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Revista da SPAGESP

versão impressa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP v.2 n.2 Ribeirão Preto  2001

 

PARTE II - GRUPOS NA SAÚDE E EDUCAÇÃO

 

A instituição vista como um grande grupo em progresso: o trabalho com múltiplos grupos no hospital dia da FMRP-USP 6

 

 

José Onildo Betioli Contel 7

Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O trabalho com múltiplos grupos em um hospital dia universitário é qualificado e quantificado através do número de grupos que são processados em uma semana típica de terapia para pacientes e ensino para residentes e estagiários, de segunda a sexta-feira. Os resultados mostram que 15,2% dos grupos são dedicados à gerência da instituição, 37% para o ensino de médicos residentes e estagiários de psicologia, terapia ocupacional e serviço social e, 47,8% para o tratamento dos pacientes. Conclui-se que a sobrevivência da prática grupal neste HD dependeu tanto da missão institucional como de técnicos qualificados para instalá-los e mantê-los úteis para a gerência, ensino e assistência.


ABSTRACT

A multimodal group practice is showed in a Brazilian Day Hospital of the University of São Paulo Ribeirão Preto Medical School, for treatment of 16 acute psychiatric adult patients and teaching for medical residents and trainees in Psychology, Social Work and Occupational Therapy. Their amount and quality were characterized in a single week, from Monday through Friday. The results showed 15,2% groups Type 1 groups for management of DH as a large group in progress, 37% as Type 2 groups for teaching and 47,8% as Type 3 groups for treatment of patients. The groups survived along the years by accomplishing the institutional mission and being introduced and practiced by trained grouptherapists.


RESUMEN

El trabajo con múltiples grupos en un hospital día universitario es calificado y cuantificado a través del número de grupos que son procesados en una semana típica de terapia para pacientes y enseñanza para residentes y practicantes, de lunes a viernes. Los resultados muestran que el 15,2% de los grupos son dedicados a la gerencia de la institución, 37% para la enseñanza de médicos residentes y practicantes de psicología, terapia ocupacional y asistencia social y, 47,8% para el tratamiento de los pacientes.

Se concluye entonces, que la sobrevivencia de la práctica grupal en este HD dependió tanto de la misión institucional como de los técnicos calificados para instalarlos y mantenerlos útiles para la gerencia, enseñanza y asistencia.


 

 

Introdução

O Hospital Dia (HD) da FMRP-USP, é um hospital escola que atende 16 pacientes adultos de ambos os sexos, de segunda a sexta-eira, durante oito horas diárias. É campo de estágio para os Cursos de Psiquiatria do 3o e 4o Anos Médicos da FMRP-USP e dos Cursos de Especialização da Residência de Psiquiatria e Especialização em Psicologia, Terapia Ocupacional e Serviço Social do HCFMRP-USP. Tem sido também fonte de pesquisa para o Curso de Pós-Graduação em Saúde Mental da FMRP-USP, em nível de mestrado. Foi inaugurado em 1961 por Azoubel1,2, 3; e reformulado em 1974 por Contel4.

Nestes 40 anos, sua missão terapêutica tem sido pioneira na Universidade, no Brasil, na aplicação intensiva de técnicas grupais na humanização do tratamento institucional do doente mental grave e na sua reabilitação psicossocial e desospitalização. Tem sido, em longo prazo, campo permanente para a prática e pesquisa social da democratização das relações de trabalho de uma equipe autogerenciada multidisciplinar permanente de saúde em instituição. Sua missão didática tem sido formar profissionais para intervir na clínica levando em consideração a importância das variáveis psicossociais no desencadeamento, manutenção e reabilitação dos transtornos mentais graves.

Em 1974 o autor sistematizou a aplicação intensiva do trabalho com múltiplos grupos5,6; articulados pelo grupo da equipe multidisciplinar 7 e autogerenciados, durante a semana, sob a responsabilidade e competência de cada técnico, segundo sua especialidade, e de acordo com a necessidade terapêutica dos pacientes e de seus familiares. Os grupos oferecidos por voluntários credenciados, como tem sido o caso dos grupos do Coral e da Yoga, têm sido importantes.

Estes múltiplos grupos são complementares e aditivos para a terapia e para o ensino de cada paciente ou estagiário individual. O processamento destes múltiplos grupos durante cada semana coloca juntos técnicos, estagiários, pacientes, familiares, voluntários e recursos da comunidade. A dinâmica interacional, intra, inter e “transgrupo”, dos múltiplos grupos, resulta em riquíssima constelação psicossocial.

Esta constelação psicossocial, por sua vez, ao ser conduzida pelos especialistas é direcionada para as diversas ações gerenciais, terapêuticas e de ensino. A articulação entre e através destas ações produz uma sinergia humana, gerencial, terapêutica e de ensino que tem sido denominada comunidade terapêutica. A cada momento da semana a instituição HD apresenta a dinâmica mutável de um grande grupo especializado em progresso. Esta dinâmica cambiante aparece representada na rica e diversificada interação interpessoal e transpessoal de todos estes agentes em contínua presença. O setting, geograficamente bem delimitado com limite externo preciso e onde tudo se passa recebe o nome de hospital dia.

Dentro desta área geográfica existe um enquadramento terapêutico interno que possui ideologia própria, decantada por anos de experiência, onde conceitos psicodinâmicos, sistêmicos, cognitivo-comportamentais e psicofarmacológicos são aplicados, segundo o estado da arte para cada uma destas disciplinas.

O grupo da equipe multidisciplinar permanente tem como tarefa primordial manter a qualidade destes dinamismos, a orientação especializada didático-assistencial e a administração da coesão deste grande grupo em progresso.

Todos pacientes têm um diagnóstico psiquiátrico e são medicados de acordo com a sintomatologia predominante. Esta abordagem terapêutica complexa que integra o tratamento psicofarmacológico ao psicossocial com múltiplos grupos vem sendo aprimorada ao longo dos anos. O componente psicossocial gerado a cada momento, nesta terapia de múltiplos grupos simultâneos durante a semana e intercambiantes, tem um impacto altamente positivo na melhora precoce da auto-estima, seguida pela redução dos sintomas principais que provocaram a hospitalização parcial.

 

Objetivo

No presente trabalho temos por objetivo apresentar a prática de múltiplos grupos gerenciais, terapêuticos e didáticos exercidos no HD no correr de uma semana e em dois meses para pacientes, familiares, médicos residentes em psiquiatria, estagiários de psicologia, serviço social e terapia ocupacional e membros da equipe permanente.

 

Método

Tomaremos como referência uma semana didático-assistencial de 2a a 6a &–feira, e dividiremos os grupos processados na semana em três tipos os quais têm diferentes qualidades segundo os objetivos a que se prestam. A qualidade dos grupos diz respeito às tarefas gerenciais, didáticas e terapêuticas que cumprem.

Para o cálculo será considerada uma semana padrão de cinco dias úteis, 16 pacientes e seus familiares, três médicos residentes, um estagiário de psicologia, terapia ocupacional e serviço social e a equipe permanente multidisciplinar completa de treze técnicos. Apresentaremos também a duração média de permanência que gira em torno de oito semanas.Assim será possível estimar-se o número de grupos em uma semana e em oito semanas.

Este total de grupos dará uma idéia de quanto o HD utiliza grupos tanto para se autogerenciar como para o ensino e terapia. A duração média de permanência de tempo limitado e breve, da maioria dos pacientes, induziu-nos, com o passar dos anos, à utilização de técnicas grupais breves e focais.

 

Resultados e Discussões

Nestes 40 anos estes múltiplos grupos, que hoje somam 46 em uma semana e 368 em quatro meses, sofreram, desde a origem de cada um, processo de seleção de acordo com a evolução da aplicação das técnicas grupais em nosso país e no mundo ocidental. O HD precedeu, testemunhou e tem contribuído para o movimento brasileiro para a desospitalização. Alguns grupos estão desde o início enquanto outros surgiram com o correr dos anos. Entre estes alguns desapareceram enquanto outros persistiram e se firmaram no elenco de grupos que temos hoje e podem ser vistos na Tabela 01.

Ao longo deste tempo três fatores foram decisivos na sobrevivência ou morte de determinada prática grupal. Em primeiro lugar sobreviveram os grupos que melhor representaram o espírito de missão do HD, como representante brasileiro para a prática da comunidade terapêutica no tratamento e reabilitação de doentes mentais graves. Em segundo lugar, têm sucesso nas instituições de modo geral, e no HD em particular, aqueles grupos instalados por técnicos treinados que persistiram na instituição para mantê-los ativos, aprimorando sua prática ao longo dos anos. Em terceiro lugar, suprida a presença do profissional treinado, qualquer grupo para firmar-se precisará responder às necessidades específicas da instituição que ele serve. No caso do HD, três necessidades consideradas essenciais, ao longo dos anos, geraram três tipos de grupos, vistos na Tabela 1 como do Tipo 1, Tipo 2 e Tipo 3.

A necessidade de gerenciamento deu origem aos grupos do Tipo 1 em número de 4, representados na tabela 1 por 15,2%. Este HD, por razões históricas, foi instalado por uma equipe multidisciplinar, especialmente designada para esta finalidade.

 

 

O grupo da equipe representa um exemplo clássico de gerenciamento democrático da instituição. Este grupo avalia e avaliza tanto o funcionamento autogerenciável de cada um dos membros individuais do time permanente de técnicos, como a qualidade da assistência e ensino do HD.

A necessidade de supervisão clínica para estagiários gerou os grupos do Tipo 2, em número de 12, representados na Tabela 1 por 37%. Esta supervisão oferece tutoria em grupo para prover formação em Psiquiatria Clínica, Psicologia, Terapia Ocupacional e Serviço Social.

A necessidade de terapia para pacientes gerou os grupos do Tipo 3, em número de 13, representados na Tabela 1 por 47,8%. Neste contexto a grupoterapia é vista na Tabela 1 como Tipo 3.1.17. Ela é uma forma tradicional de prover tratamento psicoterápico em instituição. No HD esta grupoterapia adapta-se aos pressupostos das terapias breves focais já que a duração média de permanência dos pacientes não costuma exceder oito semanas quando estará completando 32 sessões destes grupos.

O número total de 29 diferentes Tipos de grupos que na Tabela 1 se estendem dos grupos Tipo 1.1. aos grupos Tipo 3.13.29., sendo que alguns deles são repetidos, chegando-se ao total de 46 grupos, em uma semana de tratamento e de 368, em dois meses. Este conjunto de grupos, mostrado na Tabela 1 precisa ser contextualizado, pois são diferentes técnicos aplicando diferentes procedimentos de gerência (Grupos Tipo 3.1.17.), ensino (Grupos Tipo 2) e terapia (Grupos Tipo 3), em diferentes momentos de um mesmo dia e, em cada um dos cinco dias úteis, de segunda a sexta-feira.

Este mesmo raciocínio deve ser considerado para a tabela 2. Consideramos apenas os cinco dias úteis de cada semana quando o paciente permanece das 7:30 às 16:00h no ambiente terapêutico do HD. Excluímos sábados e domingos do nosso cálculo.

 

 

Segundo apresentado nas Tabelas 1 e 2, um paciente que tenha permanecido dois meses, ou oito semanas em tratamento teria comparecido efetivamente a 44 dias de tratamento. Neste período seria submetido a 32 sessões de grupoterapia &– grupo Tipo 3.1.17. -, cada sessão com duração de uma hora, o que para nós caracteriza uma grupoterapia de tempo limitado breve.

Neste mesmo período o grupo da equipe multidisciplinar móvel &– grupo do Tipo 1.2. -, reuniu-se oito vezes, enquanto o grupo de relaxamento com ginástica e música &– do Tipo 3.8.24. -, teria completado 24 sessões.

 

Conclusões

1. O HD da FMRP-USP, nos últimos 40 anos, tem sido pioneiro na universidade no tratamento humano e na reabilitação do doente mental grave com a utilização de múltiplos grupos de natureza gerencial, didática e terapêutica; 2. sobreviveram no HD grupos que cumpriram a missão institucional, foram úteis no ensino e na clínica e tiveram técnicos para instalá-los e aprimorá-los ao longo dos anos; 3. a grupoterapia, processada como técnica breve e focal, com quatro sessões semanais com duração de uma hora, desempenha um papel importante entre os múltiplos grupos.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Endereço para correspondência
José Onildo Betioli Contel
E-mail: jocontel@fmrp.usp.bt

 

 

6 Hospital Dia Psiquiátrico da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP.
7 Professor Associado da FMRP-USP. “AGPA Associate Clinical Member”. Diretor Clínico do Hospital Dia.