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Revista da SPAGESP

versão impressa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP v.1 n.1 Ribeirão Preto  2000

 

PARTE V - PERSPECTIVAS DO TRABALHO GRUPAL

 

Grupos de apoio de curta e longa duração em hospital geral universitário

 

 

José Onildo B. Contel1; Jair Franklin de Oliveira Júnior2

Instituto de Psicoterapia Analítica de Grupo de Campinas

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A psicoterapia de grupo tem um potencial enorme de aplicações no hospital geral as quais vão desde os grupos de psicoterapia visando o insight para pacientes com sintomas depressivos e ansiosos em ambulatório de psicoterapia, até grupos homogêneos por diagnóstico orgânico, como seria o caso de um grupo de psicoeducação para diabéticos.

No presente trabalho os autores apresentam algumas destas variedades de grupos tanto de curta como de longa duração. A importância do grupo de apoio de longa duração liderado por terapeuta psicanaliticamente informado é destacada.


ABSTRACT

The group psychotherapy has an enormous potential of applications in the general hospital which go from group psychotherapy with insight for neurotics patients with mild symptoms of anxiety and depression in an outpatient psychiatric service till a psychoeducation group for diabetes patients. In this paper the authors shows a variety of group applications both of short and long duration.

They stress the importance of the long-term support group leading by a psychotherapist psychoanalytically informed.


RESUMEN

La psicoterapia de grupo tiene un potencial enorme de aplicaciones en un hospital general las cuales van desde los grupos de psicoterapia buscando el insight para pacientes con síntomas depresivos y ansiosos en clínica de psicoterapia, hasta grupos homogéneos por diagnóstico orgánico, como sería el caso de un grupo de psicoeducación para diabéticos.

En el presente trabajo los autores presentan algunas de estas variedades de grupos tanto de corta como de larga duración.

La importancia del grupo de apoyo de larga duración liderado por un terapeuta psicoanalíticamente informado es destacada.


 

 

1. Introdução

Os Grupos de Apoio de que trata o presente artigo fazem parte do Serviço de Consultoria Psiquiátrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCRP-FMRPUSP) inaugurado em 1978, nas novas instalações do Hospital das Clínicas, no Campus da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto. Este trabalho com grupos, no entanto, vem desde a década de 1960 (Contel & Azoubel, 1966; Contel & Cols. 1977; Ganzarain, Davanzo e Cizaletti, 1989;  Contel, 1991; Contel, 1997).

A Consultoria Psiquiátrica ou Psiquiatria de Ligação vem sendo definida como a área da Psiquiatria Clínica que pratica Assistência, Ensino e Pesquisa em unidades não psiquiátricas do Hospital Geral. A Consultoria introduz no Hospital Geral um enfoque bio-psico-social que propõe serem, tanto a saúde como a doença, resultantes da interação destes três fatores.

Os termos Consultoria e Ligação correspondem à tradução literal da palavra composta inglesa “Consultation-Liaison”. A Consultoria tem, por um lado, a função de fornecer opinião especializada a respeito do diagnóstico e posterior aconselhamento em relação ao manejo, considerando-se o estado mental e o comportamento de um dado paciente. O termo Ligação, por outro lado, define a função de unir pessoas e grupos com o propósito de promover entre eles uma colaboração tanto efetiva como eficaz, através da mediação. O Consultor, portanto, é um mediador tanto entre membros da equipe multidisciplinar de uma dada enfermaria ou ambulatório de origem do paciente, como entre os profissionais de Saúde Mental e demais profissionais da Saúde. Nas suas intervenções procura ativar o diálogo e a cooperação interprofissional. Trabalha procurando compreender, evitar, diminuir, modificar ou contornar os conflitos emocionais, explícitos ou subjacentes, que atingem pacientes, familiares e membros da equipe prestadora de serviço, gerando estresse tanto individual como grupal e institucional.

Os Serviços de Consultoria são reconhecidos por melhorar a qualidade do tratamento médico, agilizar a utilização do hospital e do ambulatório e economizar o tempo do médico e demais membros da equipe multidisciplinar. Em Ribeirão Preto, a partir de 1978, a Consultoria passou a ter docente com treinamento em psicoterapia de grupo e psiquiatras próprios e um médico residente de segundo ano que, desde então, faz rodízio anual.

Com este pessoal próprio o atendimento psiquiátrico passou a oferecer: 1) interconsulta convencional ao paciente individual internado ou de ambulatório; 2) interconsulta a grupos homogêneos de pacientes com patologias clínicas especiais e, 3) grupos de apoio para profissionais da equipe multidisciplinar.

As aplicações das intervenções grupais nas enfermarias e ambulatórios não psiquiátricos têm facilitado o trânsito, nem sempre fácil, de uma ideologia organicista arraigada, rígida e conservadora, para um abrandamento que já admite, intervenções grupais tanto curtas como longas. Uma ideologia  que inclui o psicossocial aos poucos toma corpo.

Como expressão concreta deste abrandamento organicista, as Unidades de Transplante de Medula Óssea, de Cirurgia de Epilepsia e de AIDS possuem psiquiatras, psicólogos e outros membros da equipe multidisciplinar. Em geral, as intervenções grupais que tiveram mais sucesso, tanto pela persistência no tempo como pelos resultados positivos para a clínica, foram aquelas surgidas de questão clínica relevante e apoio explícito da chefia médica e de enfermagem.

Os grupos para pacientes aidéticos, por exemplo, instalados no início do Ambulatório de AIDS, do Departamento de Clínica Médica, no final da década de 80, tiveram importância e persistiram porque tanto promoviam a continência emocional destes pacientes, como os orientavam no uso do novo serviço. A aflição exagerada dos pacientes era mitigada pelo grupo, com diminuição da pressão, expressa como “acting out” produzidos por eles, sobre os membros da equipe. As conseqüências exemplares deste trabalho, mais tarde, levaram a Clínica Médica a contratar psiquiatra e psicólogo permanentes para o serviço.

Dois formatos principais têm sido mais comuns no início da aplicação dos grupos nestes outros Departamentos Clínicos: 1o.) grupos para pacientes com problemas médicos especiais diversos como: queimados, aidéticos, dor crônica, pós - transplantados renais, pós-transplantados de medula óssea, adolescentes leucêmicos, vitiligo, psoríase e; 2o.) grupos de apoio para unidades médicas cujos técnicos trabalham sob estresse intenso, como por exemplo, a Unidade de Transplante de Medula Óssea.

 

2. Modificações da técnica para aplicações no hospital geral.

Cada psicoterapeuta de grupo, sempre que possível, deveria selecionar o estilo de intervenção que facilitasse o melhor resultado clínico. E, ainda, ter ciência de qual resultado seria mais desejável e para que tipo de situação clínica se aplica. Sabe-se não existir um mesmo resultado que seja ótimo para todo e qualquer grupo terapêutico. Não existe, portanto, uma mesma técnica de psicoterapia de grupo que seja aplicável a todo e qualquer grupo de pacientes vistos em um determinado formato de grupo.

Na literatura nacional recente sobre como trabalhamos com grupos no Brasil  foram apresentados 21 formatos diferentes de atendimento em grupo, segundo a situação clínica que se apresentava, o tipo de paciente e o estilo do psicoterapeuta (Zimerman & Osório, 1997).

Ao decidir pelo estilo terapêutico devemos levar em conta: 1o.) o tipo de paciente e sua patologia orgânica; 2o.) o estágio em que se encontra a doença e, 3o.) os objetivos para a intervenção grupal. É importante lembrar que o paradigma de doença, na mente do médico e, quando for o caso, na equipe multidisciplinar que ele coordena, acaba orientando para o tipo de intervenção psicossocial.

 

3. Os grupos homogêneos por patologia

É fácil entender que a doença e suas peculiaridades são prontamente discutidas e melhor compreendidas entre aqueles que dividem experiências similares, daí advém a vantagem de trabalharmos com grupos homogêneos por patologia. No ambulatório de seguimento pós-alta da Unidade de Transplante Renal a assistente social queixava-se de falta de tempo para orientar a maioria dos pacientes transplantados que buscavam informações, as mais diversas. Sugerimos a instalação de um grupo para estes pacientes, durante o ambulatório que durava o dia todo, começando com a avaliação clínica, pedidos de exames e reavaliação final, com marcação do próximo retorno.

As estratégias para a instalação destes grupos procuram: 1o.) ter a autorização explicita da chefia médica e de enfermagem da Unidade; 2o.) garantir a participação da assistente social tanto para articular a vinda dos pacientes para o grupo, como para participar do grupo em co-terapia; 3o.) introduzir o grupo no mesmo dia do ambulatório com uma hora de duração, das 11 às 12 horas, coincidindo com o término das rotinas da manhã; 4o.) convidar todos os pacientes, entre 15 a 18, em cada ambulatório utilizando folheto explicativo sobre as finalidades do grupo e, 5o.) garantir sala próxima à Unidade com assentos para todos, relativo isolamento acústico e conforto.

No primeiro grupo, foi tão grande a disposição dos pacientes de interagirem entre si, cada um procurando falar sobre as peculiaridades da evolução de seu transplante, que o médico residente de psiquiatria de 3o ano, na coordenação, teve a estranha sensação de ser um mero espectador da experiência que recém era instalada. Bastou oferecer-se um formato seguro para o grupo mostrar suas virtudes terapêuticas. Paciente transplantado há 10 anos, por exemplo, infundiu esperança sobre o futuro dos pacientes com transplantes recentes. A experiência, de sucesso evidente durou um ano. Seu término coincidiu com o término do estágio do médico residente.

 

4. Prática com grupos de doentes com problemas médicos especializados.

Os objetivos mais importantes dos grupos para pacientes com problemas médicos especializados são: 1o.) humanizar o ambiente, seja da enfermaria ou do ambulatório especializado; 2o.) facilitar o surgimento e contato com a esperança entre os membros; 3o.) contribuir para a adesão ao tratamento médico; 4o.) patrocinar informações seguras e atualizadas cientificamente sobre a evolução da doença de cada um e de todos; 5o.) trabalhar preferencialmente com grupos homogêneos por patologia e; 6o.) abrir espaço para  o exame das necessárias alterações no estilo de vida provocadas pela doença orgânica. Os pacientes com integridade de ego, aceitação do trabalho com a mente e boas relações objetais aproveitam mais o trabalho grupal.

A psicoterapia de grupo de apoio tem a vantagem de facilitar o reconhecimento dos recursos que cada paciente individual utiliza para fazer frente à crise vital provocada pela doença orgânica aguda ou pelas seqüelas, muitas vezes catastróficas, produzidas pela cronicidade. Nas situações mais drásticas é a morte, a dor insuportável ou a mutilação irreversível que ronda o grupo.

O fator terapêutico de Yalom da universalização surge em um primeiro plano já que, nos grupos homogêneos por diagnóstico, todos têm experiências similares por pelo menos quatro motivos: 1o.) todos têm uma história para contar sobre o diagnóstico comum; 2o.) todos têm suas curiosidades estimuladas sobre as peculiaridades e os recursos criativos  da personalidade que cada um e todos utilizam para lidar com o tratamento e os desafios provocados pela evolução da doença; 3o.) o fator terapêutico da coesão surge espontaneamente no grupo como se já estivesse esperando o grupo se reunir e; 4o.) a livre discussão circulante corre solta nos grupos onde a reabilitação anima a todos, passando esperança.

1. Os grupos homogêneos por patologia.

É fácil entender que a doença e suas peculiaridades são prontamente discutidas e melhor compreendidas entre aqueles que dividem experiências similares, daí advém a vantagem de trabalharmos com grupos homogêneos por patologia. No ambulatório de seguimento pós-alta da Unidade de Transplante Renal a assistente social queixava-se de falta de tempo para orientar a maioria dos pacientes transplantados que buscavam informações, as mais diversas. Sugerimos a instalação de um grupo para estes pacientes, durante o ambulatório que durava o dia todo entre avaliação clínica, pedidos de exames e reavaliação final, com marcação do próximo retorno.

Algumas estratégias são necessárias na instalação destes grupos: (1a) ter a autorização explícita da chefia médica e de enfermagem da Unidade; 2a) garantir a participação da assistente social tanto para articular a vinda dos pacientes para o grupo, como para participar do grupo em co-terapia; 3a) introduzir o grupo no mesmo dia do ambulatório com uma hora de duração, das 11 às 12 horas, coincidindo com o término das rotinas da manhã; 4a) convidar todos os pacientes, entre 15 a 18, em cada ambulatório utilizando folheto explicativo sobre as finalidades do grupo e, 5a) garantir sala próxima à Unidade com assentos para todos, relativo isolamento acústico e conforto.

No primeiro grupo, foi tão grande a disposição dos pacientes de interagirem entre si, cada um procurando falar sobre as peculiaridades da evolução de seu transplante, que o médico residente de psiquiatria de 3o. ano, na coordenação, teve a estranha sensação de ser um mero espectador da experiência que recém era instalada. Bastou oferecer-se um formato seguro para o grupo mostrar suas virtudes terapêuticas. Paciente transplantado há 10 anos, por exemplo, infundiu esperança sobre o futuro dos pacientes com transplantes recentes. A experiência, de sucesso evidente durou um ano. Seu término coincidiu com o término do estágio do médico residente.

2. Os grupos de apoio para profissionais

Nestes grupos, segundo Vinogradov e Yalom, queixas de ser assoberbado pelo serviço a ponto de ficar “à beira de um ataque de nervos”, são comuns e podem incluir: 1o.) frustração e irritabilidade devidas à carga de trabalho excessiva, número insuficiente de profissionais e apoio administrativo precário; 2o.) inconformidade e mesmo raiva pela distribuição de poder real ou imaginário; 3o.) sentimentos de insegurança e inadequação derivados de enormes responsabilidades profissionais; 4o.) desconforto provocado pela pressão constante para o desempenho profissional sob estresse e; 5o.) atritos pessoais entre profissionais da mesma e de diferentes especialidades.

Na Unidade de Transplante de Medula Óssea um grupo para apoio psicológico funciona há cinco anos com o seguinte formato: 1) encontro semanal de uma hora de duração, às sextas feiras das 12:30:13:30h; 2) coordenação de psicoterapeuta de grupo experimentado e; 3) abertura a todos profissionais, que  são encorajados a participar, mas sem obrigatoriedade.

Nestes cinco anos a UTMO tem passado por conflitos próprios de qualquer unidade do HCRP-FMRP-USP como: minguados recursos para a saúde pública que impõe sacrifícios adicionais aos pacientes; congelamento de salários dos técnicos; entrada de novos técnicos e saída de outros; mudança nas condições hoteleiras com aumento das condições de higiene, conforto e segurança de técnicos e pacientes.

A UTMO, no entanto, é geradora de elevado montante de estresse pois: tem elevado índice de óbitos entre pacientes tratados; gera sofrimento físico intenso nos pacientes provocado pela destruição da medula óssea e depauperamento físico percebido com muita dor e desconforto. Este sofrimento é instalado agudamente como resultado dos efeitos colaterais do próprio tratamento. Os conflitos interpessoais são comuns, graves e exasperantes. A equipe os percebe como sugadores de energia por parecerem insuperáveis para os membros da equipe multidisciplinar permanente. A equipe multidisciplinar da UTMO tem respondido, com crescimento emocional, para o manejo dos conflitos em seu interior. Ao longo destes cinco anos, no entanto, os momentos de fragmentação maior ou menor persistem e continuam tendo importância, sendo esta uma das razões que continua justificando tal intervenção grupal.

 

7. Conclusões

Nestes anos a psicoterapia de grupo de apoio tem desempenhado as seguintes funções: 1) servir como assessoria permanente para o exame da relação médico (técnicos) - paciente; 2) educar os membros da equipe multidisciplinar: a) nos fatores psicodinâmicos e psicossociais e; b) nos modelos úteis e nas estratégias particulares para o manejo de cada paciente e para o enfrentamento do estresse intra-equipe; 3) ajudar a equipe a enfrentar o estresse do dia-a-dia no trabalho; 4) melhorar o desempenho individual no ambiente de trabalho; 5) aprimorar a moral e a coesão da equipe multidisciplinar e diminuir a exclusão, abandono ou rotatividade de membros da equipe; 6) patrocinar um tratamento melhor aos pacientes.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CONTEL J. O. B.; ZUCOLLOTO L. H.; SCALOPI E. L.; NOVAES S. Equipe psiquiátrica: sua introdução e importância no tratamento e alta de pacientes asilados em um grande hospital psiquiátrico público. Neurobiol. 40(2): 2-27, 1977.        [ Links ]

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GANZARAIN R.; DAVANZO H.; CIZALLETI, J. Group psychotherapy in the psychiatric training of medical students. Internatinal University Press, pp. 239-262, Madison, 1989.        [ Links ]

VINAGRODOV, S.; YALOM, I. D. Manual de Psicoterapia de Grupo. Artes Médicas. Porto Alegre, 1991.        [ Links ]

ZIMERMAN D.; OSORIO L. C. Como Trabalhamos Com Grupos. Artes Médicas. Porto Alegre. 1997.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Departamento de Psiquiatria do HCRP-FMRPUSP
SPAG – CAMP

 

 

1 Professor do Instituto de Psicoterapia Analítica de Grupo de Campinas da SPAG-Campinas, SP.
2 Professor do Instituto de Psicoterapia Analítica de Grupo de Campinas da SPAG-Campinas, SP.