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Revista da SPAGESP

versão impressa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.9 no.2 Ribeirão Preto dez. 2008

 

ARTIGOS

 

Re-significando o grupo e a velhice

 

Redefinition of group and elderly

 

Resignificacion del grupo y de la vejez

 

 

Camila Caparroti Rotiroti Dal Picolo 1; Beatriz Silveiro Fernandes 2

Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo - SPAGESP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Trata-se de relato crítico de experiência de psicoterapia de grupo com idosos em instituição asilar. O terapeuta preocupou-se com a adequação do trabalho em relação aos anseios e expectativas dos pacientes, bem como a reflexão acerca da técnica e do manejo do grupo em face da especificidade etária. O estudo busca entender o significado da velhice para essa população e a sensação de impotência em face do declínio do vigor físico e da morte. Por fim, defende a necessidade de reflexão do terapeuta sobre o objetivo do grupo, sobre as adaptações necessárias para desenvolver um grupo com idosos e a flexibilidade em relação aos aspectos técnicos.

Palavras-chave: Psicoterapia de grupo; Psicoterapia do idoso; Características do terapeuta.


ABSTRACT

This work is a critical description of group psychotherapy with institutionalized elder people. The therapist focused his job in attending the patient expectations, always reflecting upon his techniques and the way she handled the group considering the patients age. This study also tries to understand the death meanings constructed by this population and the powerless feelings of those people when facing the end of their lives. Finally, it defends that the therapist needs to reflect about the aims of the group and the necessary adaptations when working with elder people, being flexible about the techniques aspects.

Keywords: Group psychotherapy; Psychotherapy geriatric; Characteristics therapist.


RESUMEN

Se trata del relato crítico de experiencia de psicoterapia de grupo con ancianos en una institución asilar. Hay la preocupación por la adaptación del trabajo a los anhelos de los pacientes, así como la reflexión sobre la técnica y de cómo lidiar con el grupo considerándose la especificidad de la edad. Refleja sobre el significado de la vejez y sobre la sensación de impotencia delante del declive de la vigorosidad y de la muerte. Por fin, defiende la necesidad de reflejar sobre el objetivo del grupo, sobre las adaptaciones necesarias para desarrollar un grupo con ancianos, la flexibilidad con respecto a la técnica y el crecimiento inevitable de la grupoterapia.

Palabras clave: Psicoterapia de grupo; Psicoterapia geriatrica, Caracteristicas del terapeuta.


 

 

Este trabalho pretende descrever a atuação de uma grupoterapeuta em uma instituição asilar de idosos e apresentar um grupo com finalidades terapêuticas como uma possibilidade de trabalho com essa população.

No decorrer do trabalho com o grupo, a grupoterapeuta começou a refletir sobre a posição do terapeuta e seu objetivo naquele contexto, com características peculiares, por se tratar de um grupo de idosos institucionalizados. Assim, alguns questionamentos emergiram diante da experiência, que pretendo abordar neste trabalho. Como um grupo terapêutico pode ajudá-los? Quais os benefícios desse trabalho?

Por fim, é necessário esclarecer que, por se tratar da reflexão sobre uma experiência que é, a um só tempo, pessoal e profissional, permiti-me uma licença acadêmica para redigir esse trabalho na primeira pessoa do singular.

 

O IDOSO

Guite Zimerman (1995) propõe uma reflexão sobre o que a palavra velho desperta. A autora diz que a velhice é encarada como um declínio da juventude, pelo fato da juventude, na nossa cultura ser tomada como parâmetro referencial de quase tudo que é valorizado. Isso fez com que eu pensasse o que significava ser velho pra mim e a importância dessa significação para o estabelecimento das relações, assim como o trabalho com grupos.

Zimerman (1995) destaca que tudo depende das lentes com que olhamos para a velhice. Apesar do peso dos anos, rugas, limitações físicas, uma constante ameaça à saúde, o velho também apresenta muita coisa boa e bonita, com maior tranqüilidade e profundidade.

Mas o que vemos nessa sociedade moderna é a desvalorização do idoso. Goldfarb (1995) postula sobre os valores tradicionais que vão se perdendo em favor de uma sociedade individualista, em que o velho, por não ser produtor de riqueza, nada vale. O valor social da velhice passa então a ser reconhecido como de inutilidade e decrepitude. Na modernidade, o velho não existe, não é produtor, nem consumidor.

No entanto, o que se vê é o envelhecimento da população no Brasil, devido ao controle da natalidade e ao aumento da longevidade, acarretado pelo avanço do conhecimento e da medicina. Isso faz com que se construa uma preocupação social com essa faixa etária e que o reconheçamos como cidadão pleno de direitos, como trabalhador de uma vida, sujeito desejante e desejado.

Anacleto, Souza, Angelis e Pereira (2004) colocam que o velho institucionalizado tem de passar por situações de aprendizagem, imposta pela situação social e física em que vive. É necessário aprender a viver com salário reduzido, falta dos familiares e necessidade de estabelecer relações sociais com pessoas da mesma idade, às vezes, em piores condições físicas. As autoras citam alguns fatores que ficam entre a perda dos familiares e a adaptação na instituição asilar, que são: perda da identidade, baixa auto-estima, diminuição de atividades físicas e até a completa inatividade, distanciamento do mundo externo, poucas oportunidades de lazer. Citam, ainda, que é fundamental a presença da família nessa fase, mesmo o idoso estando numa instituição asilar, pois com a diminuição progressiva da capacidade adaptativa, aumenta a dependência dos familiares e cuidadores. O abandono e o reduzido número de visitas geram sentimentos de dor, tristeza e revolta. Esses fatores são preponderantes para o aparecimento das depressões e o agravamento dos problemas de saúde em geral.

É evidente que há uma gradual fragilização do idoso, que permeia sua aproximação fantasiosa relativa à morte. Existe a perda das possibilidades, a incidência de doenças crônicas aumenta, mas o idoso só será considerado improdutivo, se a observação for feita por critérios superficiais e estereotipados.

 

O GRUPO

Segundo Zimerman (2000), a finalidade precípua da análise é o crescimento mental do analisando. O autor coloca a necessidade de desenvolver as capacidades egóicas, como pensar, verbalizar, discriminar. Será que um idoso tem tempo hábil para desenvolver melhor sua capacidade egóica? Será que ele tem capacidade de abstrair interpretações?

Para Zimerman (2000), a interpretação é mais dirigida ao conflito psíquico inconsciente e ele apresenta a atividade interpretativa, como mais uma ferramenta que analisa o ego consciente. O assinalamento de contradições, o confronto entre o que o paciente diz, pensa e sente daquilo que ele de fato faz o desmascaramento das falsificações e mentiras, entre outras, são intervenções importantes nesse trabalho.Para Zimerman (2000), a interpretação é mais dirigida ao conflito psíquico inconsciente e ele apresenta a atividade interpretativa, como mais uma ferramenta que analisa o ego consciente. O assinalamento de contradições, o confronto entre o que o paciente diz, pensa e sente daquilo que ele de fato faz o desmascaramento das falsificações e mentiras, entre outras, são intervenções importantes nesse trabalho.

São vários os autores que acreditam no benefício da psicoterapia de orientação analítica para pacientes idoso. Eizirik, Kapczinski, Knijnik e Vasconcelos (1998) acreditam que a idade avançada, por si só, não exclui um tratamento psicanalítico. Afirma que a meta de um tratamento é fazer com que mais pessoas possam ter um presente e um futuro mais criativos e vivam mais satisfatoriamente.

Eizirik et al. (1998) consideram a psicoterapia de grupos na velhice uma opção eficaz, uma vez que o isolamento e a perda de identidade social nessa fase da vida estão associados à depressão e o grupo oferece, assim, uma possibilidade de espaço de convívio que auxilie o trabalho dessas dificuldades e o reaprendizado do relacionamento interpessoal.

O trabalho com idosos exige do terapeuta uma flexibilidade em relação à técnica. Fernandes (2003) coloca que a técnica sofrerá adaptações se o trabalho for realizado com crianças ou adultos, se em uma instituição ou clínica privada, se ocorrer com tempo limitado, se o grupo for específico. Sendo assim, é necessário que o profissional pare para pensar na especificidade do seu trabalho. No caso da velhice, é necessário pensar sobre o que significa estar em contato direto com as perdas do paciente, uma vez que o paciente convive com a idéia da morte iminente e com as perdas reais. Como ajudar sem se frustrar com a finitude e enfrentar a impotência da profissão?

Alberto (1998) cita que, quando o profissional da saúde se propõe a desenvolver um trabalho com idosos, ele se depara com uma série de dificuldades para a prática dos seus conhecimentos clínicos. O autor afirma como principal obstáculo a ser elaborado, a sua própria sensação de impotência, pelo pouco que o profissional pode oferecer para a cura do idoso.

Alberto (1998) cita que, quando o profissional da saúde se propõe a desenvolver um trabalho com idosos, ele se depara com uma série de dificuldades para a prática dos seus conhecimentos clínicos. O autor afirma como principal obstáculo a ser elaborado, a sua própria sensação de impotência, pelo pouco que o profissional pode oferecer para a cura do idoso.

O que se percebe é que a velhice também precisa ser cuidada e valorizada e é por isso que voltei minha atenção para os idosos, com o intuito de apresentar como se dá um grupo com finalidades terapêuticas com eles, quais são as adaptações e as angústias que desperta.

 

A INSTITUIÇÃO

Trata-se de uma entidade civil, de direito privado e sem fins lucrativos, cujo objetivo principal é o de construir, instalar e manter um lar para a velhice desamparada. Sua clientela é formada por idosos a partir de 60 anos, de ambos os sexos, provenientes do município de Ribeirão Preto e incapazes de garantir a sua própria sobrevivência.

Antes de propor um trabalho, fiz um levantamento geral sobre a instituição, para isso conversei com o diretor, a assistente-social e a enfermeira-chefe. Pesquisei a quantidade de idosos que moravam na casa, as condições de saúde, se recebiam visita e do histórico na instituição.

Junto com o diretor e a assistente social fiz a proposta de um grupo de terapia para alguns idosos, ambos aceitaram a proposta e sugeriram que esse grupo fosse montado auxiliado pela enfermeira-chefe. Em seguida, conversei com essa profissional, que me indicou alguns pacientes que gostavam de conversar, que eram conscientes e não eram acamados. Iniciei com algumas entrevistas individuais, conhecendo a possibilidade e o desejo de estarem em grupo e convidando-os. Inicialmente, foram convidados dez idosos, de ambos os sexos, com idades entre 70 e 90 anos.

O grupo ocorre em uma sala reservada para trabalhos em grupo (pintura, crochê, orações) e ficou estabelecido, previamente, com a administração que aquela seria nossa sala de atendimento, para que pudéssemos manter a continuidade de mesmo local e horário. A grupoterapia é semanal, tem duração de uma hora, é um grupo heterogêneo, aberto e feito em co-terapia.

O presente estudo busca entender o significado da velhice para essa população e a sensação de impotência em face do declínio do vigor físico e da morte.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Desde a formação do grupo, é notável que o valor social da velhice é reconhecido como de inutilidade e decrepitude, o velho na modernidade não é produtor nem consumidor, assim como postula Goldfarb (1995).

Os idosos que habitam o asilo possuem uma rotina ociosa, não produzem, não possuem nenhum tipo de ocupação. Seus objetos pessoais, vestimentas e calçados são ganhos. Muitas vezes, a roupa que vai para a lavanderia não é a mesma roupa que volta. Como se esses seres humanos não tivessem personalidade, desejo próprio, direito de escolher aquilo que gostam e rejeitar o que não gostam.

Todos esses aspectos aparecem constantemente no grupo, como por exemplo, na fala de um dos participantes:

P: Aqui eles cuidam bem de mim, porque se eu morasse sozinho eu não ia conseguir cuidar de tudo sozinho. Mas, eu queria um salário livre pra mim, eu os pagaria, e queria um salário pra mim.
Terapeuta: O que o senhor gostaria de fazer com o dinheiro?
P: Eu gosto de roupa fina. Ta vendo essa calça, eu não gosto. Essa camisa de manga comprida, eu não gosto. Gosto de roupa fina, esses tecidos são grossos.

O mesmo paciente, em outra sessão, falando sobre a solução que encontrou para solucionar o problema:

P: É muito melhor quando a gente pode ir escolher o nosso sapato.
Terapeuta: Por quê?
P: Por que você escolhe do jeito que você gosta. Eu tinha ganho um sapato esporte, ai eu fui ao varejão e vi esse aqui, eu peguei e troquei, gostei mais desse. Você não sabe como é confortável.

O abandono familiar é outro tema recorrente e evidencia dor, sofrimento:

G: Camila faz três anos e quatro meses que estou aqui e faz dois anos e seis meses que nem meu irmão, nem minha cunhada vêm me visitar. Acho que eles devem estar muito ocupados, né. Não deve dar tempo de vir.
P: O meu povo me colocou aqui e eu já to de alta e eles não vem me buscar. Nem sei quantas altas eu já tive e eles não me tiram daqui, queria ir embora logo para minha casa, minha família, minhas coisas tão tudo lá.

O senhor P. em muitos momentos refere que sua família o colocou ali para fazer um tratamento, negando a realidade, de que é um asilo que ali é a sua casa agora. Ele cita que já teve várias altas, como se estivesse internado para fazer um tratamento e alega já está recuperado, com o intuito de demonstrar que está bem e que pode voltar a morar sozinho.

No próximo trecho, os participantes falam sobre aquilo que assusta e faz parte da realidade do asilo, a morte:

L: Eu estou aqui esperando Deus chamar e me levar pro Bom Pastor (cemitério).
Porque nós estamos aqui internado só esperando isso mesmo.
A: O senhor fala isso porque nós estamos internados?
L: Nós estamos esperando mais o que?
A: Mas não é porque estamos internados que temos mais chance de morrer do que quem esta lá fora. Qualquer um pode morrer, ela pode morrer (olha para a terapeuta). Isso faz parte da vida, tanto quem ta aqui dentro ou lá fora.
A: Eu não tenho medo de morrer, só tenho medo de morrer de morte matada, tiro, facada.
L: Eu também prefiro morte natural, sem sofrimento. Não quero ficar em cima de uma cama “ai ai”, no sofrimento.
P: Eu prefiro nem falar disso.
G: Mas a gente não tem escapatória.

Estar no grupo desperta muitos sentimentos ambivalentes, como o desejo de ajudar e o massacre da realidade, que aplaca a esperança; o tentar mostrar a vida que eles ainda possuem e a morte iminente. Com isso, a grupoterapeuta enfrenta algumas dificuldades, como por exemplo, se sentir impotente, não vendo alternativas para ajudá-los. Na maioria das sessões, os idosos lamentam suas condições, o abandono, a morte iminente, falam de seus sofrimentos e dores físico-orgânicas, e eu não conseguia ver como ajudar aqueles idosos. Questionava-me no que aquele grupo estava sendo benéfico para eles.

No início da minha experiência como grupoterapeuta, não acreditava que “aquilo” era um grupo. Eles falavam juntos, não se ouviam, um contava uma história triste e se emocionava, outro contava piada. A impressão que eu tinha era que fenômenos grupais não aconteciam, ou, se ocorriam, não podiam ser trabalhados diante do caos. Aos poucos, fui percebendo, com a ajuda da supervisão e minha análise pessoal, que estava ocorrendo um distanciamento terapêutico. Os fenômenos grupais aconteciam e, no entanto a grupoterapeuta estava se abstendo de um contato mais próximo. Talvez por ter uma fantasia de que eles não se ouviam e então mudavam de assunto.

Procurei refletir sobre o quanto de fantasia existia do terapeuta em relação à própria técnica a ser utilizada, será que a grupoterapeuta espera que o grupo tenha insigths brilhantes, a partir de colocações feitas pela grupoterapeuta? Qual a idéia da terapeuta em relação à técnica para o atendimento psicoterápico de velhos?

Às vezes, fazia algumas colocações que eu acreditava que não surtiam efeito. Quem garante? Talvez não gerassem a discussão que a terapeuta imaginava que pudessem suscitar.

Com o tempo, aceitei a angústia do não saber, da impotência e pude estar mais próxima nas sessões. Acredito que pude mudar meu olhar para o grupo e vê-los como um grupo de pessoas, abandonei aquela concepção de que eles estão velhos e não ouvem direito, não falam direito e estão morrendo.

Um tema muito recorrente durante as sessões são questões físicas, dores e que parecem impensáveis, como por exemplo, esta situação que ilustra o caso de um idoso de 79 anos, que chamarei de Álvaro, que sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) há cinco anos e ficou com o lado direito paralisado. Ele é um participante assíduo, porém fala pouco, até em decorrência da seqüela do AVC. Todas as vezes que ele diz algo, é para falar que: não se conforma com o que aconteceu com ele, que não sabe o porquê que dói tanto. Fala mal da fisioterapia, reclama que a dor é insuportável.

Álvaro: Eu nunca chorei na minha vida, nem quando meus pais faleceram, mas hoje choro de dor... Eu não sei por que isso aconteceu comigo, o que eu fiz para merecer isso...

O grupo aparece como um espaço para que eles possam refletir sobre as vivências, sobre o que acontece com eles, como o inesperado AVC, o motivo das dores e a importância da fisioterapia.

Isso responde um questionamento que fiz: Será que eles têm capacidade de abstrair interpretações? Acredito que sim, percebi que a atividade interpretativa, proposta por Zimermam (2000), seria mais adequada. Trabalhar com o ego consciente, ajudando-os a pensar e a estabelecer ligações, contribuía para o desenvolvimento e saúde mental dos participantes.

Os idosos valorizam muito o momento do grupo, o estar no grupo. Acredito que esse seja um espaço em que eles sentem-se valorizados, vivos, úteis, pois o grupo depende da participação deles.

Atualmente, no grupo, observamos que há cooperação mútua, que os participantes desenvolveram. Há re-significação e restitui-se à pessoa idosa numa outra vitalidade. Procuramos preservar a autonomia, a independência e a capacidade de agir. Observem essa passagem:

L: Este é o sapato que lhe dei?
P: Sim é.
Terapeuta: O senhor presenteou o Sr. P?
L: Sim, ele me ajuda com a cadeira, me leva pra cá e pra lá. Quis agradecer.
P: A gente é amigo. E esse sapato é uma beleza.

Outro caso de desenvolvimento foi à história do idoso que chamarei de Geraldo, que desde o início do grupo falava sobre o fato de que todos receberiam uma porcentagem referente à aposentadoria e ele não. A princípio, ele nem cogitava a idéia de procurar saber por que ele não recebia. Trata-se de um paciente com histórico de internações psiquiátricas, que em alguns momentos “se perde nas falas”, mistura histórias. Mas, no grupo, sempre procuramos salientar a parte sadia e não psicótica dele. Depois de um ano de grupoterapia, senhor Geraldo chega com a notícia de que conversou com a assistente-social e que estava recebendo.

Penso que Geraldo pôde construir com o grupo essa possibilidade, que antes ele não se sentia merecedor, fantasiava histórias e não conseguia resolver um conflito que o incomodava. O grupo acolheu, durante muitas sessões, essa reclamação e tentava achar uma solução, muitas alternativas foram pensadas, até que Geraldo conseguiu tomar uma decisão.

Um outro participante, aqui denominado de senhor Pedro era um idoso que mal conversava, ficava o dia todo isolado, sem falar com ninguém. Seus diálogos eram com as visitas e alguns funcionários da casa. Atualmente, ele passa pelo corredor cumprimentando os moradores, no grupo conta histórias, sorri e fala sobre conversas que ocorreram durante a semana com outros participantes.

A experiência com o grupo contribuiu para o desenvolvimento dos participantes e da grupoterapeuta como profissional e como pessoa também. Assim como eles mesmos dizem:

L: É isso ai bem... 1, 2, 3, 4, 5, 6 até chegar nos 90... risos. É tempo heim, bem!
A: É. Vocês são formadas, mas aqui ninguém é formado nisso não, observa bem como é difícil ficar velho.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com essa experiência pude trocar a imagem que a palavra velho despertava em mim. Passei a dar mais valor às rugas, aos anos vividos e à profundidade da vida. Perceber quanto a nossa sociedade desvaloriza o idoso, o quanto não cuidamos dos nossos velhos e o quanto eles não possuem espaço.

Com esse trabalho, pude inverter o meu olhar, que se dirigia para as perdas e o declínio, voltando-o para aspectos positivos do envelhecer. Tudo isso pode ser vivido junto com o grupo. No início, o grupo tinha características muito depressivas e, com o tempo, foi ganhando vida. Podemos enfatizar alguns aspectos adquiridos com tempo de vida e com o tempo de grupo, como, por exemplo, a tranquilidade, a liberdade, entre outros.

Com o desenvolvimento do grupo, acredito que pudemos aumentar o bem-estar psicológico dos idosos, podendo dar mais vida àquelas vidas e tornar o envelhecimento mais bem-sucedido.

Acredito que o grupo apresenta uma possibilidade de desenvolvimento das capacidades egóicas, da valorização do ser humano, sendo uma tentativa de re-significar a velhice e maximizar suas habilidades, apresentando alternativas.

Espero que esse trabalho possa contribuir para um debate crescente sobre a velhice, o envelhecimento e formas de como a velhice pode ser vivida de maneira mais saudável. Verifica-se, muitas vezes, que a população de idosos não corresponde à imagem que freqüentemente lhes é atribuída.

O sofrimento psíquico que a velhice, em si, pode despertar, tanto no idoso, quanto em seus familiares ou pessoas mais próximas é real. As perdas são inerentes, perda da saúde física, das capacidades, do cônjuge, de companhia, das responsabilidades, a gradual dependência. Tudo isso são mudanças significativas, que precisam ser trabalhadas para que possam ser vividas de maneira mais adaptadas.

Hoje, com mais experiência e menos idealização, penso que um dos eixos desse trabalho é ajudar os idosos a fazerem as pazes consigo mesmo, sem aumentar a culpa e sim ajudá-los a aceitar a vida vivida, seus fracassos e sucessos. Do mesmo modo, aprendi que não ter desejo, nem pré concepções sobre as sessões de grupo são os melhores instrumentos para o bom andamento de um processo grupal.

 

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Endereço para correspondência
Camila Caparroti Rotiroti Dal Picolo
E-mail: camilaroti@terra.com.br

Recebido em 20/08/08.
1ª Revisão em 12/11/08.
Aceite Final em 07/12/08.

 

 

1 Psicóloga. Especialista em coordenação e terapia de grupo pela Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo (SPAGESP).
2 Psicóloga clínica. Membro docente e fundador do Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares (NESME) e da Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo (SPAGESP).