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Psicologia em Revista

versão impressa ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.25 no.2 Belo Horizonte maio/ago. 2019

http://dx.doi.org/10.5752/P.1678-9563.2019v25n2p924-941 

ARTIGOS

DOI - 10.5752/P.1678-9563.2019v25n2p924-941

 

Práxis clínica: a psicoterapia como movimento dialético ante a desigualdade sociossexual

 

Clinical praxis: psychotherapy as dialectic movement in the face of socio-sexual inequality

 

Praxis clínica: la psicoterapia como movimiento dialéctico frente a la desigualdad socio-sexual

 

 

Edna Maria Severino Peters Kahhale*; Jeferson Renato Montreozol**

 

 


Resumo

Este trabalho teórico busca discutir a psicoterapia como práxis dialética ante a desigualdade sociossexual. Abordamos a dialética consciente-inconsciente, tomando a consciência como conjunto de funções e processos que possibilitam ao sujeito conhecer e agir sobre a realidade, e o inconsciente baseado nos aspectos culturais, enquanto polo de uma mesma relação com a consciência. Compreendemos que tais instâncias do psiquismo se relacionam com a sexualidade por meio de configurações e processos não verbais (sentimental-emocionais), permitindo ao sujeito desenvolver suas identificações sexuais mesmo sem compreendê-las. Com base nos pressupostos da pesquisa qualitativa, discutimos a historicidade da prática clínica e possíveis implicações do método materialista histórico-dialético à psicoterapia. Apontamos a necessidade de a práxis psicoterápica possibilitar o movimento da inconsciência da realidade para a consciência social-sexual, uma posição política que pode potencializar o pensamento e a ação dos sujeitos.

Palavras-chave: Práxis clínica. Psicoterapia. Dialética. Conscienteinconsciente. Sexualidade.


Abstract

This theoretical work aims to discuss psychotherapy as dialectical praxis in the face of socio-sexual inequality. We approach the conscious-unconscious dialectic taking consciousness as a set of functions and processes that enable the subject to know and act on the reality, and the unconscious based on the cultural aspects, as a pole of the same relationship with consciousness. We understand that such instances of the psyche relate to sexuality through nonverbal (sentimental-emotional) configurations and processes, allowing the subject to develop his or her sexual identifications even without understanding them. From the assumptions of qualitative research we discuss the historicity of clinical practice and possible implications of the historical-dialectical materialist method for psychotherapy. We point out the need for psychotherapeutic praxis to enable the movement from unconsciousness of reality to social-sexual consciousness, a political position that can enhance the thinking and action of the subjects.

Keywords: Clinical praxis. Psychotherapy. Dialectic. Consciousunconscious. Sexuality.


Resumen

Este trabajo teórico tiene como objetivo discutir la psicoterapia como praxis dialéctica frente a la desigualdad socio-sexual. Nos acercamos a la dialéctica consciente-inconsciente tomando la conciencia como un conjunto de funciones y procesos que permiten al sujeto conocer y actuar sobre la realidad, y al inconsciente desde los aspectos culturales, como un polo de la misma relación con la conciencia. Entendemos que tales instancias de la psique se relacionan con la sexualidad a través de configuraciones y procesos no verbales (sentimentales y emocionales), lo que permite al sujeto desarrollar sus identificaciones sexuales incluso sin comprenderlas. A partir de los supuestos de la investigación cualitativa, discutimos la historicidad de la práctica clínica y las posibles implicaciones del método materialista histórico-dialéctico para la psicoterapia. Señalamos la necesidad de una praxis psicoterapéutica para permitir el movimiento de la inconsciencia de la realidad a la conciencia social-sexual, una posición política que puede mejorar el pensamiento y la acción de los sujetos.

Palabras clave: Praxis clínica. Psicoterapia. Dialéctica. Conscienteinconsciente. Sexualidad.

1. INTRODUÇÃO

A produção de conhecimentos acerca da psicoterapia não é uma tarefa fácil, tendo em vista que essa temática historicamente é encontrada envolta em indagações, proibições, preceitos e ardores de toda ordem, especialmente nos pressupostos das Ciências Humanas e Sociais. Acrescentam-se a isso as discussões sobre a sexualidade e as maneiras pelas quais essa temática tem sido engendrada na/pela prática clínica, o que nos coloca diante do imperativo de considerações sobre o real papel e significado dessa ação como produto e produtora do movimento real-subjetivo. Isso porque, na individualização de sua organização metodológica, a clínica e, em específico, a psicoterapia, tem perdido o sujeito da sexualidade, tornando-o apenas produto dessa configuração, o que tem levado a uma naturalização das desigualdades sociais e sexuais

Nesse contexto, este artigo teórico tem como objetivo discutir a psicoterapia como práxis clínica dialética diante da desigualdade sociossexual. Para tanto, consideramos a sexualidade como "Um processo simbólico e histórico, que expressa a constituição da identidade do sujeito, como ele vive a questão da intimidade (público versus privado); da significação das normas, da moral e da ética grupal (grupo no qual se insere)" (Kahhale, 2001, p. 179).

Vemos então que esse processo engloba dialeticamente os aspectos conscientes e, também, os conteúdos inconscientes, os quais permeiam o desenvolvimento dos processos psicológicos mais elevados dos sujeitos, entre eles a identidade sexual. Isso porque, de acordo com o pressuposto epistemológico do materialismo histórico-dialético ao qual nos apoiamos para tecer esta produção, compreendemos a consciência como um conjunto de funções, de processos que possibilitam ao sujeito conhecer e agir sobre a realidade, organização esta composta por outras dimensões configuradas como um sistema relacional. Assim, a consciência somente pode ser compreendida como uma parte constitutiva do inconsciente e vice-versa.

Se compreendemos a consciência como histórica e social, ao mesmo tempo em que é individual e singular, a concepção de inconsciente que assumimos é, sobretudo, cultural, isto é, se a consciência é a práxis, a possibilidade de agir e compreender essa ação, o inconsciente, encontra-se, consequentemente, na impossibilidade dessa produção. Portanto consciência e inconsciente representam dois polos de uma mesma relação, erigindo, assim, o pressuposto da dialética na constituição e desenvolvimento do psiquismo humano.

Tais considerações são necessárias, pois não estamos pautados no entendimento das diversas manifestações da sexualidade como patologias, doenças ou distúrbios psíquicos, mas sim na possibilidade de vivência das diversas formas de expressão da sexualidade permeadas pelos valores éticos e morais de determinada sociedade, que podem ou não ser apreendidos pelo sujeito e, assim, permear o desenvolvimento da sua consciência e de seu inconsciente.

Assim, cabe considerar uma das características essenciais para a compreensão do ser humano, que é o seu processo histórico (Lane & Sawaia, 1995; Vigotski, 2004), o que implica que seu desenvolvimento ocorre sob a determinação de vários fatores, tais como o contexto social, cultural e econômico, e esses elementos sofrem os condicionantes do período histórico em que estão circunscritos. Assim, sendo a sexualidade parte da cultura humana, está sempre restrita pelas possibilidades que o momento histórico e o próprio grupo social disponibilizam para o desenvolvimento de uma determinada identidade sexual, o que sintetiza então processos de desigualdade no acesso tanto às condições culturais quanto às apropriações da própria condição de humanização.

Cabe aqui esclarecermos que, pelo fato de o processo de desenvolvimento da sexualidade resguardar o movimento dialético entre a consciência e o inconsciente na dinâmica psíquica, este permite que certos conteúdos transmutem entre essas duas instâncias do psiquismo humano. Aqui optamos por utilizar o termo inconsciente por este estar mais consolidado nos pressupostos e teorizações psicológicas, sendo tomado então como um dos polos da relação dialética com a consciência.

Compreendemos, então, que a materialidade, representada pelas relações socioculturais, é tida como fundamento para o desenvolvimento dos conteúdos da sexualidade, os quais estarão mais ou menos conscientes no sujeito de acordo com o domínio dos elementos mediadores e do aspecto emocional, uma vez que estes permitirão a significação social e, consequentemente, o desenvolvimento dos sentidos pessoais, aspectos preliminares da consciência humana (Montreozol, 2011; 2019).

Isso significa considerar que os pressupostos dialéticos da contradição e da dinamicidade permitem trabalhar com a existência de uma realidade histórica contraditória, múltipla e plurideterminada, que é evidenciada na relação entre o sujeito e o objeto no processo de desenvolvimento psíquico, resguardado pelos elementos conscientes e inconscientes. E considerando que o inconsciente é passível de ser descoberto, torna-se necessário que o sujeito adquira novos elementos culturais que lhe permitam o desenvolvimento de um sentido, a integração desse sentido em uma nova dinâmica sistêmica ou, ainda, a reorganização dos sistemas psicológicos, visando à ampliação de sua consciência e sua (re)integração à dinâmica da realidade objetiva.

Pensamos, então, que um dos espaços para a promoção dessa "re-organização" psíquica diante da desigualdade social e sexual pode e deve ser a clínica psicológica, obviamente compreendida como lócus para produção de uma prática psicoterapêutica que vise à transformação do sujeito como práxis ético-política do psicólogo e não apenas para uma ação tradicionalista no enquadramento em estruturas e processos a priori; determinados pela dinâmica sociocultural.

A prática clínica deve captar as determinações particulares e universais que refletem sobre o indivíduo em seu desenvolvimento e que condicionam sua existência singular sexual. Devemos, então, imbuir nas práticas desenvolvidas a partir da Psicologia Clínica a real natureza social dos indivíduos, recuperando o movimento de constituição e desenvolvimento da individualidade, captando as determinações que agem na relação singular-particular da universalidade (Oliveira, 2005), buscando assim uma nova práxis: a clínica do sujeito histórico, do sujeito ação, do sujeito sexual.

Assim, assumindo os princípios qualitativos no processo de produção conhecimento, compreendemos que estes têm algumas características importantes para a pesquisa em Psicologia (González-Rey, 2005), uma vez que elucida como as expectativas se traduzem nas atividades, nos procedimentos e nas interações diárias entre pesquisador e objeto pesquisado.

O conhecimento aqui construído como perspectiva sintética apresenta primariamente a necessária recuperação da práxis no processo psicoterápico para que, em um segundo momento, possamos discutir a incorporação da condição histórica-social-sexual em uma nova práxis clínica psicoterápica que possibilite o movimento dialético como subsídio para o enfrentamento às desigualdades engendradas nos contextos de desenvolvimento das identidades sexuais.

2. CLÍNICA PSICOLÓGICA: (INS)URGÊNCIA DA PRÁXIS NO PROCESSO PSICOTERÁPICO

Para pensarmos uma prática clínica baseada nos pressupostos que a teoria psicológica sócio-histórica nos proporciona, devemos compreendê-la com base na categoria marxista de práxis, isto é, de ação transformadora, revolucionária, transcendente à condição de simples ação. A práxis marxista pode ser definida como “Atividade material do homem que transforma o mundo material e social para fazer dele um mundo humano” (Vázquez, 1977, p. 3). Ou ainda, é a

Atividade concreta pela qual os sujeitos humanos se afirmam no mundo, modificando a realidade objetiva e, para poderem alterá-la, transformam-se a si mesmos. É a ação que [. . .] precisa da reflexão, da teoria; e é a teoria que remete à ação (Konder, 1992, p. 115).

Em nossa compreensão, a práxis deve ser considerada então como categoria central de uma prática psicoterápica na clínica em Psicologia, cujo objetivo se mantém não apenas em interpretar o mundo ao sujeito, mas servir de mediador particular para sua transformação. Assim, à Psicologia Clínica cabe o dever de transcender à prática pragmática, individual e autossuficiente. Deve, portanto, recuperar no percurso histórico a produção de atividades de grupos ou classes sociais que têm levado tanto a desigualdades de desenvolvimentos como a transformações nas condições reais da vida social.

A aplicação da Psicologia às demandas clínicas decorre na expansão do significado de práxis que Vásquez (1977, pp. 283-284) define como consciência da práxis, isto é, "A consciência que se volta sobre si mesma e sobre a atividade material que se plasma". Com base na consciência da práxis, o sujeito pode ultrapassar o conhecimento imediato, ingênuo, ascendendo ao plano reflexivo para, posteriormente, unir conscientemente pensamento e ação (Batista, 2007; Freire, 1979; Martín-Baró, 1996).

Por essa perspectiva, temos de desenvolver trabalhos psicoterapêuticos para além de uma prática individualista, atentando-nos ao desenvolvimento do processo de conscientização que supõe a dialética entre homem e realidade, isto é, a mútua transformação entre homem e sociedade visto que, quando a modifica, necessariamente se transforma. E, por ser esse um processo ativo, a dinâmica estabelecida entre cliente e psicólogo deve ocorrer exclusivamente por meio de uma relação dialógica e reflexiva, momento em que o cliente possa apropriar-se dos conteúdos historicamente trabalhados com o terapeuta para a produção de sua consciência.

Assumindo seu papel de mediador, o psicólogo proporciona ao sujeito o gradual conhecimento do mundo e a decodificação de seu mundo, permitindo a este compreender a desigualdades entre os mecanismos que o oprimem e desumanizam, que alienam sua consciência e mistificam tais situações como naturais. Essa abertura de horizontes permite o desenvolvimento de uma consciência crítica diante da realidade circundante, o que pode conduzir a uma nova práxis e, consequentemente, a novas formas de consciência por meio do acesso aos determinantes inconscientes.

Isso porque, quando consciente sobre sua realidade circundante, o sujeito pode iniciar o desenvolvimento de um conhecimento diferenciado sobre si mesmo e sua identidade no contexto social, levando-o consecutivamente a uma retroalimentação de seu papel ativo, visto que descobre suas potencialidades sobre a natureza e a realidade. Assim, recuperar a memória histórica de sua produção permite tanto o contato com o passado quanto os horizontes contidos em uma determinação mais autônoma no futuro.

Estamos propondo que o psicólogo promova a desalienação, no sentido de

Eliminar ou controlar aqueles mecanismos que bloqueiam a consciência da identidade pessoal e levam a pessoa a comportar-se como um alienado, como um "louco", ao mesmo tempo em que se deixa de lado o trabalho de desalienação da consciência social, no sentido de suprimir ou mudar aqueles mecanismos que bloqueiam a consciência da identidade social e levam a pessoa a comportar-se como um dominador ou um dominado, como um explorador opressivo ou um marginalizado oprimido (Martín-Baró, 1996, p. 17).

Consideramos ainda que, por essa desalienação, os conteúdos que ora permaneciam inconscientes aos sujeitos (dados já na dinâmica da desigualdade social em sua própria cultura) serão reintegrados como superação qualitativa do movimento dialético. Não estamos aqui reforçando a ideia de que a Psicologia clínica se submeta exclusivamente aos discursos e práticas da Psicologia Social. Apenas não a reconhecemos como terreno oposto ou alheio ao social, mas sim como correlato dialético na consideração de que não há pessoa sem família, aprendizagem sem cultura, loucura sem ordem social, consciência sem inconsciente. Compreendemos que, necessariamente, o eu é suposto ao nós; o saber, ao sistema simbólico; e as desordens (mentais, e também sociais), às normas morais e a uma normalidade social.

Cabe então ao psicólogo na prática clínica compreender que lidamos com uma realidade contraditória, a qual não se apresenta como mundo real, mas tem a consistência e validez do mundo real, isto é, o mundo da aparência (Kosik, 1976). Assim, as diversas questões a serem trabalhadas na subjetividade dos sujeitos aparecem como "representação da coisa" (Kosik, 1976, p. 19), não como qualidades naturais das coisas e da realidade, e sim como projeção, no psiquismo, de determinadas condições históricas petrificadas.

Queremos dizer, então, que a subjetividade deve necessariamente resguardar as influências objetivas que atuam sobre o homem e o valor dos processos subjetivos dessas experiências. Isso porque ela sintetiza a produção de um sistema relacional, um processo que implica a organização atual do sistema subjetivo que não é invariável, mas sim que está em processo de desenvolvimento por meio da ação dos sujeitos envolvidos nas experiências com o real objetivo. Uma produção complexa que é sistêmica, e não apenas uma expressão concreta determinada pela função de ser subjetivo.

A partir de Marx, temos a possibilidade de compreender a psique em correspondência à história e à cultura, pois, ao desreificar a arraigada ideia da essência humana, o autor cria as condições para uma nova compreensão que se revela inseparável dos desenvolvimentos cultural e histórico-social. É mantido, assim, o caráter processual, sistêmico e plurideterminado da subjetividade humana.

Na perspectiva sócio-histórica, a subjetividade deve ser compreendida em seu valor heurístico à condição humana, pois está relacionada à configuração de todos os sistemas humanos, desde o sujeito real até as instituições e os espaços sociais das diferentes atividades humanas. Toda produção humana é uma produção subjetiva, o que não significa que não seja real, mas que represente a emergência desse novo tipo de realidade: a realidade subjetiva.

Diante disso, buscando conhecer adequadamente a realidade, não devemos nos contentar com esquemas abstratos da própria realidade; precisamos, sim, destruir a aparente independência imediata, a pseudoconcreticidade, para atingir a real concreticidade, visando a desvelar o mundo real e as leis dos fenômenos, suas essências. Portanto a práxis clínica psicológica deve submeter os fenômenos apresentados pelo sujeito a um exame em que "As formas reificadas do mundo objetivo e ideal se diluem, perdem a sua fixidez, naturalidade e pretensa originalidade, para se mostrarem como fenômenos derivados e mediatos, como sedimentos e produtos da práxis social da humanidade" (Kosik, 1976, p. 21).

Nessa perspectiva, nossas ideias apontam que a práxis psicoterápica deve considerar, baseada na lógica dialética, que a realidade pode ser alterada de modo revolucionário conforme tomamos conhecimento, histórico, que nós mesmos produzimos a realidade. A Psicológica Clínica tradicional não tem se mostrado capaz de ir além da singularidade imediata e aparente, e deixa de considerar que as ações individuais envolvem ou trazem à tona a figuração histórico-social. Com base em Pasqualini e Martins (2015, p. 367), compreendemos que uma nova práxis deve considerar

Generalidades de indivíduos ou fenômenos singulares, ou seja, captar na singularidade da existência de um indivíduo/personagem traços essenciais comuns a outras existências singulares que se constroem na dialética que liga o indivíduo ao tipo geral, às tendências histórico-sociais de seu tempo ou do gênero humano.

Aqui, a universalidade se corporifica na singularidade com base na mediação da particularidade. A particularidade condiciona, então, a existência singular como especificação da universalidade, isto é, é pela mediação da particularidade que as determinações universais se expressam no singular. Porém tal relação não ocorre de maneira linear e determinística; ela permite, sim, uma diversidade de expressões singulares subjetiva dos fenômenos da realidade social em dado momento histórico.

Isso porque "A existência de cada indivíduo singular é uma síntese de múltiplas determinações" (Pasqualini & Martins, 2015, p. 368), que estão, ao mesmo tempo, sob determinações universais. Essa revisão dos caminhos epistemológicos e metodológicos da disciplina de Psicologia Clínica tem, obviamente, um fundo político, visto que consideramos importante a necessidade de reaver o compromisso da Psicologia com a construção de uma ordem social e que promova o desenvolvimento dos indivíduos.

Torna-se imperativo nas análises psicológicas desenvolvidas na prática clínica captar as determinações particulares e universais que refletem sobre o indivíduo como elementos significativos e que condicionam sua existência singular na produção de sentidos. Devemos compreender o desenvolvimento dos sentidos em uma processualidade que não é apenas intrapsíquica, mas que integra a ação e os diferentes sistemas de relações do sujeito na organização da vida social, assim como os aspectos organizativos da própria produção de sentido enquanto sistemas. Tal concepção se aproxima do que González-Rey (2007, p. 136) trabalha como "configurações subjetivas", ou seja, à ideia de que o aspecto organizativo dos sentidos não está associado a uma ordem linear, mas compromete os limites e as possibilidades de sua produção.

O aprofundamento da discussão dos sentidos é importante para a prática psicoterápica, pois se o inconsciente se configura no rompimento da relação entre sentir-pensar-agir (Montreozol, 2019), é justamente a categoria de sentido que pode expressar uma integração entre organização e processualidade da subjetividade mediante o desenvolvimento dos sistemas complexos.

Nessa relação, a emergência de cada elemento (emoção e processos simbólicos) gera desdobramentos que, por sua vez, possibilitam a emergência de novas manifestações, definindo, assim, o caráter processual, mas simultaneamente sistêmico, dos sentidos. Concebemos então que a identidade sexual se pauta na organização de sentidos desenvolvidos pelo sujeito a partir das relações estabelecidas com o meio, por elementos afetivos que carregam determinações simbólicas culturais, organizando assim o caráter processual. Todavia a própria produção identitária envolve não apenas um reflexo das configurações sociossexuais de masculino e feminino, mas toda a conjuntura diversificada de sentidos existentes na dinâmica psíquica do sujeito, isto é, a organização de elementos que outrora não teriam participação na produção de sua sexualidade (se considerarmos uma visão estanque de psiquismo), mas que se tornam coprodutoras dessa mesma sexualidade numa perspectiva sistêmica psicológica.

A identificação pode não ocorrer com as determinações sociais de feminino ou masculino, não por desconsiderar ou negligenciar tais aspectos para a próxima identidade sexual, mas pelo fato de que a produção do sentido a essas determinações se relaciona com os demais sentidos já produzidos em sua vivência, marcando, dessa forma, tanto uma processualidade quando uma sistematização na dinâmica subjetiva.

Destacamos, assim, a ideia do movimento, do devir, em que o sistema da sexualidade está permanentemente recebendo influências de outros sistemas e produzindo novas opções de identificação diante dessas influências, algumas das quais podem gerar alternativas diferenciadas que transformem o próprio sistema, movimentos de contradições e tensões causadores de mudanças no percurso histórico do sujeito que se objetivam em sua ação. Logo estamos propondo que a práxis psicoterápica trabalhe com as produções subjetivas como sistema complexo, como uma rede na qual a pessoa pode passar a desenvolver um sentido para essa rede como para outras em sua dinâmica, o que permitiria aludirmos às identidades sexuais não como totalizadoras do sujeito, mas como partes de um todo, retomando, assim, a dialética entre parte-todo e todo-parte, na assunção da singularidade-totalidade e da inconsciência-consciência.

As implicações desses elementos na psicoterapia estão centradas no fato de que a naturalização acarreta reconhecer a natureza real de uma questão apenas em seu rótulo, o que leva à universalização de uma condição que define práticas sociais despersonalizadas com relação à sexualidade. Quando a dinâmica sistêmica da identidade e ainda da subjetividade deixa de reconhecer os elementos partícipes, perdemos nessa postura inconsciente o sujeito que expressa a sexualidade e os contextos e práticas sociais em que se gera.

Cabe reiterarmos que o princípio de inconsciente aqui trabalhado não é estrutural, mas dinâmico; não é a priori, mas cultural; e não é recalcado, mas produzido nas desigualdades da dinâmica histórica da vida social. Com base em Foucault (2014), podemos pensar como resultado que a universalização e ritualização das práticas identitárias sexuais, tanto no nível social quanto institucional, remetem ao preconceito, à estigmatização e à exclusão. É precisamente sobre essa base que têm sido desenvolvidas determinadas condições que colocam a sexualidade como instituição social, pela conversão da pessoa em objeto identificado, mas sem conscientização, que somente passa a ser reconhecida pelo conceito que a classifica em uma categoria universal, portadora do estigma da anormalidade: gay, lésbica, sapatão, veado, traveco, etc.

Na prática clínica e na realidade social, podemos encontrar relatos de pessoas que têm sofrido em seu contexto de identidade sexual e que, por esse motivo, recorrem ao psicólogo, desesperadas por ajuda, revelando assim profundo sofrimento vivido tanto objetivamente, quando excluída ou negligenciada sua participação em grupos sociais, quanto subjetivamente, quando construída uma dinâmica de sentidos que as levam a crer como erradas, diferentes, vazias, problemáticas. Isso porque, na dinâmica do real social, o discurso configura aquilo que nos é apresentado como realidade e que tem sido construído por uma linguagem ideologicamente definida, tanto nos limites de uma visão de ciência como de uma visão de indivíduo e sociedade.

Pautada então em uma organização assumida pela desigualdade de produções sociais, as discussões e práticas psicoterapêuticas com a sexualidade tem servido à patologização como instrumento de controle social e psicológico, coisificando e naturalizando alguns conteúdos como anormais, o que leva à definição de um objeto separado do sujeito e do contexto histórico-cultural de sua produção. Diante desse panorama, o que devemos pensar e fazer como possibilidades de desenvolvimento de uma práxis terapêutica que permita a crítica às determinações cristalizadas e o enfrentamento das desigualdades no próprio movimento da clínica psicológica?

3. UMA "NOVA" PRÁXIS PSICOTERÁPICA: A INCORPORAÇÃO DA CONDIÇÃO HISTÓRICO-SOCIAL-SEXUAL

Não acreditamos que se trate de definir uma nova escola em Psicologia, o que nos conduziria à condição tradicional pelas quais princípios diferenciados se substancializam em definições teóricas, determinando limites fechados que se encerram neles mesmos, sem diálogos com outras posições. Isso porque, em nossa ciência, temos visto tradicionalmente as escolas se convertendo em espaços perpetuadores de uma lógica de produção de identidade, que conserva o pressuposto da normalidade e substancialidade, subsidiando, assim, a formação instrumentada de práticas e ocultando a produção subjetiva diferenciada do terapeuta. Ao contrário, devemos compreender que o modo como a reflexão teórica aqui produzida por nós deve impactar no espaço terapêutico passa necessariamente pela consideração do terapeuta como sujeito desse processo.

Sabemos das dificuldades encontradas diante da construção de uma prática clínica baseada na Psicologia Sócio-Histórica. Porter (2005) já nos indica que, nas obras de Vigotski, não estão prontas as categorias concretas para definir uma opção sócio-histórica para essa práxis:

Considerando que Vigotsky e Luria foram os fundadores da teoria histórico-cultural, eles se preocuparam somente de forma indireta com o desenvolvimento da psicoterapia e da psicoterapia de adultos no período soviético. Seu foco mais amplo foi sobre o desenvolvimento de uma teoria unificada da mente, a qual lhes permite uma fundação ampla para as psicologias educacional e social e, talvez, para a psicologia clínica e outras disciplinas associadas (Porter, 2005, p. 8).

Dessa forma, acreditamos que a intencionalidade de nossos autores estava na produção de uma nova concepção de psique humana, ficando assim o desenvolvimento da categoria de inconsciente e das condições práxis da clínica como temáticas pouco trabalhadas. A grande preocupação diante da revolução soviética era a produção do novo homem, consciente de suas raízes históricas e sociais, e não a adaptação desses sujeitos às novas condições e representações sociais, aspectos típicos de uma prática clínica tradicional.

Vemos então o desafio atual de, com base em tais pressupostos, desenvolver a produção de conhecimento que abarque a clínica como espaço de produção do movimento dialético de inconsciente para consciência, a fim de possibilitar que os sujeitos possam vivenciar suas identificações perante a sexualidade, mediante a diversidade de possibilidades, de construções e de organizações, tanto na dinâmica subjetiva quanto na realidade objetiva.

Obviamente que a mudança psicoterapêutica não estaria associada apenas a uma produção discursiva. Isso porque a dinâmica subjetiva do indivíduo influi na ação sobre a realidade por intermédio da configuração estabelecida entre sentidos e significados, permitindo, assim, a conscientização ou inconscientização (como processos). Nessa condição, ambos os polos dialéticos são partes responsáveis pela emergência de novos sentidos, os quais podem chegar a modificar as próprias configurações do sujeito implicado nessa atividade.

Considerando que linguagem e pensamento, conforme afirma Vigotski (1987), são partes de um mesmo sistema, sem que um possa se reduzir ao outro, e ambos são funções de um sujeito com outras funções psíquicas, chegamos ao consenso de que não existe pensamento sem emoção e sem linguagem. O sujeito somente pensa em questões que são significativas para ele. Portanto o pensamento apenas aparece em temas com sentido, daí sua significação na definição da subjetividade. Logo, o pensamento é a função essencial pela qual o sujeito se reafirma, é seu principal instrumento de ação e de relação, de sua intencionalidade diferenciada, de sua conscientização, o que tem repercussões fundamentais para o desenvolvimento da psicoterapia que vise a auxiliar os sujeitos que sofram em decorrência da violência social diante de suas identificações sexuais.

Precisamos compreender que a psicoterapia deve estar orientada com base em algumas proposições. A primeira, referente ao desenvolvimento de novos sentidos à sexualidade e à realidade subjetiva e social, os quais emergirão quando o cliente se transforma, com a mediação do psicólogo, em sujeito ativo diante da sua atual situação histórica, capaz de produzir assim novas relações afetivas inter e intrapsíquicas, e processos simbólicos que substancializem o desenvolvimento de novos sentidos.

Outra proposição, intimamente relacionada com a primeira, está no fato de que a produção de novos sentidos somente acontecerá a partir do momento em que a pessoa se tornar sujeito da relação terapêutica, o que lhe permitirá uma análise crítica da desigualdade social que vivencia, de sua sexualidade e do momento atual de sua vida e, assim, desenvolver opções facilitadoras da aparição de novos sentidos. Nesse processo, a efetividade está na qualidade do diálogo terapêutico e as opções conscientes que se derivam dele.

Uma terceira proposição considera que produzir novos sentidos pressupõe, necessariamente, um reposicionamento do sujeito em relação às suas objetivações, à sua identidade, representando, assim, um novo momento de produção de sentidos, o reinício do processo dialético na consolidação da consciência como processo saudável na produção da vida sociossexual.

O diálogo torna-se não apenas ação, mas método de produção da prática psicoterapêutica, pois o terapeuta, pautado nas hipóteses sobre a dinâmica subjetiva da questão relatada pelo cliente, "Participa e induz tópicos de conversação, que, sem prejuízo para o momento dialógico, permitam ao outro conversar sobre áreas significativas por seu sentido" (González-Rey, 2007, p. 160). A produção de tais hipóteses pode ser organizada com base em instrumentos que provoquem expressões diferenciadas do cliente, com o intuito de que, uma vez erigida, tal hipótese oriente sua participação no diálogo e facilite manejos terapêuticos para estimulá-lo como sujeito do processo.

Coadunamos com o autor supracitado quando este defende que "A psicoterapia não é um processo de descobrimento nem de soluções centradas na figura do terapeuta; é um processo de produção de novos sistemas de subjetivação" (González-Rey, 2007, p. 161). Nesse processo, o psicólogo, como psicoterapeuta, por mais que tenha como objetivo facilitar a produção de novos sentidos, não tem controle sobre como estes serão organizados e aparecerão no processo terapêutico, ou seja, a produção desses novos elementos não necessariamente representa uma mudança qualitativa, mas apenas um novo processo de subjetivação.

Recuperamos então a condição ativa, a emergência do cliente como sujeito da sua realidade, da sua vivência, de seus processos, o que representa uma constituição identitária que lhe deve permitir assumir a sexualidade conscientemente em sua diversidade de perspectivas e desenvolver posicionamentos perante ela. Retomase então a relação entre sentir-pensar-agir.

Pela Psicologia Sócio-Histórica, compreendemos a psicoterapia como um processo atuante sobre as formas nas quais as produções sociais no interior de uma cultura podem ser apropriadas, subjetivadas e se transformam em funções e processos conscientes do sujeito em qualquer identidade sexual humana. Uma das consequências de uma visão estreita de clínica e práxis, centrada apenas nas patologias da sexualidade reconhecidas por décadas nas classificações da psicopatologia, seria considerar a produção aqui apresentada apenas como uma incitação à reversão sexual. Como já apontado em diversos momentos deste material, rechaçamos quaisquer interpretações com base nessa perspectiva, uma vez que, ao contrário, o debruçar produtivo está intimamente ligado à tentativa de construir uma prática determinada dentro da psicologia clínica que possa auxiliar os sujeitos ao desenvolvimento de elementos conscientes, componentes de sua dinâmica psíquica, permitindo, assim, que se reconheçam como sujeitos pessoais, sexuais, políticos, sujeitos de direitos, na contramão de toda violência social que têm enfrentado principalmente na sociedade capitalista.

Por fim, enfatizamos que a práxis clínica, que visa a gerar o movimento dialético do inconsciente para a consciência, permitindo aos sujeitos a compreensão da realidade social e histórica, e a objetivação de sua identidade sexual, considera:

a) o caráter relacional, dialógico, da psicoterapia, voltado à produção de novos espaços de subjetivação e objetivação da sexualidade/identidade sexual no atual momento da vida de uma pessoa, grupo, ou unidade social;
b) a indissociabilidade da ação terapêutica com o contexto de práticas e relações do sujeito, pois se essa ação visa a produzir sentidos, devemos lembrar que este sempre estará associado a todo sistema complexo de vida da pessoa sobre sua sexualidade;
c) não existe ação terapêutica somente na condição individual. Tal prática deve ser dirigida, de forma simultânea, às dimensões social e individual da subjetividade, auxiliando na produção de novas maneiras de ação e comunicação que propiciem afetos, emoções, pensamentos, que se expressem em processos alternativos do cliente;
d) objetiva, então, que o indivíduo passe a ser sujeito de suas práticas sociais, sexuais, e de vida, implicando para tanto na capacidade permanente de produção de sentidos e de ações pessoais geradoras de novas perspectivas de atividade;
e) compreender o psicoterapeuta como mediador não alude entendê-lo como aquele que apenas repassa conteúdos históricos ao cliente; sem produção de sentidos, essas informações tornam-se apenas elementos codificados, que, por mais que sejam apropriados pelo sujeito, não constituem consciência;
f ) nossa perspectiva não é neutra, pois, na verdade, a psicoterapia se posiciona política e ideologicamente, já que essas dimensões sempre estarão implicadas nos sentidos que o cliente desenvolve/desenvolveu para sua condição social e sexualidade;
g) isso nos leva a compreender a psicoterapia como um manejo altamente implicado à cultura e aos processos sociais, principalmente quando propomos uma práxis que permita ao sujeito ser ação consciente na produção de sua identidade sexual, fazendo confronto com processos culturais que historicamente estão engendrando práticas sociais perversas;
h) por esse motivo, a psicoterapia deve ser vista como uma prática inseparável de qualquer processo de recomposição da relação social. Uma função profissional que não deve estar subscrita nos parâmetros políticos e nas produções psicológicas sobre saúde, mas sim em todas as instituições sociais, com grande primazia nas instituições jurídicas e educativas.

Trata-se, então, de imbuir na Psicologia Clínica a real natureza social dos indivíduos, de acordo com os pressupostos epistemológicos de Marx (2008) e das principais produções teóricas de Vygotski (1995), colaboradores e contemporâneos. Nesse espaço, recuperar o movimento real de constituição e desenvolvimento da individualidade-singular, captando as determinações que agem na relação singular-particular da universalidade, buscando assim uma nova práxis psicoterápica: a clínica do sujeito social e histórico, do sujeito ação, do sujeito sexual.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para finalizar as discussões aqui ora contidas, precisamos retomar um pressuposto fundamental às nossas ideias e proposições: pensar uma práxis clínica psicoterápica, diante das desigualdades sociais e sexuais, nunca se pauta em propor uma clínica para tratamento, ou seja, conversão das sexualidades. Mas propor uma clínica humana que pense e acate a realidade dos sujeitos, possibilitando um espaço de produção subjetiva e, acima disso, de consciência diante da dinâmica social, cultural e histórica da própria sexualidade.

Neste ínterim, temos consciência de que outras questões necessitam ser resolvidas e que, por mais que sejam concebidas separadamente, guardam íntima relação de produção: a sexualidade, amplamente discutida pelos referenciais psicanalíticos e pelas Ciências Sociais, é ainda pouco trabalhada na perspectiva da Psicologia Sócio-Histórica, teoria psicológica que guia nossas produções; o inconsciente, já presente na Filosofia, mas também alvo primordial de produções psicanalíticas, aparece apenas como pano de fundo nas produções de nossa perspectiva teórica; e, por fim, a prática clínica, especificamente a psicoterápica, consolidada por diversas décadas em várias modalidades teórico-metodológicas da Psicologia, está praticamente ausente em nosso ideário teórico. Como, então, aglutiná-los na produção de um novo conhecimento?

Assim, este artigo foi gerado tomando como objetivo discutir a psicoterapia como práxis dialética diante da sexualidade. As produções aqui apresentadas representam, então, uma dialogia, ou seja, com base nos pressupostos do materialismo histórico-dialético e da Psicologia Sócio-Histórica, nossa visão dos fatos, fenômenos e realidades foi se construindo, tomando as diversas ciências como possibilidades de indagações e construções.

O princípio último trabalhado é a retomada de um dos campos de atuação histórica da prática psicológica, a clínica, mas obviamente reconsiderá-la com base nos pressupostos da crítica, da análise crítica que engendra a apreciação minuciosa de seus marcos históricos para que, assim, possamos ir além, propor novas formas de produção prática: uma nova práxis.

A clínica deixa de ser considerada como elemento totalizante, espaço apenas do setting terapêutico, para ser compreendida como olhar, como produção de realidade que deve auxiliar o desenvolvimento dos processos e funções conscientes como subsídios para a produção de sujeitos éticos e políticos. Dessa forma, a psicoterapia deve perder seu status de prática qualificadora, estigmatizadora e diferenciadora para ser vista como método de ação política na realidade social.

Por esse motivo, ao retomarmos a concepção de práxis, demarcamos a compreensão de que a psicoterapia deve transformar o mundo material e social para produzi-lo mais humanamente. O objeto ulterior dessa prática precisa estar centrado na afirmação dos sujeitos e, com base nisso, possibilitar a modificação e alteração da realidade objetiva. Isso porque conforme atuamos sobre o mundo, transformando-o, transformamos a nós mesmos.

A aplicação da práxis à sexualidade permitirá, então, o movimento de transformação da inconsciência da realidade (social-subjetiva) para a consciência identitária sexual, uma posição política que ultrapassa o conhecimento imediato, ingênuo, ascendendo ao plano reflexivo e potencializando, assim, o pensamento e a ação. Recuperamos, dessa forma, a relação do todo com as partes, proporcionando continuamente a alteração da estrutura psíquica.

Ao fim, os elementos aqui sintetizados se transformam em novas teses, as quais devem ser apropriadas, discutidas e avançadas por quaisquer sujeitos que se mostrarem interessados pela dialética consciente-inconsciente no desenvolvimento da sexualidade, visando, assim, à construção de futuras ideias e teorizações sobre a práxis clínica psicoterápica.

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*Doutora em Psicologia (Psicologia Experimental) pela Universidade de São Paulo (USP), pesquisadora, professora associada e coordenadora do Lessex (Laboratório de Estudos de Saúde e Sexualidade), Núcleo de Estudos Avançados em Psicossomática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC São Paulo).
**Doutor em Psicologia (Psicologia Clínica) pela PUC São Paulo, membro do Grupo de Pesquisa Psicossomática e Psicologia Hospitalar, e do Lessex (PUC São Paulo), professor no Centro Universitário Unigran Capital, em Campo Grande-MS.

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