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Psicologia em Revista

versão impressa ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.25 no.3 Belo Horizonte set./dez. 2019

http://dx.doi.org/10.5752/P.1677-1168.2019v25n3p1152-1170 


ARTIGOS

DOI - 10.5752/P.1678-9563.2019v25n3p1152-1170

 

Fobia infantil: do transtorno psiquiátrico à resposta sintomática na psicanálise

 

Child phobia: from the psychiatric disorder to the symptomatic response in psychoanalysis

 

Fobia infantil: del trastorno psiquiátrico a la respuesta sintomática en el psicoanálisis

 

 

Diana Lídia da Silva*; Wilson Camilo Chaves**; Roberto Calazans***

 

 


Resumo

Este artigo propõe uma discussão em torno da abordagem psicanalítica do sintoma fóbico em contraposição à forma como a fobia é abordada pela Psiquiatria, mais especificamente no DSM-V, e as implicações dessas abordagens para a clínica com crianças. Mesmo não tendo conduzido a análise de crianças, Freud lança as bases para tal prática, ao reconhecer que as experiências infantis geram angústia, inclusive neuroses. Em Psicanálise, privilegia-se a escuta do sujeito, ainda que em tenra idade, algo ilustrado com destreza pelo caso do Pequeno Hans. Por outro lado, a noção psiquiátrica de transtorno barra a participação do sujeito na elaboração daquilo que lhe é mais singular, seu sofrimento. Dessa forma, a discussão aqui proposta busca pensar as consequências, para a clínica com crianças, de se tratar a fobia como um transtorno do qual o sujeito precisa se ver livre, recusando o valor de verdade do sintoma.

Palavras-chave: Fobia infantil. Sintoma. Psicanálise. Transtorno de ansiedade.


Abstract

This paper discusses the psychoanalytical approach of the phobic symptom, in comparison to the way phobia is approached by psychiatry, more specifically in the Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders–V (DSM-V, and the effects these approaches have on the clinic for children. Even though Freud did not carry out the analysis of children, he set the basis for this practice by stating that childhood experiences can be the source of anguish and even neurosis. In psychoanalysis, listening to the subject is paramount, even in early childhood; that is what the case of "Little Hans" illustrates. On the other hand, the psychiatric notion of disorder prevents the subject from taking part in the process of dealing with his own suffering. The present discussion seeks, therefore, to reflect upon the consequences, for the clinic with children, of treating the symptom of phobia as a disorder from which the subject needs to be set free, denying its value of truth.

Keywords: Children's phobia. Symptom. Psychoanalysis. Anxiety disorder.


Resumen

En este artículo se propone una discusión sobre el enfoque psicoanalítico del síntoma fóbico en contraposición a la manera como la fobia es abordada por la psiquiatría, más específicamente en el DSM-V, y las implicaciones de estos enfoques para el trabajo clínico con niños. Freud, aunque no ha dado lugar al análisis de niños, establece las bases para la práctica al reconocer que las experiencias de la infancia generan ansiedad e incluso neurosis. El psicoanálisis hace hincapié al escuchar el sujeto, aunque a una edad temprana, lo que ilustra el caso del pequeño Hans. La noción psiquiátrica del trastorno impide la participación del individuo en la elaboración de lo que es más singular para él, su sufrimiento. Por lo tanto, la discusión que aquí se propone piensa acerca de las consecuencias, para la clínica con niños, del tratamiento de la fobia como un trastorno en que el individuo debe verse libre, rechazando el real valor del síntoma.

Palabras clave: Fobia infantil. Síntoma. Psicoanálisis. Trastorno de ansiedad.


 

 

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Ao considerar que as experiências infantis são capazes de produzir neuroses, Freud (1918/2014)1 demarca a possibilidade e relevância de uma clínica psicanalítica com crianças, ainda que ele mesmo não tenha se enveredado por esse caminho. Veremos que as elaborações freudianas sobre o papel do sintoma, a importância das atividades sexuais infantis e o reconhecimento da ocorrência (em grande frequência) de neuroses infantis (sendo a mais frequente delas a fobia) (Freud, 1909/2015) são fundamentais para que a clínica com crianças seja pensada, aqui especificamente em contraste com o diagnóstico classificatório da psiquiatria.

Na conferência XVI de 1916, intitulada Psicanálise e psiquiatria, Freud (1916a/2006) procura ilustrar as diferentes formas com que a psiquiatria e a psicanálise tomam os fenômenos da neurose. Ele afirma que a diferença se dá principalmente pelo fato de que o médico habitualmente presta pouca atenção ao que dizem os pacientes neuróticos por acreditar que nada de valioso para o tratamento possa derivar da fala destes. A psicanálise, por sua vez, toma as falas dos pacientes cuidadosamente, pois aposta que é a partir destas que a compreensão do sentido do sintoma se torna possível. A noção de um sentido do sintoma é tratada por Freud (1916b/2006) na conferência XVII, O sentido dos sintomas, na qual ele afirma que "os sintomas têm um sentido e se relacionam com as experiências do paciente" (p. 265). Freud (1916d/2006) vai mais adiante, na conferência XXIII, "Os caminhos da formação dos sintomas", ao afirmar que os sintomas neuróticos são uma formação de compromisso diante de um conflito psíquico no qual a libido se retira do ego e regride para fixações situadas ao longo do desenvolvimento do sujeito. Segundo Freud (1916d), essas fixações são as experiências e atividades sexuais infantis, as quais, de acordo com o autor, "têm uma importância toda peculiar" (p. 365), pois a libido dos neuróticos está ligada a elas. Ainda no texto citado, Freud (1916d) afirma que "também as crianças têm suas neuroses" (p. 365), o que confere relevância não somente às vivências infantis, ou seja, à forma como as experiências próprias da infância são vividas pela criança, mas também a uma clínica com crianças. Quinze anos mais tarde, em suas novas conferências, Freud (1932/2010) retoma a importância do sintoma para a psicanálise. Na conferência A dissecção da personalidade psíquica, ele afirma que a psicanálise teve como ponto de partida o sintoma e que foi este que apontou o caminho para o inconsciente, a sexualidade e a vida pulsional.

Se, por um lado, a psicanálise valoriza o sintoma como ponto de partida e privilegia a fala do sujeito como via e material para o trabalho psicanalítico, encontramos na psiquiatria descritivista atual a noção de transtorno, que nos remete, de acordo com Gorostiza (2006), à ideia de uma desordem em relação a uma suposta ordem do real. Gorostiza (2006) afirma que a base da invenção de Freud é a pressuposição da existência de algo no real: o sintoma, que fala, que tem um sentido a ser decifrado; e é a cisão feita entre o sintoma e o sentido que o transforma em transtorno, abordado pela psiquiatria descritivista da atualidade pela via da medicalização, recusando seu valor de verdade.

Em Nota sobre a criança, Lacan (1969/2003) concebe o sintoma da criança como depositário da verdade do casal parental, e vai além, ao dizer que, apesar de ser esse um caso complexo, também é o mais acessível às intervenções do psicanalista. Assim, ao considerar o caráter de verdade do sintoma, a psicanálise implica o sujeito naquilo do que ele se queixa e, no caso da criança, essa implicação se estende aos pais.

Os manuais diagnósticos e estatísticos de transtornos mentais, por sua vez, abordam e classificam os transtornos a partir da frequência da ocorrência de fenômenos, tendo caráter meramente descritivo, mas se propondo ao uso clínico, contraditoriamente excluindo o sujeito do processo diagnóstico e impossibilitando qualquer movimento de subjetivação (Calazans & Bastos, 2013). No que concerne ao diagnóstico psiquiátrico em crianças, de acordo com Vorcaro (2011), "A consequência da suposta objetivação da psicopatologia, tal como sistematizada no Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM), reduz a criança a uma linhagem médica que lhe é alheia e não contempla seus laços sociais primários" (p. 219). Ainda de acordo com a autora, o diagnóstico pode adquirir tamanho peso a ponto de funcionar como um traço marcante que define a criança diante de seus pais e pares, o que pode atingir sua subjetivação (Vorcaro, 2011).

Mesmo não tendo conduzido a análise com crianças, Freud se ocupou da questão do infantil ao longo de toda sua obra, pois as lembranças e associações que surgiam na análise de adultos se remetiam frequentemente à infância (Freud, 1916c/2006), o que possibilitou o trabalho psicanalítico com crianças exercido por seus continuadores. É importante ressaltar que a primeira criança analisada (o "pequeno Hans") tem o pai como analista, sob a orientação de Freud, condição à qual o autor atribui o sucesso da análise por acreditar que somente a junção do pai e do analista na mesma pessoa pôde viabilizar a aplicação do método psicanalítico a "uma utilização para a qual ele normalmente não se prestaria" (p. 124). Assim, vemos que, apesar de não desconsiderar a analisabilidade da criança, Freud se pergunta, nesse momento de sua obra, sobre a capacidade operatória da psicanálise nessa empreitada (Vorcaro, 2004). No texto A criança na clínica psicanalítica, Vorcaro (2004) afirma que é com Hans, ao orientar o pai na condução da análise do menino, que Freud começa a se perguntar pela possibilidade de analisar crianças.

Entretanto, se com Hans encontramos o desejo freudiano de analisar crianças, ainda que envolto em interrogações sobre a viabilidade desta prática, foi necessário um longo percurso até o momento em que Freud considerou não somente viável, mas benéfica a análise de crianças. De acordo com Vorcaro (2004), na Conferência XXXIV, intitulada Explicações, aplicações e orientações, Freud (1933/2006) reconhece a favorabilidade da criança à análise, mas ressalta a importância da adaptação da técnica. A criança passa a ser considerada muito propícia ao tratamento analítico, e os resultados deste são considerados seguros e duradouros (Freud, 1933). No entanto, é preciso que a técnica seja adaptada, pois segundo Freud, a criança é "um objeto psicologicamente diferente de um adulto" (Freud, 1933, p. 146).

É digno de nota, a nosso ver, o fato de que a primeira análise de uma criança tenha se dado precisamente em um contexto no qual os pais, além de esclarecidos quanto aos princípios psicanalíticos, pertenciam a um grupo dos mais fiéis seguidores de Freud (Freud, 1909). Vemos, como efeito desse contexto, que, diante do medo e angústia apresentados pelo filho, os pais de Hans buscavam o sentido do sintoma da criança. Dito de outra forma, os pais ouviram o sintoma do filho como um sinal de que algo não ia bem, postura que permitiu à criança encontrar (na análise) uma via de elaboração dos conflitos que lhe angustiavam. Tal elaboração, entretanto, só foi possível porque Hans foi instado a falar livremente sobre seus medos e fantasias. Logo, o caso do "pequeno Hans", a nosso ver, traz à baila não somente as peculiaridades inerentes à clínica psicanalítica com a criança, mas também a nobreza do sintoma como uma tentativa de solução de um conflito bem como a importância da escuta do sujeito para o tratamento, posto que é ele quem pode dizer do que o faz sofrer.

É digno de nota, a nosso ver, o fato de que a primeira análise de uma criança tenha se dado precisamente em um contexto no qual os pais, além de esclarecidos quanto aos princípios psicanalíticos, pertenciam a um grupo dos mais fiéis seguidores de Freud (Freud, 1909). Vemos, como efeito desse contexto, que, diante do medo e angústia apresentados pelo filho, os pais de Hans buscavam o sentido do sintoma da criança. Dito de outra forma, os pais ouviram o sintoma do filho como um sinal de que algo não ia bem, postura que permitiu à criança encontrar (na análise) uma via de elaboração dos conflitos que lhe angustiavam. Tal elaboração, entretanto, só foi possível porque Hans foi instado a falar livremente sobre seus medos e fantasias. Logo, o caso do "pequeno Hans", a nosso ver, traz à baila não somente as peculiaridades inerentes à clínica psicanalítica com a criança, mas também a nobreza do sintoma como uma tentativa de solução de um conflito bem como a importância da escuta do sujeito para o tratamento, posto que é ele quem pode dizer do que o faz sofrer.

Retomando brevemente a abordagem psiquiátrica da fobia em contraposição com aquela da psicanálise, propomos uma reflexão em torno das consequências para a clínica, aqui mais especificamente a clínica com crianças, de um saber que recusa o sentido do sintoma e barra a participação do sujeito no processo diagnóstico.

2. A FOBIA NO DSM

A partir de 1870, a fobia passou a ser designada pelo saber psiquiátrico como uma neurose caracterizada por estado de pavor contínuo diante de situações, objetos ou pessoas que não oferecessem nenhum perigo real ao sujeito (Roudinesco & Plon, 1998). Com a terceira edição do Manual diagnóstico e estatístico (DSMIII), foi considerada uma categoria específica dentro dos transtornos de ansiedade, sendo caracterizada como medo irracional de um objeto ou situação específica que interfere na capacidade de viver de um indivíduo (Barlow & Durand, 2008). No DSM-V (American Psychiatric Association, 2014), a fobia permanece como categoria inclusa nos transtornos de ansiedade, no entanto não mais como "fobia simples", mas sob o nome de "fobia específica", sendo necessária, para o diagnóstico, a especificação do objeto ou situação temidos.

Os critérios diagnósticos para a fobia encontrados nos manuais de psiquiatria consistem da presença e persistência do medo irracional ante uma situação ou objeto; da resposta imediata de angústia diante do estímulo fóbico; do reconhecimento, pelo próprio indivíduo, de que o medo é excessivo e pela evitação da situação ou objeto temido. No entanto, no que concerne à criança, o diagnóstico de fobia tem particularidades. De acordo com Barlow e Durand (2008), o médico deve atentar para o fato de que alguns medos são normais na infância, não devendo ser confundidos com fobias. Segundo os autores:

Entre um ano e dois anos, as crianças são muito ansiosas sobre virem a se separar dos pais; o medo de animais e o medo do escuro também se desenvolvem e podem persistir até o quarto ou quinto ano de vida. O medo de monstros e de outras criaturas imaginárias pode começar em torno dos três anos e durar por muito tempo. [. . .] Geralmente, os relatos de medo declinam com a idade [. . .]. Fobias específicas parecem declinar com o amadurecimento (Blazer et al., 1991; Sheikh, 1992, apud Barlow & Durand, 2008, p. 162).

A aparente normalidade com a qual os medos infantis são tratados pela psiquiatria restringe significativamente o diagnóstico de fobia em crianças. De acordo com os autores do DSM-V, a fobia tem início na infância, antes dos 10 anos, e surge de um evento traumático, da observação de outras pessoas que vivem um evento traumático, de um ataque de pânico vivido durante a situação a ser temida ou pela transmissão de informações pela mídia acerca de acidentes ou situações traumáticas. No entanto, segundo os autores do manual, quando o diagnóstico de fobia específica é considerado em crianças, é importante avaliar o grau de prejuízo e duração do medo, pois

Os medos excessivos são bastante comuns em crianças pequenas, mas costumam ser transitórios e apenas levemente prejudiciais e, assim, são considerados apropriados ao estágio de desenvolvimento. Nesses casos, um diagnóstico de fobia específica não deve ser feito (American Psychiatric Association, 2014, p. 244).

A psicanálise, por sua vez, abre-nos caminhos ao tomar o sintoma em sua relação com as experiências do paciente, seja ele adulto ou criança. Em História de uma neurose infantil, Freud (1918) considera a tendência dos pais de ignorar as neuroses em crianças sob a crença de que passariam com o tempo. Segundo o autor, "Toda neurose de um adulto se constrói sobre sua neurose infantil, mas esta nem sempre é intensa o bastante para se fazer notar e ser reconhecida como tal" (Freud, 1918, p. 132). Acerca das neuroses infantis, Freud (1916d) afirma ainda que

São muito comuns, muito mais comuns do que se supõe. Muitas vezes elas deixam de ser notadas, são consideradas sinais de uma criança má ou arteira, muitas vezes, também, são mantidas em estado de sujeição pelas autoridades responsáveis pelas crianças; porém, sempre podem ser reconhecidas, retrospectivamente, com facilidade. Em geral, surgem sob a forma de histeria de angústia (p. 366).

As fobias são, de acordo com Freud (1909), as enfermidades mais comuns da infância, talvez inclusive as primeiras, além de terem íntima relação com o complexo considerado por ele como o complexo nuclear das neuroses e como crise fundamental ao desenvolvimento da criança: o complexo de Édipo (Freud, 1924/2013). Consideramos, portanto, extremamente relevante um retorno ao lugar que a fobia ganha paulatinamente na obra freudiana e seus desdobramentos.

3. A FOBIA EM FREUD: O MEDO DO PAI

Em psicanálise, a fobia é compreendida por Freud (1926/2014) como uma resposta sintomática diante da angústia de castração vivenciada durante o complexo de Édipo. Essa articulação não se deu, porém, sem um longo percurso na teoria psicanalítica freudiana. O tema da fobia atravessa toda a obra de Freud desde seus estudos iniciais. Nos primeiros artigos dedicados ao tema, é possível perceber alguma incerteza quanto a seu mecanismo e etiologia. O que fica claro, no entanto, é a tentativa de classificá-la como um processo patológico independente, ora mais semelhante à neurose obsessiva, ora mais próxima da histeria, passando pelo quadro das neuroses atuais.

No artigo As neuropsicoses de defesa, Freud (1894/2006) aproxima o mecanismo das fobias daquele presente nas obsessões, no que concerne à transposição do afeto. Segundo ele, assim como nas obsessões há uma transposição do afeto desligado de uma ideia incompatível para outras ideias, também na fobia a angústia liberada, cuja origem sexual é recalcada, liga-se a outros objetos. Nesse momento da teoria freudiana, as fobias ganham um lugar em meio às psiconeuroses, pois, se o mecanismo de substituição se aplica, há aí um mecanismo psíquico em voga. Veremos que Freud, em breve retificará, essa afirmação.

Um ano mais tarde, em Obsessões e fobias Freud (Freud, 1895a/2006), o foco de interesse são as chamadas neuroses atuais. Freud (1895a) separa as obsessões das fobias ao afirmar que o estado emocional presente nestas é sempre de angústia, diferentemente das obsessões, nas quais outros estados emocionais mais elaborados se fazem presente, como a dúvida, a raiva e o remorso. Além disso, há nas obsessões uma representação incompatível de cunho sexual que se impõe ao sujeito e precisa ser substituída. Nas fobias, por outro lado, isso nem sempre se dava. Freud (1895a) afirma que as fobias seriam, portanto, manifestações psíquicas do que ele nomeou “neurose de angústia”, o que faz com que a fobia migre do campo das psiconeuroses para o quadro das neuroses atuais. A angústia que subjaz os sintomas da “neurose de angústia” não poderia, segundo Freud (1895b/2006), ser atribuída a uma origem psíquica, mas a elementos da vida sexual atual do sujeito, pois ele constatava nos pacientes um acúmulo de excitação proveniente da abstinência ou da excitação sexual não consumada.

Ainda no artigo Obsessões e fobias, Freud (1895a) inclui as fobias no grupo da “neurose de angústia”, afirmando que "a análise psicológica não revela nelas nenhuma representação incompatível substituída" (p. 85). Dessa forma, nas fobias da neurose de angústia, o mecanismo de substituição não seria válido, e a angústia, sendo o estado emocional predominante, não se originaria de uma ideia recalcada. A esse respeito Freud afirma que, nas fobias, "nunca se encontra nada além do estado emocional de angústia, que, por uma espécie de processo seletivo, traz à tona todas as representações adequadas para se tornarem alvo de uma fobia" (p. 85, grifo do autor).

Anos depois, em Análise da fobia de um garoto de cinco anos, com a análise do pequeno Hans, Freud (1909) retoma a questão do mecanismo da fobia e prossegue com a elaboração de questões deixadas em suspenso até então. As fobias passam a ser vistas como síndromes que podem fazer parte das diferentes neuroses. Ao relacionar a fobia de cavalos do pequeno Hans ao seu complexo de Édipo, Freud (1909) percebe que a formação de um sintoma fóbico não se dá sem o recalque, e a partir dessa reformulação, reaproxima a fobia do quadro das psiconeuroses sob o nome de histeria de angústia. Freud (1909) faz uso dessa designação devido à semelhança entre os mecanismos da fobia e da histeria. A diferença consiste no destino dado à libido descolada do material patogênico por meio do recalque. Enquanto, na histeria de conversão, a libido é somaticamente convertida, na histeria de angústia, ela é liberada sob a forma de angústia e deslocada para outros objetos. Esse deslocamento se dá por um trabalho incansável, já que a angústia liberada não pode ser transformada em libido novamente. Dessa forma, a fobia surge sob a forma de estruturas protetoras que visam a proteger o sujeito de um novo desencadeamento da angústia (Freud, 1909). As histerias de angústia são, de acordo com Freud,

As mais frequentes de todas as enfermidades psiconeuróticas e, sobretudo, as que surgem primeiramente na vida; são as neuroses da infância. Se uma mãe diz que seu filho está muito "nervoso", podemos esperar, em nove entre dez casos, que a criança tenha alguma espécie de angústia ou muitos temores (Freud, 1909, p. 251).

A análise do pequeno Hans é, portanto, um momento crucial para a teoria das fobias, pois é baseado na forma como a fobia do menino se estrutura que Freud traça uma rica articulação entre o sintoma fóbico, o recalque, o complexo de Édipo e a angústia de castração.

Em Totem e tabu, Freud (1913/2013) analisa as relações entre as crianças e os animais e afirma haver grande semelhança com a relação que os povos primitivos estabeleciam com os animais totêmicos. Segundo Freud (1913), a criança vê o animal como seu igual e como fonte de informações que os adultos mantêm veladas, a saber, informações sobre a cópula, reprodução e funções excretórias. Assim, podemos caracterizar tal relação como pacífica. No entanto a fobia surge nessa época da infância como uma perturbação dessa mesma relação, a partir da qual a criança passa a temer animais que até pouco tempo lhe despertavam imenso interesse. Aqui novamente Freud (1913) se refere à fobia como uma das "enfermidades psiconeuróticas" (p. 196) mais frequentes da infância, talvez a primeira delas. Ele afirma ainda que as fobias em crianças não foram ainda cuidadosamente investigadas em psicanálise, provavelmente em razão da dificuldade em analisar crianças de pouca idade. É importante lembrar que Hans foi a primeira criança analisada e, ainda assim, não diretamente por Freud, mas pelo próprio pai, sob as orientações de Freud.

A análise do "pequeno Han"” é relembrada em Totem e tabu para sustentar o argumento de Freud (1913), de que o animal temido na fobia é alvo de um medo deslocado do pai. A análise de Hans levou Freud a perceber que o menino assumia uma postura tipicamente edípica ante o pai, rivalizando pelo amor da mãe. O autor se refere ao complexo de Édipo como complexo nuclear das neuroses, pois é o momento em que a criança tem de se haver com o interdito dos dois maiores desejos do homem: matar o pai e ter acesso ao gozo sexual com a mãe (Freud, 1913). São esses desejos inconscientes que, quando mal recalcados, retornam de forma sintomática. No caso de Hans, a fobia surge em seu socorro para protegêlo da angústia causada pela ambivalência de sentimentos dirigidos ao pai. Dessa forma, o recalque tem papel importante na construção de um sintoma fóbico, pois é a partir dele que a angústia antes ligada à ideia de cunho sexual intolerável para a criança se liga ao objeto fóbico, eleito não por acaso, mas por sua conexão, ainda que distante, com o pai.

Freud retoma a discussão acerca do mecanismo da fobia em seu artigo de 1915, intitulado A repressão. Nesse texto, Freud (1915/2010) aborda o mecanismo de defesa presente nas neuroses, cujo objetivo é manter afastado da consciência todo e qualquer conteúdo que, caso se tornasse consciente, causaria imenso desprazer. Ao separar a ideia intolerável de seu afeto original, o mecanismo do recalque mantém a ideia inconsciente, mas deixa o afeto disponível, o que faz com que este se ligue a outra representação ideativa. Freud (1915) menciona um caso de fobia a lobos para exemplificar o destino dado ao afeto após o recalque, na histeria de angústia. No exemplo citado, o que sucumbe ao trabalho do recalque é uma atitude libidinal ante o pai que vem acompanhada de angústia. Notamos aqui que se trata de um complexo de Édipo invertido, ou seja, há uma identificação com a mãe e um investimento objetal no pai, diferentemente do que se passa com Hans. No entanto, trata-se também de uma questão edípica, em que a fobia surge como tentativa de proteger a criança do encontro com a angústia. Após o recalque, a angústia antes ligada à demanda amorosa dirigida ao pai se liga a um novo objeto: o lobo. O resultado é uma angústia ante o lobo e não mais ante o pai.

É somente mais tarde, porém, no ensaio de 1926, intitulado Inibição, sintoma e angústia, que Freud (1926) se debruça sobre a articulação entre a fobia infantil e a angústia de castração. A angústia passa a ser vista como reação ante o medo da castração que pode advir do pai durante o complexo de Édipo, como forma de punição pela transgressão do interdito do incesto, ou seja, pelo desejo do acesso ao gozo sexual com a mãe. Freud (1926) afirma ainda que, ao contrário do que ele havia afirmado anos antes, a angústia é mola propulsora do recalque e não somente um efeito deste. Assim, na fobia infantil, de acordo com Freud (1926), o que está em jogo é o medo de um perigo considerado real pela criança, ou seja, o perigo da castração.

De acordo com Freud as fobias infantis de animais convergem para o complexo da castração e, portanto, para a experiência do complexo de Édipo, o que dá ao pai papel importante, posto que é ele que detém o poder de interditar a criança em seu desejo incestuoso e de levá-la a dar uma saída ao seu processo edípico. No entanto há mais o que se perguntar acerca do papel do pai e também da mãe ao longo do romance edípico e dos efeitos que isso tem para a criança. Lacan retoma a fobia de Hans em seus seminários A relação de objeto e As formações do inconsciente, de 1957 e 1958, respectivamente, e dá um passo adiante, ao se voltar para a função do pai como interditor, mas também, e principalmente, para o lugar da mãe como veiculadora da lei paterna (Lacan, 1957a/1995; 1957b/1995; 1958/1998).

4. AS CONTRIBUIÇÕES DE LACAN À QUESTÃO DA FOBIA: O MEDO DA MÃE

Para Lacan (1957a), no texto Sobre o complexo de castração, é preciso que o sujeito aceite a castração para atingir a maturidade. Ao aceitá-la, a criança tem a possibilidade de seguir o curso de seu desenvolvimento sexual escolhendo novos objetos de amor. Se Freud (1924) nomeou o Supereu como herdeiro do complexo de Édipo, Lacan localiza aí o momento de inscrição da primeira lei que, segundo ele, é instaurada pelo pai.

Com relação ao que está em jogo no Édipo e na fobia Lacan avança. A angústia de Hans já não se refere somente ao medo de ser castrado pelo pai, mas também ao medo de não o ser; medo de desaparecer em meio ao desejo devorador da mãe, que se volta para ele como seu objeto de desejo. O pai, em Lacan (1957a), tem papel fundamental, sendo aquele que pode vir em auxílio da criança, interditando não somente o acesso à mãe como objeto de amor, mas também barrando o desejo desta em seu império, no qual, segundo o autor, a criança já não basta ao tentar ser tudo o que a mãe quer. No texto Os três tempos do Édipo, Lacan (1958) chamou essa situação de "assujeitamento" e localizou aí a fonte de angústia do pequeno Hans, a partir da qual a fobia surgiria como forma de asseguração. É o que se percebe na clínica quando o sintoma da criança se torna sua melhor chance de responder a uma situação angustiante. Há algo no sintoma fóbico que permite que a criança busque uma saída, permite que ela enderece aos pais e ao próprio analista uma demanda de que se coloque "ordem" na situação.

Ainda no texto Sobre o complexo de castração, Lacan (1957a) mostra como o objeto fóbico cavalo faz suplência a um pai real insuficiente para Hans, sendo o pai real, em Lacan (1958), o portador de uma proibição, o agente da castração. Dessa forma, Lacan vê em Hans uma demanda endereçada ao pai, um pedido de que ele faça o que lhe cabe fazer como pai. O objeto fóbico seria, nesse caso, um suplente ao pai real insuficiente, o pai que lhe recusa a mordida/castração que é temida, mas necessária, ou seja, o cavalo, objeto da fobia de Hans, surge como aquele que limita, ameaça e castra, faz tudo aquilo que o menino esperava que o pai fizesse.

De acordo com Lacan (1957b), em As calças da mãe e a carência do pai, o pai real é essencial visto que sua simples presença marca um obstáculo ao objeto mãe. No entanto é preciso mais do que isso para que o complexo de castração se instaure e para que se dê a saída do Édipo. É fundamental que o pai assuma a função de agente da castração, e isso só acontece quando o pai é investido imaginariamente pela criança como aquele que realmente pode castrá-lo, assim o pai real tem sua plena função de castrador e de agente da lei. Isso não acontece para Hans e, diante da carência de um pai que possa mordê-lo/castrá-lo, ele encontra na fobia uma saída para o seu dilema.

A saída encontrada por Hans, denominada por Lacan (1958) de "desfecho desfigurado", levanta questões pertinentes para a clínica psicanalítica com crianças. A criança constrói, por meio de seu sintoma, um discurso que se endereça a quem possa ajudá-la. Hans endereçou seu sintoma e suas fantasias ao "professor Freud" como aquele que sabia algo e poderia ajudá-lo com sua "bobagem". O mesmo ocorre na clínica com crianças. O sujeito endereça seu sintoma ao analista, pois supõe um saber, condição fundamental para que haja análise, mesmo que o sujeito em questão seja uma criança.

5. O SINTOMA FÓBICO NA CLÍNICA: SAÍDA ANTE A ANGÚSTIA

A fobia de cavalos, por parte do pequeno Hans, tal qual relatada por Freud (1909), tornou-se um caso célebre não somente por inaugurar a possibilidade da análise de uma criança, especialmente em tão tenra idade, mas também por inaugurar o lugar de Freud como supervisor (Roudinesco & Plon, 1998). Hans marca sua posição de sujeito de forma veemente, mediante seu sintoma fóbico: o pequeno se recusa a sair de casa, a fim de evitar o encontro com o cavalo temido, assim como se recusa a aceitar a ordem das coisas tal qual elas se apresentam em casa. Ele segue, portanto, questionando o pai acerca do que lhe cabe fazer como pai e denunciando os efeitos do excesso materno de permissividade.

No dia a dia da clínica, são diversas as roupagens do sintoma fóbico, mas sua presença é marcante e atesta a atualidade das elaborações de Freud e Lacan acerca do tema. São casos como o relatado por Freitas (1999), no qual um menino de 7 anos é levado à análise pela mãe por estar agressivo na escola e apresentar muitos temores: de doença, de cair e se machucar e de cachorro (a ponto de correr desgovernadamente quando se depara com um cachorro, correndo o risco de ser atropelado). Os pais do menino são separados desde os 4 anos de idade, e o pai vive nos Estados Unidos. Freitas (1999) relata que a fobia entra em cena em um incidente ocorrido quando o menino contava com 4 anos de idade. Segundo a autora,

A mãe relata que, durante as férias num chalé, ao ficar sozinho com outra criança de sua idade, durante dez minutos, destruiu tudo que era quebrável e cortou o dedo, que sua mãe lavou com muita raiva. A mãe ficou muito assustada e na época não soube o que fazer, pois foi difícil para ela admitir o que tinha realmente acontecido, em suas palavras, a cena foi um horror! (p. 278)

Na primeira sessão, o menino faz uma sequência de três desenhos: no primeiro, desenha o pai vendendo suco em uma barraquinha, escreve seu nome e, logo acima, escreve o nome do pai; em seguida, desenha a boca de um monstro com os dentes de forma agressiva; no terceiro desenho, faz uma trilha em direção à barraquinha do pai com um índio morto por uma flechada lançada pelo monstro que guarda a caverna do tesouro. No verso da folha, desenha uma chave e escreve o título "Mapa do tesouro".

Segundo Freitas (1999), aqui o menino faz um apelo ao pai, expressando sua carência de uma intervenção paterna, e desenha, na figura do monstro, o Outro que o aprisiona na fantasia de ser devorado. Em outra sessão, em resposta à questão "Qual é a cara da morte?", o menino faz uso de um fantoche no qual desenha "a cara da morte", depois de várias tentativas angustiadas. Outro momento da análise digno de nota é a brincadeira de faz de conta, na qual o garoto recria o mito do Chapeuzinho Vermelho, no qual o pai, mesmo morto, instaura uma lei e regula o gozo. Freitas (1999) afirma que diante da carência de um pai real suficiente, o menino desloca seu medo diante da morte para os objetos fóbicos e, a partir do jogo (escrita, desenho, faz de conta) consegue operacionalizar "um elemento de mediação metafórica (onde fracassou a função paterna)" (p. 279).

Vemos com Freitas (1999) que a fobia aqui em questão funciona como forma de asseguração da criança em uma situação sentida como extremamente angustiante: a possibilidade da devoração diante da falta de alguém que intervenha (o pai). O medo diante do cachorro, da doença e da queda é suportável, e a fobia surge, assim como no caso de Hans, como uma forma de estruturação do mundo da criança, permitindo que o encontro com a angustia seja evitado na medida em que o encontro com o objeto fóbico é evitado. Tal evitação, no entanto, tem um custo: abre-se mão de uma parte considerável de liberdade. É a partir do jogo, da escrita e do faz de conta encenado em análise que a criança tem a possibilidade de buscar saídas menos dolorosas. O sintoma fóbico aqui relatado, trazido no discurso da mãe e “na pele” da criança, só pôde ser abordado pela psicanalista a partir das elaborações que a própria criança tece com ele.

Freud (1923/2006) fala, em Dois verbetes de enciclopédia, a respeito da associação livre, regra de ouro da psicanálise, na qual se pede ao sujeito que se coloque na posição de “auto-observador atento e desapaixonado”, comunicando toda e qualquer ideia que lhe ocorra, mesmo e principalmente quando esta lhe parecer desagradável, absurda ou pouco importante. Fica claro, portanto, que a noção de clínica em psicanálise está atrelada à presença e à escuta do sujeito. Na clínica psicanalítica com crianças, a associação livre não se dá como no adulto, mas o lúdico permite que as fantasias e os conflitos da criança sejam trazidos para o contexto da análise. A brincadeira funciona como via de expressão dos conflitos infantis. É o que Hans demonstra ao encenar em suas brincadeiras aquilo que teme: o cavalo que trota, morde e cai. Assim, na análise de crianças, o brinquedo e a brincadeira funcionam como condições que favorecem o desenrolar da análise. De acordo com Vorcaro (2003), a criança constitui sua realidade psíquica no jogo, e

A colocação de coisas de seu mundo numa nova ordem diferencia-se da fala apenas porque os significantes usados não são vocais, mas estruturam-se igualmente no campo dos processos de condensação e deslocamento, ou seja, estão sob a vigência das leis do processo primário (p. 10).

Ainda com relação a Hans, Freud (1909) reproduz na íntegra as comunicações do pequeno paciente acerca de suas fantasias e sonhos de angústia, o que comprova a importância da escuta do sujeito, mesmo quando em tenra idade. Freud (1909) afirma ainda que não considera as comunicações infantis menos confiáveis, mas simplesmente mais próximas de suas fantasias.

A fobia de Hans é analisada pelo pai do menino, mas as linhas e condições do tratamento são designadas por Freud. O menino é instado pelo pai a comunicar o mais livremente possível seus pensamentos e a falar sobre o medo que o aflige. A participação do pai de Hans, imensamente apreciada por Freud, mostra-nos ainda que a análise da criança não se dá sem a participação dos pais, principalmente se se trata, na fobia, como Freud (1909) afirmou, de uma resposta sintomática ante a angústia de castração e o dilema de sentimentos diante dos pais. Percebemos, portanto, a importância que o sintoma tem em psicanálise, pois é a partir dele e através dele que surge a possibilidade de uma elaboração do conflito que o subjaz.

Quanto ao DSM, Calazans e Bastos (2013) questionam, no artigo O manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais e a psicose, a noção de clínica norteadora deste bem como a pretensão de ser universalmente utilizado. Segundo Calazans e Bastos (2013), o modelo proposto pelo manual limita a participação do sujeito no processo diagnóstico e impede a subjetivação do sofrimento, contribuindo para a proliferação de diagnósticos baseados em dados estatísticos que induzem ao tratamento farmacológico. Não há espaço para que o sujeito produza um saber sobre o seu próprio sofrimento, pois é o Outro, na figura do médico, quem aponta o tratamento mais eficaz e menos dispendioso.

Vemos que, a princípio, algo parecido se passa com a criança. Ela é levada até o consultório pelos pais, que se queixam de seu sintoma, e demandam ao analista que faça algo a respeito, que retire o sintoma, de preferência de forma rápida e eficaz, sem maiores complicações. A criança mesma nada demandou do analista ainda. Ela chega ao consultório cercada por uma série de dizeres e saberes a seu respeito. O que se percebe, no entanto, é que o sintoma, muitas vezes, é a única forma encontrada pela criança de se inscrever no discurso da família (Nominé, 1997). Lacan (1969) afirma, em Nota sobre a criança, que o sintoma da criança vem responder ao que há de sintomático na família, ele denuncia a verdade do casal parental. Assim, o saber psiquiátrico, ao tomar o sintoma da criança como transtorno sobre o qual ela nada tem a dizer e tratá-lo pela via da medicalização, faz uma recusa radical ao que há de demanda subjacente ao sintoma: uma demanda endereçada a um outro que pode ajudá-la em sua angústia, sejam os pais ou o analista.

No que concerne à fobia, Freud e Lacan fizeram leituras diferentes, mas não necessariamente excludentes. Para Freud, o que está em jogo na fobia é o medo do pai, medo da punição/castração que o pai pode efetuar com toda sua autoridade diante da constatação de que o filho deseja a mãe. Lacan, por sua vez, avança no sentido de perceber na fobia o medo da falta da castração, ou seja, medo de que a mãe não seja interditada em sua demanda de amor insaciável dirigida ao filho. Uma coisa não muda, no entanto: o sintoma fóbico funciona como barreira protetora para a criança, preservando-a do encontro com a angústia. Encontramos na fobia o sintoma com toda sua importância, como aquele que vem em socorro do sujeito. Interessa-nos então questionar o que ocorre quando a fobia infantil é abordada como medo comum da infância e, portanto, relegada à passagem do tempo que fica encarregado de curá-la, ou no extremo oposto, como transtorno do qual a criança é vítima e precisa se ver livre, sem se questionar sobre a etiologia e o sentido deste.

Se, para a psicanálise, a fobia infantil é uma saída encontrada pela criança ante a angústia, bem como uma demanda endereçada aos pais e ao analista de que alguém coloque “ordem” nas coisas, não permitir que a criança se implique em seu sintoma e que também os pais se impliquem no tratamento da criança, é mantêla no lugar de depositário do sintoma da família, sem a menor possibilidade de saída desse lugar de angústia.

6. CONCLUSÃO

Ao considerar que as experiências infantis são capazes de produzir uma neurose, Freud (1918) demarca a possibilidade e mesmo a relevância da análise de crianças. Esta, apesar de ser marcada por peculiaridades, segue os mesmos princípios da análise de adultos, que é o sujeito que detém um saber sobre o próprio sofrimento e que é fundamental implicá-lo nisso que lhe é mais estranho, permitindo que ele elabore uma nova posição. Na análise de crianças, isso significa abrir a ela uma via de se posicionar de forma diferente diante dos pais, a cujo sintoma o seu vem responder. Significa também implicar os pais no sintoma do filho, responsabilizando-os pela parcela que cabe a eles no sintoma da criança. Tomar o sintoma infantil como um transtorno a ser extirpado pela via da medicação é recusar à criança a possibilidade de encontrar uma saída menos dolorosa para seu impasse e condená-la a continuar "carregando" o peso do sintoma da família.

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Texto recebido em 21 de novembro de 2016 e aprovado para publicação em 20 de junho de 2017.

 

 

*Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), psicóloga pela UFSJ. Endereço: Rua José Procópio, 50 – Caieiras, São João del-Rei – MG, Brasil. CEP: 36307-060.E-mail: diana_lidiasilva@ yahoo.com.br.
** Doutor em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), professor no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFSJ. Endereço: Praça Dom Helvécio, 74 – Dom Bosco, São João Del-Rei – MG, Brasil. CEP: 36301-160.E-mail: camilo@ ufsj.edu.br.
***Doutor em Teoria Psicanalítica pela UFRJ, professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFSJ, bolsista de produtividade nível 2 do CNPq. Endereço: Praça Dom Helvécio, 74 – Dom Bosco, São João Del-Rei – MG, Brasil. CEP: 36301-160.E-mail: roberto.calazans@gmail.com.
1 A primeira data indica o ano de publicação da obra, e a segunda, a edição consultada pelo autor, a qual somente será pontuada na primeira citação da obra no texto. Nas seguintes, será registrada apenas a data de publicação original.

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