SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.10 issue1Apuntes sobre el psicoanálisis y las prácticas institucionales en la América LatinaLarge groups: dynamic and therapy author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Revista da SPAGESP

Print version ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.10 no.1 Ribeirão Preto June 2009

 

ARTIGOS

 

O grupo e a institucionalização do movimento analítico brasileiro 1

 

The group and the institutionalization of the brazilian analitical movement

 

El grupo y la institucionalización del movimiento analítico brasilero

 

 

Fernando da Silveira 2

Universidade Presbiteriana Mackenzie - UPM

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho é contribuir com um diálogo acerca da institucionalização do movimento analítico de grupos no Brasil, a partir dos resultados obtidos em uma revisão bibliográfica, para compreender como o grupo aparece no movimento analítico brasileiro durante o período de consolidação das instituições psicanalíticas. Observou-se que diversos psicanalistas fundadores das primeiras Sociedades de Psicanálise no Brasil trabalharam com grupos. Observou-se ainda que diversos psicanalistas tentaram validar seus trabalhos com grupos no movimento analítico, mas que a partir dos anos 1970 os trabalhos com grupos realizados por psicanalistas passaram cada vez mais a ser um projeto independente do movimento analítico. Dentre outros fatores, entende-se que o enrijecimento das condições normativas de validade do conhecimento no período contribuiu para a separação dos campos do movimento analítico e do movimento analítico de grupos no Brasil.

Palavras-chave: Grupo; Psicoterapia de grupo; Psicanálise.


ABSTRACT

The goal of this work is to create a dialogue about the institutionalization of the Brazilian Analitical Movement, beginning from the results of a bibliographic review in order to understand how the group appears in the Brazilian Analitical Movement, during the consolidation period of national psychoanalitical institutions. One observation made was that many psychoanalysts who founded the first Brazilian Psychoanalitical Societies worked with groups. Another observation was that many psychoanalysts attempted to validate their work with groups, but that, starting in the 1970s, the work with groups realized by psychoanalists became a project independent of the analitical movement. Among other reasons, it can be concluded that the increasing rigidity of normative conditions for validating knowledge during the period contributed to the separation of fields in the analitical movement from those working with groups in Brazil.

Keywords: Groups; Group psychotherapy; Psychoanalysis.


RESUMEN

El objetivo de este trabajo es contribuir con un diálogo sobre la institucionalización del movimiento analítico de grupos en Brasil a partir de los resultados obtenidos en una revisión bibliográfica, para comprender como el grupo aparece en el movimiento analítico brasilero durante el período de consolidación de las instituciones psicanalíticas. Fue observado que diversos psicanalistas fundadores de las primeras Sociedades de Psicoanálisis en Brasil trabajaron con grupos. Fue observado también que diversos psicoanalistas intentaron validar sus trabajos con grupos en el movimiento analítico pero que a partir de los años 70 los trabajos con grupos realizados por psicoanalistas pasaron a ser cada vez más considerados como un proyecto independiente del movimiento analítico. Entre otros factores, se comprende que el endurecimiento de las condiciones normativas de validación del conocimento en el período contribuyeron con la separación de los campos del movimiento analítico y del movimiento analítico de grupos en Brasil.

Palabras clave: Grupo; Psicoterapia de grupo; Psicoanálisis.


 

 

O objetivo deste artigo é contribuir com um diálogo acerca da institucionalização do movimento analítico de grupos no Brasil. Certas dificuldades atuais serão analisadas a partir dos resultados obtidos em uma pesquisa para dissertação de mestrado no Departamento de Psicologia Social da Universidade de São Paulo (SILVEIRA, 2007) cujo objetivo foi compreender a relação entre o movimento analítico brasileiro e a questão do grupo. Segundo Mezan (2002), o movimento analítico é formado pela comunidade de pesquisadores que estudam, praticam e transmitem a psicanálise. Uma reconstrução histórico-crítica do período entre 1967 e 1976 marcado pela consolidação destas primeiras comunidades de pesquisadores, pode trazer contribuições na compreensão das dificuldades enfrentadas atualmente na aceitação do grupo como uma questão pertinente ao movimento analítico e no percurso marginal que o movimento grupalista passou a seguir a partir deste período.

Para Kaës (1997), a questão do grupo traz para o campo da psicanálise dificuldades teóricas, técnicas, metodológicas, epistemológicas, institucionais, cada qual com suas especificidades, mas todas elas ligadas entre si, formando um tecido complexo de problemas que não possuem respostas simples e que, muitas vezes, ficam às margens de um exame mais atento no movimento analítico. Tais dificuldades fazem com que o tema seja muitas vezes deixado de lado. Entendo que o grupo encontra-se em uma das fronteiras da psicanálise, fronteira esta móvel. Questões institucionais serão trazidas para o primeiro plano por estarem diretamente ligadas à demarcação das fronteiras, inclusive teóricas: o movimento analítico ora admite o grupo como questão pertinente, ora o entende como objeto de estudos específico, alheio ao campo de interesse da psicanálise.

Para René Kaës (1997), o grupo é a matriz fecunda e traumática da psicanálise. Fecunda porque o estudo dos grupos pode ampliar os limites atualmente reconhecidos e que estão fundamentados na observação clinica da relação dual. Além disto, não se produz e nem se transmite conhecimento isoladamente: Freud precisou de um grupo em torno de si para levar adiante seu projeto de psicanálise. Mas a dimensão traumática do grupo mostra sua face justamente aí: desde os seus primórdios, são observadas no movimento analítico as mais diversas crises de relacionamentos interpessoais que formam barreiras para o desenvolvimento da psicanálise e que impedem inclusive que o próprio tema do grupo seja incluído na agendados debates científicos. Há, portanto, uma relação paradoxal entre a questão do grupo e o movimento analítico.

A questão que motivou inicialmente o estudo de mestrado foi um dos diversos paradoxos observados na prática profissional do psicanalista: “por que tantos trabalham com grupos, mas poucos possuem algum tipo de formação específica para atuarem nesta área?”. O interesse de psicanalistas no trabalho com grupos é evidente, mas nem tão evidente é o interesse na formação, construção e transmissão do conhecimento.

Foi realizada uma revisão bibliográfica da Revista Brasileira de Psicanálise, RBP, entre os anos de 1967 e 1976, para observar como aparece o tema “grupo”. Para compreender os resultados obtidos, a pesquisa foi complementada com a reconstrução do contexto do período a partir de dados adicionais obtidos na RBP, entrevistas com alguns personagens e leituras de alguns trabalhos da e sobre a época. Uma primeira observação importante reside em que a historiografia do movimento grupalista é bastante precária. Muito pouco deste período está registrado e documentado dificultando o acesso aos primórdios das primeiras Sociedades. Como exemplo, a documentação da Sociedade Paulista de Psicologia e Psicoterapia de Grupo fundada por Bernardo Blay Neto está perdida em pastas com fragmentos de registros e documentos dando a impressão de completo abandono. Corre-se o risco de se perder para sempre a memória desta história e faz-se urgente uma ação. Tal fato aponta para uma limitação na reconstrução histórica do período e representam um viés deste estudo. E indica os caminhos opostos que seguiram as primeiras sociedades de psicanálise e as sociedades grupalistas no Brasil.

Por aparecer em diversos contextos, com vários sentidos, foram criadas três categorias que formam aquilo que entendo neste estudo como “a questão do grupo”: a) como um dispositivo clínico; b) como referência a grupos de psicanalistas; c) como um intermediário entre o indivíduo e a sociedade, aproximando-se mais a um sentido empregado na psicologia social e na sociologia. Das três categorias, discutirei neste trabalho apenas as duas primeiras.

Foi observado que há uma grande diferença entre dois períodos: antes e depois de 1970. Tal divisão orientará a exposição do material encontrado. Psicanalistas brasileiros fundadores das Sociedades Brasileiras de Psicanálise ligadas à International Psychoanalysis Association, IPA, trabalharam com grupos em instituições de saúde mental e educação. O principal interesse no trabalho com grupos foi estender a capacidade de atendimento a um maior número de pessoas, em um período em que as demandas por análise superavam em muito a capacidade de atendimento. Estes psicanalistas nas suas formações tiveram contatos estreitos com trabalhos com grupos em Tavistock na Inglaterra e com Bleger, Pichón e Langer na Argentina e trouxeram para o Brasil tais práticas.

No período estudado, para cada Sociedade de Psicanálise no Brasil, havia uma Sociedade de Grupos fundada por psicanalistas nos moldes das Sociedades de Psicanálise. Estas Sociedades de Grupo aceitavam somente psicanalistas ligados à IPA, com exceção de São Paulo, onde os psicanalistas eram maioria, mas havia exceções. O movimento grupalista no Brasil conseguiu formar em 1964 a Associação Brasileira de Psicoterapia Analítica de Grupo, uma Associação de caráter nacional, quatro anos antes de as Sociedades de Psicanálise formarem a Associação Brasileira de Psicanálise, ABP, fundada em 1967.

Tal interesse pelo grupo pode ser observado também na RBP. Até 1970 trabalhos sobre psicoterapia de grupos foram aceitos e publicados, conforme registro no “regulamento de edição” (REGULAMENTO..., 1969). No item II, n. 3, há uma menção explícita sobre a aceitação de trabalhos de psicoterapia de grupos: “Os trabalhos sobre Psicoterapia de Grupo poderão ser publicados no setor de Psicanálise Aplicada (p. 438)”. Entre os anos de 1967 e 1970, nos 16 volumes do período, foram publicados 6 textos que mencionam no título a palavra “grupos”, sendo este o tema central. Há ainda menções à psicoterapia de grupos em outros sete artigos.

Nestes artigos predomina uma visão bastante favorável à técnica, com o relato de resultados favoráveis e comparações com a psicanálise realizada “entre duas pessoas”. Em 1967, Ferrão anuncia o “incremento da psicodinâmica de grupos e conseqüente progresso da técnica de psicoterapia (p. 415)”. No entanto, este mesmo autor anuncia uma grande mudança na relação entre o grupo e o movimento analítico brasileiro quando publica em 1970 a primeira visão desfavorável ao trabalho com grupos na RBP.

Tal resistência no interior das Sociedades de Psicanálise ligadas à IPA torna-se cada vez maior a partir dos anos 1970. Segundo depoimento de Odilon de Mello Franco Filho, se correspondia à Psicologia Analítica de Grupos a tentativa de formar um ‘nicho’ científico explícito e mais ou menos estabelecido, estes analistas nunca tentaram deixar de ter o seu trabalho validado pelos colegas das Sociedades de Psicanálise a que pertenciam.

Assim, entre 1971 e 1976, apenas Martins (1975) faz referência no título à psicoterapia de grupos. Aparece para discutir que, apesar de o autor trabalhar com psicoterapia analítica de grupos, entende que há consenso entre psicanalistas de que esta não é uma questão a ser tratada no âmbito das Sociedades de Psicanálise ligadas à IPA. Diferentemente do que ocorrera no regulamento anterior, nenhuma menção à psicoterapia de grupos foi feita no regulamento de edição de 20-07-1974 (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICANÁLISE, 1974).

Embora deixassem de ser publicados trabalhos dedicados exclusivamente à técnica de psicoterapia analítica de grupos, menções a esta modalidade de atendimento foram encontradas diversos trabalhos de maneira bastante breve.

Este período é marcado por inúmeros fatores que nos ajudam a compreender por que houve tal mudança, mas que não cabem serem discutidos neste momento. Cabe aqui destacar especialmente um: o início dos anos 1970 foi marcado fortemente pela regulamentação da psicanálise. Em um campo recheado de dissensos, forças eram medidas entre psicanalistas para determinar quem falava em nome da “verdadeira psicanálise”.

Neste embate de forças, as condições normativas, que, segundo Habermas (1996), são formadas pelo conjunto de regras que regulam e delimitam determinado campo do conhecimento, passaram a cada vez mais restringir a validação do conhecimento psicanalítico. E, neste movimento de restrição, cada vez mais o trabalho com grupos, sua possibilidade de teorização e transmissão do conhecimento, perde espaço no movimento analítico brasileiro.

Assim entende Phillips sobre a matéria de interesse da verdadeira psicanálise: “É vital ter sempre em mente que estamos considerando um relacionamento verbal entre dois indivíduos e não o de um grupo, que será matéria inteiramente diferente (PHILIPS, 1972, p. 26)”. Philips fez sua formação em Londres, sendo analisado nos moldes da “verdadeira psicanálise” por Klein e Bion. Retornou ao Brasil no final dos anos 1960 e começo dos anos 1970 para a SBPSP, que havia ajudado a fundar. Com grande força política, considerado o ‘analista dos analistas’, Phillips chegou a dizer que “Bion mesmo não usou grupos” (PHILIPS, 1997, p. 130) e que o interessante mesmo é o grupo no indivíduo.

No entanto, mesmo na SBPSP, parecia não haver consenso em torno da questão, e Bicudo, que foi durante vários anos responsável pelo seu Instituto de Formação desta Sociedade, defendeu a pertinência do trabalho com grupos como uma atribuição do trabalho do psicanalista:

Uma das áreas de divergência entre os psicanalistas refere-se à aplicação da psicanálise à psicoterapia de grupo. Considerando que os mecanismos psíquicos, a transferência e a resistência não operam somente na relação bipessoal da situação analítica, mantemos o ponto-de-vista de que a técnica psicanalítica pode adaptar-se à análise de grupo, isto é, à análise de pessoas interagindo com o analista e concomitantemente dispondo de outros componentes do grupo para continente da transferência e das identificações projetiva (BICUDO, 1972, p. 293).

Outra defesa de peso foi a posição oficial da SBPSP em 1972 sobre a regulamentação da profissão de psicanalista, quando o trabalho com grupos foi incluído como sendo uma atribuição do psicanalista. Neste documento, discutido internamente, não foi expressa nenhuma objeção, mas apenas um comentário sobre a necessidade de se realizar um treinamento específico para o trabalho com grupos (FERRARI, 1972). Esta tentativa de regulamentar a profissão, porém, foi abandonada posteriormente.

O que se observou é que, ao mesmo tempo em que o trabalho com grupos perdeu espaço de publicação na RBP, torna-se mais contundente a preocupação com a definição do campo da “verdadeira psicanálise”. Um dos efeitos desta tentativa de se restringir as condições normativas de validação da psicanálise atrelada à busca da “verdadeira psicanálise” pode ser observado nas páginas da RBP. Ao mesmo tempo em que deixam de serem publicados trabalhos sobre psicoterapia de grupos, tornam-se cada vez mais frequentes artigos discutindo as crises de convivência entre psicanalistas. Se o interesse no grupo como dispositivo clínico perde seu espaço, simultaneamente, os agrupamentos de psicanalistas e suas crises passam a serem debatidos publicamente nas páginas da RBP. Afinal, quem fala em nome da “verdadeira psicanálise”?

A preocupação com as crises entre psicanalistas não se restringe ao território brasileiro. Assim falou Leo Rangel, presidente da IPA na abertura do congresso de 1971:

Não será surpresa que os processos grupais descritos se infiltrem também na comunidade psicanalítica. Não é coincidência que as organizações psicanalíticas sejam mencionadas como “a família psicanalítica”, da qual se derivam e com a qual partilham tanto dos confortos quanto dos problemas (RANGEL, 1971, p. 295).

Na tentativa de compreender as crises nas Sociedades de Psicanálise, são utilizados argumentos baseados em teorias de grupo como a de Bion. Conceitos como “suposto básico” são evocados para explicar os movimentos grupais das Sociedades de Psicanálise.

A institucionalização é vista por alguns como necessária para a manutenção e a transmissão da psicanálise, e as normas impostas no processo de institucionalização são fundamentais para proteger a psicanálise dos impulsos e desejos dos mais jovens, ameaçando a estabilidade institucional. Por outro lado, crises como na Argentina, com o surgimento do grupo Plataforma, agitam o cenário latino americano, questionando a rigidez da institucionalização e das normas impostas pela IPA.

Os sucessos práticos obtidos pelos trabalhos com grupos, ora apresentados na RBP com a pretensão de obterem a validação do movimento analítico como um conhecimento que pode produzir sucessos práticos e eficientes naquilo que se propõem a obter, e que merecem pertencimento ao movimento analítico brasileiro, perdem terreno com a restrição das condições normativas. Tais observações advindas das práticas, que poderiam influenciar e transformar as condições normativas da psicanálise, perdem espaço para a predominância de um consenso que ganha cada vez mais terreno: a psicanálise passa a ser desvinculada de fatores externos, como os grupais e os sociais. Nas leituras de Melanie Klein e Bion, passa a predominar o interesse no que proponho chamar de um “paradigma do intrapsíquico”. Em um momento de crise social e institucional, a desvinculação da psicanálise em relação a fatores externos passa cada vez mais a ganhar força, o funcionamento mental passa a ser estudado segundo suas dinâmicas e leis próprias, independentes do mundo “externo” dos grupos e da sociedade.

No entanto, este movimento tem seu preço. Uma reação contrária passa a alimentar crises nas Sociedades. A questão do poder é expressa no conflito entre gerações. Em linhas gerais, às gerações mais novas é atribuída a reivindicação da democracia e da transformação, criticada pelos mais velhos, por ser geradora de crises nas instituições psicanalíticas. As gerações mais velhas dizem tentar preservar a psicanálise e suas instituições do ataque dos mais novos enquanto é criticada pelos mais novos pela sua rigidez.

Neste contexto de crise, durante os anos 1970 as primeiras Sociedades de Grupo fundadas pelos psicanalistas pioneiros, cada vez mais isoladas, esvaziam-se e perdem força progressivamente. Psicanalistas que antes dos anos 1970 apresentavam-se como membros das Sociedades de grupos deixam de fazer referências às suas inclusões nestas Sociedades.

A fixação dos limites das condições normativas na busca pela “verdadeira psicanálise” restringiu as possibilidades de criação e de transformação e formaram as bases das crises observadas no período estudado. É necessário instituir regras que delimitam o território da psicanálise, para protegê-la de trabalhos que ferem princípios fundamentais, como a submissão da psicanálise a questões religiosas. No entanto, as condições normativas não podem cercear de forma impeditiva a liberdade de produção de novas proposições que podem ampliar e alterar o conjunto de normas existentes transformando a psicanálise.

Já há algum tempo não observamos no movimento analítico brasileiro o predomínio de um paradigma do intrapsíquico. A questão da intersubjetividade desperta interesse na psicanálise (COELHO JUNIOR; FIGUEIREDO, 2004). No entanto, a intersubjetividade vem sendo pensada muito mais na relação dual analista - analisando do que na compreensão dos fenômenos grupais, conforme propõe Kaës (1997). O estudo de grupos não pode aceitar o lugar periférico reservado à psicanálise aplicada. Freud (1980) já advertiu quanto à impossibilidade de compreender o sujeito na sua totalidade quando isolado e o dispositivo grupal oferece condições de ampliação do universo normativo da psicanálise. Segregar o movimento analítico da psicanálise de grupos representa um retrocesso histórico. No final do século XIX, Wundt tinha dois projetos independentes de psicologia, a experimental voltada ao sujeito singular que ficou mais conhecida, e a psicologia social. Wundt sabia o suficiente para separá-las, mas não para juntá-las. Farr (2004) entende que Freud deu um grande passo no sentido de uni-las, mas o movimento analítico que o sucedeu não conseguiu sustentar tais avanços.

Para que as distâncias entre o movimento analítico e o movimento grupalista possam ser diminuídas, as novas proposições advindas do trabalho com grupos devem dialogar com a teoria, com o método e com a epistemologia psicanalítica no âmbito dos seus espaços instituídos e legitimados. Deve propor e tentar encontrar seu lugar a partir das suas especificidades necessárias, mas também das contribuições que pode trazer para o movimento analítico, oferecendo propostas consistentes e convincentes de ampliação das possibilidades de compreender os fenômenos humanos a partir do referencial psicanalítico. Afinal, o inconsciente pode ser observado nas suas mais variadas manifestações, não somente a partir do setting analítico.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICANÁLISE. Regulamento de edição. Revista Brasileira de Psicanálise, São Paulo, v. 8, n. 3, 1974.         [ Links ]

BICUDO, V. L. Incidência da realidade social no trabalho analítico. Revista Brasileira de Psicanálise , São Paulo, v. 6, n. 3/4, p. 282 – 305, 1972.

COELHO JUNIOR, N. E.; FIGUEIREDO, L. C. Figuras da intersubjetividade na constituição subjetiva: dimensões da alteridade. Interações, São Paulo, v. 9, n. 17, p. 9-28, 2004.         [ Links ]

FREUD, S. (1921). Psicologia de grupos e analise do ego. In: ______. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1980. v. 18, p. 87-179.         [ Links ]

FARR, R. M. As raízes da psicologia social moderna (1872-1954). Petrópolis: Vozes, 2004.         [ Links ]

FERRÃO, L. M. Reabilitação e adaptação em psiquiatria. Revista Brasileira de Psicanálise, São Paulo, v. 1, n. 3, p. 413-422, 1967.         [ Links ]

FERRÃO, L. M. Troca de idéias sôbre psicanálise. Revista Brasileira de Psicanálise, São Paulo, v. 4, n. 3, p. 306 -316, 1970.         [ Links ]

FERRARI, A. B. A Profissão do psicanalista, sua regulamentação. Revista Brasileira de Psicanálise, v. 6, n.1/2, p. 5-27, 1972.         [ Links ]

HABERMAS, J. Racionalidade e comunicação. Lisboa: Edições 70, 1996.         [ Links ]

KAËS, R. O grupo e o sujeito do grupo. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.         [ Links ]

MARTINS, R. B. Comentário sobre o trabalho "contribuições para uma psicoterapia de grupo com coronariopatas" do Dr. Jayme Sandler. Revista Brasileira de Psicanálise, São Paulo, v. 9, n. 4, p. 453-456, 1975.         [ Links ]

MEZAN, R. Interfaces da psicanálise. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.         [ Links ]

PHILLIPS, F. J. Comentários sobre experiência conseguida na prática Psicanalítica. Revista Brasileira de Psicanálise, São Paulo, v. 6, n. 1/2, p. 139-146, 1972.         [ Links ]

PHILLIPS, F. J. Psicanálise do desconhecido. São Paulo: 34, 1997.         [ Links ]

RANGELL, L. Agressão, Édipo e perspectiva histórica. Revista Brasileira de Psicanálise, São Paulo, v. 5, n. 3/4, p. 284-302, 1971.         [ Links ]

REGULAMENTO de edição 1969. Revista Brasileira de Psicanálise, São Paulo, v. 3, n. 3/4, p. 348-341, 1969.         [ Links ]

SILVEIRA, F. O grupo e o movimento analítico Brasileiro: 1967 à 1966. 199 f. Dissertação (Mestrado) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Fernando da Silveira
E-mail: fesilveira1@uol.com.br

Recebido em 25/11/08.
1ª Revisão em 15/02/09.
Aceite Final em 08/03/09.

 

 

1 Trabalho apresentado no XVIII Congresso Latino Americano FLAPAG e X Simpósio CEFAS - “Práticas Institucionais na América Latina: Casal, Família, Grupo e Comunidade”, 2009.
2 Psicólogo. Psicanalista. Mestre em psicologia social pelo Programa de Pós-graduação da Universidade de São Paulo. Professor do curso de psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie; Membro do Grupo de Estudos sobre Grupos do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.