produzidas no III Colóquio Psicologia Sócio-Histórica e o Contexto Brasileiro de Desigualdade Social, materializa a difusão das diversas possiblidades para a Psicologia como campo teórico, de intervenção, de metodologias e de pesquisas que criticamente buscam apreender a realidade social e desvelar as diversas facetas da desigualdade em nossa sociedade.

Adélia Augusta Souto de Oliveira (UFAL)

Rosana Carneiro Tavares (PUC Goiás)

Organizadoras do Dossiê

Maria Ignez Costa Moreira

Sonia Margarida Gomes Sousa

Coordenadoras do GT PSOH

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