SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.1 número1Relações humanas na instituição causando ansiedade e depressãoPalavras trocadas: o mal-entendido em um atendimento de casal índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista da SPAGESP

versão impressa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP v.1 n.1 Ribeirão Preto  2000

 

PARTE I - O GRUPO DA INSTITUIÇÃO E O GRUPO NAS INSTITUIÇÕES

 

O grupo e a instituição1

 

 

Rose Pompeu de Toledo2

Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares - NESME

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A autora apresenta um trabalho de assessoria institucional a um Centro de Juventude de São Paulo realizado por dois psicólogos.

Descreve a instituição e apresenta um fragmento de um encontro do grupo de funcionários desta instituição.

A seguir faz algumas considerações que ilustram o seu entendimento desta determinada relação institucional, utilizando o referencial teórico de Bleger.


ABSTRACT

The author presents an institutional job of accessory to a teen-agers center of city of São Paulo, made by two psychologists.

It shows the institution and presents a part of a meeting of a workers team of this institution.

Following some considerations that show how to understand this institutional relation, using the point of view from Bleger.


RESUMEN

La autora presenta un trabajo de accesoriamento institucional para un centro de la juventud de São Paulo hecho por dos psicólogos.

Describe la institución y presenta una fracción de un encuentro de lo grupo de trabajadores de esta institución.

Por adelante hace algunas consideraciones que ilustran su entendimiento de esta determinada relación institucional utilizando lo referencial teórico de Bleger.


 

 

O título desta mesa me remete à conferência, “O grupo como instituição e o grupo nas instituições”, pronunciada por Bleger em Porto Alegre, em 1970.

Nesse texto Bleger afirma que “um grupo é um conjunto de pessoas que entram em interação entre si, porém, além disso, o grupo é fundamentalmente, uma sociabilidade estabelecida sobre um fundo de indiferenciação ou de sincretismo, no qual os indivíduos não têm existência como tais e entre eles atua um transitivismo permanente” &– Bleger (1964).

Este autor conceitua a personalidade como estruturada pela dinâmica entre um ego sincrético e um ego organizado e postula a existência da comunicação grupal como derivada desta estruturação. A comunicação no grupo é um permanente movimento de diferenciação e indiferenciação. Pode-se dizer que exatamente por este movimento o indivíduo é sempre grupo. Bleger supõe, portanto, uma indissociabilidade entre o sujeito, a organização grupal e a institucional.

Além disso, Bleger faz uma distinção entre a psicologia institucional e o trabalho psicológico em uma instituição. Sua opção é pelo desenvolvimento da psicologia institucional que tem como característica o trabalho com a instituição enquanto totalidade, utilizando o método clínico.

O objetivo do trabalho institucional é promover a saúde e o bem-estar dos integrantes da instituição. Nesse contexto o psicólogo é um técnico da relação interpessoal, dos vínculos humanos e da explicitação do implícito. Assim, trabalhar com psicologia institucional não seria trabalhar no espaço físico de uma instituição. Seria, sim trabalhar com as relações de determinada prática institucional, esperando que no curso do trabalho os agentes e os grupos da instituição possam observar, refletir e buscar os sentidos daquilo que vivem no cotidiano da instituição.

Concordo com estas premissas e, tomando-as em consideração, venho, enquanto psicóloga municipal, desenvolvendo um trabalho de assessoria a um Centro de Juventude na periferia de São Paulo.

 

A Instituição

O Centro de Juventude atende crianças e adolescentes de 7 a 14 anos durante o período em que não estão na escola. É uma instituição vinculada à instituição da educação (escola) e à instituição da socialização primária (família) com finalidades assistenciais.

É vinculado a uma Sociedade de Amigos de Bairro que tem um convênio com a Prefeitura para realizar este serviço. Funciona num espaço físico precário que também é freqüentado por um grupo de terceira idade.

Situa-se próximo a uma represa e em seu entorno existem favelas, escolas, igrejas, equipamentos de saúde, creches e uma grande avenida.

Seus usuários são divididos em grupos de 7 a 9 anos e de 10 a 14 anos. Existe um grupo de cada faixa etária nos períodos da manhã e da tarde. Cada grupo fica numa sala com um monitor que tem por função coordenar o grupo e propor atividades.

Os que freqüentam o período da manhã têm um café da manhã e almoçam no fim do período. Aqueles que freqüentam o período da tarde almoçam quando chegam e têm um lanche antes da saída.

Seus funcionários são: uma diretora - Elena; uma monitora responsável por um grupo do período da manhã e um grupo do período da tarde &– Rita; um monitor que trabalha de manhã &– Manoel; uma monitora que trabalha à tarde &– Silvana; uma cozinheira &– Filomena; uma ajudante de cozinha &– Francisca; e uma servente - Valquíria. Quem coordena todos os funcionários e as outras atividades que ocorrem nesse espaço é a presidente da SAB - Dona Cris. Todos moram nas proximidades do CJ e alguns participam da Sociedade dos Amigos do Bairro; conhecem-se e convivem tanto no espaço de trabalho como no espaço comunitário.

Em meados de 1997 fomos convidados, um psicólogo e eu, para ajudar a iniciar o trabalho do CJ.

A demanda que nos colocaram era “dividir o joio do trigo. Identificar as crianças problemáticas, as com desvio de conduta, as agressivas, etc. Dizer aos monitores como ... colocar limites, como lidar com a sexualidade dos adolescentes...”.

Dissemos sim e não. Sim, ajudamos. Não, não é bem deste jeito que podemos ajudar” - (Rufatto, 1999)

Ao iniciarmos nosso trabalho perguntamos se existia uma reunião de todos os funcionários da qual pudéssemos participar. Essa reunião existia só no papel, com a nossa presença passou a existir concretamente, uma vez por semana.

 

O Grupo

Participam do grupo todos os funcionários e a presidente da SAB. Relatarei, a seguir, um fragmento de um encontro.

Rita (monitora): Lembram do Roberto? Ele brigou com um dos meninos, não deu pra segurar, foi um barraco! Fiquei nervosa, não sabia o que fazer e pedi ajuda pra Elena. Não falamos que é bom poder pedir ajuda? Então, foi isso que eu fiz. Aí a Elena falou com ele, ele ficou muito bravo e foi embora, saiu daqui no meio do período. Nós ficamos super preocupadas, e se ele não vai pra casa? A mãe pensa que ele está aqui e ele não está; ele poderia estar em qualquer lugar. Fiquei apavorada!

Elena (diretora): Falei com ele, disse que brigas acontecem, mas podem ser resolvidas, pode-se conversar com os colegas sobre isso junto com a Rita; e ele só dizia que não agüenta mais ficar aqui, não gosta deste lugar, as crianças brigam com ele, tiram sarro. E aqui não se revolve nada; ele não quer mais vir aqui, está com saudades da avó e quer voltar pro Norte. Aí ele foi embora...

Rita: Ficamos tão preocupadas que fomos até a casa dele, perguntei onde ele morava para um dos meninos e fomos até lá &– no meio da favela é difícil encontrar as casas, lá não tem número! Vocês não sabem, na casa dele tem um buraco na parede e ele se enfiou lá; dava pra ver um pedaço do corpo dele, mas não dava pra ver a cara.

Rita e Elena continuam falando sobre esse menino de 13 anos, recém chegado do Nordeste, da visita à sua casa, da conversa com ele e com a família, e surpresas dizem que no dia seguinte ao “barraco” ele voltou ao CJ. Dona Cris (presidente da SAB): Eu acho que precisa fazer isso com todas as crianças que têm problemas, tem que ir na casa tem que ir atrás, e nós temos que ter mais crianças à tarde, à tarde está muito vazio, tem uma sala com 15 crianças, é muito pouco.

Manoel (monitor): Eu não entro na favela, tenho medo. É pra ir atrás de todas as crianças? Eu não vou! Isso não é tarefa minha.

Dona Cris: Sabe, os moradores da favela também têm medo da gente, eles não sabem quem nós somos, se podemos ser alguma ameaça; nós temos que pensar que não somos só nós que temos medo deles, eles também têm medo de nós.

Silvana (monitora): Essa semana eles foram à represa &– tirar lixo. O lixo vai ser levado à FIESP é um movimento grande... Mas as crianças que mais pegam lixo da represa são as crianças mais sujas, as que a gente briga mais pra tomar banho...

Rita: É verdade, nós fomos junto. Mas tem um problema: as ratazanas são muito nojentas, não dá pra agüentar... E pensar que essa represa era tão bonita, quando eu era criança íamos fazer piquenique, pescávamos.

Manoel: Isso faz bastante tempo, né? Eu é que não quero ficar velho, a represa ficou feia, a gente fica feio quando envelhece; pra mim viver até os 40 tá ótimo.

Manoel: Isso faz bastante tempo, né? Eu é que não quero ficar velho, a represa ficou feia, a gente fica feio quando envelhece; pra mim viver até os 40 tá ótimo.

Elena: você fala isso porque só tem 19, quero ver o que vai dizer quando tiver 40.

Amaury (coordenador) retoma o movimento do grupo, fala do investimento no trabalho, nas crianças e dos medos que estão aparecendo.

Dona Cris e Manoel voltam a falar da favela e se devem ou não ir atrás das crianças.

Filomena (cozinheira): A Cibele podia ter os defeitos dela, mas ela ia atrás de todas as crianças do grupo dela e não tinha medo.

Rita: Quando eu comecei a trabalhar aqui ficava muito tempo pensando nas crianças, na vida que elas têm, nas coisas que aconteciam, isso não saia da minha cabeça. Mas isso me atrapalhava, eu acabava dando menos atenção pra minha família. Acho que não é pra ser mãezona, ir atrás de todo mundo, ou entrar em qualquer lugar.

Digo que acho que vale a pena pensar nesse grupo, que está aqui trabalhando junto; como vocês lidam com as dificuldades de cada um? Dá pra acolhê-las como, por exemplo, acolheram as dificuldades do menino que mora na favela?

Ninguém entendeu. Surge uma discussão sobre o que eu estava querendo dizer: falam das crianças, das famílias e não de si próprios. De repente Manoel entende: Você tá falando da gente, tem que ser psicólogo mesmo pra falar isso!

Começam a falar muito, dois ou três ao mesmo tempo, e aparecem as queixas e os conflitos: monitores x direção, monitores x presidente da SAB... Dizem que estão desanimando.

 

Associações

Nesse encontro o grupo tratava explicitamente de uma criança que pôde ser acolhida. Não tão criança, tinha 13 anos. Seria um rapaz ou ainda não? O que seria? Escondeu-se no buraco... Mostrava que estava lá, mas não mostrava a cara.

E esse grupo tem cara? Se tivesse, como seria?

Um rosto transtornado pelo pavor, olhos arregalados, boca entreaberta?

Um rosto tomado pela raiva, olhos fuzilantes, boca serrada?

Um rosto compreensivo, olhar doce, ouvidos atentos e um leve sorriso nos lábios?

Uma cara autoritária, olhar ameaçador e boca que funciona como metralhadora?

Cara suja, olhos e nariz molhados, alguns vãos entre os dentes?

Cara bonita, esteticamente harmoniosa e fascinante?

Cara velha, enrugada, boca murcha?

Um pouco mais:

A chefe tem cara de chefe? Se sim, de que tipo de chefe ela tem cara? Chefe de polícia, cacique? Que cara será que ela tem quando está em casa? Cara de chefe ou cara de mãe?

E a cozinheira? E os monitores? E as crianças que freqüentam o CJ?

E o que acontece quando essas “caras” se encontram? Que tipos de vínculos estabelecem?

Vínculos cara a cara, corpo a corpo, totais, parciais, sincréticos, simbióticos, diferenciados, indiferenciados, maduros, primitivos?

Durante o encontro com o grupo eu apenas vislumbrava uma carinha ou outra. Se eu falasse delas será que seria útil? Seria mais compreensível para o grupo do que a intervenção que eu fiz lá e que segundo meu colega de coordenação teve efeito semelhante à abertura de um vespeiro?

Essas questões ilustram a minha tentativa de entendimento desta determinada relação institucional. Tentarei responder à última, afinal minhas associações conduzem a ela.

Acredito que uma ou outra intervenção teria o mesmo efeito. O difícil para esse grupo é falar dos conflitos do cotidiano institucional, pois participam dele todos os grupos de trabalhadores desta instituição (os mandantes e os mandados). Entretanto, o conflito é um elemento normal e imprescindível em qualquer manifestação humana e o grau de saúde de uma instituição não é dado pela ausência de conflitos, mas sim pela possibilidade de explicitá-los e resolvê-los dentro do limite institucional. Os encontros desse grupo configuram o limite institucionalizado para os esclarecimentos, as explicitações, as indagações e a abordagem dos conflitos. Um dos objetivos do trabalho desenvolvido com o grupo desta instituição é que os conflitos possam se assumidos por seus integrantes no curso de suas tarefas ou funções.

Se pudermos trabalhar com o grupo como os seus integrantes representam as relações vividas nessa prática institucional, como se percebem na relação com a tarefa e na relação com os outros enquanto executam a tarefa, talvez outras questões possam ser esclarecidas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Bleger, J. (1964) - “Temas de Psicologia”. Martins Fontes, São Paulo, 1980.

Rufatto, A. T. (1999) - “Acompanhando um grupo de educadores”. Trabalho apresentado na Jornada Interna do CEPPV em julho de 1999.

 

Endereço para correspondência
Rose Pompeu de Toledo
R. Araguari, 78. São Paulo - SP, 04514-040
Fone: (5511) 241 5865
E-mail: rptoledo@uol.com.br

 

 

1 Trabalho apresentado na IV Jornada da SPAGESP, de 28 a 29 de abril de 2000, em Ribeirão Preto, SP.
2 Psicóloga, Mestre em Psicologia Clínica, Especialista em Psicoterapia Psicanalítica, Presidente do NESME, docente no CEPPV - NESME e no NUF - SPAGESP.