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Revista da SPAGESP

versão impressa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP v.4 n.4 Ribeirão Preto dez. 2003

 

ARTIGOS

 

O grupo ancorando o trabalho da enfermeira junto à equipe de enfermagem

 

The group anchoring the nurse's work close to its team

 

El apuntalamiento de grupo en el trabajo de la enfermera cerca de su equipo

 

 

Rosimara Escolano da Silva de Paula1

Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho é enfatizar a importância do grupo ancorando o trabalho da enfermeira junto à equipe de enfermagem. Para tanto é sugerido um trabalho de grupo operativo, em que a coordenadora (enfermeira) utilizará técnicas específicas para ajudar sua equipe a lidar com os problemas advindos do trabalho, auxiliando-os a pensar para encontrarem suas soluções. Este trabalho poderá ser realizado em todo ambiente onde exista uma equipe, com vontade de trabalhar e crescer. Todavia é necessário que o coordenador adquira conhecimentos de técnicas de grupos.

Palavras-chave: Enfermagem; Grupos; Equipe.


ABSTRACT

The objective of this work is to emphasize the importance of the group anchoring the nurse's work close to its team. For so much it is suggested a work of operative group, in that the coordinator (nurse) it will be used of the technique of operative group to help its team to work with the present problems in the work, helping them to think and to find solutions. This work can be accomplished in every atmosphere where a team exists, with will of to work and to grow. Though it is necessary that the coordinator acquires knowledge of techniques of groups.

Keywords: Nurse's work; Groups; Team.


RESUMEN

El objetivo de este trabajo es dar énfasis a la importancia del apuntalamiento de grupo en el trabajo de la enfermera cerca de su equipo. Para tanto se hace pensar en un trabajo de grupo operativo, en que el coordinador (enfermera) usará técnicas específicas para ayudar su equipo para trabajar con los problemas presentes en el trabajo y se ayudará a pensar para encontrar soluciones. Este trabajo puede lograrse en cada atmósfera donde un equipo existe, con testamento de trabajar y crecer. Aunque es necesario que el coordinador adquiere conocimiento de técnicas de grupos.

Palabras clave: Trabajo de la enfermera; Grupo; Equipo.


 

 

INTRODUÇÃO

O presente trabalho relata a importância do grupo como veículo de integração de uma equipe de enfermagem. Sua necessidade nasceu dentro de uma Unidade Básica de Saúde, mas o mesmo poderá ser pensado em qualquer ambiente de trabalho onde exista uma equipe com vontade de trabalhar e crescer.

Objetivo: Que a enfermeira utilize grupos como organizador do seu trabalho, junto à sua equipe de enfermagem.

 

DIFICULDADES INERENTES À INTEGRAÇÃO DA EQUIPE DE ENFERMAGEM

Revendo alguns dos aspectos da profissão de enfermagem, penso como estamos ainda voltados a um modelo que enfatiza assistir muito mais a doença do paciente do que ao próprio paciente. Assim, muitas vezes o mais comum, é nos esquecermos de olhar para o indivíduo como um todo, o qual traz consigo, além de sua enfermidade, todas as ansiedades e sentimentos inerentes ao ser humano. Durante a minha especialização em Saúde Mental e enfermagem psiquiátrica, dentro de um hospital Psiquiátrico, um certo  paciente andava pelo pátio do hospital de forma repetitiva, de um lado para o  outro, e apesar de parecer  ansioso, não obteve a atenção de nenhum dos profissionais da saúde, que ali se encontravam. Num dado momento, um outro  paciente, de forma inesperada, desferiu-lhe um soco em cheio no nariz, o qual sangrou. Então a equipe de enfermagem e os demais profissionais  puseram-se a cuidar daquilo que  enxergavam, do concreto e palpável, do ferimento físico daquele paciente.

Seguindo esse modelo assistencial voltado à assistência da doença do paciente, a equipe de enfermagem, me parece, acaba por definir e refletir a imagem de uma assistência de enfermagem ainda fragmentada, pois muitas vezes andamos para lá e para cá, cada qual falando uma língua particular, sem nos entendermos. Deste modo nos tornamos no ambiente de trabalho bem parecidos ao paciente descrito.

Mas até quando ficaremos procurando e buscando? O que pretendemos encontrar?

Encontramos no Dicionário de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, que “um grupo é uma pequena associação ou reunião de pessoas ligadas para um fim comum” (Ferreira, 1997, p. 871). Sabemos, entretanto, que, para quem trabalha com grupos, isso é apenas um agrupamento. O que transforma esse agrupamento em grupo é a interação vincular, isto é, a troca afetiva entre os participantes.

Sendo assim, deveríamos nós, enfermeiras, avaliar como está passando este grupo que é a equipe de enfermagem. Para este fim  necessitamos de uma visão mais abrangente de grupo, o que é essencial, uma vez que o trabalho da enfermeira é quase sempre grupal, junto a uma equipe.

Se começarmos aprendendo a pensar em grupo, muitas das dificuldades de uma equipe poderão ser enfrentadas sem receios, encarando olhos nos olhos e, ao definirmos uma linguagem comum, facilitaremos a comunicação na equipe, ou seja, o grupo passará a ancorar toda a equipe de enfermagem nas suas rotinas de trabalho, favorecendo assim a organização do trabalho em equipe e principalmente gerará uma melhoria qualitativa na assistência de enfermagem prestada.

Não podemos negar essa necessidade, e continuarmos agindo como os se fôssemos uma espécie de enfermeiros-bombeiros, que se unem na tentativa de apagar o fogo, pois se assim continuarmos procedendo, "cada um na sua" e, apenas cuidando do aspecto curativo e concreto, nos afastaremos cada vez mais da atenção integral ao paciente. É' comum buscar-se na fuga a saída para os nossos problemas podendo assim,  usufruir-se de um alívio momentâneo das nossas ansiedades e medos, advindos  de nossa impotência. Fazemos portanto, um jogo infantil de esconde - esconde, em que a equipe vai aos poucos se fragmentando. Dessa forma a interação vincular na equipe não funciona como “um hífen que separa e une” (Fernandes, 1995), pois rompem-se os vínculos saudáveis, o que fatalmente interfere nas inter-relações  e nas formas de compartilhar  o trabalho. Aí ninguém mais se entende, o que poderá resultar em um trabalho improdutivo, cansativo, desgastante e monótono. Para Fernandes (1995)“o vínculo é o ponto de contato”; também é “... uma estrutura complexa que inclui um sujeito, um objeto, e sua mútua inter-relação com processos de comunicação e aprendizagem (Pichon-Rivière, 1988)”.

Observo na minha experiência, que o contato, a comunicação entre enfermeira e sua equipe acontece muitas vezes com dificuldades bem semelhantes a um confronto. Vamos pensar nas seguintes situações entre enfermeiras, seja num hospital ou numa Unidade de Saúde, durante a passagem de plantão:

- Todos reclamam de tudo(os auxiliares), não querem ficar onde estão escalados, não querem seguir escalas ...não suporto mais; as férias que nunca chegam...

Enquanto isso também não é raro ouvir auxiliares sussurrando pelos corredores, numa falsa tentativa de se esconder:

Ela não entende ...(a enfermeira), não suporto essa escala;e ela sempre me coloca aqui... vou pedir licença-saúde e ela vai ficar na mão... porque não faz...

Assim, propomos a realização de grupos operativos coordenados por enfermeiras nos seus diferentes ambientes de trabalho, com a finalidade de ancorar seu trabalho junto à sua equipe, e quem sabe, à partir deste apoio, estaremos mais preparadas para assistir integralmente aos pacientes.

É sabido que um grupo quando bem coordenado poderá ser continente para todos e, no caso, especificamente, à equipe de enfermagem, pois o que se pretende é,  detalhadamente, estudar  o problema, procurando chegar à solução . “O papel do coordenador é pensar junto com o grupo; criar, manter e fomentar a comunicação...” (Fernandes, 1996).

 

APRESENTAÇÃO DO GRUPO

O grupo operativo como apoio no trabalho da enfermagem:

No retorno de seis meses da licença-gestante, encontrei a equipe de enfermagem (no meu período de trabalho), totalmente desestruturada. Fui invadida por grande ansiedade, tendo a sensação da mãe que abandona o lar, retornando por acaso um dia, sem avisar do retorno. Deparei-me com "uma casa"  desorganizada, triste. O silêncio às vezes se intercalava com cobranças que caíam sobre mim como concreto...; senti então as identificações projetivas. Todos esperneavam, `as vezes em luta, ...em outras em fuga, como vemos nos chamados supostos básicos de Bion (1948).Vencendo o medo e percebendo que o momento era propício para nos reunirmos, propus o grupo, que há muito tempo vinha sendo postergado.

A - Características do grupo:

Esse grupo foi enquadrado como Grupo Operativo, o qual “propõe uma equipe para conduzir o processo grupal: um coordenador que assume o papel de ajudar o grupo a pensar sobre o obstáculo epistemiológico configurado pelas ansiedades básicas, operando na rede de comunicação, assinalando as situações manifestas e interpretando a casualidade subjacente...” (Sernagioto, L. B. et.al., site FLAPAG). “A Técnica do Grupo Operativo está centrada de forma explícita numa tarefa, a qual pode ser a aprendizagem , a cura e o diagnóstico das dificuldades de uma organização de trabalho (Pichon-Rivière,1969, apud Sernagioto, site FLAPAG).

B - A formação inicial do grupo ocorreu com 13 auxiliares de enfermagem e uma enfermeira como coordenadora do grupo. São profissionais que trabalham de quatro a oito horas em conjunto ,no atendimento de enfermagem em nível primário e ambulatorial em uma Unidade Básica de Saúde.

C - O primeiro grupo aconteceu sem que houvesse planejamento prévio e portanto não houve oportunidade de nos prepararmos para o mesmo.

D - Local - Improvisamos um consultório pequeno, limpo e aconchegante, e nos acomodamos em macas, devido à restrita disponibilidade de cadeiras.

E - Duração do grupo - inicialmente combinamos quinze minutos, mas o grupo transcorreu em quarenta minutos.

O grupo acontecendo:

Seguindo o trabalho de Júnior, I. S. et. al.. (1996, p.3), pude destacar algumas situações emergentes dentro desse grupo:

A - Emergentes no nível psicossocial

“Logo de início o grupo parecia estar em uma situação difícil”. Percebia nos semblantes o medo daquilo que não sabiam muito bem o que era, e o que aconteceria, suas faces brilhavam pelo suor. Suas mãos estavam escondidas, às vezes para trás em outras vezes abraçadas a si mesmos. Olhavam para mim sem nada dizer, pareciam desconfiados, o que me deixava encabulada e sem ação. “O caos institucional está presente no mundo interno de cada um deles, que por sua vez reproduz essa relação fragmentada com eles mesmos, com o grupo de trabalho e a instituição” (Júnior ,I. S. et. al.,1996).

B - Emergentes no nível sociodinâmico

 Após definirmos os tópicos a serem discutidos, iniciamos a discussão, todos falavam, ao mesmo tempo senti que estava sendo bombardeada com palavras que vinham de todas às direções, fiquei incomodada, perturbada e senti-me impotente. “A dinâmica grupal inicialmente pode apresentar fortes conteúdos de descarga afetiva, mesmo que no começo ainda desacreditem do trabalho desenvolvido, percebem imediatamente que aquele é um espaço onde podem falar. Expressam no grupo suas angústias, suas idéias , seus sonhos dentro da instituição” (Júnior ,I. S. et. al.,1996). Todos gesticulavam , sorriam, olhavam-me talvez tentando fixar a minha atenção às suas falas, que mais pareciam súplicas.

C - Emergente institucional

Era fácil perceber a divisão que havia no grupo, havia os que depositavam na instituição toda confiança e créditos e aqueles que permaneciam radicais principalmente às suas regras e normas, queriam mudar tudo. “O sentimento ambíguo dominava o grupo entre a esperança e a desesperança principalmente quanto ao plano de governabilidade” (Júnior ,I. S. et. al.,1996).

D - Emergentes no nível comunitário

Havia vários questionamentos desta natureza principalmente quanto à falta de pessoal auxiliar pela não reposição daqueles aposentados e transferidos, sobrecarregando o trabalho. Pareciam cansados, descontentes, mostravam estar se sentindo explorados por terem que cobrir duplas escalas de trabalho. Fiquei numa situação difícil  pois senti o tamanho de minha impotência frente a esta questão. “Dificuldades como essas servem como elementos de passividade nos grupos, desencadeando fortes sentimentos de impotência e uma dificuldade de encontrar com clareza, os papéis de cada um e o que poderia ser feito” (Júnior, I. S. et. al.,1996).

“As reuniões organizacionais (grupos), ajudam a organizar tarefas e funções, informar, esclarecer problemas e procurar chegar às soluções. Onde na função do coordenador, é essencial seguir uma pauta, buscando a execução de tarefas, chegando ao objetivo final com eficiência. Não há interpretações nem se buscam elaborações” (Emílio, 2002 -Texto extraído da aula - Perfil e função do Grupoterapeuta).

 

COMENTÁRIOS FINAIS

O grupo operativo ancorando o trabalho da enfermeira, após esta experiência inicial, tornou-se uma necessidade no meu trabalho junto à equipe de enfermagem e percebo o quanto, pensar em grupo, enriquece o nosso trabalho. Confesso que  apesar de minha  formação em grupo e de acreditar no grupo como instrumento de trabalho, ainda encontro algumas barreiras criadas por mim mesma para a sua realização no ambiente de trabalho. A equipe parece ter sentido apoio no primeiro grupo sendo que ela própria sugeriu outros de forma sistematizada. Mesmo não sendo nada fácil lidar com a carga de ansiedades vindas do grupo e de se sentir impotente frente a algumas situações, sem poder dar uma resposta imediata que satisfaça ao grupo, acredito que em alguns momentos pude ser continente, mostrando às claras que a coordenadora não passa de mais uma entre eles e que também tem suas limitações. Portanto, o grupo quando bem coordenado, poderá funcionar como mais um elemento de trabalho e facilitador na organização do trabalho em equipe. Seja na elaboração dos conflitos, favorecendo uma melhor comunicação e integração entre os membros que compõem essa equipe, seja como fortalecedor dos vínculos. Podendo favorecer a união das  pessoas, uma vez que parece preservar a individualidade de cada um e todos podem se sentir como colaboradores dentro do grupo no processo de trabalho em equipe e, não apenas aquele que cumpre normas e rotinas sem poder questionar.

Contudo sabemos também que para montar grupos não basta apenas vontade, é necessário estar apto a fazê-los. Pois coordenar um grupo é uma arte que quando bem feita poderá dar bons frutos, ou do contrário poderá levar tudo a perder. Para isso existem pessoas treinadas em grupos, que poderão dar suporte, e ensinar a arte de coordenar bem um grupo.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BION, W. R. (1948) Experiências com Grupos. São Paulo: EDUSP e Rio de janeiro: Imago Editora, 2. ed., 1975. 185p.        [ Links ]

EMÍLIO, S.A. Tabela Elaborada a partir de Material Preparado por membros da Área de Grupos do NESME.        [ Links ]

FERNANDES, W. J. O Binômio Transferência-Contratransferência. Anais do III Encontro Luso-Brasileiro de Grupanálise e Psicoterapia Analítica de Grupo. Guarujá: 1995.        [ Links ]

FERNANDES, W. J. Grupos de Reflexão. Importância Institucional no Processo de Ensino-Aprendizagem. REVISTA da ABPAG. São Paulo: v. 06/1996. p.88-95.        [ Links ]

FERREIRA, A. B. de H. Novo Dicionário Básico da Língua Portuguesa. São Paulo: Editora Nova Fronteira, 1997. 1838p.        [ Links ]

JÚNIOR I. S. et al. A Tarefa dos Grupos Operativos no Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Projeto de Intervenção Organizacional no hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Núcleo de Gestão Estratégica em Projetos Sociais - Centro Latino Americano de Estudos em Saúde Mental - São Paulo, Brasil, Setembro, 1966.        [ Links ]

PICHON-RIVIÈRE, E. O Processo Grupal (1980). São Paulo: Editora Martins Fontes, 3.ed Brasileira. Tradução Marco Aurélio F. Velloso, 1983. 181p.        [ Links ]

SERNAGIOTO L.B. et. al. Fenômenos Psicossociais na Aprendizagem da Técnica de Grupos Operativos. Disponível em http://www.psinet.com.ar/rif 6/513.htm - FLAPAG.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Rosimara Escolano da Silva de Paula
E-mail: rosiaula@netsite.com.br

Recebido em 18/01/2003.
1ª Revisão em 15/02/2003.
Aceite Final em 28/02/2003.

 

 

1 Enfermeira - USP, Especialização e Aprimoramento em Saúde Mental - USP, Conclusão do Curso Teórico na Sociedade de Psicoterapias Analíticas de Grupo- SPAGESP.