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Revista da SPAGESP

versão impressa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP v.2 n.2 Ribeirão Preto  2001

 

PARTE IV - GRUPOS ESPECÍFICOS

 

Psicoterapia de grupo para mulheres dependentes: lições de 4 anos de experiência

 

 

Silvia Brasiliano 3

Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho é refletir sobre a experiência de grupo de psicoterapia com mulheres dependentes de álcool e drogas desenvolvida nos últimos quatro anos no Programa de Atenção à Mulher Dependente Química do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Destacam-se as principais diferenças entre estes grupos e os grupos de psicoterapia mistos, levantando-se algumas hipóteses teóricas, bem como formas de manejo. Assim, discutem-se as questões da maior aderência ao grupo, a dificuldade em pedir alta, a transferência com terapeutas mulheres e a forma de participação das pacientes no grupo. Para concluir é sugerida a discussão do conceito da feminilidade, entendido como o reconhecimento de limites e fragilidades, ou seja, da incompletude do ser humano.


ABSTRACT

This paper intends to discuss the experience with drug addicted women-only groups psychotherapy carried out in the last four years at the Women Treatment Service, a women-only drug addicted facility at Clinics Hospital Psychiatric Institute &– Sao Paulo Medical School. The main differences between these groups and mixed gender psychotherapy groups are reported and the main hypotheses and technical approaches are presented. So, the higher length of stay of the patients in women-only groups, the difficulties to leave the psychotherapy, the transference reactions to female therapists and the type of patient’s participation in these groups are discussed. Concluding the author suggests the discussion about the concept of femininity as the ability to recognize our bonds and weaknesses, that is, the incompleteness of human being.


RESUMEN

El objetivo de este trabajo es reflexionar sobre la experiencia de realizar un grupo de psicoterapia con mujeres dependientes de alcohol y drogas, desarrollado en los últimos cuatro años en el Programa de Atención a la Mujer Dependiente Química del Instituto de Psiquiatría del Hospital de las Clínicas de la Facultad de Medicina de la Universidad de San Pablo, Brasil. Se muestran las principales diferencias entre estos grupos y los grupos de psicoterapia mixtos, presentando algunas hipótesis teóricas, así como las formas de enfoque. Son discutidas cuestiones tales como la mayor adhesión al grupo, la dificultad en pedir alta, la transferencia con psicólogos mujeres y la forma de participación de las pacientes en el grupo. Para concluir la autora sugiere una discusión del concepto de feminidad entendido como el reconocimiento de límites y fragilidades, o sea, el estar incompleto del ser humano.


 

 

A criação do trabalho do Programa de Atenção a Mulher Dependente Química do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (PROMUD &– Ipq &– HC &– FMUSP) fundou-se em um desafio: o desafio de tentar propiciar melhores condições para o tratamento das mulheres dependentes que nos procuravam. Este desafio não estava constituído por um mero desejo inovador, nem por um exercício retórico de repensar a teoria. Ao contrário, fundamentava-se em nossas pesquisas e em nossa prática com mulheres em um serviço misto, onde constatávamos que elas pareciam não se beneficiar do tratamento, do modo como poderiam faze-lo, ou seja, talvez elas pudessem reagir diferentemente se lhes fosse oferecido uma abordagem mais adequada (HOCHGRAF, 1995). Isto era especialmente flagrante nos grupos psicoterapêuticos, onde a presença masculina parecia marcá-las em um lugar secundário, de onde pouco falavam de si. Mesmo quando se evitava a preponderância numérica dos homens, seu comportamento ainda parecia inibido: falavam mais, mas sempre dirigindo seus esforços para ajudar os outros, em geral os membros do sexo masculino, quase nada expressando dos seus sentimentos, medos, angústias e conflitos.

Assim, quando iniciamos o PROMUD tínhamos como razoavelmente claro que a opção por grupos psicoterapêuticos só de mulheres era a alternativa para oferecer um espaço que favorecesse a abordagem de suas dificuldades. Esta nossa constatação era congruente com a de muitos outros autores, que sugeriam os grupos exclusivos como uma das intervenções fundamentais para as mulheres dependentes, pois propiciariam a sua participação integral (WALLACE, 1994; ROTH & JAMES, 1994; KAUFFMAN e cols., 1995; BRASILIANO, 1997a; HODGINS e cols., 1997). Estes estudos referiam principalmente que a intimidade e a livre troca afetiva presente nestes grupos, possibilitariam à mulher trabalhar com suas questões fundamentais, ou seja, os problemas com o relacionamento interpessoal, a sexualidade e a maternidade (KAUFFMAN e cols., 1995; HODGINS e cols., 1997).

Curiosamente, esta literatura era predominantemente teórica, pois eram quase inexistentes pesquisas que relatassem o desenvolvimento, a evolução e a eficácia desses grupos. Neste panorama, em que as nossas hipóteses encontravam respaldo em outros trabalhos, mas não havia modelos clínicos como base, inauguramos o nosso primeiro grupo. Baseados em nossa experiência em um serviço misto, sabíamos que a adesão à psicoterapia era muito baixa, ou seja, cerca de 50% das pacientes abandonavam o tratamento nos três primeiros meses de seguimento. Assim, seria necessário iniciar com pelo menos cinco pacientes e deixar o grupo aberto para novas entradas por cerca de seis meses, quando então o total de dez a doze pacientes deveria ser atingido (HOCHGRAF, 1995).

Contrariamente a essa expectativa, entretanto, o primeiro grupo foi fechado no segundo mês, com quinze pacientes. É claro que este número havia ultrapassado em muito o número adequado para uma psicoterapia grupal, mas, naquele momento, não tínhamos uma estrutura institucional que permitisse a abertura de um novo grupo em apenas dois meses. Simplesmente não tínhamos pensado nesta possibilidade! Este dado era absolutamente novo para nós!

Hoje, cerca de 4 anos depois do início deste primeiro grupo, penso que este elemento surpresa já indicava todas as outras diferenças que encontraríamos no nosso percurso e que nos fariam constatar na prática, que a afirmação de que mulheres dependentes constituem um subgrupo com características e necessidades próprias, é a expressão absoluta da verdade!

Dessa forma, fomos obrigados no correr do tempo, a transformar e modificar não só muito do que havíamos teorizado sobre a drogadicção, mas principalmente toda a nossa atuação enquanto psicoterapeutas. Esta singularidade de nossas pacientes estaria presente em todos os momentos do trabalho do PROMUD, embora suas marcas aparecessem principalmente nos grupos de psicoterapia exclusivos para mulheres, que se configurariam como absolutamente diversos dos grupos mistos ou só de homens.

Esta diversidade, reflete-se, em princípio, na aderência. A progressão do trabalho naquele primeiro grupo revelou que a permanência das pacientes no grupo, não era apenas um dado inicial. Em um ano cerca de 65% das mulheres continuavam freqüentando a psicoterapia, enquanto nossa experiência em grupos mistos era que 70% delas deixava o tratamento nos primeiros meses de seguimento (BRASILIANO & HOCHGRAF, 1998).

Mas, não era só a freqüência o dado importante, pois as pacientes não somente vinham ao grupo, como, principalmente, evoluíam com ele. Da mesma forma que o grupo rapidamente constituiu-se como espaço, também em pouco tempo configurou-se como lugar de análise, onde era possível olhar, interpretar e viver as fantasias, os medos, os sonhos, as resistências e as emoções de cada uma das mulheres e de todas enquanto grupo.

A continuidade do trabalho permitiu observar que esta ligação inicial, funciona como um primeiro dispositivo de continência, que favorece o vínculo. Este, a princípio indiscriminado, vai se oferecendo gradativamente como lugar de apoio da subjetividade, permitindo a emergência da angústia e a possibilidade do trabalho de elaboração psíquica (ROJAS, 1996).

Esta não foi a realidade daquele primeiro grupo somente. Muitos outros, que tivemos de ir criando, pois a permanência das pacientes nos grupos, obrigava-nos a fundar um novo grupo a cada vez que o antigo se fechava, evoluíram de maneira semelhante. Assim, vimos algumas pacientes ficarem abstinentes, crescerem, desenvolverem-se e, verdadeiramente, mudarem a sua história (BRASILIANO, 2000).

Uma única questão inquietava-nos: ninguém pedia alta do grupo, apesar de existir uma regra contratual que permitia, se a paciente estivesse bem, que a sua alta fosse discutida depois de um ano e meio de freqüência ao grupo. Esta inquietação transformou-se em um incômodo quando o primeiro grupo fez três anos. Mais uma vez fomos confrontados com a necessidade de mudar... Fundamentalmente mudar a nós mesmos, pois se muitas pacientes não queriam ir embora, percebemos que nós, também, não lhes estávamos dando as condições para que partissem... Seguiu-se outro caminho, pois, se não é fácil elaborar a perda do “filho” crescido, que já pode viver sem nossos cuidados, era absolutamente necessário que o fizéssemos. Pois, não se trata a dependência de drogas de uma forma que o sujeito encontra para não ser confrontado com o seu desamparo, garantindo, como diz BIRMAN (1993), na rapidez colorida de seu lusco-fusco que tudo é possível, não existem limites no real e o indivíduo é acima da finitude? Neste sentido, para aquelas pacientes que já tinham reconstruído, reinventado suas histórias, a alta era fundamental para que elas pudessem experienciar mais uma vez, o que já sabiam: que se a incompletude, característica básica do ser humano, não pode ser evitada com as drogas, também não será o grupo que perenemente irá ampara-la! Permanecer “aderida”, “grudada” a ele, era negar aquilo que o sofrimento tinha lhes ensinado: não há no mundo, nada que possa por si só proteger-nos sempre de nossas fragilidades e limites. Acima de tudo, é a certeza desta incompletude, nunca satisfeita, que nos move permanentemente na busca de novos objetos de amor e nos incita a recomeçar, a nos reinventar... (BIRMAN, 1999). Assim, muitas pacientes se foram...

É claro que nem todos os grupos evoluíram desta forma. Após dois anos de trabalho nossas pesquisas mostravam que, embora, conseguíssemos manter e tratar as alcoolistas, o mesmo não se dava com as dependentes de outras drogas, que tinham naquela época taxas de aderência semelhantes às dos tratamentos mistos (BRASILIANO & HOCHGRAF, 1999). Nos grupos sua freqüência era flutuante e o vaivém das paciente, também, nos lembrava muito os grupos mistos. Questionamos nossa abordagem como um todo e mudamos algumas estratégias, como por exemplo, atender as dependentes de crack na sexta-feira na triagem e iniciar o seu tratamento já na segunda-feira. Observamos que uma espera maior era intolerável de ser pensada no seu universo. Sua motivação para o tratamento era muito tênue e ocorria somente em momentos de desespero, que poderiam desvanecer-se tão rapidamente quanto surgiram.

Quanto as que permaneciam, mas abandonavam., começamos a refletir sobre nossa atuação nos grupos. Até aquele momento, orientávamo-nos pela literatura, e, assim, embora tivéssemos homens na nossa equipe, os terapeutas de grupo eram sempre mulheres (DAVIS, 1994; ROTH & JAMES, 1994; POWIS e cols., 1996; STEIN & CYR, 1997). No pensar e repensar estas questões ocorreu-nos que havia uma diferença fundamental na relação transferencial que as alcoolistas e as dependentes de drogas estabeleciam com suas terapeutas. Para as primeiras, que vieram ao programa envergonhadas, bebiam escondido e pareciam carregar em si todo o peso do estigma social, o fato da terapeuta ser mulher era uma primeira fonte de alívio, pois significava uma possibilidade de compartilhar suas dificuldades, sem o temor da crítica, do julgamento, da condenação que percebiam impregnar a sociedade em geral e os homens em particular (BRASILIANO & HOCHGRAF, 1998; BRASILIANO, 2000).

Já para as dependentes de drogas, que iniciavam o uso da substância no seu grupo de pares ou com os companheiros, mas nas ruas, nos bares e nas festas, ou seja, no mundo, a presença da terapeuta mulher parecia não ser tão fundamental. Pelo contrário, como é muito freqüente na instituição, cindiam a relação transferencial: com a terapeuta ocupacional mantinham uma ligação calorosamente afetiva e com a terapeuta do grupo colocavam-se em constante confronto.

Parecia que o lúdico que a atividade de terapia ocupacional comporta, aproximava as pacientes da terapeuta, vista como a boa mãe que permite o prazer de realizar, ou a amiga que não só orienta, mas compartilha o fazer. Já a terapeuta do grupo, era a mãe ideal, perfeita, modelo admirado, mas que nunca poderia ser atingido, a não ser rebelando-se e adolescentemente comportando-se como seu oposto. Assim, era comum nestes grupos a atuação, seja sob a forma do grupo gangue, que burlava todas as regras, questionando, confrontado e afrontando o lugar da terapeuta e o espaço do grupo, seja sob a forma de faltas e abandonos. Ë claro que esta contraposição entre a “mãe terapeuta ocupacional completamente boa” e a “mãe terapeuta do grupo absolutamente má” poderia e deveria ser lidada dentro do contexto da equipe. Entretanto, a quantidade das atuações e a gravidade de algumas delas, o que freqüentemente ou neutralizava o espaço psicoterapêutico ou impedia a realização do grupo, impeliu-nos a pensar em formas diferentes para facilitar o longo trabalho de integração destes objetos parciais projetados

Neste panorama, surgiu a idéia de atuar em casais terapêuticos, pois talvez a presença concreta do homem, favorecesse o trabalho simbólico da entrada do terceiro, que põe limites à relação simbiótica com a mãe. Ao mesmo tempo, ter como terapeutas um casal poderia permitir-lhes experienciar fantasiosamente a vivência de cuidado conjunto de um pai e uma mãe, que a maioria nunca tinha tido no real de sua vida.

Não é possível, ainda, esclarecer todas as implicações desta hipótese, mas já podemos observar que outros caminhos vem sendo trilhados, na direção de uma integração. Na terapia ocupacional a euforia maníaca já não ocupa todas as sessões e já se pode falar: não quero, não gosto... No grupo psicoterapêutico tanto os abandonos, quanto as atuações delinquenciais diminuíram e a angústia esta podendo ser expressa, ainda que precariamente, através da linguagem, seja na fala, seja no falatório, na fofoca, no sussurro.

Uma outra característica que difere os grupos só de mulheres dos grupos mistos, é a forma de participação das pacientes neste espaço. Mulheres falam! Inicialmente é preciso demarcar uma diferença ente homens e mulheres dependentes, que já se mostra nos primeiros contatos das pacientes no programa, muito antes até do seu início no grupo. Enquanto homens dependentes em geral contam sua história como se ela se resumisse à história da substância, as mulheres não circunscrevem seu discurso à droga, parecendo que são mais capazes de detectar que por trás da droga há uma história a ser contada (BRASILIANO, 1997a; PONCZEK, 1999). Assim, enquanto nos grupos mistos é necessário frisar e refrisar que o tema é a vida, nos grupos só de mulheres podem se passar sessões sem que o assunto drogas seja mencionado (BRASILIANO, 1997a; BRASILIANO & HOCHGRAF, 1998). No mesmo sentido, se nos grupos mistos há longos silêncios quando o tema não é a substância, nos grupos só de mulheres o silêncio é algo raro, o falatório é constante. A conseqüência é que se nos primeiros o terapeuta sente-se freqüentemente enfadado, nos últimos ele muitas vezes sente-se atordoado!

É a partir de suas vidas que as mulheres vão falar: falam dos filhos, dos companheiros, de suas alegrias e tristezas, de seus medos e incertezas. Falam mal da equipe, bem do tratamento, falam da companheira do grupo e falam do que pensam que a outra fala... Por um lado, parece ocorrer aqui algo específico do feminino ou como diz BASTOS (1994) “mulher fala muito, fala pelos cotovelos. ... Mas não fala em qualquer lugar. A fala da mulher tem um código próprio: ela é íntima num duplo sentido. Mulher fala de coisas íntimas em lugares íntimos. O espaço que lhe é próprio é o espaço privado e seu texto relacional.” Nesta direção, parece que para a mulher a criação de um espaço vincular, onde a identificação primária com o outro do mesmo sexo e com a mesma problemática esta favorecida, facilita o desenvolvimento da intimidade e o falar gerador de sentido.

Por outro lado, nem sempre é o sentido o que se busca. As mulheres também falam para não falar... O falatório é muitas vezes sua principal defesa contra a angústia, e elas falam para nada dizer, falam para não se escutar, falam para não escutar o outro, falam para não ouvir o barulho do vazio. Este vazio é a marca de uma subjetividade objetalizada, que transformou os objetos de prazer em objetos de necessidade e o outro já não existe enquanto ser humano, mas meramente como objeto de consumo (ROJAS & STERNBACH, 1997).

O terapeuta não consegue intervir, pois se em algumas sessões não há espaço real, em outras a paciente esta “imersa em um mar de palavras sem sentido, embora aparentemente tão vivaz, que o outro não tem nada a dizer, pois a intenção não é comunicar, apenas derramar...’ (TRINCA & VALENTE, 2000).

Assim, também fez parte do nosso percurso, aprender que o falar muitas vezes nunca trará o sentido. Até o momento do tratamento, muitas pacientes agiam como se seu mundo interno não existisse e elas não soubessem o que têm de se perguntar, ou mesmo se é preciso fazer alguma pergunta. Significar como seu e de sua vida é um caminho totalmente novo e, que, portanto, deve ser aprendido. Como dizem TRINCA & VALENTE (2000) será preciso, então, iniciar pacientemente estas mulheres no processo de alfabetização: “começar a mostrar que para se comunicar é necessário começar de forma ordenada, as letras inicialmente formando as sílabas, que vão tendo sentido, para posteriormente irem se constituindo enquanto palavras, mas não apenas uma palavra, mas uma palavra que carrega junto de si o seu significado”.

Este é exatamente o grande desafio de nossa psicoterapia: abrir espaço para a vida psíquica, ali onde ele parece não existir, buscando em seu discurso pobre, plano e superficial, introduzir a palavra do analista que pode mudar o rumo da fala (ZIGOURIS, 1996; BRASILIANO, 1997b).

E aqui eu gostaria de resgatar o subtítulo desta palestra: o que aprendemos com nossas pacientes. Muitas, inúmeras, coisas, mas duas parecem-me fundamentais.

A primeira foi a possibilidade de abrirmo-nos para o contato com a feminilidade e a sua linguagem, com toda aventura e enigma que isto significa (BIRMAN, 1999). Se em seu sentido mais amplo a feminilidade, como nos ensinou Freud, esta presente nos homens e nas mulheres, foram nossas pacientes que a desnudaram para nós, tanto em seu enorme sofrimento para escapar ao desamparo e à fragilidade, quanto nas possibilidades criativas de viver com ela.

A segunda foi que elas nos mostraram o quão pouco sabíamos sobre as mulheres dependentes, mas o quanto podíamos ir modificando a nossa terapêutica. E esta não foi e não tem sido uma tarefa simples, nem fácil de ser conduzida. Sem modelos em experiências anteriores que pudessem nos guiar, é o próprio investimento no trabalho que tem nos orientado.Assim, se em muitos momentos a angústia dominou-nos, pois nos sentíamos como músicos que devem compor uma partitura, ao mesmo tempo em que a executam, em outros o velho lema, que aprendi logo nos meus primeiros contatos com os velhos mestres da faculdade de medicina, nos acalmou.

A clínica é soberana, diziam eles... Este lugar da clínica é muito especial, pois carrega em sua dimensão mais profunda a possibilidade de refletir que ela, enquanto práxis, não expressa nada e que se observamos algo, é porque este algo esta necessariamente incluído em um embasamento teórico que o fundamenta, mesmo que não seja claro no primeiro momento. Dessa forma, viemos construindo nossa atuação com a atenção sempre alerta, por um lado, à observação do que se passa com as mulheres que atendemos e, por outro, aos referenciais que nos permitam iluminar os fatos para saber onde estamos, o que pretendemos e o porque fazemos desta ou daquela forma (DURAND, 1995; BAGGIO & BAREMBLITT, 1996; DURAND, 1996; BRASILIANO, 1997b). Como nos ensinou OLIVENSTEIN (1982), “a verdade clínica, não é uma verdade fixa, mas é o movimento em volta que vai determina-la como tal”.

Para concluir, gostaria de dizer que se ainda há muito a ser feito e certamente não temos todas as respostas para as diferentes situações que vivemos, aprendemos com nossas pacientes, sobretudo, que é o reconhecimento de nossos limites e fragilidades que nos move a criar alternativas, reinventar o fazer e fundamentalmente nos mobiliza em direção ao encontro do outro permanentemente. É exatamente a ausência de totalidade e a certeza de que ela jamais será alcançada que faz, como diz PONCZEK (1999) “homens e mulheres se procurarem e procriarem &– criar e gestar &– e tudo começar outra vez dentro da barriga de uma mulher...”

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Endereço para correspondência
Silvia Brasiliano
E-mail: brasili@sysnetway.com.br

 

 

3 Coordenadora Executiva do Programa de Atenção a Mulher Dependente Química do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (PROMUD &– Ipq &– HC &– FMUSP). Membro do NESME &– Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares. Professora convidada do NUF - SPAGESP - Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo.