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Revista da SPAGESP

Print version ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.2 no.2 Ribeirão Preto  2001

 

PARTE IV - GRUPOS ESPECÍFICOS

 

Dificuldades e facilidades na psicoterapia de grupo com crianças 1

 

 

Beatriz S. Fernandes 2

Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo - SPAGESP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Embora os avanços tecnológicos da indústria farmacêutica vêm contribuindo para o controle da doença mental, toda a parte emocional do ser humano só pode ser abordada através da psicologia. Assim a autora inicia seu trabalho, partindo para discriminar os elementos facilitadores e dificultadores no processo grupoterápico infantil.

Dificultadores:

a) nem sempre receberemos pacientes dentro da faixa ideal de idade para o nosso grupo;

b) às vezes o diagnóstico não permite indicação para grupo;

c) os grupos podem estar já formados;

d) os grupos, neste momento, têm vaga mas a dinâmica grupal não permite novas entradas.

Tais dificuldades devem ser contornadas e assimiladas pelo terapeuta para que o grupo possa ser montado e mantido.

Facilitadores:

a) o grupo terapêutico como escolha para o atendimento desta faixa etária é uma técnica de muito sucesso;

b) é multipessoal;

c) adota a regra natural de seus participantes: crianças sempre estão em grupos.

A autora conclui que os pacientes dessa faixa etária não são mais crianças e ainda não são adolescentes, são seres humanos ainda em crescimento, carentes, necessitando de uma Ancoragem para edificarem suas identidades.


ABSTRACT

Although the technological advancements of the pharmaceutical industry contribute to the control of mental illness, the emotional side of the human being can only be approached through psychology. The author starts her work identifying the elements that facilitate and the ones that make the children’s grouptherapeutic process difficult.

Elements that make it difficult:

a) It will be difficult to have patients within the ideal age range to our group. b. Sometimes the diagnosis does not allow indication to the group.

b) The groups may be formed already.

c) At this moment there is vacancy in the groups but the group dynamics does not allow new patients.

d) The therapist must cope with these difficulties so that the group can be formed and mantained.

Facilitators:

a) The therapeutic group as a choice to work with this age range is a successful technique.

b) It is multipersonal.

c) It adopts a natural rule of its participants: children are always in groups.

The author concludes that the patients in this age range are not children anymore and are not adolescents yet. They are human beings who are still growing, needy and who need anchorage to build their identities.


RESUMEN

Aunque los avances tecnológicos de la industria farmacéutica vienen contribuyendo para el control de la enfermedad mental, toda la parte emocional del ser humano sólo puede ser abordada a través de la psicología. De esta manera la autora inicia su trabajo, partiendo luego para discriminar los elementos facilitadores y dificultadores en el proceso grupoterápico infantil.

Dificultadores:

a) no siempre recibimos pacientes dentro de la edad ideal para nuestro grupo;

b) a veces el diagnóstico no permite la indicación para el grupo;

c) los grupos pueden ya estar formados;

d) los grupos, en este momento, tienen lugar vacante pero la dinámica grupal no permite nuevas entradas.

Tales dificultades deben ser tenidas en cuenta por el terapeuta para que el grupo pueda ser formado y mantenido.

Facilitadores:

a) el grupo terapéutico como elección para el atendimiento dentro del nivel de edad es una técnica de mucho éxito;

b) es multipersonal;

c) adopta la regla natural de sus participantes: los niños siempre están en grupos.

La autora concluye que los pacientes que están dentro de esta edad no son más niños y aún no son adolescentes, son seres humanos aún en crecimiento, carentes y necesitan amparo para que puedan identificar sus identidades.


 

 

Embora os avanços tecnológicos da indústria farmacêutica muito contribuem para o controle da doença mental, toda a parte emocional do ser humano só pode ser abordada através da psicologia. Tanto a psicoterapia como alguns fatores ambientais podem contribuir para o tratamento de seres humanos em qualquer idade.

Atualmente tudo muda no mundo em que vivemos - onde as coisas tornam-se obsoletas com muita facilidade, e tudo é questionado. Necessitamos estar alertas e atualizados perante a vida, para podermos  atender aos grupos de crianças. No passado, a psicoterapia com adolescentes fracassou, em função talvez das regras da psicanálise, na época, serem extremamente rígidas, e mais adequadas para adultos, sem a sensibilidade exigida para esta idade; tudo ficava então mais difícil.

Hoje devemos encará-los como um grupo distinto, com inúmeros conflitos e com uma carência de amor. Slavson (1964) deu o nome de amor incondicional para a atitude do terapeuta frente a esse trabalho, com crianças maiores.

Para montarmos grupos de crianças maiores (10-12 anos) podemos deparar algumas dificuldades, entre elas:

a) nem sempre recebermos pacientes dentro da faixa ideal de idade para o nosso grupo;

b) às vezes o diagnóstico não permite indicação para grupo;

c) nossos grupos estão todos formados;

d) nossos grupos têm vaga, mas a dinâmica grupal  não permite novas entradas.

Estas dificuldades devem ser contornadas e assimiladas pelo terapeuta para que o grupo possa ser montado e mantido.

Por outro lado estaremos em contato também com elementos facilitadores para esse trabalho:

a) o grupo terapêutico é uma técnica de muito sucesso para o atendimento desta faixa etária;

b) sendo multipessoal facilita identificações;

c) adota a regra natural de seus participantes, que é: crianças  sempre estão em grupos.

Entretanto, se não tiver treinamento específico e aptidão para o atendimento infantil isso poderá dificultar o processo grupal. Uma das dificuldades encontradas para montar o primeiro grupo é sempre o fator  pacientes adequados. É difícil recebermos 2 ou 3 crianças em seguida com idades próximas. O que fazer? Costumo às vezes prolongar a avaliação um pouco mais, uma ou duas sessões, jamais deixo alguém esperando porque o grupo não está formado. Contando com um pouco de sorte, alguém mais chega, ou começo com um, trabalhando o tempo todo com a possibilidade de chegada de outro.

Para a seleção sou bastante flexível. Quase todos podem participar do grupo. Só não coloco no grupo alguém portador de muita crueldade, com história de abuso sexual, ou psicótico, sem acompanhamento psiquiátrico. Creio que estes podem desfrutar de grupos homogêneos, com melhor aproveitamento. Entretanto, na clínica privada é bastante difícil mantermos este tipo de grupos.

Quando os grupos estão formados e já não há vagas, temos alternativas: primeiro posso encaminhar diretamente para uma colega; nesse caso não faço avaliação, pois estaria criando um vínculo que vai ser quebrado; posso também procurar abrir outro grupo, seguindo os mesmos princípios já mencionados.

Temos ainda uma outra dificuldade, por exemplo, existe vaga em meus grupos, mas no momento não é conveniente colocar um elemento novo dada a dinâmica grupal. O que mais tem dado certo nestes casos é prolongar um pouco a avaliação, condição esta que contará com mais tempo para que o grupo se integre  e eu possa colocar mais um elemento. É  bom dar um intervalo entre as entradas, creio que de pelo menos um mês.

Como elementos facilitadores temos os grupos com tempo limitado, que têm sido uma ótima escolha, ou um contrato onde a criança ou o adolescente sabe que vai ficar naquele grupo por um determinado período, tal como é na vida do adolescente ou da criança, sempre com compromissos por tempo limitado.

Temos em geral pouco tempo para psicoterapia. Tempo real é difícil pelas atuais condições econômicas do país, de uma família ou um convênio poder manter por mais de um ano e meio um paciente em terapia. É preciso também dar atenção para o tempo que o cliente demora na sua locomoção e também não esquecer que nesta idade tudo é previsto para ontem. A paciência é pequena.

Há alguns anos tive um grupo que chamávamos de “grupo da janelinha”. Era um grupo que em geral ficava com 4 crianças,  e todas com falta de dentes, daí o  nome “grupo de janelinhas”, quando os dentes nasciam, um ano tinha se passado; alguns estavam melhores, outros migravam para um grupo de crianças maiores. Se, por ventura não conseguia um grupo adequado, ficavam um período individualmente até conseguir montar o grupo mais próprio para aquela idade. Para crianças maiores é fácil marcarmos os limites também; assim  que meninas e meninos começarem a não brigar mais, é sinal que outra etapa da vida está chegando. É comum termos subgrupos - os meninos juntos e as meninas em outro subgrupo.

Em meus grupos utilizo abordagem psicanalítica, com uma conotação mais flexível e às vezes mesclando artes, para poder chegar até as crianças considerados difíceis de serem atingidas.

Talvez baste um pequeno círculo, algum material à disposição de quem quiser utilizar, e uma sala nada impessoal, inclusive com um pote de chiclete e balas, como aprendi com G. Pearson (1967). Podem sentar-se no chão, no sofá, na cadeira ao redor da mesa, ouvir música, trazer biscoitos, fotos, fatos do dia-a-dia, tudo em prol de facilitar uma aproximação de cada um consigo mesmo, seu mundo interno com seu mundo externo.

O grupo varia muito em movimentos de progressão e regressão. O ideal está sempre em foco. Acreditar em si é ambíguo: ser o dono do mundo ou ser o horror do mundo. Ouvi certa vez; “eu não posso viver legal, como acreditar em mim se todos me falam que eu vou mudar, vou ficar chato, como é que vão me chamar? Ah!  “Aborrescente”.

Em geral o conflito básico que começa emergir é o da identidade, que vai se acentuar mais tarde, com a chegada da adolescência. O grupo serve como uma ponte que pode levá-los da dependência infantil para o início de sua individualidade. Juntos podem descobrir quem são e a que mundo pertencem. É importante a figura dos líderes dos grupos, como se tornar o herói, como ser como a mocinha da novela, portadores desses ideais  podem dar coesão  ao grupo, até serem depostos por outros ideais.

É preciso que encontrem ajuda para lidar com suas ansiedades, com sua agressividade, e, no grupo, normalmente é o que ocorre.

Quanto a nós terapeutas, penso que também somos selecionados pelos nosso clientes. Eles nos testam, nos questionam, nos observam e precisamos com certeza ser aceitos por eles. De nossa parte, creio que é preciso ser flexível, aberto para idéias novas, ser atualizado, conhecer o mundo desses futuros jovens, seus filmes, seus desenhos animados, seus jogadores preferidos, como anda o futebol, a moda, a música própria para essa idade, caso contrário, ficaremos à margem de uma realidade vivida por eles.

Um certo treinamento específico é requerido para o psicoterapeuta infantil. Aspectos éticos têm que ser respeitados e vistos com muito rigor, pois estaremos sempre em contato com os familiares de nossas crianças. Os assuntos tratados no grupo devem ser sigilosos, nada deverá passar para os familiares, caso contrário estaremos prejudicando o grupo e o bom andamento do nosso relacionamento.

Muitas vezes seremos cobrados pelos familiares sobre a melhora de seus filhos, e neste sentido o que penso que ajuda muito o nosso trabalho é mantermos um grupo de orientação de pais. Mensalmente teremos um encontro para conversarmos sobre dificuldade e facilidades que estamos encontrando.

Creio que estes são alguns aspectos que ao longo de minha experiência tenho encontrado e enfrentado no trabalho com crianças dessa idade. Não são mais crianças e ainda não são adolescentes, são seres humanos ainda em crescimento, carentes, necessitando de Ancoragem, no sentido dado a essa palavra por Kaës (1984), para edificarem suas identidades.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

KAËS R. - Etayage et estructuration du psychisme. Connexions, nº. 44, 1984, pág. 11 - 48.        [ Links ]

PEARSON, G. H. J  - Manual de Psicoanalisis de Niños y Adolescentes, Buenos Aires, 1967.        [ Links ]

SLAVSON, S. R. Tratado de Psicoterapia Grupal Analítica - Paidós - Buenos Aires - 1976.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Beatriz S. Fernandes
E-mail: wb.fernandes@terra.com.br

 

 

1 Trabalho apresentado na 5a. Jornada da Spagesp, 2001 Franca.
2 Psicóloga Clínica, especializada no atendimento infantil. Membro fundador e docente da SPAGESP - Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo e do NESME - Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares.