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Revista da SPAGESP

Print version ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.5 no.5 Ribeirão Preto Dec. 2004

 

ARTIGOS

 

Grupo, discurso e ansiedade

 

Group, discourse and anxiety

 

Grupo, discurso y ansiedad

 

 

Ari Pedro Balieiro Jr. 1 ; Andréia Cristina Cavalini; Francismara Vieira Lucas; Maria Luisa Franco de Almeida Carvalho; Patrícia Oliveira Assumpção; Paula Pereira; Poliana de Almeida; Raquel Mazzola Andrade; Valéria Vieira Balieiro.

Centro de Estudos de Psicoterapia em Grupo - CEPAG

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho encerra a avaliação de um projeto de pesquisa sobre o atendimento em grupo de pessoas com problemas de ansiedade, num modelo caracterizado por quatro aspectos: (a) uma abordagem que assume um ponto de vista cognitivo-discursivo; (b) um setting estruturado baseado em um roteiro de reunião apoiado no contar histórias, na flexibilidade, na abertura e na não-patologização; (c) intervenções psicoterápico-pedagógicas individualizadas, focadas nos problemas trazidos pelos participantes; e (d) o trabalho psicoterapêutico em equipe. Recapitulando as discussões anteriores, apresentam-se as conclusões finais e sugestões para novo projeto de pesquisa.

Palavras-chave: Psicoterapia em grupo; Psicologia comportamental-cognitiva; Psicologia discursiva.


ABSTRACT

This paper ends the evaluation of a research project that approaches the group psychotherapy of anxiety under a model characterized by four aspects: (a) a cognitive-discursive point of view; (b) a structured setting based in a meeting program that includes telling stories, flexibility, openness and no-pathologization; (c) individualized psychoterapic-pedagogic interventions, focused on the problems bringing by the participants; and (d) a collective psychoterapic work. Reviewing the previous discussions, it is presented the final conclusions of the project and the suggestions for a new project.

Keywords: Group psychotherapy; Behavior-cognitive psychology; Discursive psychology.


RESUMEN

Este trabajo encierra la avaluación de un proyecto de investigación acerca del atendimiento en grupo de personas con problemas de ansiedad, en un modelo caracterizado por cuatro aspectos: (a) una abordaje que asume un ponto de vista cognitivo-discursivo; (b) un setting estructurado en una ruta de reunión baseado en contar historias, en la flexibilidad, en la abertura y en la no-patologizacción; (c) intervenciones psicoterápico-pedagógicas individualizadas, focadas en los problemas traídos pelos participantes; y (d) el trabajo psicoterapêutico en equipe. Recapitulando las discusiones anteriores, presentan-se las conclusiones finales y las sugestiones para novo proyecto de investigación.

Palabras clave: Psicoterapia en grupo; Psicologia comportamental-cognitiva; Psicologia discursiva.


 

 

APRESENTAÇÃO E HISTÓRICO

Criado em Maio de 2001, por solicitação de um grupo de autoajuda - o APOIAR - para oferecer suporte psicoterápico para freqüentadores do APOIAR, o trabalho evoluiu para uma investigação sobre o modelo psicoterapêutico proposto, sob a égide do CEPAG - Franca. Já foi apresentada (BALIEIRO et al., 2002) a primeira avaliação do projeto, que discutia: o trabalho com grupos abertos não seletivos; o roteiro pré-estabelecido; as técnicas cognitivo-comportamentais no tratamento da ansiedade em ambiente grupal; a psicoterapia conduzida em equipe; a prática de contar histórias; e o aporte teórico discursivo para a prática comportamental-cognitiva. Apontou-se que o modelo proporciona um ambiente favorável ao progresso dos pacientes e à evolução da equipe. Na segunda etapa da avaliação do projeto (LUCAS et al., 2002), discutimos: a psicoterapia “em grupo” e psicoterapia “de grupo”; o trabalho com grupos abertos não seletivos; o contrato utilizado; o trabalho psicoterapêutico em equipe; e maneiras de avaliar a melhora dos pacientes. Apontou-se então que, embora promissor, o projeto exigia investigação e reflexão adicional, o que motivou a suspensão dos trabalhos em Novembro de 2002. Neste trabalho apresentam-se as reflexões da equipe sobre o projeto como um todo, que indicam que a fase heurística do trabalho já se esgotou, abrindo caminho para a elaboração de um projeto de pesquisa mais sistematizado.

 

A PERSPECTIVA TEÓRICA

O tratamento dos transtornos de ansiedade pela Terapia Cognitivo-Comportamental - TCC - tem se ampliado e mostrado considerável apoio de evidências empíricas (HETEM & GRAEFF, 1997; ITO e cols., 1998; RANGÉ, 1998; 2001). A TCC intervém em três aspectos: o fisiológico, em que ensina-se ao paciente o controle dos sintomas fisiológicos da ansiedade; o comportamental, em que busca-se a modificação dos comportamentos ansiógenos; e o cognitivo, em que busca-se modificar o conjunto de pensamentos e crenças que intervém na criação e manutenção da ansiedade. A TCC visa tornar o paciente “seu próprio terapeuta”, estimulando sua autonomia (J. BECK, 1995).

Nosso trabalho pretendeu ampliar o escopo da palavra cognitivo, reconhecendo que os pensamentos e crenças organizam-se em um enquadre (BATESON, 1955), que é tecido e estruturado através de dois modos de pensamento complementares, porém irredutíveis: o paradigmático, que obedece a critérios racionais, como a lógica e a verdade empírica, e o narrativo, que obedece a outros critérios, discursivos, como o sentido e a verossimilhança (BRUNER, 1986). Através de técnicas como o questionamento socrático e a testagem de hipóteses, a TCC aborda o primeiro. O segundo, irredutível à razão clássica, é geralmente ignorado pelas TCCs mais “racionalizantes” (ABREU, 2001). Em suma, compartilhamos o pressuposto de que o que as pessoas “fazem” está limitado pelo modo como entendem o mundo, já que este entendimento define os cursos de ação, bem como regula os “padrões” que podem ser discernidos em suas ações, mas acrescentamos que este entendimento é não apenas “racional” mas também “discursivo”. Assim, (BRUNER, 1997) traz-se novamente para o centro do cognitivismo o “sentido” ou “significado”, cujo pleno entendimento exige que as ações sejam localizadas também no mundo simbólico.

Assumimos que é "contando histórias" que o homem tece as estruturas, ou enquadres (BATESON, 1955), que lhe permitem atribuir sentido e significado ao que faz ou lhe acontece (GINZBURG, 1986). O contrário também é verdadeiro: para atribuir significados, o homem precisa elaborar estruturas que funcionam como histórias, (...) ‘estruturas de sentido e significação’, em que os elementos da história obedecem a convenções de narrativa análogas às convenções de interação entre os símbolos operados no nível cognitivo. Assim, contar histórias oferece aos pacientes, de modo indireto, alternativas aos enquadres que utilizam, encorajando-os a organizar a própria experiência e vivência em outros termos, e favorecendo, quando tentam obedecer às convenções discursivas, que percebam de que modo significam o que lhes acontece, e como estas ‘interpretações’ produzem seu sofrimento. Esta atitude crítica faz com que as mudanças que a equipe terapêutica propicia sejam organizadas em ‘uma nova história’, dando à sua melhora um novo sentido, ressignificando suas próprias identidades, historicamente construídas” (BALIEIRO et al., 2002:21). Num nível epistemológico, a perspectiva teórica de nosso trabalho pode ser caracterizada como apoiada em premissas construtivistas (MAHONEY, 1998; ABREU, 2001).

Trabalhar com grupos permitiu aliar aos aspectos psicoeducacionais e psicoterápicos característicos da TCC os vários benefícios do atendimento em grupo, como o setting interpessoal de aprendizagem, e seus efeitos, e o aumento da oferta de tratamento à população em geral, especialmente a mais carente (OLIVEIRA LIMA & DERDICK, 2001). No entanto, nosso trabalho deve ser antes caracterizado como psicoterapia em grupo do que como psicoterapia de grupo, pois a “psicoterapia de grupo toma como objeto de análise e intervenção o próprio grupo, delimitando-o como entidade psíquica autônoma, com sua dinâmica própria, em que o campo grupal é constituído pelas psiques individuais, mas as ultrapassa: um ‘grupo não é um mero somatório de indivíduos; pelo contrário, ele se constitui como nova entidade, com leis e mecanismos próprios e específicos’ (ZIMERMAN, 1997: 28). Neste caso, a intervenção dirige-se, preferencialmente, ao próprio grupo. A psicoterapia em grupo, por outro lado, toma como objeto de análise e intervenção a pessoa individual, sem necessariamente desconsiderar a dinâmica grupal, embora este não seja o foco preferencial da análise ou da intervenção” (LUCAS et al., 2002).

 

O MODELO DE TRABALHO

O grupo era aberto e não seletivo, com as pessoas entrando e saindo conforme seu próprio entendimento. As reuniões contavam, em média, com 8 pacientes, e a equipe nem sempre estava completa. As reuniões duravam 1:30h e seu roteiro tinha quatro momentos: a abertura, em que era contada uma história; o momento da fala, em que os pacientes eram livres para falar o que quisessem; o momento da técnica, em que eram ensinadas técnicas para o controle da ansiedade; e o encerramento, em que era contada outra história. Cada reunião tinha um só coordenador designado, embora qualquer membro da equipe pudesse intervir a qualquer momento. O papel da equipe incluía ainda intervenções pedagógicas (ensino das técnicas), a observação, o 4 planejamento e a reflexão sobre as reuniões realizadas. A equipe reunia-se depois da reunião, avaliava o que acontecera e programava a próxima. O atendimento estendeu-se de Maio de 2001 a Novembro de 2002, encerrando-se por iniciativa da equipe, com os pacientes que ainda não tinham tido alta ou abandonado o programa sendo encaminhados para psicoterapia individual (gratuita) no APOIAR.

 

DISCUSSÃO

A abertura e não seletividade não impediram a manutenção da estrutura do trabalho com pessoas diferentes em momentos diferentes do processo, o que atribuímos à evolução do trabalho em equipe, visível em três aspectos (a) a distribuição do trabalho entre os membros; (b) a melhora nas análises pós reunião, que se refletiu no progresso dos pacientes; e (c) a maior eficácia das intervenções, que produziu a diminuição do intervalo entre a entrada do paciente e seus primeiros relatos de melhora.

Por outro lado, pareceu-nos prejudicar bastante o índice de adesão ao tratamento. Enfrentamos este problema através de um contrato específico e explícito (LUCAS et al., 2002), que se esperava que promovesse uma auto-seleção dos pacientes e o aumento da adesão aos procedimentos de tratamento propostos. A auto-seleção dos pacientes, embora afetada pelo contrato, pareceu responder também a outras variáveis, não suficientemente investigadas, como a empatia com o grupo, a presença de resultados rápidos e condições internas do paciente. A adesão, por outro lado, pode ser predita com alto grau de acerto pela aceitação explícita do contrato.

Os pacientes que participaram do grupo por três meses ou mais relataram o atingimento dos objetivos propostos ou uma melhora consistente, medida através da observação de seu comportamento e do auto-relato dos próprios pacientes.

O roteiro foi bastante efetivo, reduzindo a ansiedade e facilitando a participação. Nos momentos de intervenção individual, em que se trabalhava com técnicas da TCC, o grupo e a equipe conseguiam interagir adequadamente, e o ambiente pareceu potencializar as técnicas da TCC, que mostraram-se bastante efetivas.

O trabalho com histórias provocou grande repercussão, com algumas das histórias tendo mesmo extrapolado o âmbito do grupo, sendo ouvidas tanto pela equipe quanto pelos pacientes em reuniões do APOIAR e em outros lugares não diretamente relacionados com psicoterapia, como salas de aula. Parece que as histórias criam um setting não diretamente relacionado à doença, contribuindo para que os pacientes caminhem “não apenas na direção de se tornarem “seus próprios terapeutas”, mas também na direção de se tornarem “sujeitos do próprio discurso”, ampliando o sentido da autonomia buscada” (LUCAS, et al., 2002).

 

CONCLUSÕES

A investigação aqui apresentada teve um caráter essencialmente heurístico, já que surgiu e evoluiu de um trabalho iniciado como essencialmente clínico. Mostrou, no entanto, um modelo promissor de atendimento, que merece ser investigado mais a fundo, com um planejamento prévio e sistemático que permita dirimir as várias questões que ficaram no ar. A equipe, associada ao CEPAG &– Franca, já iniciou o projeto desta investigação, que deve, no entanto, demorar ainda algum tempo, já que não conta com nenhuma fonte de financiamento, dependendo da disponibilidade de seus membros.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Endereço para correspondência
Ari Pedro Balieiro Júnior
E-mail: aripedro@francanet.com.br

 

 

1 Relator. Autores do CEPAG &– Franca