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Revista da SPAGESP

Print version ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.2 no.2 Ribeirão Preto  2001

 

PARTE I - EQUIPE, INSTITUIÇÕES E GRUPOS

 

Grupoterapia para pacientes com hipertensão arterial

 

 

Rosimara Escolano da Silva de Paula 1

Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo - SPAGESP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente trabalho descreve um grupo de pacientes com hipertensão arterial essencial de um Ambulatório de Cardiologia em Ribeirão Preto.

Apresenta como principal objetivo, a importância de se realizar grupos terapêuticos para esses pacientes, permitindo ao grupo, um espaço para livre manifestação de seus sentimentos.


ABSTRACT

The present work describes a group of patients with essential hypertension, of an Ambulatory of Cardiology in Ribeirão Preto.

It presents as main objective, an importance of doing therapeutic groups for those patients ones. Supplying to the group a space for free manifestation of its feeling.


RESUMEN

El trabajo presente describe un grupo de pacientes con hipertensión esencial, de un Ambulatorio de Cardiología en Ribeirão Preto.

Presenta como importancia de la objetiva principal de haber grupos terapéuticos para esos pacientes. Proporcionando al grupo un espacio para la manifestación libre de sus sentimientos.


 

 

1. Introdução.

2. Objetivo Geral.

3. Características do Grupo

4. Breve relato sobre a primeira reunião do grupo de H.A.

5. Descrição da segunda reunião do grupo de Hipertensão Arterial e relatos mais significativos dos pacientes.

6. Reflexão sobre a segunda reunião, incluindo a percepção da coordenadora do grupo e citação de referências bibliográficas.

7. Conclusão.

8. Avaliação do Grupo.

 

1. Introdução

Por ser a hipertensão arterial uma doença multicausal e multifatorial, atualmente os principais consensos para tratamento da hipertensão sugerem uma abordagem multiprofissional do hipertenso.

Deste modo, ao invés do médico isoladamente, é necessária uma equipe multiprofissional, que irá proporcionar uma ação diferenciada junto aos pacientes e à comunidade assistida.

Segundo o Consenso Brasileiro para Prevenção de Hipertensão Arterial, é importante a realização de ações educativas e terapêuticas em saúde, desenvolvidas com grupos de pacientes e seus familiares.

Sendo assim, o grupo poderá possibilitar a troca de informações e apoio mútuo. O paciente nesse grupo identifica-se com outros com problemas semelhantes, aprendendo a expressar seus medos e expectativas.

A vivência comum no grupo é um importante fator para o processo de diminuição da ansiedade e se torna um espaço terapêutico de excelência, na medida que seus membros, através da convivência, além das informações sobre sua doença, buscam soluções para seus problemas pessoais.

 

2. Objetivo Geral

Que a coordenadora do grupo de hipertensão arterial essencial possa realizar, em conjunto com o grupo, ações educativas quanto à patologia da hipertensão. Associado a isso, possa também, como medida terapêutica, permitir ao paciente a livre manifestação de suas emoções, assim como expor as condições estressantes e conflitos internos responsáveis, muitas vezes, pelo agravamento de suas patologias.

 

3. Características do Grupo

a) número de pacientes: grupo composto por 8 pacientes.

b) Patologia: hipertensão arterial essencial (primária).

c) Estado civil: casados e solteiros.

d) Idade: 30 &– 65 anos

e) Profissão: nível médio/autônomos/donas de casa.

f) Sexo: 5 homens e 3 mulheres.

g) Freqüência e duração: 1ª vez por semana &– duração 1 hora.

h) Horário: 17:30 &– 18:30 h (sextas-feiras)

i) Local: ambulatório de cardiologia.

j) Coordenadora: enfermeira da unidade de saúde.

 

4. Grupo de Hipertensos

O primeiro dia do grupo de hipertensão foi bastante esclarecedor. Todos os pacientes agendados para o grupo compareceram; discutimos assuntos referentes às medicações anti-hipertensivas (esses pacientes fazem seguimento médico no ambulatório).

O segundo dia do grupo de hipertensão arterial essencial contava com a seguinte pauta de discussão:

- reações adversas das medicações anti-hipertensivas.

 

SEGUNDA SESSÃO DO GRUPO DE HIPERTENSÃO ARTERIAL ESSENCIAL

A coordenadora do grupo aguarda sentada pelos pacientes.

Está angustiada, mas se tranqüiliza porque domina o assunto sobre medicações anti-hipertensivas.

Duas faltas.

João, um senhor com seus 60 anos, ironiza a situação, dizendo que em breve não haverá mais grupo devido às faltas.

A maioria parece concordar.

Um riso em conjunto toma conta do grupo.

Quando falo da pauta do dia, a qual foi anteriormente combinada, Pedro (outro senhor, obeso, com quase dois metros de altura) responde, em tom agressivo:

- Chega de falar de pressão! Não suporto ouvir falar disso! Chega minha mulher pegando no meu pé!!!

Novas gargalhadas dominam o grupo. Parecem se sentir do mesmo modo.

Um longo silêncio se faz...

Eu, como coordenadora, não conseguia formular nada, meus pensamentos estavam confusos...

Júlia, com seus 45 anos e dona de casa, quase num impulso diz:

- Não suporto esse silêncio. Ele me sufoca, me deixa agitada. Ninguém vai falar nada ? Tá parecendo quando a minha mãe me colocava de castigo... eu vou embora.

João responde:

- Fica quieta aí!!! Ela tá tentando ajudar a gente.

Alguns me olhavam com piedade. Outros pareciam com raiva, franzindo a testa.

Júlia novamente reclama do abafamento e assim mobiliza todo o grupo em busca de ventilações.

Neste momento, tive a impressão que buscavam abrir ou descobrir “ventilações” dentro deles mesmos. Todos pareciam incomodados, olhando para todos os lados... tentando aliviar o desespero da colega ou deles próprios.

Carla não disse absolutamente nada. Aproximou sua cadeira do vitrô e permaneceu olhando para fora durante toda reunião.

José interrompe aquela busca frenética por ventilação, frestas e, em gritos, parece abrir uma lacuna que o separava de todos os presentes naquela sala.

- Acaba com isso logo! Não está ajudando ninguém!!! Apesar do frio lá de fora, estamos todos sufocados e com calor!!! Não volto mais aqui!!!

Durante todo o tempo do grupo, conseguia apenas movimentar a cabeça num gesto positivo de compreensão. Isto parecia dar-lhes alento e os incentivava a continuar.

 

6. Reflexão sobre a segunda sessão do grupo

Durante todo grupo, a coordenadora se sentiu confusa e perturbada. Tinha medo, tal como se estivesse dentro de um bombardeio, em que o “fogo cruzado” das palavras a ultrapassassem, deixando como seqüela a angústia.

Percebia-se cada vez mais apagada no grupo.

Os pacientes pareciam felizes com isso, como que a dizerem:

- Não precisamos de você!

A insegurança dominava-a, chegando a se questionar: (Quem sou eu? O que estou fazendo aqui?).

Uma profunda tristeza invade seu ser e, então, cala-se ainda mais, com medo de que alguém perceba seu estado.

Já no meio da sessão, a coordenadora é tomada pela raiva, por considerar debochado o modo como a tratavam desde o início, pois estavam agressivos, zombeteiros, como que querendo exercer total domínio sobre ela, se misturando aos seus pensamentos.

Associa-se a isso o que Melanie Klein (1991) disse, ao se referir sobre uma defesa da posição esquizo-paranóide chamada “identificação projetiva”, onde o sujeito tenta livrar-se de partes indesejadas do self que causam ansiedade e dor, ou projetar partes do self para dentro do objeto, para dominá-lo e controlá-lo, penetrar no objeto para apropriar-se de suas capacidades, ou de invadir a fim de destruir ou danificar o objeto.

Talvez por isso a coordenadora sentia que jogavam sobre ela seus “lixos guardados no baú de seus inconscientes” e pelo aspecto asqueroso desse lixo, despertava tantas sensações e sentimentos ruins.

Então, podemos dar nome a esse fabuloso enigma: “sentir a carga que o outro deposita em mim”. São os processos de contratransferência, como Uchoa (1973) cita Freud em 1910, o qual descreveu a contratransferência como “conjunto dos processos psicológicos no analista como uma reação dos processos transferenciais de seus pacientes”.

O analista tende a reagir diante de seus pacientes em função dos seus próprios conflitos.

Paula Heimann (1950) definiu contratransferência como: “todos os sentimentos que o analista experencia para com o seu paciente”. Ainda segundo Paula Heimann e H. Racker, a contratransferência se origina das cargas de identificações projetivas que os pacientes depositam no terapeuta.

No tocante à agressividade grupal, Grinberg (1957) cita Bion, quando se refere ao suposto básico de luta-fuga, onde o aparecimento da fantasia emocional coletiva arrasta o grupo a agredir e a defender-se de um perseguidor, que poderá estar dentro ou fora do grupo. O líder assume características de general.

Observa-se que os fatores emocionais motivam esta posição de luta e fuga (suposto básico), evidenciando-se a grande carga de agressividade que anima o grupo. E precisam criar um inimigo para canalizar de algum modo seus impulsos destrutivos.

Na realidade, o inimigo no suposto básico de luta-fuga é quase sempre o terapeuta. Ele é repudiado.

Segundo Grimberg (1957), essa posição de luta-fuga constitui um certo progresso terapêutico. O grupo ruma para o reconhecimento de suas próprias angústias e agressões. Contudo, está muito longe de adquirir insight, já que projeta o conflito fora de si.

Observa-se o aparecimento de uma defesa que caracteriza esse grupo - é a defesa maníaca. Klein (1991) se refere ao papel dessa defesa contra a ansiedade de desintegração e de perseguição esquizóide e, por outro lado, de defesa contra a dor do estado depressivo. As manifestações deste aspecto são onipotentes, desdenhosas, bem como persecutórias. As defesas maníacas podem, na verdade, representar um desvio patológico de uma fase normal de desenvolvimento.

 

7. Conclusão

Após a segunda sessão do grupo de hipertensos, ficou fácil definir o que os pacientes esperavam daquele grupo: um espaço para falar de seus conflitos e temores, falar de suas agressividades tão bem escondidas, falar da dificuldade em ter que ser zombeteiros e se sentirem zombados, falar de coisas que possivelmente agravavam dia a dia suas patologias.

Possivelmente desejavam um espaço no grupo, onde pudessem aprender a viver melhor.

Sendo assim, houve uma reestruturação do primeiro objetivo, e o grupo passou a funcionar como um grupo de apoio.

 

8. Avaliação do Grupo

O grupo está em fase inicial de existência. Se fosse compará-lo com algo concreto, faria em relação a um gráfico, ora em ascensão, ora em declive, às vezes estacionado.

Ocorre ascensão em alguns momentos em que se apresenta uma identidade grupal. Declive e estacionado porque em alguns momentos parece encurralado, sem vida.

O grupo segue no suposto básico de luta-fuga, quase que junto ao suposto básico de acasalamento. Esperam algo pronto da coordenadora.

 

Contribuição da SPAGESP para a melhora do grupo

Apesar do grupo ter iniciado a aproximadamente dois meses, observo que, mesmo pequeno, houve um avanço no mesmo. O que era apenas agressividade passou a ser “agressividade a ser trabalhada em conjunto”, dando-me também maior segurança para pequenas intervenções, de modo muito cuidadoso, por ser um grupo de apoio.

Quisera todos os profissionais da saúde também se organizarem para fazer um curso desses, porque quase todos os dias, seja em postos de saúde ou hospitais, cruzamos com pessoas/pacientes que, usando de seus sintomas, pedem ajuda terapêutica e, às vezes, se deparam com profissionais despreparados.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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KLEIN, M. - Melanie Klein Hoje. Editora Imago, volume I. Editado por Elizabeth Bott Spillius, 1991.        [ Links ]

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III Consenso Brasileiro de Hipertensão Arterial - Revista das Sociedades Brasileiras de Hipertensão/Cardiologia/Nefrologia, 1998.        [ Links ]

UCHÔA, D. de M. - Psicologia Médica. Editora Sarvier, 1973. São Paulo.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Rosimara Escolano da Silva de Paula
E-mail: rosiaula@terra.com.br

 

 

1 Enfermeira, em formação no Núcleo de Formação da SPAGESP - Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo.