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Revista da SPAGESP

versão impressa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP v.8 n.2 Ribeirão Preto dez. 2007

 

ARTIGOS

 

O momento da tarefa no grupo: aspectos psicanalíticos e psicossociais

 

The moment of the task in the group: psychoanalytical and psychosocial aspects

 

El momento de la tarea en el grupo: aspectos psicoanalíticos y psicosociales

 

 

Pablo de Carvalho Godoy Castanho 1

Federação Latina de Associações de Psicanálise de Grupo - FLAPAG

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Acreditamos que o conceito de Tarefa cunhado por Pichon-Rivière deva ser compreendido a partir de duas vertentes essenciais. De um ponto de vista psicossocial, vemos o conceito de Tarefa em suas relações com a categoria do Trabalho. Nesse sentido, o momento da Tarefa seria um momento de superação da auto-alienação presente na estruturação do trabalho em nossa sociedade. Na medida em que a auto-alienação é componente de toda a forma de alienação, o momento da Tarefa seria um momento de realização de um trabalho menos alienado, ou mesmo não alienado. Desse ponto de vista, a discussão sobre as formas contemporâneas de alienação do trabalho é fundamental para o profissional que utiliza o conceito de Tarefa no manejo de seus grupos. De um ponto de vista psicanalítico, a Tarefa implica um processo e formação psíquica caracterizados por uma economia, uma dinâmica e uma tópica próprias. Seguimos a via de Fernandes e pensamos o momento da Tarefa como o momento em que se estabelece um espaço transicional, no sentido winnicottiano, que torna o fazer do grupo uma modalidade qualificada de brincar.

Palavras-chave: Pichon-Rivière; Metapsicologia; Psicanálise de grupo; Organização do trabalho; Alienação.


ABSTRACT

We propose that Pichon-Rivière’s concept of Task should be understood from a double perspective. From a psychosocial point of view, we see the concept of Task as related to the category of Work in Social Sciences. Accordingly, the moment of the Task would be a moment of surpassing the self-alienation present in the structure of work in our society. As self-alienation is a component of every form of alienation, the moment of the Task in a group would be a moment when a non-alienated or a less alienated work is taking place. From this point of view the discussion about the contemporary forms of alienation of work are essential for the professional who works with operative groups. From a psychoanalytical point of view, the Task can be seen as a psychic process and formation defined by its economical, dynamic and topic characteristics. We follow Fernandes in regarding the moment of the Task as a moment in which a transitional space, in the sense of Winnicott, is established which turns the group’s work into a qualified form of playing.

Keywords: Pichon-Rivière; Metapsychology; Group psychoanalysis; Work organization; Alienation.


RESUMEN

Acreditamos que el concepto de Tarea de Pichon-Rivière deba ser comprendido  por una perspectiva doble. Desde un punto de vista psicosocial, el concepto de Tarea está relacionado a el concepto de Trabajo. Así, el momento de la Tarea seria un momento de superación de la auto-alienación. Como la auto-alienación es un componente de todas las formas de la alineación, el momento de la Tarea es un momento de un trabajo no alienado o menos alienado. Desde esta perspectiva la discusión sobre las formas contemporáneas de la alineación del trabajo es esencial para el profesional que trabaja con grupos operativos. Desde un punto de vista psicoanalítico, la Tarea es un proceso y una formación psíquica definida por una economía, una dinámica y una tópica especificas. Nosotros seguimos Fernandes y creemos que el momento de la Tarea establece un espacio transicional, en el sentido de Winnicott, que hace con que el trabajo del grupo se cambie en una forma calificada de brincar.

Palabras clave: Pichon-Rivière; Metapsicologia; Psicoanálisis de grupo; Organización del trabajo; Alienación.


 

 

O CONCEITO DE TAREFA NO ÂMBITO DA TEORIA E MANEJO DE GRUPO EM PICHON-RIVIÈRE

Para Pichon-Rivière todo grupo tem uma tarefa, um objetivo que seus membros almejam alcançar em conjunto. Este objetivo pode ser o aprendizado de um conteúdo, a fabricação de um produto, a prestação de um serviço, ou mesmo um tratamento. Neste último caso encontramos os grupos terapêuticos, nos quais cada um fala livremente, sem temas pré-determinados, mas ainda assim, trata-se de um grupo reunido por uma tarefa: a de melhorar sua condição psíquica. Este conceito pode ser aplicado para a compreensão de qualquer grupo, mesmo que se trate de grupos “naturais” não coordenados por profissionais especializados. Porém, ele recebe um lugar de destaque no dispositivo de grupo operativo criado pelo autor:

Os grupos operativos se definem como grupos centrados na tarefa. Agora, por que esta insistência? Pelo fato de que os grupos em geral se classificam segundo a técnica de abordagem do mesmo. Observamos que há técnicas grupais centradas no indivíduo: são alguns dos chamados ‘grupos psicanalíticos ou de terapia’, nos quais a tarefa está centrada sobre aquele que nós chamamos de porta-voz [...].O outro tipo de técnica é a do ‘grupo centrado no grupo’, na análise da própria dinâmica [...].Nossa preocupação é abordar através do grupo, centrado na tarefa, os problemas da tarefa, do aprendizado e problemas pessoais relacionados com a tarefa, com o aprendizado” (PICHON-RIVIÈRE, 1984, p. 21, grifo do autor, tradução nossa).

Vemos, então, que o grupo operativo gira ao redor do conceito de tarefa. Mas, afinal, o que é tarefa? Ao debruçar-se sobre os problemas da tarefa seria o grupo operativo um dispositivo comprometido com a “produtividade”? Um dispositivo para que as pessoas façam coisas?

 

AGIR, PENSAR E SENTIR: TAREFA E ELABORAÇÃO PSÍQUICA

Pichon-Rivière fala do momento da tarefa em contraste com o momento da “pré-tarefa”. Deve-se, no entanto, observar que o momento da tarefa não é sinônimo de estar fazendo uma determinada atividade proposta.

Comecemos este debate acompanhando a caracterização da dissociação  presente na pré-tarefa. Pichon-Rivière escreve: “Ademais é na pré-tarefa em que se observa um jogo de dissociações do pensar, atuar e sentir, como formando parte dos mecanismos antes enunciados [mecanismos de defesa]” (PICHON-RIVIÈRE, 1985, p. 34, parênteses nosso, tradução nossa).

Nesse momento, Pichon-Rivière pressupõe uma ação humana onde figurem o sentir, o pensar e o agir. Seria só em determinada modalidade de integração destas dimensões que se poderia falar de tarefa. Um das características desta modalidade de integração é a de que ela implica processos de elaboração psíquica concomitante:

O momento da tarefa consiste na abordagem e elaboração de ansiedades e a emergência de uma posição depressiva básica, em que o objeto de conhecimento se faz penetrável pela ruptura de uma pauta dissociativa e estereotipada, que funcionou como fator de estancamento no aprendizado da realidade e de deterioração da rede de comunicação (PICHON-RIVIÈRE, 1985, p. 35, tradução e grifos nossos)

Esta elaboração ou transformação psíquica concomitante é o aspecto propriamente terapêutico do grupo operativo no sentindo de promoção de saúde mental. Ela é, no grupo operativo, disparada pela tarefa proposta ao grupo. Porém, se a dissociação entre o sentir, o pensar e o fazer estão presentes, é possível realizar a tarefa proposta explicitamente ao grupo sem a concomitante elaboração psíquica. Pichon-Rivière chama este fenômeno de “como se”.

O “como se” é especialmente valioso ao propósito de nosso texto. Pois é através dele que podemos apontar a realização de um trabalho de forma alienada. O “como se” apresenta-se na forma de realizações “pragmáticas” (“como se” da tarefa explícita), o grupo pode fazer algo concretamente, manter-se no tema de discussão, e assim por diante, como havia sido enunciado pela tarefa inicial do grupo e ainda assim não lograr os efeitos de elaboração psíquica que Pichon-Rivière liga à realização da tarefa.

Sobre o “como se” lemos:

Podemos estipular que o ‘como se’ aparece através de condutas parcializadas, dissociadas, semi-condutas &– poderíamos dizer- pois as partes são consideradas como todos.Os aspectos manifestos e latentes são impossíveis de integrar em uma denominação total que os sintetize. (PICHON-RIVIÈRE, 1985, p. 34, tradução nossa)

O “como se” é um obstáculo à realização da tarefa. Esta pode agora ser  entendida  como algo que possui uma dimensão explícita (a realização “pragmática” do que é proposto) e outra implícita: a elaboração psíquica. Salientamos que Pichon-Rivière afirma que só poderemos dizer que o grupo está em tarefa quando ambas &– tarefa explícita e implícita &– estiverem em andamento (PICHON-RIVIÈRE, 1985). Assim, é só quando a ação implicada na tarefa pode circular por sentimentos e pensamentos, tornando possível a elaboração psíquica concomitante, que podemos falar de um grupo “em tarefa” (grupo no momento da tarefa).

 

MATERIALISMO DIALÉTICO E GRUPO OPERATIVO: TAREFA COMO TRABALHO MENOS (OU NÃO) ALIENADO

Pensamos ser fundamental analisar a questão da tarefa tendo-se em vista a influencia marxista no pensamento de Pichon-Rivière e José Bleger. Em Psicoanálisis y Dialéctica Materialista, Bleger (1988) abre espaço para o enfrentamento entre ambas as disciplinas, abrindo algumas pontes para sua articulação. Nesse caminho o conceito de alienação é fundamental: “[...] para nós a psicologia dialética e materialista assenta sobre o fenômeno social da alienação”(BLEGER, 1988, p. 125, tradução nossa).

Mas o que é alienação? A definição sobre o conceito de alienação em Marx no trabalho editado por Tom Bottomore inicia-se assim:

No sentido de Marx uma ação através da qual (ou um estado no qual) uma pessoa, um grupo, uma instituição, ou uma sociedade se tornam (ou permanecem) alheios, estrangeiros ou estranhos (1) aos resultados ou produtos de sua própria atividade (e à atividade ela mesma), e/ou (2) à natureza em que vive e/ou (3) a outros seres humanos, e- em adição e através de qualquer ou de todas de (1) à (3) &– também (4) a si mesmo (a suas próprias possibilidades humanas criadas historicamente.) Assim concebida, alienação é sempre auto-alienação, ou alienação de si, em outras palavras, a alienação  do homem (de seu “ser”) em relação a si mesmo (de suas possibilidades humanas) através dele mesmo (através de sua própria atividade). E auto-alienação não é apenas uma entre as formas de alienação, mas a própria essência e estrutura básica da alienação (BOTTOMORE, 1996, p. 11, tradução nossa).

Se a auto-alienação é a própria estrutura básica da alienação, o conceito marxista corrobora o uso que o termo “alienação” (e seus correlatos) possui em psiquiatria como referência a psicopatologias. Bleger aponta como o termo alienação pode ser utilizado para denominar os estados mentais patológicos descritos por Freud desde 1983:

Em “O mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos”, que data de 1893, Freud estuda como os eventos psíquicos ligados ao sintoma histérico não se relacionam com o resto da personalidade e “atuam como um corpo estranho”. Esta indicação e seu desenvolvimento posterior na psicanálise, assumem para nós uma importância extrema, porque é a observação por parte de Freud do fenômeno da alienação; uma parte do próprio Ego, uma parte da própria pessoa se torna estranha, se aliena (BLEGER 1988, p. 131, tradução nossa).

Bleger opera neste registro que aproxima a “alienação mental” - referida pelos psiquiatras &– à alienação do trabalho discutida por Marx. Bleger afirma: “O mesmo processo que cumpre a neurose na ordem dos fenômenos psicológicos, cumpre a alienação como fenômeno social” (BLEGER, 1988, p. 238, tradução nossa).

O conceito de alienação passa assim a funcionar como um intermediário no pensamento de Bleger pelo qual podemos articular uma realidade interna do sujeito (recalque e neurose nos exemplos dados) à uma realidade externa.

Retomando a definição dada de alienação, vemos que o primeiro sentido do termo de alienação remete à uma relação com uma atividade no mundo. De fato, a ligação do conceito de alienação ao mundo do trabalho é notória no pensamento marxista e não poderia estar ausente do pensamento de nossos autores argentinos. A ação no mundo é categoria fundamental para o psiquismo na visão de Belger: “[...] a atividade do homem é o que muda fundamentalmente seu psiquismo” (BLEGER, 1988, p. 19, tradução nossa). Esta proposição é totalmente pertinente à visão de grupo operativo. Afinal, é a partir da atividade do homem (a tarefa) que Pichon-Rivière espera promover a elaboração psíquica dos membros do grupo. Porém, como vimos, não é qualquer atividade que promove elaboração psíquica. Assim como em Marx, nem toda forma de trabalho é bem vinda. Enquanto atividade humana transformadora do psiquismo e promotora de saúde, o conceito de tarefa se aproxima do conceito marxista de um trabalho não (ou menos) alienado

 

A TAREFA COMO ÁREA TRANSICIONAL

O conceito de alienação implica, como vimos, o interno (auto-alienação) e o externo, condições grupais, políticas sociais, entre outros. Por isso nos parece particularmente promissor podermos estender a este conceito um olhar inspirado no conceito de transicionalidade de Winnicott. Esta dimensão do conceito de tarefa nos foi apresentada por Maria Inês Assumpção Fernandes. Em sua investigação sobre o narcisismo no grupo, Fernandes (1989) coloca a hipótese de que o grupo operativo: “[...] funcionaria como a criação de um espaço potencial (no sentido winnicottiano), através do qual os vínculos poderiam ser trabalhados” (FERNANDES, 1989, p.134)

Neste sentido, o momento da tarefa, enquanto momento que caracteriza o potencial por excelência do grupo operativo, se torna uma área do “brincar” e por tanto, nesta leitura, estar em tarefa é estar em uma área transicional, é poder brincar, no sentido winnicottiano.

Categoria intermediária entre sujeito, grupo e sociedade o conceito de alienação, ao se transfigurar na noção pichoniana de tarefa, nos diz da instauração de uma atividade transformadora do mundo externo e interno (não alienada). Não é só a exterioridade do “grupo”, mas a do mundo material e social que se faz presente através da categoria do trabalho evocada neste momento. Pensando-se assim, a proposta pichoniana teria grande afinidade com a proposta de análise transicional de René Kaës.

A análise transicional propõe uma perspectiva da prática psicanalítica centrada sobre a elaboração da experiência de crise, afim de que se restabeleça uma área transicional entre o espaço intrapsíquico, o espaço intersubjetivo e o espaço da cultura. Poderíamos dizer também: afim de que os objetos internos sejam colocados em posição suficientemente favorável em suas relações aos objetos externos, de tal modo que o sujeito reencontre ai sua capacidade de simbolizar, de pensar e de criar (KAËS, 1979, p. 7, tradução nossa).

O conceito de crise em Kaës nos lançaria à indagação de seu equivalente em Pichon-Rivière. Talvez pudéssemos encontrar uma ponte através da apropriação que este segundo autor faz da dialética materialista. Estaríamos entrando de fato em um campo bastante denso, procurando vias de comunicação entre o pensamento marxista e a perspectiva transicional aberta em psicanálise por Winnicott. Dentro dos objetivos deste trabalho queremos apenas informar o leitor deste movimento teórico, ainda em construção, que experimenta com a possibilidade de conectar Marx e Winnicott por meio do conceito de tarefa. Não negamos o caráter paradoxal desta aproximação. Na verdade, parece-nos que a atividade de pesquisa também ela deva se dar em um terreno do transicional, no qual o paradoxo da convivência de teorias diferentes possa ser eventualmente suportado.

 

A TAREFA COMO PROCESSO E FORMAÇÃO PSÍQUICA

Ver o momento da tarefa como o de estabelecimento de uma área transicional implica uma apropriação psicanalítica do conceito. Aqui pensamos o conceito de tarefa como um processo e formação psíquicos que se caracterizam por uma economia, dinâmica e tópica.

Do ponto de vista econômico, significa dizer que a tarefa é investida pulsionalmente e torna-se geradora de representações. Diferentes tarefas recebem diferentes cargas afetivas. Remetem os sujeito do grupo. E o grupo como um todo, suas histórias passadas, reais e imaginadas, exercem atrações e rejeições, que compõem e sustentam fantasias.

A tarefa proposta elicia uma tensão e um jogo entre o momento da tarefa e o momento da pré-tarefa. Esta tensão, este jogo caracteriza seu aspecto dinâmico. Através da tarefa proposta cadeias associativas, conteúdos psíquicos, emoções, enfim, processos e formações psíquicas se compõem ou se opõem mutuamente, formando essa dinâmica entre as forças que empurram para a realização da tarefa e as forças que resistem a essa realização. Devemos também, seguindo o pensamento de Pichon-Rivière, considerar a presença constante das ansiedades depressivas e paranóides no vértice da resistência ao momento da tarefa...

Do ponto de vista tópico vemos a tarefa como formação intermediária, que se coloca “entre”. Assim, através da tarefa proposta cadeias associativas podem ser re-estabelecidas ou rompidas. Como intermediária no plano intrapsíquico a tarefa articula processos e formações, permite passagens e por tanto, a elaboração psíquica. Como intermediária no plano intersubjetivo a tarefa participa da articulação entre os sujeitos sendo um dos elementos constitutivos da realidade do grupo. Possui assim um papel importante na ligação entre os diversos membros do grupo. A tarefa também articula a relação do grupo com o fora do grupo, através dos produtos sociais que visa, inscrevendo-se assim em uma lógica transubjetiva, mas também na lógica social e econômica. Em todos estes níveis a tarefa explicitada leva o grupo a oscilar entre momentos de “tarefa” nos quais passagens e transformações entre estes diferentes níveis de realidades operam e momentos de “pré-tarefa” nos quais as transformações e passagens aguardam.

Vimos que para Pichon-Rivière é sobre a relação do grupo com este “objeto” psíquico que deve incidir a intervenção do coordenador de grupos operativos. A tarefa adquire assim um status psíquico para o grupo. Podemos agora compreendê-la também como objeto de desejo, medo, fantasias etc... Ao operarmos sobre a relação do grupo com a tarefa operamos sobre todos estes aspectos.

Tendo estabelecido assim não só a consistência metapsicológica da tarefa, mas também seu lugar na teoria da técnica, acreditamos que tornamos possível o trabalho com grupos operativos dentro de um olhar rigorosamente psicanalítico. Acreditamos que esta é a base, e a condição, para a inclusão de interpretações fundadas em conceitos desenvolvidos por outros psicanalistas de grupo no trabalho com grupos operativos.

 

COMENTÁRIOS FINAIS

Se o dispositivo de grupo operativo implica a possibilidade de um trabalho menos alienado, o trabalho do coordenador será, constantemente o de ajudar a desmontar as formas “alienantes” pelas quais as pessoas estão acostumadas ou constrangidas a trabalhar. Neste campo, um olhar constantemente reflexivo e crítico sobre as formas de organização do trabalho em nosso mundo podem ajudar e muito ao coordenador safar seu próprio olhar dos determinantes sociais/culturais que poderiam fazê-lo confundir tarefa com pré-tarefa. Estar produzindo não é estar em tarefa. Quantos grupos atualmente não acabam reproduzindo em “oficinas” e outros dispositivos grupais a alucinante “fazeção” da economia contemporânea? E o que dizer de outras “armadilhas” como a do lugar da subjetividade no mundo do trabalho atual? Muitos gestores modernos concordariam com a conexão entre pensamentos sentimentos e ações no trabalho. Porém será que nos sorrisos treinados dos vendedores, no arrebatamento das palestras de motivação, no apelo ao trabalho social e voluntário dos funcionários não estão se desenhando novas formas de alienação? Trata-se de uma subjetividade trazida sim a um lugar de destaque no sistema produtivo, mas não teria neste sistema apenas uma função de “pilha” que alimenta a produção? Subjetividade mercadorizada? Vendida? A que novas modalidades de alienação podemos estar cegos? Como elas podem estar permeando nossos grupos? A realidade do mundo do trabalho hoje, em suas antigas e novas formas de alienação, representa um desafio ao coordenador de grupo operativo responsável por tentar ajudar a desmontá-las (ainda que parcialmente) no aqui e agora do grupo frente a sua tarefa.

O conceito de alienação, como intermediário, permite compreendermos e operarmos sobre cruzamentos de diferentes tipos de realidade. Nesse contexto seria importante a discussão da possível sobredeterminação da alienação do trabalho. Sem negarmos o papel fundamental dos fatores econômicos, caber-nos-ia, enquanto psicólogos, pesquisarmos e operarmos sobre o papel que a realidade psíquica (nos planos intra-, inter- e trans-) tem nesse contexto. Assim, o conceito de alienação, enquanto intermediário, ao articular determinantes econômicos e psíquicos, entre outros, respeita a heterogeneidade de cada regime lógico. Fazer um grupo operativo na concepção aqui apresentada é respaldar-se em posicionamentos éticos e políticos, mas é também manter-se no campo da intervenção técnica que opera sobre a realidade psíquica das configurações vinculares.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BLEGER, J. Psicoanálisis y dialéctica materialista. Buenos Aires: Ediciones Nueva Visión, 1988. (Publicado originalmente em 1958)        [ Links ]

BOTTOMORE, T. (Ed.). A dictionary of marxist thought. 2nd ed. Oxford: Blackwell, 1996.        [ Links ]

FERNANDES, M. I. A. F. De como emerge a questão do narcisismo e da alteridade no grupo operativo. São Paulo, 1989. Tese (Doutorado em Psicologia Social), Universidade de São Paulo        [ Links ]

KAËS, R. Introduction à l’analyse transitionnelle. In: Crise, rupture et dépassament. KAËS, R. (Org.). Paris: Dunod, 1979. p.1-148.

PICHON-RIVIÈRE, E. Historia de la técnica de los grupos operativos. Temas de Psicologia Social. Buenos Aires: Ediciones Cinco, v. 7, n. 6, 1984, . 21-31.        [ Links ]

PICHON-RIVIÈRE, E. El processo grupal. Buenos Aires: Ediciones Nueva Visión, 1985.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Pablo de Carvalho Godoy Castanho
E-mail: pablocgc@terra.com.br

Recebido em 27/01/07.
1ª Revisão em 19/04/07.
Aceite Final em 08/05/07.

 

 

1 Psicólogo. Mestre em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo. Coordenador do Curso de Especialização Psicanálise, Grupalidade e Intervenção nas Instituições do CEFAS de Campinas. Vice-presidente da Federação Latina de Associações de Psicanálise de Grupo (FLAPAG)