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Revista da SPAGESP

versão impressa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP v.1 n.1 Ribeirão Preto  2000

 

PARTE III - COMO TRABALHAMOS PSICANALITICAMENTE COM GRUPOS

 

Psicoterapia analítica de grupo hoje1

 

 

Fábio J. Gonçalves da Luz2

Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo - SPAGESP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A psicoterapia analítica de grupo tem uma origem que já se divisa longe, e sua prática foi sendo sedimentada em um contexto próprio à época do desenvolvimento da teoria mais conhecida. Questiona-se a validade de uma praxe que não esta inserida no novo modo vivente de terapeutas e analisandos. As adaptações passam não só pela teoria, que sempre busca se adaptar à realidade e não o inverso, como também a necessidade de ter suas sociedades fomentadoras em sintonia com um moderno modo de se inserir no mercado de escolas de técnicas. Exemplifica algumas práticas atávicas e que estão em desacordo com a ética atual da profissão médica e do código de defesa do consumidor brasileiro.


ABSTRACT

Group analytical psychotherapy has a remote origin and its practice has been rooted in a context related to the development period of the most known theory. The validity of a practice, which is not in the new living world of therapists and patients, is questioned. Adaptations go through theory, which always tries to adapt to reality, as well as through the need to have their fomenting societies in tune with a modern way of being inserted in the market of technical schools. There are examples of some atavic practices, which disagree with the present ethic of medicine and with the Brazilian consumer protection code.


RESUMEN

La psicoterapia analítica de grupo tiene un origen que ya se divisa lejos, y su práctica fue sedimentada en un contexto propio a la época del desenvolvimiento de la teoría más conocida. Se cuestiona la validez de una praxis que no está insertada en el nuevo modo viviente de terapeutas y analizandos. Las adaptaciones pasan no sólo por la teoría, que siempre busca adaptarse a la realidad y no lo inverso, como también la necesidad de tener sus sociedades fomentadoras en sintonía con un moderno modo de insertarse en el mercado de escuelas de técnicas. Ejemplifica algunas prácticas atávicas y que están en desacuerdo con la ética actual de la profesión médica y del código de defensa del consumidor brasileño.


 

 

Examinar o modo da prática da Psicoterapia Analítica de Grupo pressupõe, do ponto de vista que se adota neste trabalho, uma evolução da maneira de se enfocar e lidar com os aspectos objetivos da PAG, quais sejam: o setting, a indicação dos pacientes, a composição do grupo no que tange a número de pacientes, duração, freqüência, forma de remuneração. E a aspectos mais próprios à subjetividade, como o “olhar analítico”, o timming, a interpretação, e enfoque teórico.

No entanto mister se faz reconhecer que ao lado de um conjunto teórico/técnico em grande parte inespecífico, tem andado a reboque de outras técnicas mais antigas ou pelo menos mais utilizadas e com uma penetração, no meio terapêutico, mais intensa. Assim, temos uma técnica escrita pouco desenvolvida e uma prática quase misteriosa, pois pouco se troca de sincera informação. Podemos então perguntar, se assim o é por que não temos o que trocar de informações, ou se já tudo foi desenvolvido sendo pacífico o conhecimento sobre a PAG?

Certa feita um engenheiro perguntou-me por que ainda estudar Freud, se já não estaria ultrapassado seu conjunto de ensinamentos. Respondi que o ser humano não mudava tanto assim em tão pouco tempo de evolução. A essência permanecia. Ora seria isto verdadeiro ou um esforço em não reconhecer o que tem mudado na assim chamada essência do ser humano? Claro que temos autores novos citando com freqüência os autores antigos, às vezes tanto que não se reconhece em seus textos o que é só seu, o que é autóctone naquele autor. A psicoterapia que praticamos hoje tem muito do que era praticado em seus meados, por volta dos anos sessenta do século vinte. Em que medida o que sobrevive, sobrevive porque se mostra como a essência ou porque não se desenvolveu em nada do que deveria se desenvolver?

Se não há desenvolvimento é porque falta estímulo econômico para isto, atraindo poucos capazes de promover o realinhamento das técnicas e seu desenvolvimento.

Há mudanças severas e profundas na forma de se relacionar enquanto cidadão, enquanto familiar, enquanto cônjuge e amigo. As leis têm mudado e no entanto a relação médico/paciente ou a relação terapeuta/paciente pouco parece se alterar nas páginas dos livros de textos desta área. Muitos se mantêm com uma indiferença sublime aos aspectos da intermediação de seu trabalho por companhias seguradoras, planos de saúde e cooperativas de trabalho. A própria sociedade mudou, por força da lei, a relação de poder despótica esclarecida em consultórios. Determina o cumprimento de direitos básicos como o não pagamento de serviço não prestado, como por exemplo, o das sessões não realizadas e, até então, cobradas como prática sagrada e consolidada pelo terapeuta e seus aprendizes. Certas prerrogativas atávicas, a de os pacientes só terem férias sem remunerar o terapeuta, se estas coincidissem com as suas, determinando assim o modo vivente do paciente e de sua família! Eram (são) tidas como naturais.

O que provocou estas mudanças é sem dúvida a perda de prestígio dos profissionais e de suas profissões pela banalização do ato, obtida pela multiplicidade de agentes formados em grande número por novas universidades, e a necessidade peremptória destes de trabalhar. Só não se curvavam à existência destas necessidades  porque não tinham concorrência. Novas técnicas, e novos técnicos obrigam a uma reavaliação do modo operante da PAG sob forte ameaça de sair de cena, tanto a técnica quanto seu executor.

Neste contexto as sociedades civis de formação de psicoterapeutas de grupo mostram-se frágeis como estrutura empresarial, pois aos se posicionarem corretamente como não lucrativas adotam erroneamente uma prática onerosa e administrativa amadora não conseguindo atrair e manter em suas fileiras candidatos e membros. Uns por não terem recursos financeiros suficientes para esta empreita, a qual não é de maneira alguma obrigação da instituição, outros por não conseguirem aplicar os conhecimentos obtidos paulatinamente e mais uns tantos por não se identificarem e não sentirem que pertencer à sociedade lhes dá de maneira continua um benefício que não obteriam se não pertencessem àquela sociedade especifica.

Uma sociedade científica é uma prestadora de serviços e tem de prestá-los sob forte  risco de definhar e desaparecer substituída por outras. A PAG tem nestas vertentes dificuldades que precisam ser enfrentadas com sucesso para se viabilizar em termos de futuro. A prática da PAG enfrenta algum descrédito por ter praticantes não qualificados por treinamento em sociedades congregadoras e fomentadoras de conhecimento sobre PAG. No entanto tem uma demanda rica, seja em instituições públicas e ou privadas, seja em clínica privada com atendimentos particulares ou conveniados.

Hoje é uma técnica com presente e com futuro amparada por demanda do mercado de assistência à saúde. Resta-nos enquanto profissionais da técnica e professores dela, adequá-la aos tempos atuais no tocante a um conjunto de conhecimentos da essência humana e da forma de lidar com ela em seu benefício.

 

 

Endereço para correspondência
Fábio J. G. da Luz
Rua Visconde de Inhaúma, 490/605
14010-100, Ribeirão Preto, SP

 

 

1 Trabalho apresentado na IV Jornada de PAG da SPAGESP, em Ribeirão Preto/SP em abril/2000.
2 Médico psiquiatra, Membro fundador e docente da SPAGESP.