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Revista da SPAGESP

versão impressa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP v.1 n.1 Ribeirão Preto  2000

 

PARTE III - COMO TRABALHAMOS PSICANALITICAMENTE COM GRUPOS

 

Grupos breves1

 

 

Solange A. Emílio Marchioni2

Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares - NESME

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente trabalho introduz e discute a aplicação de conceitos da psicoterapia breve individual para as diversas modalidades dos considerados “grupos breves”.


ABSTRACT

The present work introduces and discusses the use of some concepts from the individual brief psychotherapy applied to the called “brief groups”.


RESUMEN

El presente trabajo introduce y discute la aplicación de algunos conceptos de la psicoterapia breve individual para las diversas modalidades de los grupos considerados breves.


 

 

O valor da transitoriedade é o valor da escassez no tempo (…)

Uma flor que dura apenas uma noite nem por isso nos parece menos bela. Tampouco posso compreender melhor por que a beleza e a perfeição de uma obra de arte ou de uma realização intelectual deveriam perder seu valor devido à sua limitação temporal.

(Freud, 1915, pp.217-318)

 

O que é breve, efêmero, transitório, passageiro inevitavelmente nos remete à questão da finitude, da limitação, da temporalidade. Na verdade, todos os fenômenos, a começar pela vida humana, trazem, desde o seu início, a certeza do fim. Podemos vivê-los de diversas formas: aproveitando o que existe enquanto está vivo; experimentando, por outro lado, a sensação de que nada poderá ser feito ou acabado, devido à morte anunciada, ao término pré-estabelecido; ou, então, tratando-os como se fossem eternos, infinitos, atemporais.

Os grupos, muitas vezes, alimentam a ilusão da possibilidade de manutenção da continuidade e evitação do fim, na medida em que parecem sobreviver à ausência de um ou outro membro. Um aluno falta à aula e se contenta em copiar a matéria registrada pelo colega. Um integrante de um grupo terapêutico pode acreditar que a sua falta à sessão não será importante, na medida em que há outros membros presentes. O mesmo pode ocorrer no caso das desistências &– “se eu nunca mais for, o grupo continuará”. Na verdade, não consideramos que será um outro grupo o que permanecerá vivo, e nunca o mesmo.

Por esses e outros motivos, cabe pararmos um pouco para refletirmos acerca do que acontece quando o grupo proposto traz, como princípio, o seu fim &– é o caso dos denominados “grupos breves”.

A exemplo do que ocorre nas psicoterapias breves individuais (Guillièron, 1986; Kahtuni, 1996), os grupos considerados breves são aqueles caracterizados por uma limitação no tempo, em função de um determinado foco. O que define um grupo como breve, então, não é um número mínimo de horas, nem a tarefa em si, ou o referencial teórico utilizado, mas a proposta de que seja respeitado o limite pré-estabelecido em função do foco. Dessa forma, podem existir grupos breves com a duração de horas, semanas, meses ou anos e com diversos objetivos: psicoterápicos, de ensino-aprendizagem, de discussão em congressos e jornadas, de reflexão, comunitários, temáticos, etc.

Considerando os grupos breves a partir do referencial psicanalítico, há algumas diferenças importantes em relação aos grupos com duração indeterminada. O terapeuta ou coordenador de um grupo breve com essa orientação deve conhecer alguns princípios básicos da psicoterapia psicanalítica breve individual que são significativos.

Também para o trabalho com grupos. Destacarei aqueles que considero mais importantes e que podem se aplicar a todas as modalidades de grupos breves:

 

1. O manejo da transferência

As manifestações transferenciais são inevitáveis em qualquer campo grupal, seja terapêutico ou não. Isso quer dizer que os membros do grupo tendem a reviver, junto à pessoa do terapeuta ou de seus pares, sentimentos vivenciados no passado em relação a outras figuras. Por exemplo, diante de um membro do grupo que sempre se atrasa e costuma não pagar as sessões de terapia na data certa, podem ser mobilizados, em alguns ou vários membros, sentimentos hostis em relação ao terapeuta (vivido como uma mãe superprotetora), que podem estar contando muito mais da atualização de sentimentos infantis em relação às próprias mães.

Se no caso da psicanálise individual ou grupal o terapeuta espera os fenômenos de regressão e transferência e procura reconhecer, conter e manejar a transferência grupal negativa (Zimerman, 1993), nos grupos breves, psicoterápicos ou não, a transferência negativa não é estimulada e quando ocorre, deve ser interpretada claramente, em relação ao aqui-agora do grupo e com o foco do trabalho, evitando-se os significados inconscientes e as conflitivas individuais. A transferência positiva, muitas vezes mais desejável nos grupos breves, também deve ser manejada de forma a não desviar o grupo de seu propósito.

Por exemplo, num grupo de discussão de um congresso, ocorrido ao final de uma mesa temática bastante instigante, a primeira fala de um dos membros dirige-se a um dos palestrantes presentes, elogiando a sua “performance” e formulando uma pergunta acerca do tema proferido por ele. O coordenador do grupo aponta que a proposta naquele momento era que pudessem todos os presentes aproveitar o espaço para discutir as questões e colocações. Na seqüência, outros membros elaboram questões, também se dirigindo ao mesmo palestrante. Este, faz menção de responder, parecendo constrangido diante da situação e o coordenador intervém dizendo que o grupo parecia estar sugerindo que a palestra continuasse, mas o grupo de discussão ali proposto tinha uma outra meta. Assim, o palestrante estaria convidado a participar como qualquer outro membro do grupo, mas sugeria que ele aguardasse que os outros participantes pudessem discutir as questões formuladas. Ocorreu que outras pessoas começaram a se posicionar acerca do tema e várias contribuições foram surgindo dos participantes, inclusive do palestrante referido, mas de forma mais horizontal. Assim, ele pôde ser retirado do lugar do “pai” onipotente e onisciente em que havia sido colocado pelo grupo, sem que isto fosse interpretado desta forma pelo coordenador.

 

2. Atenção flutuante X Atenção seletiva

Em psicanálise, geralmente trabalha-se com as associações livres dos pacientes. O analista escuta o analisando ou o grupo utilizando a atenção flutuante, sem privilegiar qualquer elemento, deixando fluir livremente a sua própria atividade inconsciente e evitando direcionar a sua atenção. No caso dos grupos breves, pelo contrário, sugere-se a atenção seletiva, ou seja, o terapeuta ou coordenador deve direcionar a sua atenção para o material relacionado ao foco proposto pelo grupo, ficando os demais elementos relegados a um segundo plano, por mais interessantes que possam parecer.

Como exemplo, cito um grupo breve, com duração total prevista de 12 horas, formado por professores e orientadores educacionais de uma mesma escola, que tinha como objetivo discutir a relação professor-aluno. Num dado momento, uma das professoras começa a discutir uma recente imposição institucional, e diversos outros membros, entre eles professores e orientadores, passam a levantar os prós e contras de tal imposição. As pessoas responsáveis pela mesma não estavam presentes e nada poderia ser alterado naquele momento. O coordenador do grupo apontou que esta questão parecia estar mobilizando o grupo e que talvez fosse importante poderem retomá-la com as pessoas envolvidas, mas, naquele momento, poderiam refletir sobre as implicações dela diante da tarefa de professores e orientadores em relação aos alunos. Passaram a discutir, então, como pareciam estar se sentindo exigidos em excesso pela diretoria e que, conseqüentemente, tendiam a exigir demais dos alunos. Voltaram-se para o foco, aproveitando, justamente o que poderia distanciá-los dele.

 

3. A elaboração do término

Mesmo quando um grupo inicia um processo cônscio de seu fim, garantir o seu encerramento não é tarefa de todo fácil para nenhum dos envolvidos. É bastante comum os grupos tentarem postergar o seu término, mesmo quando os objetivos principais buscados já tiverem sido alcançados. Também não é raro o coordenador ou terapeuta se ver, contratransferencialmente, impelido a alterar o contrato inicial, acreditando que o seu trabalho não esteja concluído.

Por esse motivo, é fundamental que o terapeuta ou coordenador tenha muito claro o foco proposto e procure garantir que o enquadre se faça cumprir. Para isso, é importante também preparar o grupo para o encerramento, proporcionando um espaço grupal em que seja possível ir vivendo e elaborando esse luto.

 

Para encerrar, vou tomar emprestada uma fala de Marguerite Duras:

Seria preciso avisar as pessoas dessas coisas.

Ensinar que a imortalidade é mortal, que ela pode morrer, que já aconteceu, que acontece ainda. Que ela não se anuncia por si mesma, nunca, que é a duplicidade absoluta.

Que não existe no detalhe, mas somente no princípio.(...)

Que é enquanto se vive que a vida é imortal, enquanto ela está viva.

(Marguerite Duras, 1996. p. 115)

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Duras, M. (1996) - O Amante. Editora Record, (Col. Mestres da Literatura Contemporânea), Rio de Janeiro, 1996.        [ Links ]

Freud, S. (1915) - Sobre a Transitoriedade. Tradução sob a direção geral de Jayme Salomão. (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v. 14), Rio de Janeiro, Imago, 1988.        [ Links ]

Gillièron, E. (1986) - As Psicoterapias Breves. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor, 1986.        [ Links ]

Kahtuni, H. C. (1996) - Psicoterapia Breve Psicanalítica. São Paulo. Escuta, 1996.        [ Links ]

Zimerman, D. E. (1993) - Fundamentos Básicos das Grupoterapias. Porto Alegre, Artes Médicas, 1993.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Solange A. Emílio Marchioni
Rua Octacílio Tomanick, 211
05363-000 São Paulo, SP
E-mail: solangemarchioni@ig.com.br.
Fone 3733-0806

 

 

1 Trabalho apresentado na IV JORNADA DA SPAGESP &– GRUPOS HOJE &– (abril/2000 &– Ribeirão Preto &– SP - Mesa 3 &– Como Trabalhamos Psicanaliticamente com Grupos).
2 Psicóloga e supervisora Clínica. Mestre em distúrbios do desenvolvimento pela Universidade Mackenzie - SP. Doutoranda em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela USP &– SP. Psicóloga do Centro de Ensino Infantil e Fundamental São José. Professora universitária. Coordenadora da área de grupos do NESME.