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Revista da SPAGESP

versão impressa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP v.8 n.1 Ribeirão Preto jun. 2007

 

ARTIGOS

 

Psicoterapia breve familiar em casos de famílias em situação de violência

 

Familiar brief psychotherapy in cases of families in violence situation

 

Psicoterapía breve familiar en situación de familias violentas

 

 

Ione Aparecida Xavier 1

Pontifica Universidade Católica de Campinas - PUC

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Diversas questões na área da família suscitam nos profissionais um sentimento de impotência. As transformações contemporâneas na organização familiar, somadas ao paradoxo das mudanças sociais, podem desencadear conflitos e separações conjugais, envolvendo questões afetivas, intelectuais e sociais. Visando sistematizar o atendimento a famílias em situação de violência são apresentados dois casos atendidos em Psicoterapia Breve Familiar, com diagnóstico de adaptação pouquíssimo adequada. Conclui-se que é possível desenvolver um trabalho sensível e eficaz com famílias que vivem expostas à condição de violência quando o profissional está devidamente respaldado por instrumentos e técnicas que garantam o estabelecimento de um vínculo terapêutico consistente.

Palavras-chave: Família; Psicoterapia Breve Familiar; Violência doméstica.


ABSTRACT

Many questions in the family area provoke a sense of impotence in the professionals. The familiar organization in contemporary transformations, added to the paradox of social changes, can develop conflicts and conjugal separations, involving affective, intellectual and social questions. Focusing a systematic attendance of families in violence situation, two cases attended in Familiar Brief Psychotherapy with the diagnosis of adaptations very few adequate are presented. In conclusion, it is possible to develop a sensible and efficient work with families living exposed to violence condition when the professional is appropriated supported by instruments and techniques that guarantee the establishment of a consistent therapeutic bond.

Keywords: Family; Familiar Brief Psychotherapy; Domestic violence.


RESUMEN

Muchas cuestiones en la área de la familia despiertan en los profesionales un sentimiento de impotencia. Las transformaciones contemporáneas en la organización familiar y la paradoja de los cambios sociales podrán generar conflictos y separaciones de las parejas, involucrando cuestiones afectivas, intelectuales y sociales. Objetivando sistematizar el tratamiento a las familias en situación de violencia son presentados dos casos de Psicoterapia Breve Familiar, con diagnostico de adaptación muy poco adecuada. Concluye que es posible desarrollar un trabajo sensible e eficaz con familias que viven expuestas a condición de violencia cuando el profesional esta respaldado por escala y tecnicas que garantizan el establecimento de un vinculo terapéutico consistente.

Palabras clave: Familia; Psicoterapia Breve Familiar; Violencia doméstica.


 

 

O tema proposto neste trabalho tem como objetivo suscitar algumas reflexões sobre a família moderna, apresentando casos ilustrativos de famílias atendidas em Psicoterapia Breve Familiar.

Acompanhamos a história da Psicoterapia Breve em São Paulo desde o ano de 1988 e hoje, diferente dos tempos iniciais em que deparávamos apenas com alguns textos que necessitavam de tradução para nossa língua, podemos contar com um acervo importante que relata a história e os avanços da Psicoterapia Breve em diferentes áreas e partes do Brasil.

É o que percebemos no trabalho de Yoshida e Enéas (2005) descrevendo as Psicoterapias Psicodinâmicas Breves, que aponta o percurso da mesma da perspectiva de autores internacionais e nacionais que ofereceram contribuições relevantes para o desenvolvimento da teoria e da técnica.

Pautada na relevância de iniciativas como essa percebemos a necessidade de divulgar os estudos na área da Psicoterapia Breve Familiar, que realizamos há mais de seis anos em uma clínica-escola da Universidade Paulista (UNIP), localizada no interior do Estado de São Paulo. A ausência do tema na maioria dos trabalhos publicados no campo da Psicoterapia Breve nos impele à divulgação de nossa prática, na tentativa de sistematizá-la, apresentando fundamentação teórico-prática para intervenções cada vez mais voltadas para a demanda da clínica contemporânea, a partir de suas carências e transformações, sobretudo nos aspectos sócio-culturais. Felizmente, nos últimos anos a Universidade têm voltado suas diretrizes curriculares para as questões sociais e comunitárias e o futuro profissional de Psicologia pode contar com os avanços científicos e com as experiências acumuladas nas mais diversas especialidades, como vem acontecendo em Psicoterapia Breve Familiar que, aos poucos tem alcançado projeção na demanda social e acadêmica.

As transformações sociais e culturais, principalmente as relacionadas ao século XX, seguem um ritmo muito acelerado, colocando os profissionais da área diante de situações cada vez mais desafiadoras.

Gradativamente, os psicólogos se vêem em situações emergenciais que exigem que aperfeiçoem suas práxis e possam apontar novas técnicas e instrumentos de trabalho junto às famílias.

Em termos de avanços, podemos dizer que hoje as famílias encontram-se em uma posição privilegiada em relação às gerações dos séculos anteriores, pois podem pleitear e conduzir suas vidas de maneira que o seu querer prevaleça acima de tudo. Amparadas por uma ciência em cuja morada do desejo não há lugar para o impossível, as famílias seguem beneficiando-se através do uso da pílula e da possibilidade que a medicina reprodutiva lhes deu de repensarem sobre que tipo de família querem para si. Diferentemente do que ocorria no passado, essas pessoas, mais conscientes a partir da sua aproximação com os conhecimentos difundidos da Psicologia, podem determinar se querem ou não ter filhos, se querem ou não coabitar com maridos e/ou esposas no contexto familiar e a cada nova década a família vem sofrendo transformações ainda mais significativas. Em contrapartida, também diferente do passado, as famílias de hoje se separam por razões antes inimagináveis e vivem um grau de tolerância à frustração muito maior do que no passado. No mundo da globalização é comum encontrar casais se separando por questões: intelectuais, por exemplo, quando um se desenvolve, acompanhando as tendências das ciências tecnológicas, e outro, impedido de crescer, permanece paralisado no tempo; sociais, envolvendo um dos membros do casal em diferentes ambições de ascensão e status na sociedade; e por que não dizer, por questões afetivo-tecnológicas, onde a mulher ou o homem se separa porque se sente trocado(a), por exemplo, por um computador, diferente do passado quando a fonte de ameaça do casamento era a interferência de um terceiro (e não de uma máquina) na vida e no coração do(a) companheiro(a).

A família passou a ser interesse de estudiosos a partir do momento em que esta deixou de conviver sob um mesmo teto &– como instituição inviolável e culturalmente patriarcal &– ampliou seus horizontes e passou a sofrer mudanças necessárias para a sua sobrevivência, o que lhe garantiu um lugar ainda preservado nas mais diversas culturas.

Com o aprimoramento das organizações sociais e políticas e com o aparecimento dos hospitais e das escolas ficou difícil não adentrar a realidade familiar apropriando-se de seus hábitos nos diferentes lares. Governo, instituições de ensino e profissionais liberais passaram a desenvolver um papel que deveria ser da família, dividindo com esta suas responsabilidades e dando um suporte às suas necessidade, de acordo com as exigências da vida moderna. Sem um tempo integral para cuidar de seus membros a família tornou-se vulnerável em seu poder de decisão sobre como educar, tratar da saúde, da socialização e da conscientização política de seus membros.

O processo de mudança familiar ainda permite à família viver sua filosofia de vida a partir de um leque de possibilidades de escolha, oferecido pela sociedade quanto à melhor escola, religião, médico, ou qualquer outro profissional especialista que possa corresponder ao que a família espera.

Entretanto, a família vem a cada dia percebendo a sua importância rumo à construção da sociedade em que está inserida, inclusive o seu poder político e social.

O avanço tecnológico e suas incessantes descobertas também trouxeram às psicodinâmicas familiares uma vivência paradoxal entre o que se quer e o que se tem. A família encontra-se seduzida neste contexto da vida moderna que propicia às pessoas um querer possuir “coisas”, muitas vezes inatingíveis. O verbo querer tem prevalecido sobre o verbo sonhar. Este último, em épocas anteriores, era vivido dando às pessoas condições intrapsíquicas de entrarem em contato com seus desafios, habilidades e capacidades naturais na corrente da disputa humana. Este crescente paradoxo, atualmente, desvaloriza o sonhar e dá lugar à satisfação quase que imediata de um “querer idealizado”, geralmente, proporcionado pelo “outro”. A cada dia que passa a família parece estar longe de viver uma verdadeira expressão dos desejos pulsionais típicos da psique humana. Sendo assim, o que se percebe, muitas vezes, é uma situação familiar de frustração advinda do choque entre o que se quer e o que se tem, onde realidade e ideal acabam entrando em atrito, impedindo as famílias de encontrarem um meio termo para o que realmente desejam para si. As relações interfamiliares acabam sendo permeadas por este tipo de psicodinâmica que dificulta o processo comunicacional na família.

Se de um lado, temos a família que ainda passa por um processo de mudança e depara-se cada vez mais com este paradoxo que a envolve num interjogo entre o querer e o ter, de outro, temos o psicólogo, “fruto” desta família, portanto, influenciado culturalmente por este paradoxo, que se vê diante de seu objeto de estudo &– a família &– muitas vezes, contratransferencialmente, impedido de seguir seu trabalho de maneira precisa e fidedigna, dada à complexidade do é mensurável ao profissional que pretende estabelecer técnicas eficazes e um foco que corresponda à sua práxis.

A modernidade impele-nos a refletir sobre que tipo de família nós queremos e que tipo de família nós temos. Famílias adotivas, famílias de experiência reprodutiva em laboratório, famílias virtuais, famílias multiculturais, famílias violentas constituem o avanço tecnológico, o qual ainda não conseguimos computar qualitativamente. Esta demanda que nos chega, geralmente, em clínicas-escola clama para que algo seja feito em busca de soluções e técnicas eficazes junto à família. Infelizmente, é a partir das poucas pesquisas que realizamos dada a complexidade de nosso trabalho que nos deparamos com a nossa limitada realidade.

Se não unirmos esforços das mais diferentes experiências de profissionais envolvidos com este tema, o fazer ciência envolvendo nossa prática ficará comprometido.

Yoshida (1992) apresenta em seu trabalho alguns aspectos da Psicoterapia Breve Familiar que devemos considerar em nossas reflexões pela importância do seu surgimento no contexto histórico. A PBF surge após a segunda guerra mundial em forma de aconselhamento conjugal e do estudo da criança; bem como dos movimentos psiquiátricos e de saúde mental.

De maneira geral, nos trabalhos com famílias, Yoshida (1992) considera-se que há uma prevalência das teorias sistêmicas e cognitivas e acredita-se que, do ponto de vista teórico, não existe diferença entre a Psicoterapia Breve Infantil e a Psicoterapia Breve Familiar psicanalítica, pois ambas estão alicerçadas nas relações objetais (escola kleiniana).

Yoshida (1992) aponta como objeto de intervenção:

Na ludoterapia &– a criança é o paciente e a intervenção visa explicar as relações objetais reeditadas na relação diádica paciente-terapeuta.

Na psicoterapia breve infantil &– o paciente continua sendo a criança, mas o trabalho visa a identificação do papel da patologia do casal (ou de um dos pais) no sintoma infantil, objetivando livrá-la das projeções que impedem sua individuação.

Na psicoterapia Familiar &– o paciente é o grupo e o membro identificado como doente expressa um conflito comum. O trabalho costuma ser focalizado e o tempo não costuma ultrapassar um ano.

Yoshida (1992) acredita que a terapia familiar visa trabalhar o modo de funcionamento do grupo como um todo (um foco bem delimitado, como na terapia infantil). Muda-se a estratégia. Para a autora, a terapia familiar vai exigir do terapeuta: habilidade em manter vínculos; um trabalho com os familiares com técnicas grupais; formação específica; um trabalho em co-terapia (afinado, com horários compartilhados, o que economicamente pode se traduzir em um gasto maior).

Algumas autoras, como Cerveny (2000) e Piszezmann (1999), inspiradas em seus trabalhos pelo grupo familiar apresentam em suas reflexões, diferentes técnicas no trabalho com a Psicoterapia Breve em Clínica escola, sobretudo na PUC de São Paulo, na busca de uma melhor compreensão do comportamento das pessoas no contexto familiar. A primeira trabalha numa abordagem sistêmica/psicanalítica, utilizando-se das concepções teóricas das escolas estrutural e estratégica a partir da repetição e trangeracionalidade com técnicas específicas como a utilização da linha do tempo, do genograma no grupo familiar. A segunda trabalha numa abordagem sistêmica/comportamental, utilizando-se das concepções teóricas das escolas estrutural e estratégica, com uma técnica bem delimitada para cada tipo de caso que consiste em programa de treinamento/rolling play, supervisão ao vivo com recursos de vídeo, co-terapeuta e proposta de tarefas, mapa e organograma familiar.

 

O MODELO DE PBF QUE ADOTAMOS

Seguimos a mesma técnica de Mito (1996), em seu trabalho delineando o atendimento breve infantil, aplicando-a ao grupo familiar e temos encontrado bons resultados, sobretudo no que prega sua escola em termos de amplitude de trabalho da Psicoterapia Breve para os casos que teoricamente não seriam indicados a Psicoterapia Breve.

Tendo como ponto de partida o nosso referencial psicodinâmico, apoiamo-nos nas concepções teóricas de base psicanalítica do tipo luto, identificação projetiva, transferência e constratransferência e propomos como técnica a Psicoterapia Breve, o estabelecimento de uma boa aliança terapêutica, inclusão de todos os membros do grupo familiar, com objetivos estabelecidos com o cliente (todo o grupo), foco, estratégia e avaliação final do trabalho junto ao cliente (todo o grupo). O follow up é sugerido sempre ao fim do atendimento que deve variar entre 6 a 12 sessões. Sugerimos a aplicação da EAPGF com valor diagnóstico e prognóstico, para aplicação em casos de trabalho com Psicoterapia Breve Familiar, pois as concepções teóricas com os quais trabalhamos encontram-se diluídas na escala e podem ser observáveis através das entrevistas iniciais com o casal/família.

O terapeuta em Psicoterapia Breve Familiar pode seguir um roteiro de perguntas iniciais para os pais e para a suposta criança/filho envolvida(o) na sua problemática, podendo avaliar o nível de adaptação da família em cada item da escala e o nível de mecanismos defensivos envolvidos naquele contexto.

Portanto, gostaríamos de suscitar nos leitores o interesse em seguir construindo uma nova realidade em nosso fazer psicológico a partir das experiências em Psicoterapia Breve Familiar que temos desenvolvido nos últimos anos. Uma diferença em nosso trabalho é que propomos que o mesmo pode ser realizado em domicilio ou não, contanto que todos os membros da família estejam envolvidos no processo e se sintam co-responsáveis pela dificuldade apresentada pelo grupo familiar ou um de seus membros. Trata-se de um trabalho que pode envolver a necessidade de olhar conjunto interdisciplinar, mas, sobretudo, voltado para os interesses da comunidade, considerando que a família é apenas um micro sistema e que está inserida dentre tantos outros o que contribuiu para sua característica particular enquanto grupo na sociedade.

Apresentaremos a seguir o que consideramos alguns avanços técnicos na área do trabalho em Psicoterapia Breve com Famílias em situação de violência, teoricamente com prognóstico difícil para o atendimento breve familiar, através de exemplos clínicos do trabalho realizado em clínica - escola:

Tratam-se de dois casos atendidos por estagiários-terapeutas da clínica-escola da UNIP de Sorocaba, que apresentam uma estrutura familiar do tipo psicótico.

As famílias passaram por um processo de avaliação psicológica, que consistiu em aplicar a Escala de Avaliação da Psicodinâmica do Grupo Familiar - EAPGF (Xavier, 1996) &– em anexo. O processo de avaliação e o tratamento dos dados foram supervisionados com orientações específicas para a utilização da técnica em Psicoterapia Breve.

 

O INSTRUMENTO DE AVALIAÇÃO

A EAPGF (Xavier, 1996) propõe a avaliação do ambiente familiar e da criança, considerando-os, do ponto de vista da eficácia adaptativa, como: Adequada, Pouco-adequada e Pouquíssimo-adequada nos itens:

Família - Organização familiar; Relacionamento do casal; Relacionamento do casal com a criança; Relacionamento do casal com o terapeuta; por exemplo: Adequado &– quando os pais assistem os filhos nos três níveis: orgânico/social/afetivo; Pouquíssimo-adequado: quando assistem os filhos em apenas um nível.

Consideramos uma família que vive em determinado contexto Adequada quando a maioria das avaliações em Organização familiar; Relacionamento do casal; Relacionamento do casal com a criança; Relacionamento do casal com o terapeuta, for classificada como Adequada (50% + 1 na folha de protocolo).

Consideramos uma família que vive em determinado contexto Pouco Adequada quando a maioria das avaliações em Organização familiar; Relacionamento do casal; Relacionamento do casal com a criança; Relacionamento do casal com o terapeuta estiver Pouco adequada (50% + 1 na folha de protocolo). Neste caso, consideraremos a avaliação do Relacionamento do Casal com a Criança e o Relacionamento do Casal com o Terapeuta para dar ou não seguimento ao atendimento.

Consideramos uma Família que vive em determinado contexto Pouquíssimo Adequada quando a maioria das avaliações em Organização familiar; Relacionamento do casal; Relacionamento do casal com a criança; Relacionamento do casal com o terapeuta estiver em nível adequado (50% + 1 na folha de protocolo). Neste último caso, em especial consideraremos a avaliação do Relacionamento do Casal com o Terapeuta para dar ou não seguimento ao atendimento.

Criança &– Desenvolvimento Afetivo-emocional; Rendimento Intelectual; Desenvolvimento físico-motor.

Consideramos uma Criança em um contexto familiar Adequada quando seu comportamento e reações afetivo-emocionais forem adequados para a sua faixa etária (50% + 1 na folha de protocolo).

Consideramos uma criança em um contexto familiar Pouquíssimo-adequada quando a maioria dos comportamentos e reações estiver abaixo do esperado para sua faixa etária (50% + 1 na folha de protocolo).

A aplicação da EAPGF (Xavier, 1996) foi realizada no início do atendimento breve para fins prognósticos e no fim do mesmo para avaliação do processo.

Entendemos que a EAPGF (Xavier, 1996) é um importante instrumento psicodinâmico de avaliação diagnóstica e prognóstica, para o profissional que trabalha com família, principalmente, no aprendizado dos alunos que estão iniciando um pensar clínico.

Apresentamos o instrumento EAPGF (Xavier, 1996) como um dos recursos técnicos desenvolvidos no trabalho breve com famílias, que vivem em situação de violência (avaliadas como pouquíssimo-adequadas) de modo que os estagiários possam desenvolver um pensamento clínico e psicodinâmico e chegar a termo com estas famílias.

Nos dois casos foram estabelecidos objetivos modestos no sentido de garantir o término do processo junto às famílias, como veremos a seguir.

 

RESULTADOS

I. Família nº 1

O primeiro atendimento consistiu em trabalhar a dificuldade de elaboração de luto de uma criança (decorrente de assassinato da mãe pelo pai) e a vivência pessoal negativa de adoção deste pai, seguida de projeções negativas sobre sua filha, mantendo o caráter transgeracional da violência neste contexto familiar.

A família foi atendida em seu domicilio por um grupo de três estagiários-terapeutas, com o objetivo de assegurar o vínculo terapêutico. As sessões foram gravadas e transcritas. A análise diagnóstica e prognóstica foi efetuada após a aplicação da EAPGF (Xavier, 1996) no início dos atendimentos, em conjunto com a família. O atendimento chegou a termo com um número de 7 sessões.

Pacientes

Mônica, 8 anos, 1ª série do Ensino Fundamental.

Rodrigo, 6 anos, 3ª fase,  irmão de Mônica.

Willian, 29 anos, desempregado, pai das crianças.

Maria, 50 anos, aposentada, mãe de Willian, avó das crianças.

Motivo da consulta familiar

Mônica apresentava desvios de comportamento sexual (se insinuava para os meninos da escola e se masturbava na frente deles), além de problemas de aprendizagem.

Após a leitura do processo psicodiagóstico, constatou-se que o pai de Mônica havia matado sua esposa, que era prostituta, no momento em que esta carregava o filho menor, atropelando-a com um trator.

O pai foi internado por problemas psiquiátricos e os filhos ficaram com os tios (por parte da mãe) até que ele saiu, quando, junto com os filhos, foram morar com a avó (mãe dele).

Dona Maria, pessoa muito dominadora, depreciava seu filho (adotivo), dizendo que ele não tinha capacidade, muito menos condições, para cuidar das crianças.

Foco da intervenção

Romper o ciclo de violência, trabalhando as projeções negativas percebidas no contexto familiar dos adultos (entre mãe e filho) sobre a criança.

Objetivo

Evidenciar ao grupo que a violência psíquica, especialmente a vivida na díade mãe e filho, através de insultos, acusações (sobre a morte da esposa) e xingamentos diários, afetava na educação das crianças que não assimilavam a autoridade paterna, e desenvolviam com os adultos uma relação afetiva muito pobre que causava uma confusão  entre seus membros, a partir da vivência de cada um (Mônica, Willian e Maria).

Estratégia

Atendimento semanal com a família, com técnicas de apoio e esclarecimento.

Resultados

Embora não tenhamos atingido o objetivo, ao final do processo encaminhamos, novamente, Mônica para atendimento infantil, pois da primeira vez seu pai não a levou. Willian pôde rever questões da sua adoção, da importância de continuar seu tratamento psiquiátrico, embora apresentasse resistências.

II. Família nº 2 

O segundo atendimento consistiu em trabalhar a interrupção de maus tratos em um contexto familiar, no qual a mãe espancava a filha e não conseguia desenvolver outras formas de comunicação, o que dificultava a diferenciação entre ambas. A partir das intervenções buscou-se retomar o processo de individuação de ambas.

A família foi atendida no CPA por um grupo de três estagiários-terapeutas. As sessões foram gravadas e transcritas. A análise diagnóstica e prognostica foi efetuada após a aplicação da EAPGF (Xavier, 1996) no início dos atendimentos, em conjunto com as famílias. O atendimento foi levado a termo com nove sessões.

Pacientes

Maria, 14 anos, Ensino Fundamental incompleto, dona de casa.

Márcia, 43 anos, Ensino Fundamental incompleto, servente de escola.

A mãe foi encaminhada pelo hospital, após vários registros no conselho tutelar devido à agressividade em relação à filha, causando-lhe lesões e internações recorrentes. O pai é alcoolista.

Motivo da consulta

Dificuldade da família em conter a agressividade.

Foco da intervenção

Trabalhar as projeções e identificações maciças negativas da mãe sobre a filha.

Objetivo

Ajudar mãe e filha a desenvolverem outra forma de comunicação que não fosse a agressividade, promovendo a diferenciação entre ambas.

Estratégia

Atendimento semanal em conjunto, mãe e filha, utilizando a técnica de esclarecimento e orientação, após a aplicação da EAPGF (Xavier, 1996), em conjunto.

Resultados

Após nove sessões, a mãe conseguiu controlar sua agressividade, vislumbrando o que era seu e o que era da filha. Mobilizada com seus próprios conteúdos, a mãe aceitou a indicação para terapia individual.

 

CONCLUSÃO

Concluímos este estudo em Psicoterapia Breve Familiar acreditando que é possível desenvolver um trabalho sensível, mas eficaz com famílias pouquíssimo-adequadas, que praticam violência, chegando a termo, quando o psicoterapeuta está respaldado por instrumentos e técnicas que garantam a instrumentalização do vínculo terapêutico.

Sabemos que o trabalho com famílias violentas ainda consiste em um desafio para os profissionais da área da saúde, mas entendemos que a Psicoterapia Breve Familiar pode ser um recurso técnico possível para se trabalhar paulatinamente aspectos deste contexto amplo e complexo, buscando objetivos simples e palpáveis a partir da realidade de cada família, sobretudo se considerarmos a questão da transgeracionalidade da violência.

A continuidade de estudos como este pode garantir a estas famílias algum tipo de vínculo confiável com o profissional que escolhe trabalhar nesta área, e uma possibilidade concreta de retorno ao tratamento se considerarmos a importância da aplicação do follow up nos atendimentos breves, que pode reaproximar as famílias que ainda necessitam de algum tipo de intervenção, o que também pode colaborar para garantir a sua predisposição para voltar ao tratamento e serem incluídas em um processo psicoterápico com novos objetivos a serem atingidos, de modo que possam encarar o problema de forma mais madura do que da primeira vez, quando buscaram ajuda.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CERVENY, C. M. O. A família como modelo: desconstruindo a patologia.  São Paulo: Livro Pleno, 2000.        [ Links ]

MITO, T. I. H. Psicoterapia breve infantil: contribuições para o delineamento do processo. São Paulo, 203 p. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1996.        [ Links ]

PISZEZMAN, M. L. R. M. Terapia familiar breve: uma abordagem terapêutica em instituições. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999.        [ Links ]

YOSHIDA, E. M. P.; ENÉAS, M. L. E. Psicoterapias psicodinâmicas breves: propostas atuais. São Paulo: Alínea, 2004.        [ Links ]

YOSHIDA, E. M. P. Psicoterapia breve infantil: concepção e aplicabilidade. Estudos de Psicologia, v. 9, n. 3, 1992, 97-105.        [ Links ]

XAVIER, I. A. Psicoterapia breve infantil: o uso da Escala Psicodinâmica do Grupo Familiar. Dissertação de Mestrado, PUC Campinas, SP, 1996.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Ione Aparecida Xavier
E-mail: iaxavier@uol.com.br

Recebido em 15/05/07.
1ª Revisão em 17/06/07.
Aceite Final em 08/08/07.

 

 

1 Doutora em Psicologia Clínica pela Pontifica Universidade Católica de Campinas, coordenadora do Centro de Psicologia Aplicada, professora do curso de graduação e supervisora da área de Atendimentos Clínicos Breves a Casais e Família da Universidade Paulista - UNIP, campus de Sorocaba, SP.

 

ANEXOS

Protocolo de Avaliação da EAPGF - Escala Psicodinâmica do Grupo Familiar

( ) Inicial ( ) Final