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Revista da SPAGESP

versão impressa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP v.4 n.4 Ribeirão Preto dez. 2003

 

ARTIGOS

 

Algumas experiências em psicoterapia de grupo. A visão do psicoterapeuta, do paciente e do observador

 

Some experience on group’s psychotherapy. The psychotherapist, the patient and the observer’s point of view

 

Algunas experiencias en psicoterapia de grupo. El punto de vista del psicoterapeuta, del paciente y del observador

 

 

Amaury Tadeu Rufatto 1

Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares - NESME

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho é descrever a experiência grupal sob três pontos de vista; do analista, do paciente e do observador. Como eixo desta reflexão proponho questões baseadas na concepção da intra, inter e transubjetivo e do pacto denegativo.

Palavras-chave: Grupo; Transubjetivo; Pacto Denegativo.


ABSTRACT

The project’s goal is to describe the group experience under three points of view: the analyst, the patient and the observer. By axis of this reflection I propose questions from the conception of inter, intra and trans-subjective and from “denegative pact”.

Keywords: Group; Trans-subjective; Denegative pact.


RESUMEN

El objetivo de este proyecto es describir la experiencia grupal bajo tres visiones: del analista, del paciente y del observador. Como eje de esta reflexión propongo cuestiones a partir de la concepción del inter, intra y transubjectivo y del pacto denegativo.

Palabras clave: Grupo; Transubjectivo; Pacto Denegativo.


 

 

Este trabalho pretende apresentar, a titulo de contribuição, algumas nuanças que considero importantes, extraídas de vivências grupais, especialmente o grupo psicoterápico, sob o ponto de vista do psicoterapeuta, do paciente e de um observador. A dinâmica do grupo vista por diferentes vértices, numa tentativa de integrar vivências subjetivas, intersubjetivas e transubjetivas. Olhares diferentes para um mesmo cenário?

Na tentativa de dar conta desta tarefa, lançarei mão de três fragmentos de sessões de grupos psicoterápicos. Do primeiro fragmento, faço parte enquanto paciente, do segundo e do terceiro enquanto terapeuta. O segundo grupo existe há mais de dois anos e meio, e o terceiro grupo está em processo de constituição, com apenas 2 meses de existência. No terceiro grupo tomarei como fragmento parte do relato, da primeira sessão, feito por uma aluna do NESME, Ana Beatriz W. Tura, que participa deste grupo como observadora.

 

GRUPO 1

Lourdes nos diz entre lágrimas, que no final de semana sofreu mais um aborto espontâneo, o terceiro, e que o médico teve que retirar outra de suas trompas, e que não poderá mais ser mãe.

Elza logo se lembra de que também teve uma das trompas retirada, mas que voltou a engravidar, e passa a falar de seus filhos.

Elza segue falando de suas lembranças, sucessos e fracassos, medos e dúvidas. Retoma a relação com sua mãe que não a apoiou naquele momento.

O grupo, neste momento, é composto por 4 mulheres e apenas um homem. Nesta sessão estamos todos. Lourdes continua calada, face angustiada, parece querer gritar. Permaneço calado durante toda a sessão. Não consigo dizer o que sinto, o que penso. Sou tomado por uma enorme sensação de angústia. Queria socorrer Lourdes. Queria fazer calar Elza. Queria poder falar de minha dor frente àquela perda. Queria falar de minha dor frente a tanta insensibilidade.

Que vivência é esta que me traspassa; que me colhe em uma rede de angústias terríveis?

René Kaës nos diz que a “psicanálise contemporânea deve pensar a posição do sujeito singular nos conjuntos transubjetivos, nas formações e nos processos do inconsciente de onde procede a sua subjetividade” (Kaës, 1988, p.138). Um grupo terapêutico tem seus códigos. Delega papéis. Possui uma identidade. Porém às pessoas que participam desta vivência grupal trazem consigo marcas e signos próprios, como também os comuns à sociedade em que vivem.

Os membros do grupo em sua singularidade, atravessados pelos “códigos sociais”, serão colhidos por estas novas vivências, o que marcará a continuidade do percurso pessoal, de cada um, agora implicados com estas novas experiências. Imersos neste caldo, passam a compor o espaço fantasmático do grupo, como o grupo também se integra ao mundo mental de cada um.

Visto por meus pares no grupo, fui omisso?

Podemos dizer que na sessão em questão a vivência foi de uma angústia de castração. Lourdes castrada na sua possibilidade de gerar “filhos”. O grupo castrado de sua possibilidade de acolher a dor de Lourdes. Mas há também o medo de ser aniquilado, como seria toda a espécie humana se todas  as “trompas fossem extirpadas”.

 

GRUPO 2

Já quase ao final da sessão, Helena, 56 anos, casada, mãe de três filhas, professora primária, afastada do serviço por esgotamento nervoso, permanece calada. Seus pés não tocam no chão. Franzina, tem a estrutura física de uma menina de dez anos. Pouco se colocou nesta sessão, como é de seu costume;  quando o fez, foi para tecer comentários a respeito do que os colegas diziam, e não para falar de si mesma. Cecília se dirigindo a Helena diz.

- Só falta você falar hoje! (diz isso de uma forma meiga e acolhedora)

- Helena - É que está tudo bem, eu não tenho nada para falar. Em casa está tudo bem. A minha filha mudou-se para lá com o Bebê, (leve sorriso nos lábios) e levou a cachorrinha. Aí a mais nova, que mora em casa, ficou enciumada porque com o bebê e a cachorrinha da irmã em casa o gato dela tem que ficar preso na lavanderia. E vocês não sabem o que mais: a outra filha, disse que vai sair de férias e que também quer deixar cachorra em casa. Vocês já pensaram o que vai ser isso?

Seria apenas uma negação de suas angústias, o enfático “está tudo bem”?

Mesmo enunciando seu sofrimento, Helena parece não reconhecê-lo. Para Kaës (1988, p.139):

“a estrutura psíquica de um sujeito, seu sofrimento e alienação não podem, em alguns casos, ser compreendidos, analisados e aliviados, se não os relacionar e articular com as funções e os valores adquiridos e vigentes para um (ou vários) sujeitos, que seja parte e forme parte constitutiva de um conjunto transubjetivo”.

Helena parece denunciar a existência de uma dinâmica na qual ela cumpre um papel. Papel este que reinterpreta no grupo. Calada, sem falar de si mesma. Às vezes parecendo ter pouca compreensão da própria discussão que o grupo propõe. Parece que foi talhada para não ocupar espaços físicos e mentais.

É este lugar de filha, em sua sociedade familiar primitiva, que Helena parece reproduzir. Haveria aqui um pacto denegativo, que determina um interjogo de vínculos e papéis, criando uma representação, intra-subjetiva, de modo a tentar anular a singularidade de Helena?

Poderíamos lançar mão da famosa expressão - “Ser mãe é sofrer no paraíso”.

As filhas tomam contam de sua casa, invadem seu espaço, mas parece que isto não é percebido. Pois caso perceba teria que assumir o papel da mãe.

No grupo pode ocorrer algo semelhante quando ela parece não ocupar o seu espaço. Mantém-se calada, acuada, por seus fantasmas. O que teria sido assassinado, excluído?

Cecília por sua vez aponta para uma repetição. Naquele grupo, Helena parece ocupar um lugar fixo. Lugar este que poderia apenas representar um tipo de funcionamento mental. Uma realidade psíquica rígida, com valores muito bem estruturados. O que Cecília capta são estas formas rígidas, vividas pelo grupo em diferentes momentos por diversos atores.

A singularidade de cada membro do grupo pode ser expressa tanto no que os diferencia, como no que os identifica e os une. O que é peculiar de cada um, aparece pelo estranhamento. O transubjetivo seria assim, o que pode ser reconhecido pelo outro na medida que denuncia uma necessidade, ou anseio coletivo.

 

GRUPO 3

Beatriz relata com as seguintes palavras a primeira sessão do grupo:

“...Nesta sessão compareceram três pacientes, todos homens, cabendo a mim, Beatriz, ser a representante do papel feminino no grupo. À medida que as pessoas foram se apresentando foi-se configurando uma atmosfera de muita fragilidade, me parecendo interessante que a figura do feminino pudesse estar presente enquanto facilitadora para que essa fragilidade pudesse surgir em um grupo basicamente masculino...”.

“A impressão que eu tinha à medida que a sessão transcorria é que de alguma maneira o grupo esperava ouvir R., já que a angústia contida em seu olhar parecia representar uma urgência, reconhecida  pelo grupo e com uma necessidade de escutar e acolher a sua dor. Uma questão que ficou para mim foi a seguinte: seria essa urgência apenas minha, que como observadora podia olhar com mais liberdade para os acontecimentos que iam se dando ao longo da sessão? Mas o que fazia com que parecesse que isso ocorria com todo o grupo? (Tura, 2003)”.

Beatriz, ao observar o grupo, olha para dentro de si, na medida em que reconhece não apenas a falta, inscrita na forma de depressão, mas reconhece em si a função do feminino, do acolhedor.

Reconhecer o feminino como função necessária ao grupo, podemos entender como a captação de aspectos transubjetivos. Deprimidos, os pacientes parecem necessitar de um olhar fundante, que os nomeie. Necessitam de um espaço continente e suficientemente bom, segundo a concepção de Winnicott (1945). Um colo materno, um útero. Lugares e necessidades inscritos no inconsciente humano.

Kaës, ao falar do Pacto Denegativo, onde existe uma renúncia pulsional mútua, para que possa surgir uma comunidade de direito e a possibilidade de amor, ou da loucura, insere a capacidade humana de transformação das necessidades básicas primárias em estruturas relacionais que, estando fora do subjetivo individual, tornam-se subjetivados pelo coletivo.

Seria esta a função da poesia e do poeta. Ao transformar em palavras sentimentos e emoções, estariam oferecendo ao coletivo, (sociedade) a possibilidade de adquirir novas maneiras de lidar com seu mundo afetivo?

No Pacto Denegativo e outras formações intermediárias, referindo-se à metapsicologia transubjetiva, Kaës (1988, p.139) diz:

“O Objetivo desta é dar conta mediante conceitos apropriados no espaço teórico da psicanálise, e do inconsciente, das formações e dos processos cuja organização e funções diz respeito a cada psique singular e os conjuntos transubjetivos que os contém, sustentam e estruturam. As formações intermediárias as quais tento descrever e pôr em prova são funções de passagem da realidade psíquica do sujeito singular e da realidade psíquica do conjunto...”.;

Após a primeira sessão que relatei, onde participo como paciente, ainda sem entender ao certo o que havia vivido, escrevi:

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

KAËS, R.(1988) Rupturas Catastróficas y trabajo de la memoria. Notas para una investigación. In: PUGET, J.; KAËS, R.(1988) Violencia de estado y psicoanálisis (compilación). Buenos Aires: Bibliotecas universitárias Centro Editor de América Latina, 1991. p. 137-163.        [ Links ]

TURA, A B W. Fragmentos de uma sessão de psicoterapia de grupo na Clínica do NESME. Jan/03.        [ Links ]

WINNICOTT, D. W. (1945) Desenvolvimento emocional primitivo. In WINNICOTT, D. W. Textos Selecionados. Da Pediatria à Psicanálise. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora, 2. ed. 1982. p 269-285.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Amaury Tadeu Rufatto
E-mail: rufatto@uol.com.br

Recebido em 30/12/2002.
1ª Revisão em 30/01/2003.
Aceite Final em 10/02/2003.

 

 

1 Psicólogo, Diretor do CAPSi CRIA Santo Amaro &– SP, Assessor de Saúde Mental do Distrito de Saúde de Santo Amaro &– SP, Presidente do NESME biênio 2001 a 2003.