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Psicologia em Revista

Print version ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.25 no.2 Belo Horizonte May/Aug. 2019

http://dx.doi.org/10.5752/P.1678-9563.2019v25n2p857-873 


ARTIGOS

DOI - 10.5752/P.1678-9563.2019v25n2p857-873

 

Práticas grupais com jovens promovendo bons encontros e saúde ético-política

 

Group practices with young people promoting good meetings and ethical-political health

 

Prácticas grupales con jóvenes que promueven buenos encuentros y salud ético-política

 

 

Larissa Franco Severino*; Eliane Regina Pereira**; Andréa Vieira Zanella***

 

 


Resumo

Este artigo buscou analisar, com base no conceito de sofrimento éticopolítico, cunhado por Sawaia, se e de que modo a prática grupal possibilitou o aumento da potência da força de existir de jovens e a promoção da saúde ético-política. O trabalho foi realizado com jovens que se inscreveram para atendimento psicológico em uma clínica-escola de uma universidade no interior do Estado de Minas Gerais. Em dez encontros foi possível perceber as afetações dos jovens em relação aos aspectos que permeiam suas vidas e como estes aumentam, diminuem, favorecem ou refratam suas potências de existir. Os resultados da pesquisa apontam que a prática grupal aumenta a potência de ação de jovens ao promover identificações, espaço de escuta e questionamentos. Além disso, configurou-se como espaço para os afetos e para a (res)significação das experiências, bem como para a constituição de relações que se estenderam para além daquele dos encontros.

Palavras-chave: Jovens. Prática grupal. Sofrimento ético-político. Saúde ético-política.


Abstract

This article aimed to analyze, based on the concept of ethical-political suffering, coined by Sawaia, whether and how group practice enabled the increase of potency of young people’s existence and the promotion of ethicalpolitical health. The study was carried out with youths who enrolled for psychological assistance in a clinical school of a university in the hinterland of Minas Gerais State. After ten reunions, it was possible to perceive the youths’ feelings related to the aspects that permeate their lives and how these aspects increase, decrease, favor or hamper their power to exist. The research results show that group practice increases young people’s potential to act when developing identifications, space to be listened and to utter questions. Furthermore, it turned out to be structured as a space for affections and for the (re)signification of experiences, as well as for the constitution of relationships that extended beyond those reunions.

Keywords: Young. Group practice. Ethical-political suffering. Ethicalpolitical health.


Resumen

Este artículo tuvo como objetivo analizar, basado en el concepto de sufrimiento ético-político, acuñado por Sawaia, si y cómo la práctica grupal permitió el aumento de la potencia de existencia de los jóvenes y la promoción de la salud ético-política. El estudio fue realizado con jóvenes que se inscribieron para recibir asistencia psicológica en una clínica-escuela de una universidad en el interior de Minas Gerais. En diez encuentros fue posible percibir las afectaciones de los jóvenes en relación a los aspectos que marcan sus vidas y cómo estos aspectos aumentan, disminuyen, favorecen o refractan sus potencias para existir. Los resultados de la investigación muestran que la práctica grupal aumenta el potencial de acción de los jóvenes al promover identificaciones, espacios de escucha y cuestionamientos. Además, se configuró como un espacio para los afectos y para el (re) significado de las experiencias, así como para la constitución de relaciones que se extendían más allá de los encuentros.

Palabras clave: Jóvenes. Práctica grupal. Sufrimiento ético-político. Salud ético-política.


 

 

Preciso ser um outro
para ser eu mesmo
Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta
Sou pólen sem inseto
Sou areia sustentando
o sexo das árvores Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro
No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço
Mia Couto (1999)

1 INTRODUÇÃO

Iniciamos este texto com o poema de Mia Couto (1999), inspiração ao longo dos encontros grupais, que serão analisados neste artigo, pois nos possibilita pensar em uma diversidade de modos de ser bem como as relações sociais que nos constituem, sejam elas humanas ou não, o que implica uma pluralidade de vivências no mundo.

Ao pontuar que existo inclusive onde me desconheço, o poeta nos possibilita compreender a complexidade que é o viver, pois o sujeito não é acabado, delimitado. A condição de estar sempre respondendo a um outro, de tempos, posições e espaços vários, configura cada pessoa como múltipla, dispersa e heterogênea. Ou seja, não somos uma construção social a priori e imutável, estamos em constante movimento de vir a ser.

Em contrapartida, quando o poeta fala de um sujeito que percebe sua existência enquanto se desconhece, imerso em um campo social compartilhado, ele também nos permite entender o sujeito em sua condição de servidão, já que, quanto menos a gente conhece as causas das nossas afecções, menos ativos e mais reativos somos sobre nosso processo de conhecimento para ser e agir no mundo. Portanto, menos livres.

Partindo do pressuposto da complexidade que é o viver e os tensionamentos que isso provoca, durante nossa prática como psicólogas, nós nos deparamos com inúmeros jovens se percebendo em encruzilhadas, com dificuldades de enfrentamentos dos problemas em suas relações cotidianas, com medo de se posicionarem, principalmente com receio do julgamento do outro. Diante desse cenário, estabelecem relações conflituosas com eles próprios, sendo parte dessas expressões escancaradas nos próprios corpos, como cortes nos pulsos, arranhões e um desejo de não mais existir.

Tendo em vista essas questões, este texto tem como objetivo analisar se e de que modo a prática grupal possibilitou o aumento da potência da força de existir desses jovens e a promoção de sua saúde ético-política.

2. AFINAL, QUEM SÃO ESSES JOVENS?

Os jovens e as jovens participantes da pesquisa1 tinham idades entre 16 e 18 anos e estavam inscritos na lista da fila de espera da clínica psicológica de uma universidade pública para atendimento psicológico.2 Essa lista contém apenas o nome do jovem, idade, nome do responsável, telefone de contato e disponibilidade de horário. Via contato telefônico, explicamos aos jovens o objetivo da pesquisa e a proposta de atendimento grupal. A partir do interesse, agendamos um acolhimento com o jovem e com algum de seus responsáveis, com objetivo de compreender o que os motivou a procurar pelo serviço, explicar com mais detalhes os objetivos da pesquisa e sobre os encontros grupais.

Os encontros com sete jovens participantes foram organizados em dez sessões, realizadas uma vez por semana, ao longo do segundo semestre de 2018, na sala de grupo da clínica psicológica do Instituto de Psicologia, conforme a disponibilidade de todos. Cada encontro era planejado após o término do anterior, considerando as temáticas que surgiam. Porém não existia uma rigidez quanto ao planejamento: em cada encontro, as conversas iniciavam a partir de algum recurso disparador para o diálogo, os quais tinham como objetivo sensibilizar os jovens para o diálogo, permitindo que os processos reflexivos emergissem das afetações do encontro. Cada integrante tinha um caderno azul que funcionava como um diário, onde poderiam registrar suas afetações.

Ju, Lu, Carol, Duda, Madu, Ludy e João3 foram os jovens que participaram dos encontros grupais, além da coordenadora dos encontros e uma auxiliar de pesquisa. Eles tinham idades entre 15 e 17 anos, sendo seis mulheres e um homem; apenas Carol e Madu eram estudantes de escolas particulares, os demais estudavam em escolas públicas. Todos residiam em bairros periféricos do Município. Também apresentavam, em seus discursos, os efeitos de práticas de discriminação do que se afirma como diferença, seja em razão do gênero, da condição estética corporal ou étnico-racial, de seus modos de ser.

Todos os encontros foram gravados e posteriormente transcritos. Para análise, recortamos alguns momentos do material transcrito bem como das anotações em diário de campo, as quais foram analisadas baseadas em autores que discutem as temáticas da afetividade levando em consideração sua dimensão ético-política (Sawaia, 1999).

3. A EMERGÊNCIA DA DIMENSÃO ÉTICO-POLÍTICA NA AFETIVIDADE

Para compreendermos a possibilidade de promoção da saúde ético-política por meio do aumento da potência da força de existir, apresentamos o conceito de sofrimento ético-político (Sawaia, 1999): trata-se de um sofrimento proveniente de práticas econômicas, políticas e sociais que demarcam corpos como forma de manutenção da opressão, negando suas próprias necessidades básicas. Segundo Sawaia (2003, p. 53), "A força do sofrimento pode ser tão intensa que chega ao limite da recusa da vida ou morte em vida".

É, pois, um sofrimento proveniente dos processos de exclusão ocasionados pelas relações de poder e da desigualdade social (Sawaia, 1999). De acordo com a autora, é necessário superar a compreensão de que a luta do pobre é exclusivamente a sobrevivência, pois, "ao falar de exclusão, fala-se de desejo, temporalidade e de afetividade, ao mesmo tempo que de poder, de economia e de direitos sociais" (p. 98). É dar agência ao sujeito sem esquecer as responsabilidades do Estado, já que é no próprio sujeito que as formas de exclusão são objetivadas e vividas como motivação, carência, emoção e necessidade do eu.

Ao enfatizar a questão da afetividade, Sawaia e seus precursores consideram as emoções como constitutivas do pensamento e ação, sendo elas fenômenos históricos. Determinados períodos históricos produzirão tipos de conteúdo e qualidade às emoções, e "cada momento histórico prioriza uma ou mais emoções como estratégia de controle e coerção social" (Sawaia, 1999, p. 102). Essas estratégias deixam marcas nos corpos, são produtoras de sofrimento e diminuem a potência de existir dos sujeitos. Isso significa que a emoção e o sentimento são objetivados pelo viver cotidiano.

Na concepção espinosiana, o corpo é uma potência compositiva: por meio das possíveis conexões que o constituem, ele pode afetar e ser afetado, e ele o faz mediante as afecções,4 as quais podem aumentar ou diminuir a potência de existir. Podemos compreender a potência como uma "força infinita para existir em si e por si" (Chauí, 1995, p. 46). A potência é processo, ela é da ordem das emoções e pensamento.

Esclarece Chauí (1995) que, para Espinosa, nós somos seres de potência:

Nosso ser é definido pela intensidade maior ou menor da força para existir – no caso do corpo, da força maior ou menor para afetar outros corpos e ser afetado por eles; no caso da alma, da força maior ou menor para pensar. A variação da intensidade da potência para existir depende da qualidade de nossos apetites e desejos e, portanto, da maneira como nos relacionamos com as forças externas, sempre muito mais numerosas e mais poderosas do que a nossa. A força do desejo aumenta ou diminui conforme a natureza do desejado, e a intensidade do desejo aumenta ou diminui conforme ele seja ou não conseguido, havendo ou não satisfação (pp. 64-65).

Dessa maneira, a potência de existir varia de intensidade e depende das relações produzidas em conjunto com um outro e com o contexto, tendo em vista a maneira como se é afetado nessa relação.

São os encontros os responsáveis pelo aumento e diminuição da potência de existir. Podemos entender aqui como bons encontros aqueles que, na relação entre os corpos, aumentam essa potência, o que possibilita a busca pela liberdade. Como maus encontros, podemos compreender aqueles que diminuem a potência de existir, seja de um dos corpos ou a totalidade, colocando-o(os) em relação de servidão. O bom ou mau encontro será definido, pois, na relação; eles não existem como valores em si.

Partindo do pressuposto de que os encontros, na perspectiva ética, em um determinado período histórico, aumentam e diminuem a potência de existir, Sawaia (1999) aponta que o sofrimento ético-político

Retrata a vivência cotidiana das questões sociais dominantes em cada época histórica, especialmente a dor que surge da situação social de ser tratado como inferior, subalterno, sem valor, apêndice inútil da sociedade. Ele revela a tonalidade ética da vivência cotidiana da desigualdade social, da negação imposta socialmente às possibilidades da maioria apropriarse da produção material, cultural e social de sua época, de se movimentar no espaço público e de expressar desejo e afeto (p. 104).

Quando falamos sobre a situação social de ser tratado como inferior, subalterno, sem valor, apêndice inútil da sociedade, os jovens participantes da pesquisa entendem bem disso. Durante o segundo encontro, ao falarmos sobre como o medo do julgamento do outro nos afeta, emergia a questão dos “padrões que a sociedade impõe”. Na tentativa de compreender o que os jovens chamavam de padrão e como o percebiam, desenvolveu-se o seguinte diálogo:

Coordenadora: Como é que a gente sabe se uma pessoa é magra, se uma pessoa é isso ou se uma pessoa é aquilo?

Lu: Eu também quero saber. Eu sei como que é, mas eu não entendo. Porque eu enxergo cada pessoa diferente, cada um de um jeito, e todo mundo vive me perguntando "como é que você fala que aquela pessoa é o padrão e beleza?". Todo mundo aqui é bonito.

Madu: E o problema é que, tipo, a sociedade coloca "tem que ser magra, entendeu?". Eu passei por isso, o médico meu falou pra mim, e eu fiquei com isso na cabeça.

Coordenadora: Como assim?

Madu: Ele falou que, tipo, olha, ele virou pra mim e falou assim: "Você pode ser do jeito que você quiser, mas o padrão que a sociedade pede hoje é que as pessoas sejam magras", e eu fiquei com isso na cabeça.

Coordenadora: Que que você entendeu dessa frase?

Madu: A forma que eu entendo é que ele, é que, tipo, pra participar da sociedade, você tem que ser magra, e eu fiquei com isso na cabeça.

Coordenadora: Hum, o que vocês pensam sobre isso? Que que vocês entenderam dessa frase que ela acabou de compartilhar com a gente?

(Duda e Ludy começam a falar ao mesmo tempo.)

Duda: Eu ia falar que a minha nutricionista falou a mesma coisa. Eu nunca mais voltei lá. Porque eu acho que cada pessoa tem uma característica, tipo, o que faz uma pessoa ser boa é o caráter dela, a personalidade, não é como a forma que ela se veste, o físico da pessoa. Só que isso é bem complicado, porque, querendo ou não, afeta um pouco o nosso pensamento. A gente fala isso, mas na cabeça tá que a gente é diferente, né, só que, na verdade, não é, a gente é ser humano, e Deus fez a gente assim.

Madu: Se for parar para pensar, todo mundo nasceu da mesma mãe.

Duda: Exato.

Coordenadora: E quando você fala que sua nutricionista também te falou isso, que que ela te falou?

Duda: Ela falou assim, é, pra você ser aceita, você tem que pesar menos de 60 kg. Aí eu falei assim: "Da onde que isso existe?". Ela virou pra mim e falou isso, eu levantei na hora e falei: "Você me desculpa, mas eu vou me retirar". Daí eu saí da sala, contei pra minha mãe, minha mãe ficou muito triste.

Coordenadora: E como que você se sentiu com essa fala dela?

Duda: Nossa, eu me senti lá embaixo, assim, muito acabada, literalmente. Porque, pra eu ser aceita na sociedade, pra eu conseguir ser uma pessoa considerada como ser humano, eu ter que pesar menos de 60 kg, aquilo pra mim, né, acabou, porque eu não concordo com isso. É que nem eu falei, acho que o peso de uma pessoa, as roupas que ela veste não definem aquilo que ela é.

Nessas falas, Madu e Duda revelam contextos em que determinados discursos sociais são proferidos e afetam seus corpos. A ênfase de Madu com a frase "e isso ficou na minha cabeça”, a qual apareceu três vezes em um pequeno recorte do diálogo, possibilita-nos compreender como o "tem que ser magra” produz sofrimento em seu viver cotidiano. Madu é jovem, negra, acima do peso e fala de um sofrimento decorrente das exigências que se ajustam a um determinado padrão estético corporal, o qual desconsidera diferenças e é imposto a quem não se enquadra nesse padrão, o lugar de margem, de desigual. Segundo Sawaia (2009, p. 370), as marcas da desigualdade social provocam intenso sofrimento, "uma tristeza que se cristaliza em um estado de paixão crônico na vida cotidiana". Como aponta Duda, a sensação é de nem pertencer à sociedade, já que, para ser aceita, precisa responder a um certo padrão corporal.

As falas dos jovens levam-nos a entender que padrões de estética corporal são constituintes do sujeito e, ao serem proferidos por pessoas que ocupam um lugar de saber-poder, assumem a condição de verdade. Se para ocupar um espaço público é necessário pesar no máximo 60 kg, por pesarem acima de 60 kg ou serem considerados gordos, gordas, essas jovens são excluídas de determinados espaço sociais, são consideradas abjetos (Butler, 2015).5 Apesar da força desse discurso, Duda se retira da sala do profissional e resiste ao discurso hegemônico. Mas isso não significa ausência de sofrimento.

As falas das jovens também nos permitem identificar outros discursos sociais. Quando Lu fala que "todo mundo é bonito", Madu e Duda denunciam as marcas que suas condições sociais produzem em si mesmas e nos fazem perceber que viver em um corpo feminino, negro e gordo, coloca-as em condições limitantes de ser/estar no mundo. Esses discursos, pois, diminuem sua potência de existir bem como sua autonomia.

É importante apontar aqui que a condição de Lu é diferente da de Madu e Duda: ela é mulher, branca e magra. A intenção não é ressaltar qual sofrimento é mais intenso, mas destacar que, dependendo das condições sociais, a participação na sociedade será afetada por e "produzirá" diferentes afetos.

Outro momento importante ao longo desse encontro foi quando Duda compartilhou com os membros do grupo uma situação desconfortável que vivenciou em sala de aula devido à sua condição corporal.

Duda: Não, eu ia falar uma coisa que aconteceu comigo na última vez que a gente ia fazer prova na sala, porque tem muito aluno, aí fica apertado porque tem que reduzir uma fila. Aí eu fui sentar, não são muito próximos meu, são dois colegas de sala, daí eu tinha que colocar minha mesa na outra fila, no meio deles. Aí tinha uma outra amiga minha, que precisava sair, aí ele virou pra mim e falou assim: "não, deixa sua amiga sentar porque ela é mais magrinha". Aquilo pra mim, gente, foi…

Madu: Nossa, foi horrível [. . .] Acabou seu dia!

Duda: Nossa!

Coordenadora: Qual diferença iria fazer?

Duda: Pois é, porque ela ia sentar no mesmo lugar né, ia ocupar o mesmo espaço que eu. Mas acho que, na cabeça dele, por eu ser mais gordinha, ia ocupar mais espaço e ia reduzir o espaço dele; ela não, se ela sentasse naquele espaço que ele tinha colocado pra ela, ia ser o suficiente. Entendeu?

Coordenadora: E como foi pra você lidar com essa situação?

Madu: Deve ter acabado com seu dia, né?!

Duda: Muito, foi muito ruim pra mim assim, mas eu parei pra pensar: "Gente, vida, né, tipo assim, eu não preciso da opinião dele, dele falar ou não o que eu tenho que fazer, eu poderia ter sentado no lugar sem ele ter falado aquilo, simplesmente, não sentei".

Coordenadora: Você não sentou no lugar?

Duda: Não. Eu mudei de lugar. Depois eu parei para pensar, eu poderia ter sentado, não é porque ele falou que eu tinha que ter trocado de lugar, porque era pra minha amiga sentar, pra mim poder estar naquele lugar, poderia muito bem ter ido sem a opinião dele.

Coordenadora: E como você se sentiu por ter trocado de lugar?

Duda: Me senti, acho que dominada, porque ele dominou muito meu pensamento na hora, sabe, que eu sei que eu sou mais gordinha que ela, mas, pra você escutar isso, é bem pior, escutar uma pessoa…

Coordenadora: É como se você tivesse dado razão ao que ele tava falando?

Duda: Sim, é como se eu tivesse alimentado o pensamento dele.

Apesar da denúncia de o discurso estético corporal hegemônico aparecer novamente, queremos aqui ressaltar outro aspecto. É interessante notar como a identificação das experiências é vivida pelas jovens. Para além dos efeitos que a desigualdade social pode produzir, as jovens nos possibilitam compreender, por suas falas, uma possível identificação, em que elas constroem uma rede de amparo e um espaço em que é possível falar daquilo que está difícil. Mas se há sofrimento ético-político, falar sobre, problematizar o acontecimento potencializa a saúde ético-política. É construindo contato uns com os outros, promovendo encontro, produzindo momentos de comum6 que a abertura de campos para tentativa de lidar com o sofrimento se concretiza.

É importante enfatizar que, nas cenas aqui apresentadas, o sofrimento começa a ser questionado. Quando Duda comenta que poderia ter permanecido sentada no lugar em que estava, ela nos dá indícios de uma reflexão acerca do que vivenciou e nos permite ouvir também a potência, a busca por caminhos possíveis que propiciem novas formas de experienciar o vivido. O mesmo também acontece com Madu, ao contar sua experiência com o discurso médico.

Essas situações nos colocavam um desafio ao longo dos encontros. Como transformar o sofrimento que emergia em força para existir e agir politicamente? Como o encontro possibilitado pela prática grupal poderia tornar-se um "lugar de calor"7 e promotor de saúde ético-política para todos os jovens?

4. O FORTALECIMENTO GRUPAL PROMOVENDO A SAÚDE ÉTICO-POLÍTICA

Ao cunhar o conceito de saúde ético-política, Souza e Sawaia (2016) perceberam que, ao potencializar a ação política, promove-se saúde. Segundo as autoras, pensar em saúde ético-política é "colocar o processo de saúde/doença na ordem da dialética entre autonomia e heteronomia, o que significa tirar a saúde do campo biológico e das condições materiais, inserindo-as na ordem da virtude pública" (p. 308). É pensar o sujeito do ponto de vista de uma composição em que ele tenha possibilidade humana de pensar e agir por si mesmo.

Ao longo dos encontros grupais, identificamos movimentos dos jovens produzindo espaços acolhedores, conforme já apontado, e organizando-se em ações grupais outras para além da prática proposta. Eles iniciaram movimentos que parecem viabilizar estratégias para lidarem com as dores produzidas do cotidiano. Um desses espaços era a brinquedoteca8 da clínica psicológica, na qual se encontravam para conversar e brincar antes do início dos encontros.

Ao longo dos encontros, foi possível notar uma apropriação entre espaços; ir mais cedo para o encontro grupal possibilitava brincar na brinquedoteca, conversar, combinar idas à igreja, entre tantas outras possibilidades. Encontros que escapam à hora marcada, ao local previamente combinado, à mediação da coordenadora.

Possibilidades outras para conhecer o mundo e experimentá-lo foram acontecendo, o que possibilitou aos sujeitos perceber e conhecer as melhores composições para seus corpos. Dessa maneira, é possível compreender que os encontros com os jovens se configuraram como bons encontros, posto que se estenderam, transcendendo os limites cronológicos, espaciais, e repousaram na relação de afetos nos quais perdurou a alegria. Passaram a fazer parte das pessoas e se estenderam. Essas situações borram os limites, produzem novas linhas de inscrições, novos processos de constituição de subjetividade baseados nos vínculos produzidos (Strappazzon, 2011).

Ao longo dos encontros, os jovens relataram sobre o grupo que criaram no WhatsApp. É interessante que, até então, todos se diziam "muitos difíceis para fazer amizades":

Madu: Nossa, eu sou muito difícil de fazer amigo…

Duda: Eu também.

João: Eu também.

Madu: Nossa, o primeiro dia que eu cheguei aqui, a primeira pessoa, assim, depois de você (para Duda), foi a Ludy que eu falei. Porque eu cheguei assim, e ela tava lá na entrada, aí eu sentei, assim, e ela já tava lá, aí a gente começou a conversar, nossa, é…

Coordenadora: Então vocês bateram um papo antes… (risos)

Madu: Sim! Eu conheci a Ludy primeiro, depois eu conheci ela, aí… Enfim, virou um grupo mesmo.

Coordenadora: Então quer dizer que a sala de espera também virou um bate-papo?!

Todos: Isso.

João Victor: Devia ter chamado eu também!

(risos gerais)

Duda: Você não tava lá… Não, mas vamos colocar o João Victor no grupo depois. Do WhatsApp.

Madu: Isso.

João Victor: Sério?

Duda: Sim, a gente vai te colocar.

"Enfim, virou um grupo mesmo". Nessa fala de Madu, percebemos o quanto a identificação que aconteceu entre os jovens promoveu bons encontros. Isso se dá quando a organização de grupos outros possibilita ampliação do pensar, sentir e agir. É pensar o NÓS como corpos em relação, por meio de atuações que desamarram lógicas normativas e possibilitam formas outras de experienciar o viver cotidiano. O excerto nos permite compreender também como a díade Duda e Madu foi se abrindo para acolher os demais jovens, o que possibilitou "virar um grupo mesmo".

Promovemos saúde ético-política por meio da prática grupal. É a saúde no campo da dialética em que autonomia e heteronomia estão intrinsecamente relacionadas; é lutar pelo aumento da potência de existir e possibilitar meios para que isso aconteça. Como Sawaia (1999) aponta,

O objetivo de cada um é rentabilizar maximamente sua potência, diz Espinosa, ao mesmo tempo que afirma que só o conseguimos quando nos unimos ao outro, alargando o nosso campo de ação. Os seres humanos realizam-se com os outros e não sozinhos, portanto os benefícios de uma coletividade organizada são relevantes a todos, e a vontade comum a todos é mais poderosa do que o conatus individual, e o coletivo é produto do consentimento e não do pacto ou do contrato (p. 116).

Faz-se necessário enfatizar aqui que, quando falamos em bons encontros como promotores de saúde ético-política, não significa ausência de tensões; ao contrário, trata-se de um processo marcado por conflitos. Entretanto é na composição com o outro, organizando espaços de comum e trabalhando esses conflitos, que se promove uma ação política, em que as pessoas se dão conta de que, juntas, não precisam se submeter à norma. Aumentam assim a potência de existir, organizando novos modos de ser/estar no mundo. Com e fortalecendo grupos, a condição de sujeito subalterno, incapaz e apêndice inútil da sociedade pode ser problematizada; na composição com outros, facilitados pelas trocas e as identificações produzidas, as pessoas ganham forças para enfrentar as condições sociais excludentes.

Com essas reflexões, vimos que o poder de ser afetado pode aumentar ou diminuir a potência de existir. Dessa maneira, quanto mais e melhores são as oportunidades que se encontram e quanto mais encontros se promovem, melhor é a qualidade destes e, consequentemente, melhor também é a qualidade dos processos de sentir, pensar e agir.

Para compreendermos melhor essa questão, retomemos os encontros grupais. Em uma conversa, quando João nos conta o que o levava a procurar o atendimento na clínica, ele nos relata o desejo de conseguir fazer novas amizades, arrumar uma namorada e ser mais sociável. Em um de seus escritos no caderno azul, ele traz a seguinte escrita:

Me sinto um fracassado quando vejo pessoas namorando e eu não, principalmente quando essas pessoas são mais novas. Me sinto inferior a essas pessoas. Vou me sentir mais fracassado ainda se a F. se envolver com outro menino que não seja eu. Isso será um sinal de que nasci pra sofrer e pra nunca namorar. Se o tal Deus que minha mãe serve e adora é justo mesmo, Ele não deixará isso acontecer (Diário de João/Caderno azul, novembro de 2018).

Podemos notar novamente a presença dos padrões sociais hegemônicos na fala dos jovens. A necessidade de reconhecimento, presente para todo ser humano, aparece com força no escrito de João. A normativa do "preciso arrumar uma namorada" o aprisiona de tal maneira que o fato de não ter uma namorada o exclui socialmente, colocando-o em uma condição, segundo ele, de não reconhecimento perante a sociedade, o que diminui sua potência de existir. Conforme o jovem não se vê como parte do contexto que não o reconhece, assume o sofrimento decorrente como uma questão individual.

Ao longo dos encontros, tentávamos questionar essas normativas, tão presentes nos discursos que ali emergiam. Em outro encontro, tínhamos como disparador de conversa o livro intitulado “O que você faz com uma ideia”, de Yamada (2016). Em um momento de interação com o livro, João fala do desejo de socializar:

Coordenadora: Vocês querem compartilhar uma ideia persecutória aí?

João: Socializar com pessoas da minha escola antiga…

Coordenadora: Sabe que que eu acho tão interessante, João? Muitas vezes, você traz uma dificuldade de socializar, questão de vir um branco, de um medo de conversar. E como você se comunica bem aqui!

João: É?

Madu: Verdade.

João: Legal!

Madu: Você fala como se fosse tímido, mas ele se comunica.

Madu: Não, tipo, eu pensei que ele era "mó" tímido, mas aí ele começou a conversar. É igual eu na primeira vez; eu era meio quieta na minha, sabe. Vergonha de falar. A gente vai se acostumando.

Coordenadora (para Madu): Você também chegou, né, falando que era tímida.

Madu: É só o primeiro contato, depois muda totalmente.

Apesar da timidez vir marcada como constituinte na vida de João, os colegas de grupo ofereceram outro olhar para uma condição social que vinha cristalizada em seus discursos. Quando Madu enfatiza a comunicação de João, ela se refere às suas percepções em relação aos movimentos do jovem nos encontros; para ela, ele não lhe passava a imagem de que fosse tímido, rompendo com a própria visão que o jovem tinha de si. Quando João pronuncia "legal", essa fala nos possibilita perceber certo reconhecimento, o que torna possível a extensão dos limiares de experimentação da vida. Ou seja, pelas ações dos membros do grupo, foram despertados novos modos de (re)conhecimento sobre como o próprio jovem se percebia. Em seu caderno azul, ele nos conta um pouco mais sobre esse processo:

Minha vida evoluiu um pouco em relação à sociabilidade. Eu era um garoto que passava muito tempo em casa, mas ando indo na casa de um amigo agora… Irei na casa dele mais vezes, tenho certeza. [. . .] Aconteceu coisas boas há uns tempos atrás. Eu fui lá na N. C., a escola onde eu estudava e onde o P. e a F. estudam. Lá eu vi muita gente, conversei com amigos e consegui o "face" de duas meninas. Aquele dia foi maravilhoso. Eu fui na escola porque o P. me convidou pra ir lá, e eu fui. Não sou idiota, eu tinha que aproveitar aquela oportunidade (Diário de João/ Caderno azul, dezembro de 2018).

Nota-se, pelos relatos de João, que novos modos de pensar, sentir e agir começaram a surgir. A partir da perspectiva da potência de promover encontros, tensionamentos são colocados, o que possibilita a ampliação dos modos de experimentações, para além das condições que nos estão postas. Segundo Strappazzon (2017), esse pode ser um caminho para a ruptura com as relações de servidão.

É preciso enfatizar, no entanto, que não necessariamente a prática grupal proporcionará romper relações de servidão, mas que, pelo menos, ela pode desestabilizar a forma como as experiências são compreendidas, provocando um tensionamento em relação às normas que estão postas nos discursos sociais.

As falas, os escritos e até mesmo o modo como os jovens se vestiam ao longo dos encontros nos diziam sobre as marcas das condições sociais em seus corpos bem como expressavam suas formas de enfrentamento. Isso foi possível observar no último encontro, em que os jovens vieram arrumados, perfumados. Ver as jovens nessa outra configuração nos faz perceber a objetivação do processo dos encontros grupais, em que outros modos de lidar com o próprio corpo foram possíveis. Corpos que se enquadravam na lógica da exclusão, naquele dia apresentaram-se de outro modo, o que nos faz compreender a importância da promoção de encontros e experimentações que tornem possíveis reflexões sobre as normativas sociais que nos convidam à condição de servidão.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os discursos sociais hegemônicos constituem o cotidiano dos jovens participantes e os afetam, produzindo desigualdades. Relações de poder marcadas por condições de gênero, étnico-raciais, estética corporal e poder aquisitivo estão presentes em variados espaços e com diferentes intensidades. Os jovens sentem na própria pele as marcas provocadas por essas relações de poder e desigualdade, marcas que são produtoras de sofrimento.

Enfrentar essas marcas tão presentes no cotidiano bem como nos discursos sociais é um desafio. Ao trazerem nos encontros grupais suas histórias e os discursos sociais constitutivos de suas experiências, os jovens conseguem ouvir também a potência de seus próprios discursos, até então desconhecida pelo medo, principalmente do julgamento do outro. Ao conseguirem denunciar como as desigualdades sociais os afetam e ao encontrar no grupo acolhimento, espaço de partilha do comum, eles passam a ser e agir de modos outros.

Em se investindo nesses modos outros de ser e agir, é possível afirmar a prática grupal como um espaço potente para promoção da saúde ético-política. Espaço que viabiliza a escuta dos discursos de sujeitos normatizados, bem como sua potência, produzindo afetos, reflexões, questionamentos que provocam movimentos. Desse modo, podemos pensar que lutar pela saúde ético-política é também lutar pelas possibilidades de existência, levando em consideração as condições sociais que constituem os corpos e os delimitam, tornando uns mais vivíveis do que outros.

REFERÊNCIAS

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*Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia (PGPSI-UFU), bolsista CAPES. Endereço: Universidade Federal de Uberlândia, Instituto de Psicologia. Avenida Pará, 1720 - Umuarama, Uberlândia- MG, Brasil. CEP: 38400902.E-mail: larissa1793@hotmail.com.
** Doutora e mestra em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); graduada em Psicologia pela Universidade do Vale do Itajaí; professora associada I no Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU); integrante do Núcleo de Psicologia Social e da Saúde e docente no Programa de Pós-Graduação em Psicologia, na linha Processos Psicossociais em Educação e Saúde; integra o GT da ANPEPP - A Psicologia sócio-histórica e o contexto brasileiro de desigualdade social; atua na área da Psicologia da Saúde, com ênfase em Psicologia Social e nos Processos de Criação em Contextos de Saúde.E-mail: eliane@ufu.br.
*** Doutora e mestra em Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC São Paulo); graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR); docente permanente no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); realizou estudos pós-doutorais na Università Degli Studi di Roma La Sapienza e na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); editora da Abrapso Editora (quadriênio 2018-2021). Endereço: Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Departamento de Psicologia. UFSC - CFH - Departamento de Psicologia - Trindade, Florianópolis-SC, Brasil. CEP: 88010-970.E-mail: a.zanella@ufsc.br.
1 Este artigo apresenta parte dos resultados de uma dissertação de mestrado da primeira autora e foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa através do CAAE 91345218.8.0000.5152. Todos os participantes bem como seus responsáveis assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.
2 Ao se inscreverem para o atendimento, a clínica oferece a possibilidade de o atendimento ser individual, conjugal, familiar ou grupal. Normalmente as pessoas que recorrem ao atendimento são encaminhadas por outros setores do serviço público, pessoas que moram pela região e conhecem o serviço, por indicação de usuários que já frequentaram o serviço e por ser um serviço gratuito.
3 Os nomes utilizados neste texto foram definidos pelos próprios jovens.
4 Afeto e afecção não são sinônimos. Segundo Espinosa, o afeto corresponde à variabilidade de potência no corpo; e afecção, à relação do corpo com o externo (Chauí, 1995).
5 Butler (2015) nos ajuda a compreender melhor esse aspecto quando aponta que a condição de ser reconhecido é uma potencialidade universal, ou seja, todo ser humano precisa de reconhecimento do outro. Entretanto, é necessário compreender como as normas, os discursos sociais presentes em um determinado período histórico, operam "para tornar certo sujeitos pessoas ‘reconhecíveis’ e tornar outros decididamente mais difíceis de reconhecer" (p. 20).
6 Chauí (2003) esclarece que o comum é o sentimento de que o aumento da potência acontece na relação com o outro, sendo favorecido quando se percebe a amizade e a generosidade como algo útil.
7 Expressão cunhada por Sawaia (1995b), em que ela nomeia o "lugar de calor" como uma coletividade que, sem abrir mão de seu modo de ser, acolhe a multiplicidade, em movimento de recriação permanente da existência coletiva e um fluir de experiências sociais vividas como realidade do eu, mas partilhadas intersubjetivamente (p. 24)
8 A clínica de Psicologia desta universidade tem uma sala anexa ao pátio da clínica, destinada ao atendimento infantil, a sala é ampla, com mesinhas infantis e cadeirinhas, além de contar com uma grande quantidade de brinquedos coletivos e individuais. Na parte externa, estão instalados brinquedos na disposição de um parquinho, que também podem ser utilizados para acompanhamento de crianças. Na brinquedoteca, são realizados projetos de extensão, estando frequentemente aberta com proposta de entrada livre, tendo a presença de monitores de Psicologia supervisionados pela coordenadora do projeto. As paredes externas da brinquedoteca foram grafitadas por grafiteiros profissionais da cidade, o que alegra e desperta a curiosidade de muitos sobre o lugar.

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