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Revista da SPAGESP

versão impressa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP v.6 n.2 Ribeirão Preto dez. 2005

 

ARTIGOS

 

Vínculos institucionais: uma experiência asilar

 

Institutional linkings: an institution experience

 

Vinculos institucionales: una experiencia asilar

 

 

Andréa de Carvalho Anacleto I 1; Maria Imaculada de Carvalho Anacleto II 2; Marta de Paula Pereira II 3; Natália Enge Silva Martins II 4

I FAMERP - Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto
II CEPAG - Centro de Estudos de Psicoterapia de Grupo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho pretende compreender a dinâmica das formações psíquicas dentro de uma instituição. Esta formação é constituída, ao mesmo tempo, pelo conteúdo psíquico de cada sujeito e pelo conjunto de sujeitos que formam a instituição. Tal interação se torna complexa, pois, cada indivíduo já traz internalizado um conjunto de normas, pautas e valores. Neste sentido, as autoras, através de suas vivências institucionais, e com a contribuição de autores como Kaës, Bleger e Bion, se propõem a entender as vinculações que se estabelecem no espaço psíquico da instituição e sua relação com o sofrimento institucional.

Palavras-chave: Instituição; Vínculos; Sofrimento institucional.


ABSTRACT

This paper aims at undertaking an analysis of the dynamics of the psychic formation within an institution. This formation is established by the individual psychic content as well as by the group of individuals who constitute the institution. Such interaction is a complex one as each individual brings along his/her own internalized set of rules, objectives and values. It is at this level of analysis and on the basis of the own institutional experiences and relevant background reading of Käes, Bleger and Bion that the authors aim at investigating the connections established at the psychic space of the institution and their relationship with institutional suffering.

Keywords: Institution; Connections; Institutional suffering.


RESUMEN

Este estudio pretende comprender la dinámica de las formaciones psíquicas dentro de la organización. Esta formación es constituida, al mismo tiempo, por el contenido psíquico de cada sujeto y por el conjunto de los sujetos que formán la organización. Esta interación se vuelve compleja, pues, cada uno ya trae en sí mismo un conjunto de reglas, pautas y valores. En este sentido, las autoras por medio de sus vivencias institucionales, y con la contribuición de autores como Kaës. Bleger y Bion, se proponen a comprender las vinculaciones que se establecen en el espacio psíquico de las organizaciones y su relación con el sufrimiento institucional.

Palabras clave: Instituición; Vínculos; Sufrimiento institucional.


 

 

Desde bebê temos a necessidade do outro, primeiramente da mãe, mas ao longo do nosso desenvolvimento de toda a família. Podemos pensar que trazemos “impressos” o quanto é fundamental a vida grupal, e que, “o ser humano antes de ser pessoa é sempre um grupo, mas não no sentido de que pertence a um grupo, e sim no de que sua personalidade é o grupo” (BLEGER, 1980, p. 97).

Partindo da idéia de que somos seres gregários, que necessitamos do grupo para nossa sobrevivência tanto física, psíquica e social, pretendemos expandir a idéia dos grupos sociais que o ser humano necessita, os quais tendo uma regra própria, suas leis, diretrizes e identidade, chamaremos de instituição.

A instituição fortalece o indivíduo ao lhe proporcionar uma identidade grupal social, pois a mesma, é uma criação coletiva a partir de um determinado contexto, a qual se organiza em normas para construção de um saber e que se pretende permanente. De acordo com Bleger (1980, p. 94), “a instituição é um conjunto de normas e padrões e atividades agrupadas em torno de valores e funções sociais”. São estruturadas pelas leis e pelos costumes e utilizadas como referência para as relações sociais. Representam formas históricas que assumiram as relações entre os homens e principalmente a dominação que alguns impuseram ao restante. Assim, ela preexiste ao individuo e se impõe a ele, “portanto, somos obrigados a admitir que não há processo psíquico relativamente importante que uma geração seja capaz de esconder àquela que a sucede” (KAËS, 1989, p. 27).

Para um maior entendimento da instituição utilizaremos conceitos de teóricos como Bleger, Kaës e Bion.

De Bleger (1991) serão utilizados os conceitos de sociabilidade sincrética e sociabilidade por interação. Para esse autor, todo individuo, organização ou grupo traz um estado de não diferenciação, não discriminação, que é a matriz ou estrutura de base de todas suas relações e que persiste de maneira variável durante toda a vida. A esse tipo de relação denominou de sociabilidade sincrética, diferenciando dessa forma da sociabilidade por interação, a qual se estabelece através da integração e interação entre os indivíduos.

Dentre as contribuições de Kaës para a compreensão dos vínculos e da dinâmica das formações psíquicas dentro das instituições utilizaremos os conceitos das formações intermediárias que são: aparelho psíquico grupal e ancoragem, como também vínculo grupal e sofrimento psíquico institucional.

Para entendermos as formações intermediárias utilizaremos o exemplo metafórico citado por Fernandes (2003, p. 152).

O ser humano nasce muito frágil e pouco desenvolvido, necessitando, para sobreviver, de uma proteção que o envolva, a começar pela mãe, verdadeira intermediária entre o bebê e o meio externo. Da mesma forma, a pele &– como envoltório &– é o protótipo do intermediário entre o sujeito e o mundo.

Dessa forma, podemos entender o aparelho psíquico grupal como uma construção psíquica formada através da realidade psíquica do sujeito singular e do conjunto de sujeitos que formam a instituição. Esse aparelho psíquico passa a fazer parte do patrimônio do conjunto, e assim, cada elemento do grupo vê no outro o seu próprio reflexo, assegurando uma troca entre as realidades psíquicas de cada membro com a realidade grupal.

O termo etayage utilizado por Kaës demonstra a necessidade que cada indivíduo possui de se sentir “apoiado”, “amparado”. Fernandes (2003) coloca que o termo etayage, para ser melhor compreendido, pode ser utilizado em português no sentido do verbo ancorar, “que ancora”, “que dá apoio”. Assim:

“Qualquer crise, qualquer falha nessas formações intermediárias põe em jogo a instituição e a relação de cada um com a instituição, revela os contratos, pactos, acordos e consensos inconscientes, libera energias mantidas nas suas malhas, ou paralisa toda invenção vital de novas relações” (KAËS, 1991, p. 34).

Esses conceitos definidos por René Kaës leva-nos a uma compreensão vincular do processo de formação do psiquismo, dando-nos um entendimento maior para que possamos analisar os fenômenos grupais que ocorrem nas instituições.

Para Kaës (1991) vínculo grupal refere-se às formações grupais do psiquismo, podendo ser entendido como a troca que se faz entre as posições de objeto, grupos interno, ideais, fantasias, que são autorizados pelo aparelho psíquico grupal.

No que se refere ao contexto institucional, uma contribuição fundamental de Bion é o conceito de establishment, que representa uma:

...situação de poder, de estabilidade e de organização &– mental ou institucional &– com tradições e normas estabelecidas, condizentes com a época e a cultura. Essa estabilidade é ameaçada sempre que surge uma idéia nova, que, para Bion, é trazida pelo “gênio”, “místico” ou “herói” (FERNANDES, 2003, p. 125).

Nesse sentido, a instituição pode reagir ao representante dessa idéia, excluindo-o, ou incorporando-o ao establishment, porém com limitações à nova idéia, permitindo sua sobrevivência e possível transmissão.

Para entender os vínculos ora citados nos basearemos em nossa prática dentro de uma instituição de assistência a idosos, na cidade de Franca &– SP. Esta instituição faz parte de uma fundação que agrega várias instituições beneficentes.

A assistente de diretoria, voluntária da instituição de idosos, tendo tomado posse havia pouco tempo, pretendia desenvolver trabalhos que levassem a mudanças na organização e pudessem gerar melhor qualidade de vida aos idosos e melhor ambiente de trabalho aos voluntários e funcionários. Dessa forma, solicitou, junto ao CEPAG-Franca e Região (Centro de Estudos de Psicoterapia de Grupo), auxílio para organizar a instituição.

Para dar início ao trabalho formamos uma equipe de quatro psicólogas e marcamos uma reunião com a diretoria da fundação, juntamente com a assistente da diretoria do lar de idosos.

No dia e horário estabelecidos, ao chegarmos na instituição, fomos recebidas pela assistente da diretoria, que nos apresentou aos diretores da fundação. No começo da reunião o presidente nos solicitou informações a respeito do trabalho que pretendíamos desenvolver.

Informamos que nosso objetivo seria a melhoria da qualidade de vida de pessoas envolvidas no lar; funcionários, voluntários e os idosos, e que para isso necessitaríamos de realizar: o levantamento das necessidades da instituição, observações do funcionamento do lar, entrevistas com funcionários, levantamento de dados dos idosos através dos prontuários, leitura e entendimento do Estatuto e do Regimento Interno da instituição.

Após esta primeira etapa seria apresentado à diretoria um projeto de trabalho e, se aprovado, daríamos início ao mesmo. Foi adiantado que provavelmente o trabalho envolveria todos os membros da diretoria, funcionários, voluntários e os idosos. Nesse momento, o presidente perguntou: “Com a diretoria também?” (sic). A assistente de diretoria interferiu comentando que já havíamos conversado e que percebia que a instituição necessitava de um trabalho que envolvesse a todos que estavam se relacionando com os idosos e continuou ressaltando que “as coisas estão acontecendo rapidamente desde que conversei com a responsável pelo CEPAG e parece que o trabalho já está pronto” (sic).

Após a fala da assistente, o presidente comentou com outro membro da diretoria: “talvez dê para a gente aumentar para 80 o número de internos, sem ter que aumentar o número de funcionários” (sic). Ao final da reunião, os membros da diretoria nos questionaram se o trabalho teria algum ônus para a instituição, o que lhes foi informado que seria um trabalho voluntário.

Ao analisarmos essa primeira reunião podemos perceber que a assistente de diretoria apresentava uma idéia nova, que de acordo com Bion representava naquele momento um papel de “gênio”, “místico” ou “herói”.

Nesse sentido, quando o presidente da fundação questiona sobre o ônus do trabalho e ao mesmo tempo dialoga com outro membro da diretoria sobre a possibilidade de aumentar o número de idosos sem a contratação de novos funcionários, entendemos que se apegou à idéia como uma idéia “messiânica”.

No entanto, estavam caminhando na “contramão” da proposta da assistente, que era de melhor qualidade de vida aos idosos e melhores condições de trabalho aos funcionários. A intenção dos membros da diretoria da fundação estava mais ligada aos aspectos burocráticos da organização do que aos aspectos humanos, que de acordo com Bleger (1991, p. 67) é um fenômeno que ocorre como lei geral das organizações, ou seja, os objetivos explícitos pelos quais foram criadas sempre correm o risco de passar para segundo plano, colocando em primeiro plano a perpetuação da organização enquanto tal. E isso acontece não somente para proteger a estereotipia dos níveis de interação mas, fundamentalmente, para salvaguardar e assegurar a clivagem, o depósito e a imobilização da sociabilidade sincrética (ou a parte psicótica do grupo).

Ao iniciarmos as atividades propostas para nossa primeira etapa, pudemos perceber os conflitos existentes e os ataques aos vínculos institucionais. As entrevistas nos possibilitaram entrar em contato com as intrigas existentes em todos os níveis: idosos x serviçais x equipe técnica x diretoria. Percebemos a existência de uma grande rotatividade de funcionários, inclusive membros da equipe técnica, o que dificultava o estabelecimento de vínculos e o desenvolvimento do trabalho.

Após um mês do início do trabalho a assistente foi excluída da instituição e o presidente da fundação assumiu a direção do Lar de Idosos.

Assim, acreditamos que a assistente ameaçava a estabilidade da instituição com suas propostas de mudanças, o que Bion denomina de ameaça ao establishment. Dessa forma, aparentemente naquela reunião se estabelecia um nível de interação entre os membros do grupo, mas, na verdade, apenas recobria os níveis simbióticos e sincréticos existentes na instituição.

Com a leitura do Regimento Interno da instituição observamos uma dissociação entre os objetivos explícitos e implícitos. No Regimento Interno fica explícito que o objetivo da instituição é o de prestar atendimento bio-psico-social. Em contrapartida, constatamos que, apesar de os idosos estarem “juntos”, vivem em completo isolamento.

Percebemos que o número de funcionários para o cuidado dos idosos não é suficiente para que os mesmos dêem atenção além dos cuidados físicos mínimos necessários. Diante dessa dificuldade, são utilizados, por exemplo, fraldões e amarras às cadeiras, mesmo em idosos com condições mentais preservadas.

Bleger (1984, p. 62) elucida que:

...as instituições tendem a adotar a mesma estrutura dos problemas que têm que enfrentar... e que os asilos têm em sua organização a mesma alienação que seus pacientes: os doentes tendem a ser tratados como coisas, a identidade se perde totalmente, os contatos sociais se empobrecem, se chega a uma monotonia com uma forte desprivação sensorial, que reforça e mantém a alienação dos pacientes.

Esta alienação percebida nos remete à teoria de Kaës com a expressão etayage. Podemos dizer que o idoso, ao ser internado na instituição, encontra-se “desancorado”, ao se afastar do grupo familiar/social ao qual pertence e o asilo, não tendo uma estrutura suficiente para ajudá-los a enfrentar suas dificuldades, acaba por reforçar o “sintoma” do desamparo.

Esse mesmo desamparo e alienação podem ser percebidos no grupo de funcionários. Acreditamos que a alta rotatividade possa ser justificada pela dificuldade no enfrentamento dessa estrutura. Uma fala recorrente dos idosos é de que: “...os funcionários bons ficam pouco tempo aqui” (sic). Assim, constata-se que os funcionários com uma capacidade afetiva maior, que vêm com uma idealização de ajuda ao idoso, não suportam a estrutura e abandonam a instituição por não pactuarem com a parte “doente” da mesma.

Por ser a instituição um objeto psíquico comum, ela não sofre, mas sofre quem dela participa (KAËS, 1991). Nesse sentido, percebemos funcionários mal humorados, sobrecarregados, sem tempo disponível no trato com os idosos, como também um grande número de idosos fazendo uso de medicamentos psiquiátricos.

Para concluir, gostaríamos de esclarecer que essa experiência nos trouxe a oportunidade de analisar e refletir sobre as dificuldades humanas no enfrentamento da realidade de uma instituição asilar, uma vez, que esta reflete o nosso próprio futuro.

Diante de tudo isso, a conjunção do nosso sofrimento psíquico e o sofrimento das relações institucionais possibilita as perdas das ilusões e idealizações.

Assim, nós mesmas, “abandonamos” temporariamente a proposta inicial que era trabalhar a organização com o objetivo de gerar melhor qualidade de vida aos idosos e melhor ambiente de trabalho aos voluntários e funcionários, e optamos por trabalhar com algo que julgávamos mais concreto e aceitável para a instituição, naquele momento, que foi a organização de grupos terapêuticos com os idosos.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BLEGER, J. Psico-higiene e psicologia institucional. Trad. Emília de Oliveira Diehl. Porto Alegre: Artes Médicas, 1984.        [ Links ]

__________. O grupo como instituição e o grupo nas instituições. In: KAËS, R. (Orgs.). A instituição e as instituições. Trad. Joaquim Pereira Neto. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1991, p. 59-71.        [ Links ]

FERNANDES, W. J. Aparelho psíquico grupal e ancoragem: a contribuição de René Kaës. In: FERNANDES, W. J.; SVARTMAN, B.; FERNANDES, B. S. (Orgs.). Grupos e configurações vinculares. Porto Alegre: Artmed, 2003, p. 151-156.        [ Links ]

___________. Bion: o conhecimento e a vincularidade &– vínculos K, L, H, R. Os níveis de funcionamento grupal: o pensar e os pensamentos. In: FERNANDES, W. J.; SVARTMAN, B.; FERNANDES, B. S. (Orgs.). Grupos e configurações vinculares. Porto Alegre: Artmed, 2003, cap. 9, p. 108-127.        [ Links ]

KAËS, R. Realidade psíquica e sofrimento nas instituições. In: KAËS, R. (Orgs.). A instituição e as instituições. Trad. Joaquim Pereira Neto. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1991, p. 19-58.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Maria Imaculada de Carvalho Anacleto
E-mail: imaculada17@yahoo.com.br

Recebido em 08/08/05.
1ª Revisão em 11/10/05.
Aceite Final em 17/10/05.

 

 

1 Médica Residente &– R1 em Neurologia da FAMERP &– Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto.
2 Psicóloga, grupoterapeuta, especialista em Terapia Familiar, membro do CEPAG-Franca e Região, docente e supervisora da SPAGESP &– Ribeirão Preto.
3 Psicóloga, membro do CEPAG - Franca e Região, grupanalista pela SPAGESP &– Ribeirão Preto.
4 Psicóloga, membro do CEPAG - Franca e Região.