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Revista da SPAGESP

Print version ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.2 no.2 Ribeirão Preto  2001

 

PARTE I - EQUIPE, INSTITUIÇÕES E GRUPOS

 

A experiência com grupos: da reflexão à análise

 

 

Dorothy Bono de Abreu 4

Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo - SPAGESP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho vem falar da minha primeira experiência com a formação de meu próprio grupo, após iniciar minha análise grupal. Uma experiência muito rica pois foi a coragem de trabalhar com um primeiro grupo que proporcionou maturidade para organizar novos grupos.

Pensando ser, na maioria das vezes muito angustiantes e assustadoras as novas experiências, escrevi este trabalho.


ABSTRACT

This work is about my first experience with the formation of my own group after beginning my group analysis. It was a rich experience because the courage to work with a first group made the organization of new groups possible.

The decision to write this work was due to the fact that the author thinks new experiences are usually distressful and scary.


RESUMEN

Este trabajo habla sobre mi primera experiencia con la formación de mi propio grupo, después de iniciar mi análisis grupal. Una experiencia muy rica, ya que fue el coraje de trabajar con un primer grupo lo que me proporcionó madurez para organizar nuevos grupos.

Pensando en esas experiencias, que la mayoría de las veces son muy angustiantes y asustadoras, es que escribí este trabajo.


 

 

Foi paixão já no primeiro dia de aula e o primeiro passo dado foi comprar a coleção inteira de Freud, como a maioria dos livros que iam sendo indicados pelos meus mestres e me perder dentro deles. Queria ler todos ao mesmo tempo. A vontade era poder rever e ampliar técnicas, conceitos, muitos já aprendidos, outros novos.

Aí uma surpresa: ao final da primeira aula fomos convidados a nos juntar com outra turma que já estava no final do 1o. semestre para o “Grupo de Reflexão”... Pensei: “Um tema a ser abordado para todos refletirem, mas que nada!” Chegamos na sala e foi um “choque”. O silêncio tomava conta de toda a sala onde os alunos estavam em círculo e o Coordenador no Centro num infinito silêncio. Silêncio que me incomodava. Não conseguia parar na cadeira. Ninguém falava nada. Uma colega, talvez no mesmo estado que eu vira-se e me diz: "O que é isto? Eu respondi: “Não sei!” Um olhava para o outro, alguns com o pensamento sei lá onde, outros rabiscando e aquele silêncio penetrante, angustiante me incomodando, até que perguntei: “Isto é Grupo de Reflexão?” Alguns fizeram sinal com a cabeça num movimento de sim, outros só me olhavam e entreolhavam-se, até que a colega ao lado começa a falar.

Foi um alívio para mim... Mas outros dias vieram, muitos não apareceram, outros iam embora, outros reclamavam, mas com o passar de algumas reuniões todos ficavam e foi aí que resolvi pesquisar o silêncio e o Grupo de Reflexão, que foi tema do meu primeiro trabalho semestral, e pude descobrir o quanto a comunicação empática sem prévia explicação pode nos dizer. Aprendi a parar, pensar, observar, selecionar.

A experiência de viver o Grupo de Reflexão foi um momento de grande relevância, pois sendo uma situação desconhecida desperta  uma gama de Fantasias e Angústias e toda situação desconhecida provoca sempre uma ausência de estrutura, dando origem a momentos caóticos, onde os integrantes tendem a criar algum tipo de estrutura que lhes parece familiar. O grupo passa a ser estruturado inconscientemente a partir de um clima emocional subjacente. Este clima comum a todo grupo, que inclui certos tipos de fantasias e desejos, Bion (1948) denomina de “Pressupostos Básicos”. Segundo Zimerman (1991), é inevitável que em todo grupo de atividade continuada se forme um campo dinâmico, onde se processam fenômenos do campo grupal tais como: a Resistência, a transferência, a contratransferência, os acting...

Assim os componentes do Grupo de Reflexão encontram um espaço e um tempo de verbalizarem suas frustrações, e tomam consciência dos fenômenos grupais.

Com as emoções vividas e trabalhadas no Grupo de Reflexão, bem como a experiência pessoal na Grupoterapia, eu me senti motivada a iniciar o trabalho com grupos.

Vieram outras indagações até eu formar meu primeiro grupo no Consultório. Como comecei? Pelo setting grupal, separando um espaço, baseando-me no que aprendia nas aulas e lendo sobre o assunto. Montei a sala e convidei algumas pessoas que eu sabia desejarem fazer terapia. Iniciei com um grupo de quatro pessoas, todas mulheres. No início, pensei um pouco na homogeneidade do grupo com relação à idade, mas ao inicia achei que seria interessante uma adolescente junto com pessoas mais maduras, com ou sem filhos.

Darei aqui breves informações sobre este grupo. Faziam parte do grupo inicial:

D - 16 anos, estudante.

A - 40 anos, casada, 3 filhas.

I - 49 anos, divorciada, 4 meninas e 1 menino.

M - 40 anos, solteira, sem filhos.

Neste momento eu já estava em terapia grupal e dava início então à supervisão. A sessão se inicia sem prévia explicação ou apresentação. Sentimentos internos se misturavam, uma mistura de angústia, medo, ansiedade, mas hoje eu sei que o primeiro dia de Grupo de Reflexão é que me ajudou a suportar o silêncio da sessão, até que a comunicação verbal se iniciasse e elas tivessem um primeiro insight.

A sessão foi transcorrendo com muita mobilização, quando D se apresenta dizendo que queria contar ao grupo que era filha adotiva e rejeitada pelos pais. Eu me sentindo ora perdida, sem saber o que fazer, sem saber a hora de intervir, mas as intervenções vieram. Durante algum tempo, sentia uma certa angústia ao iniciar a sessão, angústia transformada em sentimento de impotência e incapacidade quando D deixa o grupo em seguida. Pensei: "O que fazer?" Eu tinha que continuar.

A supervisão e a terapia pessoal de grupo estavam trabalhando esses sentimentos; o grupo continuou com 2 pessoas. Muitas vezes, apenas uma comparecia, e eu realizava a sessão, as ausências, a cadeira vazia, iam sendo trabalhadas na sessão, até que inicia uma 3a pessoa. Que alívio! Agora somos quatro!

Hoje, depois de terminados os três anos de formação teórica, o grupo do Consultório conta com cinco pessoas e atendo também um grupo na Clínica Social da SPAGESP, em Ribeirão Preto, continuando com as supervisões. Situações muito semelhantes ao primeiro grupo acontecem, às vezes apenas uma pessoa comparece e é atendida. Penso que se o paciente vem para a sessão, ele deve ser atendido. Muitas são as dúvidas, muitos são os sentimentos inexplicáveis que no momento da sessão acontecem e que acontecerão, mas é através da supervisão e da Psicoterapia grupal, das leituras, participação em jornadas, congressos, novos cursos, e, principalmente, pela experiência com o trabalho com grupos,  que vou tendo mais segurança.

O caminho está aberto, o trabalho sendo realizado com paixão, vontade e responsabilidade.

A arte de viver

é simplesmente a arte de conviver...

Simplesmente? disse eu.

Mas como é difícil...

(Mário Quintana - citado no livro "Como trabalhamos com grupos", de David E. Zimerman, Luiz Carlos Osório e colaboradores, 1997).

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BION, W. R. (1948) - Experiências com Grupos - EDUSP - SP e Imago Editora, 2ª. edição - R. J., 1975.        [ Links ]

ZIMERMAN, D. E. - Grupos de Reflexão. REV GrupAL - Revista da Federação Latino-Americana de Psicoterapia Analítica de Grupo, Vol.1, pp 47-53, 1991.        [ Links ]

ZIMERMAN, D. E. - Como Trabalhamos com Grupos. Editora Artes médicas, POA, 1997.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Dorothy Bono de Abreu
E-mail: dorothy@netsite.com.br

 

 

4 Psicóloga, membro associado da SPAGESP - Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo, onde está em formação.