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Revista da SPAGESP

versão impressa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP v.5 n.5 Ribeirão Preto dez. 2004

 

ARTIGOS

 

A supervisão, o supervisor e os supervisionandos 1

 

The supervision, the supervisor and the student under supervision

 

La supervisión, el supervisor y los supervisionados

 

 

Beatriz Silverio Fernandes I,II, 2 ; Maria Amélia AndréaII, 3; Maria Angélica B. OliveiraII, 3; Daniela JacominII, 3; Nilza Palma AbriataII, 3; Bárbara Ap. Stefanoni de CarvalhoII, 3

I Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares - NESME
II Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo - SPAGESP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho é refletir acerca da tarefa de supervisão junto do curso de Psicoterapias Analíticas Grupais da SPAGESP &– Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo. Pensar sobre os ganhos e perdas deste trabalho levando em consideração o supervisor, supervisionandos, a tarefa e a instituição.

É um trabalho que contém a participação de ex-alunas do curso dando sua colaboração e seu depoimento.

Será feito um percurso desde a origem da palavra, como a origem deste procedimento e seus objetivos.

Destaca-se tanto o papel do supervisor, como coordenador de um grupo quanto os supervisionandos, como membros desse grupo cuja tarefa é a supervisão de seus atendimentos. Enfatiza-se também a reflexão acerca do tempo destinado à tarefa.

Palavras-chave: Grupo; Coordenação; Supervisão.


ABSTRACT

The main aim of this work is to make a reflection on the task of supervision in the course of Analytical Psychotherapy in Groups of SPAGESP. Thinking about profit and loss of this work considering the supervisor, the supervised, the task and the institution.

It is a work that includes the participation of ex-students of this course, collaborating and giving their statements.

Under great attention appear both, the role of the supervisor as a coordinator of a group and the supervised as members of this group which task consists in getting supervision for their clients issues. Equally it is pointed out a reflection about time dedicated to work.

Keywords: Group; Coordination; Supervision.


RESUMEN

El objetivo de este trabajo es reflexionar acerca de la tarea de supervisión del curso de Psicoterapias Analíticas Grupales de la Spagesp. Pensar en lo que ganamos o perdemos en este trabajo llevando en consideración el supervisor, el supervisionando, la tarea y la institución.

Es un trabajo que cuenta con la participación de ex alumnas del curso que dan su colaboración y sus declaraciones.

Se destaca tanto el papel del supervisor, como coordinador de un grupo y los supervisionandos como miembros de ese grupo cuya tarea es la de supervisión de sus atendimentos. Se resalta también la reflexión sobre el tiempo destinado a la tarea.

Palabras clave: Grupo; Coordinación; Supervisión.


 

 

O objetivo deste trabalho é refletir acerca da tarefa de supervisão junto do curso de Psicoterapias Analíticas Grupais da SPAGESP. Pensar sobre os ganhos e perdas deste trabalho levando em consideração o supervisor, supervisionandos, a tarefa e a instituição. É um trabalho que contém a participação de ex-alunas do curso dando sua colaboração e seu depoimento.

 

A ORIGEM DA PALAVRA E DA ATIVIDADE

O termo supervisão, segundo vários dicionários, refere-se a dirigir, orientar, inspecionar. Até mesmo se formos pesquisar a origem da palavra, encontraremos o supervisor como aquele que revisa, aquele que vê.

Esta atividade consolidou-se durante a Idade Média, e se referia ao tipo de relação existente entre o mestre-de-ofício e os aprendizes.

Nos dias atuais, levarmos o termo supervisão ao pé da letra, seria um ato de autoritarismo que colaboraria para que o supervisionando aumentasse seu medo frente ao novo processo, e retornássemos à Idade Média. Também seria falso não se levar em conta um saber maior do supervisor, no mínimo um número maior de horas de prática.

Em 1947 Pichon-Rivière organiza equipes de emergência para trabalharem em grupos em hospitais, que ficaram sendo o marco de origem dos grupos operativos e que não deixam de ser um marco inicial da supervisão em grupo, pelo prisma dos dias atuais.

A supervisão deve ser encarada como uma tarefa grupal, assim como os atendimentos, sem interpretações magistrais, mas uma associação de idéias que vão ser discutidas, analisadas e repensadas.

A supervisão faz parte do processo educativo onde o supervisor terá como tarefa ajudar o supervisionando a encontrar dentro de si, e com a ajuda dos colegas, algo pré-existente que foi sendo acumulado dentro do departamento do conhecimento e que tem que ser drenado para fora de sua cápsula. A supervisão sugere a existência de alguém mais experiente que possa lançar um novo olhar ao trabalho do outro.

Segundo Isaura Manso Neto (1999, p.51):

A “supervisão é uma necessidade de quem trabalha em saúde mental...não me parece que possamos considerar a necessidade de supervisão como um sinal/sintoma de uma dependência psicopatológica. Não sentir essa necessidade pela vida e, sobretudo nos primeiros anos de profissão é que me parece sinal de psicopatologia”.

A supervisão é uma experiência muito rica na qual tanto o supervisor como os supervisionados podem compartilhar suas idéias e conhecimentos. É um processo um tanto longo, difícil, complexo e adorável, pois se percebe o grupo crescer como um todo assim como  seus participantes em particular.

Possibilita a construção de um espaço para esclarecer fenômenos inerentes à dinâmica grupal tanto dos atendimentos como das instituições envolvidas. Espaço de colocação de dúvidas que permite lidar com situações de conflito que impedem uma reorganização criadora.

 

OBJETIVOS DA SUPERVISÃO

Tantos objetivos podemos encontrar para a supervisão, como tantas pétalas têm a rosa. No entanto, antes de qualquer coisa, parece ser: deixar sair de dentro de si os recentes estudos e práticas, e em segundo lugar  aprimorar ainda mais seu trabalho e adquirir sua nova identidade.

Também será objetivo da supervisão “possibilitar aos supervisionandos a ocasião de aprender a escutar seu paciente, exercitar sua capacidade de observação da sessão, compreender, tirar conclusões e formular interpretações, valendo-se de seu equipamento próprio” (GRIMBERG, 1975, apud PADILHA, p. 111).

É muito comum se ouvir: “Ai! Eu nunca vou dar conta disso”...”Será que um dia eu chegarei a ver essas coisas?”...“Eu acho que estou no caminho errado”... “Eu não consigo”. É interessante salientar que a conclusão a que chegam em conjunto no grupo de supervisão, a partir de um fragmento único de uma sessão grupal, vem dos supervisionandos mesmos. Foi extraída de seus próprios conhecimentos, de suas próprias falas, mas não foi valorizada. Só chega a ser valorizada, às vezes, se essa conclusão é referendada pela supervisora.

Não se pode confundir, no entanto, o processo de supervisão grupal, com o processo de análise pessoal em grupo. O supervisor necessita estar alerta e atento neste sentido, pois há momentos em que os processos podem se confundir, e apenas se separem por uma tênue linha divisória.

Este processo segue o mesmo fluxo da espiral dialética tratada por Enrique Pichon-Rivière, que diz: “para aprender é preciso assumir o papel de paciente, o que envolve um certo perigo”. Diz ainda: “A essência da concepção dialética é que um sistema aberto e um fechado não são opostos e sim, momentos sucessivos, indispensáveis a um processo de desenvolvimento” (FERNANDES, et  al, 1998, p. 260).

Sob outro olhar não caberá ao supervisor dizer “faça como eu faço” mas faça comigo”... “eu tenho tentado assim, podemos experimentar tal situação”. É preciso levar o supervisionando a lançar-se em sua companhia na ação grupal, na sessão analisada ou naquela situação grupal da supervisão, e assim o supervisionando viverá a angústia, e coexistirá com ela e através do acolhimento suplantar as dificuldades.

Bárbara ressalta que em determinadas situações, a supervisão pode tornar-se “desconfortável”, como:

• Quando o supervisor deixa de levar em conta determinadas percepções do terapeuta e coloca suas idéias como “verdade absoluta”.

• Quando o terapeuta não consegue expressar adequadamente suas hipóteses a respeito do paciente. Fica uma falha entre o que realmente aconteceu na sessão terapêutica e o que se avalia na supervisão, provocando um sentimento de “estranheza” ao que é dito pelo supervisor.

• Quando o terapeuta ou o supervisor distorce o real sentido da supervisão e o primeiro passa a sentir-se “avaliado”. Isso pode provocar um receio em relatar conteúdos da sessão supervisionada, o que torna falho o resultado da supervisão.

 

O PAPEL DO SUPERVISOR COMO COORDENADOR DE GRUPO

Hoje em dia os grupos ou atividades em grupos vêm sendo cada vez mais enfatizados. Entretanto, observa-se que coordenar grupos vem sofrendo uma certa banalização. Banalização esta que se torna preocupante na medida em que exista a falsa impressão de que coordenar grupos é uma atividade qualquer e pode ser exercida por qualquer um.

O coordenador de grupo necessita além de técnica e estudo ter características de personalidade que favoreçam o exercício da função. Segundo Zimerman (1997, p. 47) é importante se levar em conta o papel da “figura transferencial” que o coordenador tem. Este mesmo autor levanta uma série de características de extrema importância para o bom desempenho do trabalho grupal, e das quais  destacamos aqui algumas que parecem de maior relevância, sem no entanto, menosprezar as demais: acreditar em grupos, amor ás verdades, ética, respeito, coerência, continência, discriminação, empatia, capacidade de síntese.

É importante se manter a proposta da não verticalidade entre os componentes do grupo e o líder, devendo se seguir o processo de buscar o conhecimento de cada um, de dentro para fora.

Este pensamento parece ser compartilhado tanto por Zimerman, adepto da teoria psicanalítica, como de Moreno, (1972, p. 66) psicodramatista que destaca a necessidade de observar os participantes na situação vivencial e participar da ação comum.

O coordenador necessita focar a atenção em um aspecto ou pessoa específica sem perder de vista o restante do grupo. Isto, no entanto, requer treino, estudo e supervisão, caso contrário, estaremos contribuindo para a banalização da profissão e não seu aperfeiçoamento.

Um outro aspecto que deve ser levado em conta numa coordenação deve ser a análise contratransferencial do próprio coordenador. Cabe a este detectar esses fenômenos dentro de si, e saber elaborá-los internamente e poder com este material ajudar a seus coordenandos.

Supervisionar implica a cooperação em uma reflexão acerca do trabalho realizado, encontrar pontos de preocupação, de angústia que estejam impedindo a realização da tarefa. Amplia os significados do olhar, da escuta e ajuda a ultrapassar os obstáculos que surgem no decorrer dos grupos.

 

OS SUPERVISIONANDOS, A TAREFA E O GRUPO

Segundo Bárbara Aparecida S. Carvalho a supervisão é necessária e útil, pois auxilia na percepção dos processos inconscientes do(s) paciente(s), ajudando assim a definir o rumo da terapia; dá uma segurança maior ao terapeuta, ao ajudá-lo a entender o processo terapêutico e suas reações contratransferenciais, e quando em grupo, a supervisão é muito mais rica, pois dela é possível extrair inúmeras hipóteses que nos auxiliam no entendimento de nossa prática profissional.

A supervisão faz parte do tradicional tripé da formação de psicoterapeutas, está interligada com a prática, o estudo e a terapia, sendo difícil separá-la disto. Ela amplia a visão do “grupo em atendimento” com a ajuda de um outro profissional (Nilza Abriata e Daniela Jacomin). Favorece ver as próprias falhas e perceber que não somos os únicos a cometê-las (sentimento que muitas vezes permeia a supervisão individual) e pontos cegos a serem trabalhados em psicoterapia (Daniela Jacomin).

Não se encontra restrição quanto à supervisão ser em grupo para os terapeutas que atendem grupos, pelo contrário, fazer “supervisão de grupos em grupo” tem sido uma vivência e aprendizado muito grande. A possibilidade de troca é intensa. Ouvir outras formas de pensar e agir sobre uma situação abre muitos caminhos para quem apresenta o “caso”.

Maria Amélia Andréa ressalta que as percepções do grupo e do supervisor se complementam e quando são contrárias há a possibilidade de discutir e rever os conceitos. Estar em grupo proporciona uma sensação de intenso acolhimento. O grupo como um todo é um continente para tantos sentimentos que surgem ao se discutir uma sessão; quando muitas vezes a percepção e as sensações de quem apresenta o caso não condiz com a dos demais.

Parece ser o ideal, desde que haja um requisito: uma boa interação entre os membros do grupo de supervisão, ou seja, acredita-se na necessidade de estabelecimento de “vínculos”, exatamente como no processo de um grupo terapêutico ou de um grupo operativo e suas várias modalidades (Maria Angélica B. Oliveira). O supervisor faz as amarrações e apontamentos teóricos e coordena o grupo de modo que a palavra circule entre todos os membros.

Neste momento sinto que a supervisão realmente dá uma “super visão” da situação grupal apresentada. Então os conceitos teóricos apreendidos adquirem uma nova dimensão, ficam visíveis, deixam de ser abstratos e se concretizam na prática (Maria  Amélia Andréa).

Olhando de maneira mais detalhada, é possível ver muitos dos fenômenos grupais acontecendo neste processo grupal.

A partir daí, a supervisão em grupo torna-se um lugar de produção de saber. Isto também vai depender da postura e do modo de conduzir do próprio supervisor. Este lugar de produção de saber nos traz a possibilidade de visualização de teorias, técnicas e metodologias. Acredito que outro requisito para esta possibilidade é o processo de vivenciar, de contextualizar uma sessão, ou seja, o “movimento” do grupo analisado é trazido para supervisão, para ser experenciado pelos supervisionandos e supervisor na própria supervisão (Maria Angélica Oliveira).

Bárbara afirma também que, ao terapeuta, é necessário confiar em sua própria percepção da sessão a ser supervisionada e evitar depender apenas da percepção do supervisor. Para isso, é preciso que haja uma relação de respeito mútuo entre supervisor e supervisionando. Feito dessa maneira é possível ao terapeuta aprender muito sobre tória e prática com a supervisão e dela poder até extrair dicas de pontos que devem ser mais bem trabalhados em sua terapia pessoal para que estes deixem de interferir em sua relação com o(s) paciente(s).

 

O TEMPO FRENTE À SUPERVISÃO

Percebe-se que os supervisionandos vivenciam duas grandes angústias: aprender a trabalhar na nova identidade e o tempo que levará a tarefa de supervisão do ponto de vista institucional, esquecendo-se, no entanto, que esta tarefa está simplesmente ligada à maturidade. Crescer é um processo e todo o processo necessita de um tempo. A instituição estipula um tempo, mas qual será o tempo de cada um?

Proust (1913) afirma que “o tempo já não é o princípio da dissolução e destruição, já não é o elemento em que as idéias e os ideais perdem seu valor... mas é antes a forma sob a qual tomamos posse e consciência de nossa vida espiritual...” o tempo é algo que vai de um acontecimento anterior a um acontecimento posterior, é essa mudança contínua, onde o presente se torna passado.

Portanto, não é a longevidade ou a rapidez do tempo que irá determinar o preparo de cada um para a vida profissional, o que é necessário é encontrar o equilíbrio nas três dimensões do tempo: passada (deixar de ruminar antigas posturas que impedem o fluir do presente), futura (ver na tarefa uma condição de felicidade e êxito dali pra a frente, mágica; impedindo que o presente seja abordado em sua verdadeira dimensão - é preciso ver apenas como um meio de atingir um novo objetivo) e presente (quando não consegue se inscrever no futuro “o famoso estar parado no tempo”).

Concluindo, é preciso enfatizar que os participantes do grupo de supervisão são sujeitos históricos, autores de sua própria história individual, diferenciados em seu saber e que compartilham este momento vital, coexistindo neste grupo com a figura de um coordenador (supervisor), que desempenhará o papel de um possível “mediador”, num determinado local por um determinado tempo. O grupo, portanto, será constituído de uma tarefa que estabelece objetivos comuns (instituição), dos seus participantes e do coordenador.

A supervisão vai ajudar na compreensão e simbolização: conhecer seus recursos, encontrar a metáfora adequada para resgatar o amor dentro de si com relação à perspectiva da nova identidade.

Assim como ocorre no desenvolvimento infantil, no processo grupal de supervisão encontrar-se-á um adulto (coordenador, mãe) visto como um parceiro mais experiente que vai estimular a caminhada entre o deixar de ser aluno (filho), ou simplesmente psicólogo para psicoterapeuta de grupo.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FERNANDES, B. S.; SVARTMAN, B.; GIANOTTI, M.; TOLEDO, R. P.; FERNANDES, W. J. Psicoterapia: Um Processo de Aprendizagem?  In: Anais do XIII Congreso Latinoamericano de Psicoterapia Analítica de Grupo. Montevideo: FLAPAG &– Federação Latino-Americana de Psicoterapia Analítica de Grupo, 1998, p. 255-262.        [ Links ]

MANSO NETO, I. A Supervisão . Revista da Sociedade Portuguesa de Grupanálise, Lisboa: p.51        [ Links ]

PADILHA, B. M. Supervisão Clínica Acadêmica: O Embate com Narciso. In: Anais do XIII Congreso Latinoamericano de Psicoterapia Analítica de Grupo. Montevideo: FLAPAG &– Federação Latino-Americana de Psicoterapia Analítica de Grupo, 1998, p. 111.        [ Links ]

PROUST, M. La Recherche du Temps Perdu, (fragmentos), Paris, 1913, p. 25.        [ Links ]

ZIMERMAN, D.E. Papéis e Lideranças. In: Fundamentos Básicos das Grupoterapias. Porto alegre: Artmed, 2000. p 137-143.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Beatriz S. Fernandes
E-mail: bibitriz@terra.com.br

 

 

1 Trabalho apresentado no II congresso da SPAGESP, abril de 2004.
2 Psicóloga clínica em São Paulo, especialização em psicoterapia Infantil, membro fundador e docente do NESME e SPAGESP.
3 Psicólogas, membros da Spagesp colaboradoras.