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Revista da SPAGESP

versão impressa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP v.1 n.1 Ribeirão Preto  2000

 

PARTE III - COMO TRABALHAMOS PSICANALITICAMENTE COM GRUPOS

 

Alguns aspectos do trabalho psicanalítico com grupos de discussão1

 

Waldemar J. Fernandes2

Centro de Educação Permanente em Psicanálise de Vínculos - CEPPV

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O autor mostra que estamos vivendo tempos de resultados fáceis, onde a psicanálise é atacada, e questiona: de que serviria o autoconhecimento para um homem conformado à condição de objeto, que não se julga responsável por seus males?

Propõe o que chama de trabalhar psicanaliticamente com grupos, de realização menos complexa e cada vez mais necessária, seja com aspirações terapêuticas, seja visando à aprendizagem.

Apresenta uma classificação dos trabalhos grupais, enfatizando: Grupos com Finalidades Operativas e Grupos com Finalidades Terapêuticas.

Quanto aos Grupos de Discussão, pode-se entendê-los como um grupo com tarefa restrita à discussão em cima de tema (s) e do contexto em que ocorrem. O objetivo é fazer circular o saber, o pensar de cada participante, despertar associações e formar conhecimento, procurando horizontalizar o saber e a prática de cada um.

O autor acredita que o Grupo de Discussão seja um excelente estimulador do pensar democrático e horizontal, principalmente em congressos e jornadas.


ABSTRACT

According to the author we are having easy results, where psychoanalysis is attacked, and he asks what self-knowledge is for, to a thing-like man who doesn’t believe he is responsible for himself.

Working psychoanalytically with groups is less complex and more and more necessary for both therapeutic aspirations and learning.

The author presents a group work classification emphasizing Groups with Operative Aims and Groups with Therapeutic Aims.

As for the Discussion Groups, they are able to discuss on the themes and context in which they occur.

The aim is to spread knowledge, each participants’ way of thinking, awake associations and create knowledge, trying to level each one’s knowledge and practice.

The author believes that the Discussion Group is an excellent stimulating aid for leveling, mainly in congresses and meetings.


RESUMEN

El autor muestra que estamos viviendo tiempos de resultados fáciles, donde el psicoanálisis es atacado y cuestiona: ¿De qué serviría el autoconocimiento para un hombre conformado a la condición de objeto, que no se juzga responsable por sus males?

Propone lo que llama de trabajar psicoanalíticamente con grupos, de realización menos compleja y cada vez más necesaria, sea con aspiraciones terapéuticas, o visando el aprendizaje.

Presenta una clasificación de los trabajos grupales, enfatizando: Grupos con finalidades operativas y Grupos con finalidades terapéuticas.

En cuanto a los Grupos de Discusión, se los puede entender como un grupo con una tarea restricta a la discusión encima del tema (s) y del contexto en que ocurren. El objetivo es hacer circular el saber, el pensar de cada participante, despertar asociaciones y formar conocimiento, tratando de horizontalizar el saber y la práctica de cada uno.

El autor cree que el Grupo de Discusión sea un excelente estimulador del pensar democrático y horizontal, principalmente en congresos y jornadas.


 

 

Introdução

Estamos num tempo em que a cultura está gravemente enferma: se os fármacos podem tudo, assim como a genética e a neurobiologia, se o sofrimento íntimo de cada um nada vale, o que fazer?

São tempos de resultados fáceis, onde a psicanálise é atacada, pois de que serviria o autoconhecimento para um homem conformado à condição de objeto, que não se julga responsável por seus males, que não pode ficar para trás, sempre competindo? &– Pessotti (2000).

Por outro lado, o processo psicanalítico tradicional, três a quatro vezes por semana, por anos seguidos, vai se tornando de difícil realização devido às dificuldades de se encontrar tempo para isso, além do tempo necessário para os deslocamentos no trânsito... sem falar no aspecto financeiro, cada vez mais importante!

Muitos de nós temos pensado em como seguir adiante, sem perder a esperança de criar, de evoluir e de colaborar com a expansão do universo mental, nestes novos tempos. Dessa forma, como aproveitar da importância da psicanálise, ao lado da psicofarmacoterapia e de todos os avanços tecnológicos é o desafio que enfrentamos hoje. &– Fernandes (1999).

Constatamos ainda, que, se a psicanálise em seu modelo mais ambicioso não for possível, trabalhar psicanaliticamente, por outro lado, é de realização menos complexa e cada vez mais necessária. Isso pode e tem sido feito, com aspirações terapêuticas ou visando à aprendizagem. Vou agora enfatizar um de seus aspectos mais atuais, que é o da interação e uso com o dispositivo grupo.

 

O Trabalho Psicanalítico com Grupos

Vamos nos referir ao vínculo e à psicanálise vincular, o trabalho multipessoal de base psicanalítica.

Como ninguém é proprietário da verdade única, é importante esclarecer que, para mim, vínculo é uma estrutura de relações, onde ocorre experiência emocional entre pessoas ou partes de uma pessoa.

Se, no conceito de vínculo, obrigatoriamente ocorre experiência emocional, podemos dizer, por outro lado, que no vínculo, as partes envolvidas estão sempre em comunicação, pois comunicar significa compartilhar informações, o que permite a ambos terem algo em comum, fazerem um vínculo. Dentro dessa temática importa muito seenfatizar que é extremamente diferente nossa vida e nossa capacidade comunicativa quando consideramos ou não o outro real externo!

 

Classificação do Trabalho Grupal

O processo comunicativo vincular terá algumas diferenças de abordagem de acordo com os objetivos a serem alcançados. Teremos de buscar uma forma de classificar e discriminar os diversos tipos de trabalho grupal, o que considero fundamental, pois grande parte dos insucessos nessa tarefa provém da confusão provocada pela não especificação dos objetivos do profissional que, lamentavelmente, muitas vezes não pára para pensar no que está fazendo e em quais suas intenções.

Em qualquer grupo os fenômenos grupais (níveis cs. e ics. de funcionamento grupal) são os mesmos - as pessoas têm as mesmas indagações, aflições e pedidos, as lideranças emergem e as comunicações verbais e não verbais se estabelecem. O que varia é o objetivo consciente de quem procura o grupo e a atitude do coordenador, que, de acordo com a tarefa, irá reagir ao grupo diferentemente.

A classificação principal para nós é a seguinte: Grupos com Finalidades Operativas e Grupos com Finalidades Terapêuticas. No momento vou me dedicar apenas aos primeiros.

 

Grupos Psicanalíticos com Finalidades Operativas

São realizados com o objetivo de esclarecer temas, situações, favorecer tarefas, proporcionando algum tipo de aprendizado que favoreça o progresso dos participantes e da equipe.

É claro, que - em certa medida - sempre serão terapêuticos também, apesar de não terem essa finalidade precípua. Da mesma forma, os grupos terapêuticos proporcionam alto grau de aprendizagem.

Nesses grupos, o processo comunicativo vincular pode ser aprimorado através de treinamento adequado, visando aperfeiçoar a execução das tarefas. Não trabalharemos, entretanto, com o objetivo de interpretar aspectos inconscientes, resistências individuais, nem o vínculo transferência-contratransferência.

 

Exemplos

Grupos de Discussão (Congressos)

Grupos Temáticos (Textos, etc.)

Grupos de Orientação (Gestantes, Diabéticos, Hipertensos, Alcoolistas e outros)

Grupos Comunitários (Idem Anterior).

Grupos Balint (Discussão de Casos em Equipe multidisciplinar).

Grupos Operativos (Escolas, Empresas).

Grupos de Reflexão (CEPPV - NESME, NUF - SPAGESP, Ensino Psi).

Entre os mais importantes grupos psicanalíticos com finalidades operativas estão os Grupos de Discussão.

 

Os Grupos Psicanalíticos de Discussão

Podemos entendê-los como um grupo com finalidades operativas, ao lado dos grupos operativos propriamente ditos ou também como uma modalidade de Grupo Operativo, com tarefa restrita à discussão em cima de tema(s) e do contexto em que ocorrem. O objetivo é fazer circular o saber, o pensar de cada participante, despertar associações e formar conhecimento, procurando horizontalizar o saber e a prática de cada um.&– Fernandes e Fernandes (1999).

 

Breve Histórico

Lembro das primeiras experiências com grupos de discussão, ainda não batizados com esse nome, nos congressos da ABPAG que ocorreram na década de 80: na época, dividíamos os congressistas em grupos pequenos que discutiam o tema de uma mesa, na presença de um sintetizador. Os sintetizadores, no final do período apresentavam seus relatórios. Dependendo de sua capacidade de síntese ou de sua prolixidade, a atividade podia ser maçante - um pouco mais ou um pouco menos -, mas sempre pouco dinâmica, embora útil.

Creio que na década de 90, a partir de experiências conjuntas da ABPAG e do NESME, particularmente com a introdução dos Encontros Luso-Brasileiros é que esses grupos foram adquirindo outra dinâmica, em nossa opinião, mais rica.

Após três ou quatro apresentações em mesa redonda, passamos à discussão dos temas, em grupos menores, ou mesmo num único grupo por mesa, coordenados por especialistas em grupos, sempre que possível em duplas. Com isso, procuramos quebrar, pelo menos parcialmente, o nível de funcionamento grupal de dependência, tradicional nos congressos, partindo para uma discussão horizontal e criativa.

O coordenador tem de estar muito atento frente às dificuldades inerentes a essa modalidade de grupo, procurando esclarecer, facilitar a circulação dos temas e dos participantes.

Já há dois ou três anos estamos usando esse dispositivo nas jornadas da SPAGESP, nem sempre com os necessários cuidados.

 

Assim, numa jornada preparada às pressas:

O tema rolou em torno de dificuldades no trabalho com hospital-dia, como é difícil tal coordenação, ficamos impotentes, etc. Pareceu-me que falávamos da impotência dos participantes perante a impotência do coordenador inexperiente, colocado de última hora para coordenar o grupo, sem bagagem para enfrentar a grandiosa e misteriosa tarefa.

 

Eem outras ocasiões, esses grupos salvam o congresso de dificuldades:

Num dos Encontros Luso-Brasileiros, os Grupos de Discussão revelaram dificuldades que portugueses e brasileiros estavam tendo para se entenderem, apesar de falarem, “aparentemente”, a mesma língua. O sotaque e as expressões próprias de cada cultura deixavam como única saída a possibilidade de comunicação pelo vértice afetivo. Nesse caso, os grupos foram responsáveis por grande parte do sucesso obtido.

 

Por vezes as dificuldades são grandes, assim, em um dos Congressos do NESME...:

Convidamos alguns psiquiatras biológicos de certo renome, que falaram sobre depressão, endorfinas, antidepressivos e outros temas do momento, em mesa onde outros colegas também falavam sobre psicodinâmica - visando uma integração - mas, em verdadeiro conluio, expositores e parte do público, mantiveram o esquema tradicional de perguntas e respostas, inibindo a parcela do grupo que desejava discutir mais amplamente, não respeitando a coordenação.

 

Algumas conclusões da Área de Grupos do NESME em Encontro específico sobre Grupos de Discussão

 

Dificultadores nos Grupos de Discussão:

1. Maior participação dos colegas mais experientes e que já se conhecem, e certa inibição dos demais.

2. Polarização da discussão entre dois participantes monopolizadores e sedutores, podendo ser um deles o palestrante. Caso a polarização seja explicitada pelo coordenador, este parece ficar como alvo de ataques pelos membros do grupo.

3. Polarização na discussão de um dos temas apresentados, deixando o palestrante excluído bastante frustrado.

4. Falta de esclarecimentos iniciais por parte do coordenador, tais como objetivos e limites, deixando o grupo sem saber bem o que era para fazer.

5. Coordenador “laissez faire”.

6. Participantes “verborrágicos” com muito espaço para falar, desestimulando os demais.

7. Utilização dos grupos de discussão para tentar impor idéias, rejeitando posições contrárias.

8. O(s) palestrante(s) não terem claro o propósito dos grupos de discussão.

 

Facilitadores nos Grupos de Discussão:

1. O coordenador ter idéia clara do que é um Grupo de Discussão.

2. Situar e comprometer o grupo no início, reforçando ao longo do trabalho quais os objetivos e limites do Grupo de Discussão &– uma tarefa compartilhada.

3. Pinçar pontos para uma reflexão e fazer sínteses em alguns momentos, para ajudar o grupo a pensar.

4. O coordenador atento pode estimular e questionar participantes calados, convidando-os a colocarem suas opiniões.

5. Firmeza, do coordenador, para evitar monopolizações.

6. Participantes mais envolvidos com os objetivos preestabelecidos colaborarem com os coordenadores em momentos de impasse, ajudando a circular melhor a discussão.

7. O coordenador sugerir, frente à insistência do grupo em obter respostas dos palestrantes, que primeiramente o grupo discuta, para posteriormente os palestrantes opinarem.

8. Durante a discussão manter atenção flutuante no tema proposto e na dinâmica do grupo, criando interseções entre ambas.

 

A Importância do Coordenador de Grupos Psicanalíticos de Discussão e de sua Personalidade

Uma das capacidades mais necessárias para o coordenador é saber ouvir. Além disso, o coordenador de grupos deve ser confiável, despertar confiança e esperança, o que só é possível se ele acreditar no processo grupal.

Tal profissional necessitaria ter certas condições de personalidade, como por exemplo: Segurança, auto-estima razoavelmente estável, tolerância à frustração, certa limitação da onipotência, do narcisismo, do sadismo e da inveja, gostar de pessoas e poder ser continente de aspectos destrutivos e narcísicos dos participantes sem muita persecutoriedade.

Entretanto, sendo simplesmente seres humanos, nossa personalidade está sempre envolvida e talvez num certo momento, estejamos mesmo querendo mostrar como somos inteligentes ou então estejamos tomados por sentimentos invejosos. Daí a importância dos cursos de formação de coordenadores de grupo, que incluem supervisão e análise pessoal, que são a nosso ver, pilares da formação.

Um dos riscos que corremos quando envolvidos com o narcisismo e onipotência, é que a tarefa de coordenação grupal seja concebida a partir de uma posição de poder, como que para dizer ao grupo toda a verdade que se passa nele, negando qualquer outra visão que não a nossa, tentando proporcionar uma (falsa) sensação de tranqüilidade - Jasiner e Voyer (1994).

Nada é mais destruidor para um sujeito do que ser reduzido a seu sistema físico-químico. Como não temos uma concepção da vida psíquica como mera cadeia de processos neurobiológicos, de origem genética ou mesmo cultural, acreditamos na autoria do sujeito em seu crescimento pessoal.

Acreditamos também no grupo como o mais eficiente dispositivo para proporcionar o Universo em Expansão, a que Bion se referia, e, particularmente, pensamos que o Grupo de Discussão, seja um excelente estimulador do pensar democrático e horizontal, principalmente em Congressos e jornadas como esta em que foi apresentado este trabalho, agora publicado na Revista da SPAGESP.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Fernandes, W. J. (1999) - Novas Tendências no Trabalho com Grupos. Anais do III Congresso de Psicanálise das Configurações Vinculares e II Encontro Paulista de Psiquiatria e Saúde Mental, Águas de São Pedro, Editora Ottoni, Itu, SP, (234-242).        [ Links ]

Fernandes, B. S. e Fernandes, W. J. (1999) - Grupos de Discussão e Grupos de Reflexão &– das Vicissitudes de sua Coordenação - Apresentado no XI Congresso Brasileiro de Psicoterapia Analítica de Grupo e V Encontro Luso-Brasileiro de Grupanálise e Psicoterapia Analítica de Grupo, Rio de Janeiro, em Novembro de 1999.        [ Links ]

Jasiner, C. e Voyer, H. (1994) - Zonas Obscuras do Coordenador - Anais do XI Congresso da FLAPAG, Vol. 03, Epistemática Multimedia, Buenos Aires (51-59).        [ Links ]

Pessotti, I. (2000) - A Ideologia da Sociedade Depressiva - (Sobre Elisabeth Roudinesco) - Suplemento “Mais” - Folha de São Paulo - 26/03/00.

 

Endereço para correspondência
Waldemar J. Fernandes
Rua Turiaçu, 143/134
05005-001 &– São Paulo /SP
e-mail: wb.fernandes@terra.com.br

 

 

1 Apresentado na IV Jornada da SPAGESP &– Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo, abril/2000, R. Preto.
2 Psiquiatra clínico e psicoterapeuta, docente do CEPPV &– Centro de Educação Permanente em Psicanálise dos Vínculos, órgão de formação do NESME &– SP, e do NUF &– Núcleo de Formação da SPAGESP &– RP.